Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
APENSO DE RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
Sumário
I - O trabalhador que não veja satisfeitos os seus créditos no processo de insolvência do empregador pode reclamá-los, diretamente, ao Fundo de Garantia Salarial (abreviadamente FGS), o qual tem a finalidade social de assegurar àquele, mediante requerimento (art 336º, do Código de Trabalho e Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril - RFGS), em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação em situação de aquele ter sido judicialmente declarado insolvente (ficando abrangidos, nos termos do n.º 4, do art. 2.º, do referido diploma -alterado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro -, apenas e tão só, mesmo que até outros estivessem reconhecidos à data da reclamação, os créditos que “se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas”). II - O meio específico de tutela ao dispor do trabalhador (cfr. art 336º, do Código de Trabalho e Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril) - a reclamação ao FGS - é independente e autónomo do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência e, por a sua satisfação se pretender célere, não se compagina com as inerentes demoras da ação tendente ao reconhecimento. A tal reclamação é, apenas, necessário um requerimento e, para o instruir, uma declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório (cfr. al. a), do nº2, do art° 5°, do referido diploma). III - Do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, decorrem os efeitos regulados pelo nº2, do artigo 233º, do CIRE, entre eles se contando, a, em regra, forçosa, extinção da instância dos processos de verificação de créditos (alínea b), a comportar as únicas exceções aí previstas), ocorrendo, então, por força do referido, impossibilidade superveniente da lide destes processos (cfr. al. e), do art. 277º, do CPC, aplicável ex vi nº1, do artigo 17º, conjugado com a al. b), do nº2, do art. 233º, ambos do CIRE). IV - Destarte, não havendo, in casu, sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º, do CIRE, bens apreendidos nem plano de insolvência e considerando a mencionada desnecessidade de prévio reconhecimento dos créditos para a reclamação ao FGS, conclui-se nada impor, sequer justificar, o prosseguimento da lide para verificação de créditos, antes, no cumprimento do estatuído na lei, extinta tem de ser a instância, que, supervenientemente, se tornou impossível (nos termos dos preceitos anteriormente referidos), além de inútil (por inexistirem bens e declarado se mostrando, já, o carater fortuito da insolvência, mas assegurada se revelando a possibilidade de obtenção de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial, através daquele meio).
Texto Integral
Apelação nº 8950/18.1T8VNG-H.P1[1]
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto[2]
Recorrente: B… B…, trabalhador da insolvente “C…, Lda” e credor reclamante de créditos laborais, interpôs recurso de apelação da seguinte sentença, proferida em 16/12/2019, no apenso de “Verificação ulterior créditos”, após encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas:
“O processo de insolvência de que os presentes autos são apenso foi encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no art. 232º do CIRE, por decisão proferida a 12 de Setembro de 2019, transitada em julgado. Assim sendo, estando encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, afigura-se-nos que a mesma não pode prosseguir, devendo a instância ser declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide. Pelo exposto, determino a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide. Custas a cargo da massa insolvente (art. 536º, n.º 3, segunda parte, do CPC).”
Pugnando por que seja dado provimento ao recurso e, consequentemente, revogada a decisão e reconhecido o crédito do A., com todas as consequências legais, formulando as seguintes CONCLUSÕES: A- A presente ação de verificação ulterior de créditos foi instaurada, tempestivamente, por um trabalhador da insolvente. B- Com a mesma, o A. pretendia acionar o Fundo de Garantia Salarial, para o que se mostra imprescindível o reconhecimento do crédito reclamado. C- Caso a presente ação não seja decidida, o seu crédito (ou o crédito a que tem direito) não será reconhecido e não poderá recorrer ao Fundo de Garantia Salarial. D- Assim e no caso vertente não se verifica a inutilidade superveniente da lide, E- Não pode ser desapensada do processo de insolvência, o seu prosseguimento tem interesse para o trabalhador, F- Não consubstanciando qualquer ato inútil, nem a lide se tornou inútil. G- Ao decidir como decidiu a douta decisão violou os arts. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 189º, nº 2, al. e), 233º, nº 2, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 277º, al. e), do Código de Processo Civil e 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de Abril H- Por todo o exposto, deve ser revogada a douta decisão em recurso.
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
* II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1 - Enquadramento jurídico das causas de extinção da instância a que aludem a al. e), do art. 277º, do CPC - impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide -, aplicável ex vi nº1, do art. 17º, do CIRE; 2 - Da imprescindibilidade (e possibilidade) do prosseguimento da verificação e graduação de créditos após o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e demais créditos, por da sentença, com o reconhecimento do crédito reclamado, depender a possibilidade de exercer o direito de reclamação dos créditos laborais do trabalhador apelante ao Fundo de Garantia Salarial.
* II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância para a decisão, constam já do relatório que antecede, acrescentando-se, ainda, como dos autos resulta: 1. A sentença que decretou a insolvência da “C…, Lda” transitou em julgado em 6/2/2019 – cfr certidão junta cujo teor se dá por reproduzido; 2. O despacho que decretou o encerramento da insolvência, transitou em julgado em 1/10/2019, tendo, também, nos termos do disposto no art. 233º, nº6, do CIRE, declarado o carater fortuito da insolvência – cfr. certidão junta cujo teor se dá por reproduzido; 3. Não foram apreendidos quaisquer bens (v. referida certidão), nem apresentado plano de insolvência.
* II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1 - Enquadramento jurídico das causas de extinção da instância a que aludem a al. e), do art. 277º, do CPC – “impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”
Sendo o modo normal de extinção da instância a sentença final ou o acórdão (ou a decisão do relator) transitados em julgado, entre os modos de extinção da instância contam-se, também, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide” – al e), do art. 277º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, aplicável ao caso ex vi nº1 do art. 17º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado, abreviadamente, CIRE. In casu, não foi proferida sentença de verificação de créditos, tendo sido julgada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
Vejamos o enquadramento jurídico das referidas causas que levam a que a instância não continue os seus termos normais, antes originando se extinga.
A impossibilidade superveniente da lide pode derivar de três ordens de razões: impossibilidade subjetiva nos casos de relações jurídicas pessoais que se extinguem com a morte do titular da relação, não ocorrendo sucessão nessa titularidade; impossibilidade objetiva nas casos de relações jurídicas infungíveis em que a coisa não possa ser substituída por outra ou o facto prestado por terceiro; impossibilidade causal quando ocorre a extinção de um dos interesses em litígio[3].
A inutilidade superveniente decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou a entrega do bem reivindicado”[4].
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução de litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio[5], citando, entre outros, como exemplos de extinção da instância:
- por inutilidade superveniente da lide por morte ou extinção de uma das partes o caso de ação de alimentos pedidos para autor que venha a falecer;
- por impossibilidade superveniente da lide por motivo atinente ao objeto o perecimento de coisa infungível reivindicada;
- e por inutilidade da própria lide/causa (meio processual) o caso de procedência do recurso, com efeito meramente devolutivo, interposto pelo réu da sentença exequenda que gera inutilidade superveniente dos embargos de executado propostos na pendência do recurso; o da consumação do divórcio por mútuo consentimento no registo civil que gera inutilidade superveniente da ação de divórcio litigioso instaurada; e o do ato de perfilhação que gera inutilidade superveniente da ação de investigação de paternidade pendente. Refere-se, ainda, o caso sobre que versou o AUJ nº1/14, nos termos do qual “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art. 287º, do CPC (de 1961)”.
*
2 - Da imprescindibilidade da verificação e graduação de créditos para a reclamação de créditos laborais junto do Fundo de Garantia Salarial e da possibilidade de prosseguimento da lide
Insurge-se o apelante contra a decisão de extinção da instância, por impossibilidade superveniente, da ação de verificação ulterior de créditos, por a mesma ser imprescindível para poder acionar o Fundo de Garantia Salarial, dada a necessidade do reconhecimento do crédito reclamado. Afirma que, caso a ação não seja decidida, o seu crédito laboral não será reconhecido e, por isso, não poderá recorrer ao Fundo de Garantia Salarial.
Ora, tendo o processo de insolvência de que os presentes autos são apenso sido encerrado, por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no art. 232º do CIRE, por decisão transitada em julgado, a presente ação de verificação ulterior de créditos não pode prosseguir, bem tendo, no caso, adianta-se, a instância sido declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, nenhuma razão assistindo ao Autor.
Acresce que a sentença de verificação e graduação de créditos de nenhuma utilidade se revela, pois que encerrado o processo de insolvência, por não existirem bens, fica a ação em causa impossibilitada, em concreto, de alcançar o efeito útil normal.
Vejamos.
O processo de insolvência de que os presentes autos são um apenso foi encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente.
O nº2, do artigo 233º, do CIRE, regula, nas suas três alíneas, os efeitos do encerramento do processo quando este se verifique antes do rateio final, como é o caso.
E os efeitos do encerramento vão depender da fase processual em que se encontrem esses processos ou do motivo que conduziu ao encerramento antes do rateio final[6].
A alínea b), de tal preceito, indicada pelo apelante como violada, estabelece:
- a regra de o encerramento do processo antes do rateio final determinar a “extinção da instância dos processos de verificação de créditose de separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes”, embora tal regra admita exceções:
- uma que se verifica quando no processo de verificação de créditos tiver já sido proferida sentença de verificação e graduação dos créditos (art. 140º);
- outra, que ocorre quando o encerramento do processo tiver como causa “a aprovação de plano de insolvência”[7] (negrito e sublinhado nosso).
É a seguinte a redação do referido preceito:
“2. O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina:
(…) b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se já tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em, que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores ou a devedora assim o requeiram, no prazo de 30 dias”.
“Com efeito, o regime regra previsto no art. 233º, 2, b), é o da extinção da instância daqueles processos se tem lugar o encerramento do processo de insolvência antes do rateio.
No entanto, dispõe o referido preceito que essa extinção não ocorrerá forçosamente se: a) Já tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º; ou b) Se o encerramento resulta da aprovação do plano de insolvência (note-se que, em rigor, o art. 239º, 1, b), exige, para o encerramento, a aprovação do plano de insolvência, a sua homologação e o transito em julgado da sentença de homologação)”[8].
Não se enquadrando o caso nas apontadas exceções, cai-se no regime regra, ocorrendo, por isso, forçosamente, a extinção da instância.
Destarte, tendo o processo de insolvência de que os presentes autos são apenso sido encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no art. 232º do CIRE, por decisão transitada em julgado, a verificação ulterior de créditos (art. 146º e ss do CIRE) não pode prosseguir, devendo a instância ser declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, nenhuma razão assistindo ao Autor, pois que, e desde logo, a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º, do CIRE, não foi proferida e a sentença de verificação de créditos, não é imprescindível, sequer útil, para si.
Na verdade, ocorre impossibilidade superveniente da lide – v. art. 277º, al. e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi nº1, do art. 17º, do CIRE – face ao estatuído na al. b), do nº2, do art. 233º, desse diploma, pois que o caso se não enquadra nas exceções aí apontadas, caindo no regime regra imposto, sendo mesmo que a lide de nenhuma utilidade, também, se revela, contrariamente ao que entende o Apelante, dada a inexistência de bens, a declaração do carater fortuito da insolvência e uma vez que o trabalhador/apelante alcança o fim visado por outro meio (específico).
Conclui este ser a lide imprescindível para poder acionar o Fundo de Garantia Salarial, pois que, para tal, necessita do reconhecimento do crédito reclamado. Afirma que, caso a ação não seja decidida, o seu crédito laboral não será reconhecido e, por isso, não poderá recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, apontando como normas violadas para além do art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, também, o art. 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril, ficando, assim, o seu direito sem tutela.
Ora, tal não se verifica, de nenhuma ação tendo o Autor de lançar mão e de nenhuma sentença transitada em julgado tendo de estar munido para recorrer ao meio colocado ao seu dispor – a reclamação de pagamento ao Fundo de Garantia Salarial, meio específico de tutela consagrado pelo legislador.
Analisemos o regime legal, a doutrina e a jurisprudência sobre a questão -para melhor habilitados ficarmos a decidir.
Como esclarece Alexandre de Soveral Martins “De acordo com o artigo 336º do Código do Trabalho (CT), o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica”. Após muitos sobressaltos, o regime desse Fundo (o FGS) consta hoje do DL 59/2015, de 21 de abril [9].
O referido Decreto-Lei (RFGS) “Aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no artigo 336.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, transpondo a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador” - Cfr. artigo 1º.
Como resulta do preâmbulo do referido diploma “O Fundo de Garantia Salarial (FGS), criado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de junho, surgiu como um Fundo que, em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegurava aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho. Já a sua génese estava garantida pelo Decreto-Lei n.º 50/85, de 27 de fevereiro, que instituiu um sistema de garantia salarial com o objetivo de garantir aos trabalhadores o pagamento das retribuições devidas e não pagas pela entidade empregadora declarada extinta, falida ou insolvente. O artigo 336.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, prevê que o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador, por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo FGS, nos termos previsto em legislação específica.. (…) No novo regime, o FGS continua a surgir como um fundo autónomo…”.
No artigo 1º do referido diploma, com a epígrafe “Situações abrangidas” consagra-se: “1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja: a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador. (…)”.
Estatui o artigo 2º, com a epígrafe “Créditos abrangidos”: “1 - Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação”.
E consagra o artigo 5º, com a epígrafe “Requerimento”: “1 - O Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido. 2 - O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos: a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador; c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores. 3 - O requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita: a) Através de aposição de assinatura eletrónica; ou b) Através de assinatura manuscrita no verso do documento. 4 - O requerimento é apresentado em qualquer serviço da segurança social ou em www.seg-social.pt, através de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da segurança social” (negrito e sublinhado nosso).
O Fundo de Garantia Salarial tem, assim, uma finalidade social, assegurando ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que aquele for judicialmente declarado insolvente, sendo que os créditos abrangidos são apenas os que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a propositura da ação de insolvência do empregador[10], importando, para esse efeito, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais.
A sua criação teve como objetivo o célere pagamento das prestações referidas na lei, bem conhecendo o legislador a morosidade dos tribunais, com aquele fim inconciliável, pelo que seria um contrassenso prever-se o pagamento pelo Fundo, com o objetivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e sujeitar-se o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado, como sua condição, decisão a poder demorar anos[11].
O pagamento pelo FGS deve ser requerido a este até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho (art. 2º, 8, do RFGS). O requerimento é realizado pelo trabalhador nos termos do art. 5º, do RFGS[12], sendo que, com efeito, “a reclamação ao FGS é independente do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência, bastando a declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório (cfr. art° 5°/2/al. a) do DL 59/2015). Por isso, o reconhecimento dos créditos não é necessário nem imprescindível para se efectuar a reclamação ao Fundo (…) pelo que o trabalhador poderia e deveria ter feito o pedido a este (Fundo) logo após a reclamação dos créditos na insolvência. Esta tem sido a orientação da jurisprudência no sentido de que o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida em acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial - vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17/12/2008, 04/02/2009, 07/01/2009, 10/02/2009, 11/02/2009 e 25/02/2009, proferidos, respectivamente, nos procs. 0705/08, 0704/08, 0780/08, 0920/08, 0703/08 e 0728/08 e deste TCAN de 24/02/2017, 07/10/2016 e 03/05/2013, nos procs. 00123/13.6BEPNF, 00666/12.9BEPNF e 00340/11.3BEPNF, respectivamente. De facto, a criação deste Fundo teve como objectivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objectivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que por vezes, demora alguns anos” [13].
Como decorre do RFGS nenhuma sentença se impõe que tenha sido previamente obtida para que o requerimento possa ser apresentado junto ao Fundo de Garantia Salariala reclamar os créditos aí previstos, sendo que este sempre “fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios do trabalhador, na medida dos pagamentos efetuados, acrescidos de juros de mora vincendos (art. 4º, 1, do RFGS). Mas, se os bens da massa insolvente forem insuficientes “para garantir o pagamento da totalidade dos créditos laborais, são graduados os créditos em que o Fundo fica sub-rogado a pari com o valor remanescente dos créditos laborais” art. 4º, 2, do RFGS[14] e se os bens da massa nem suficientes forem para garantir o pagamento das custas, como no caso, nada haverá, sequer, a graduar, verificando-se impossibilidade superveniente da lide, que sempre se tornou inútil dada a revelada insuficiência de bens.
Não se desconhece a posição assumida pelo Tribunal da Relação de Guimarães a considerar “Quando o processo de insolvência não culmina com a liquidação do património do insolvente e não há lugar a sentença de verificação de créditos, é óbvia a não inutilidade da acção declarativa pela qual o credor pretende ver reconhecida a existência do seu crédito” e que “Destinando-se a acção à verificação e reconhecimento de crédito de trabalhador da insolvente e não podendo ser desapensada do processo de insolvência, o seu prosseguimento tem interesse para o trabalhador e não consubstancia qualquer acto inútil, nem a lide se tornou inútil”[15], e a determinar o prosseguimento de tal ação de acordo com o disposto no artigo 148º do CIRE.
Aí se escreve que “De acordo com o disposto no artigo 146º findo o prazo das reclamações é possível reconhecer ainda outros créditos (…), por meio de acção proposta contra a massa insolvente , os credores e o devedor efectuando-se a citação dos credores (…), por meio de edital electrónico, sendo o prazo para a propositura da mesma o previsto na alínea b) do n.º 2 do citado artigo”, e se analisa a questão de “saber se há fundamento para a extinção da instância por força do encerramento do processo principal, verificando-se , no caso, inutilidade superveniente da lide” bem se referindo “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide que, como refere José Lebre de Freitas ocorre quando “por um facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 3.ª ed., pág. 546). A solução do litígio perde o interesse no primeiro caso por já não ser mais possível “atingir o resultado visado” e no segundo por o resultado “já ter sido atingido por outro meio”. E como refere o S.T.J. no Ac. de 21/02/2013, “a inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável”.
Citando Ac da Relação de Lisboa de 30/06/11 a referir “nos casos em que o processo de insolvência não culmina com a liquidação do património do insolvente e em que não há lugar a sentença de verificação de créditos, é óbvia a não inutilidade da acção declarativa pela qual o credor pretende ver reconhecida a existência do seu crédito. Com efeito, e ainda que de tal encerramento resulte a inexistência de bens por parte do insolvente, poderá ainda o autor pretender ver reconhecido o seu crédito para efeitos fiscais, nomeadamente, para efeitos de recuperação do IVA (art. 78º do CIVA) ou para que o seu crédito seja considerado incobrável para efeitos de IRC (art. 41º do CIRC), ou ainda, no caso de se tratar de trabalhador, para poder demandar o Fundo de garantia Salarial (…). Assim como, poderá ter ainda ter interesse em ver reconhecido o seu crédito para variados outros fins, como por ex., para efeitos de responsabilização dos gerentes ou directores da insolvente nos termos do art. 78º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que, deverá sempre o juiz ouvir o autor, antes de se pronunciar sobre os efeitos da declaração de insolvência na acção declarativa”,
considera que “A extinção da instância sem estar decidida a verificação e o reconhecimento do crédito do autor retiraria direitos ao trabalhador e impedi-lo-ia de ver fixada a indemnização, de não poder beneficiar do mecanismo previsto no artigo 189º, alínea e), caso se venha a qualificar a insolvência e de aceder ao mecanismo previsto no artigo 5º do Decreto-Lei n.º 59/2015 de 21 de Abril”.
Não podemos, como vimos, concordar com esta orientação pois que o trabalhador não necessita do reconhecimento do seu crédito para poder recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, estando, assim, a satisfação da pretensão do Autor salvaguardada fora do esquema da presente providência, que a lei quis, forçosamente, extinta.
Com efeito, no caso não foram apreendidos bens nem apresentado plano de insolvência e foi, já, declarado o carater fortuito da insolvência, pelo que nunca poderá o apelante beneficiar do mecanismo previsto na al. e), do artigo 189º, do CIRE e sempre, como vimos, poderá aceder ao meio previsto no artigo 5º, do RFGS para obter paramento pelo Fundo de Garantia Salarial, de acordo com o artigo 336º do Código do Trabalho (CT) (que remete para os “termos previstos em legislação específica”, hoje o DL 59/2015, de 21 de abril).
Outros direitos, eventualmente a salvaguardar e a fazer valer pelo trabalhador contra terceiros, sempre têm de ser exercidos noutras ações e contra outras partes.
Destarte, do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, decorrem os efeitos regulados pelo nº2, do artigo 233º, do CIRE, entre eles se contando a, regra da, forçosa, extinção da instância dos processos de verificação de créditos – alínea b) -, ocorrendo, então, impossibilidade superveniente da lide (v. al. e), do art. 277º, do CPC, aplicável ex vi nº1, do art. 17º e a referida al. b), do nº2, do art. 233º, estes do CIRE).
Face a isso, e considerando a desnecessidade de prévio reconhecimento dos créditos para a reclamação ao FGS, conclui-se nada impor, sequer justificar, o prosseguimento da lide para verificação e graduação de créditos, antes, no cumprimento do estatuído na lei, extinta tem de ser a instância, que, supervenientemente, se tornou impossível (referida al. b)), além de inútil, por inexistirem bens, declarado se mostrando já o carater fortuito da insolvência, mas assegurada se revelando a possibilidade de obtenção de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial, num outro meio específico, próprio, autónomo e independente.
Assim, por facto ocorrido na pendência da instância a pretensão do autor não pode manter-se, deixando de interessar, por impossibilidade de atingir o resultado visado, a obter por outro meio, nos termos previstos na parte final do artigo 336º, do Código de Trabalho e no RFGS. A sentença a proferir na ação não tem efeito útil, não sendo possível dar satisfação à pretensão que o demandante queria fazer valer, e o Direito ao pagamento pode ser exercido pelo meio de tutela referido, num quadro, específico, de reclamação a um terceiro - o Fundo de Garantia Salarial -, pelo que bem foi julgada extinta a instância.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
* III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante.
Porto, 15 de junho de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________ [1] Processo do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 5 [2] Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: António Eleutério [3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág 321 [4] Ibidem, pág 321 [5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 546 [6] Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2020, Almedina, pág394 [7] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, Sociedade Editora, pág. 840 e segs [8] Alexandre de Soveral Martins, idem, pág. 394 e seg [9] Alexandre de Soveral Martins, idem, pág. 378 e seg [10] Ac. do STA, de 8/2/2018, proc. 0148/15, acessível in dgsi.pt (relator: José Francisco Fonseca da Paz), onde se considerou “Desde já, e no que respeita aos dispositivos transcritos, a sua leitura conjugada aponta no sentido de que a acção a que se reporta o n.º 1 do art.º 319.º é, efectivamente, a acção de insolvência do empregador e não qualquer outra. De salientar que o legislador nacional, porventura com o intuito de esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas com a fixação do marco temporal que determina a contagem dos seis meses, menciona de forma expressa, no n.º 4 do art.º 2.º do DL n.º 59/2015, de 21/4 (que, como vimos, veio consagrar o novo regime do Fundo de Garantia Salarial), a acção de insolvência”. [11] Ac. do Tribunal Central Administrativo do Norte de 7/7/2017, proc. 00416/14.5BEMDL, acessível in dgsi.pt (Relatora: Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão) [12] Alexandre de Soveral Martins, idem, pág. 380 [13] Acórdão anteriormente referido [14] Alexandre de Soveral Martins, idem, pág. 380 [15] Ac. RG de 15/3/2018, processo 459/17.7T8VNF-C.G1, acessível in dgsi.pt (Relatora: Conceição Bucho).