I– O apuramento da responsabilidade por “perda de chance” não pode prescindir da exigência da verificação do dano e do nexo causal entre este e a conduta omitida, pressuposto comum da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório.
II– Para haver indemnização por “perda de chance”, o dano da perda de oportunidade de obter decisão favorável numa acção declarativa proposta contra o autor não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade desse autor ser absolvido do pedido contra si formulado nessa mesma acção declarativa em que foi réu: não basta invocar a omissão da apresentação de contestação na referida acção e de aí obter sentença favorável, com base em fundamento de que tal omissão levou à condenação no pedido; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento da defesa resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de procedência da impugnação ou da defesa por excepção.
PROCESSO | VALOR | |||
Processo n.º 332/14.0TTPRT |
| |||
Processo n.º 414/14.9TTPRT |
| |||
Processo n.º 1406/14.3TTLSB |
| |||
Processo n.º 3009/14.3OER | €153,00 | |||
Processo n.º 21497/15.9T8LSB |
| |||
Processo n.º 1037/14.8TBOER |
|
PROCESSO | VALOR | ||
Processo n.º 332/14.0TTPRT |
| ||
Processo n.º 414/14.9TTPRT | €91,80 | ||
Processo n.º 1406/14.3TTLSB | €801,42 | ||
Processo n.º 3009/14.3T8OER | €153,00 |
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/09/2007 (proc. n.º 07B2113) e de 08/11/2007 (proc. n.º 07B3586), consultáveis em www.dgsi.pt.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1.ª- Ocorre a invocada nulidade processual que afecte a sentença recorrida, bem como todos os actos praticados após a apresentação de alegações pela ora Recorrente, por omissão de prática de acto processual relevante na tramitação dos presentes autos (art.º 195.º, n.ºs 1 e 2, do CPC?
Ou, caso assim não se entenda:
2.ª- A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, por erro de julgamento?
3.ª- A sentença proferida deve ser revogada e substituída por outra que considere o dano suficientemente concretizado e demonstrado e fixe a indemnização devida à Autora com recurso à equidade, nos termos previsto no n.º 3 do art.º 566.º do Cód. Civil?
III–Fundamentação:
3.1.–Motivação de facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados e não provados os seguintes factos:
A)–Factos provados:
1)
A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de field marketing, nomeadamente auditorias, consultoria, merchandising, outsourcing de equipas de vendas e eventos e de comercialização enquanto agente ou representante dos produtos das empresas suas clientes.
2)
O Réu tem como actividade profissional a prática da advocacia, tendo, para o efeito, inscrição activa na Ordem dos Advogados Portugueses.
3)
No âmbito do exercício da sua actividade comercial e atendendo ao volume de negócios que desenvolve e aos trabalhadores que tem a seu cargo, a Autora tem necessidade de obter um acompanhamento jurídico frequente em diversas áreas do direito.
4)
O acompanhamento jurídico está relacionado quer com a necessidade de dar respostas a questões relativas aos vários trabalhadores que a Autora tem a seu cargo e a vários assuntos respeitantes ao relacionamento da Autora com os seus fornecedores e clientes, entre outros.
5)
Assim, desde 1 de Novembro de 2013 e para efeito da prestação dos serviços jurídicos supra referidos, a Autora e o Réu estabeleceram entre si uma relação profissional nos termos do contrato de mandato.
6)
A Autora acordou com o Réu que este lhe prestaria apoio jurídico em todas as áreas que se revelassem necessárias, nomeadamente nas áreas de direito civil, comercial e laboral.
7)
A este apoio jurídico, que se traduzia na prestação de consulta jurídica nas áreas já referidas, acrescia ainda a representação da Autora e patrocínio forense em todos os processos judiciais e administrativos em que esta fosse parte.
8)
A representação em processos judiciais e administrativos consistia no acompanhamento do decurso dos respetivos processos, na preparação de todas as peças processuais que fossem necessárias para exercer uma defesa competente dos interesses da Autora no processo e a comparência em todos os atos que exigissem a presença do Mandatário da Autora, nomeadamente audiência prévia, audiência de partes e audiência de discussão e julgamento.
9)
Por força dos serviços que iriam ser prestados pelo Réu e com base na estimativa realizada por ambas as Partes, de comum acordo, no que se refere ao volume e complexidade dos serviços a prestar, a Autora acordou na celebração do mandato em regime de avença, pelo que o Réu asseguraria o apoio jurídico que se revelasse necessário, mediante o pagamento mensal da quantia fixa € 100,00 (cem euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
10)
Refira-se que, para efeitos da prestação dos seus serviços, a Autora forneceu ao Réu todas as informações de que este necessitava, quer em relação à sua estrutura societária e ao modo de funcionamento da sua atividade, quer no que se refere às relações que a Autora mantinha com todos os seus trabalhadores, fornecedores e clientes, condição que era essencial para o desenvolvimento dos referidos serviços.
11)
Desde sempre a Autora se disponibilizou para colaborar ativamente com o Réu, auxiliando-o em todos os aspectos necessários ao desempenho das suas funções de uma forma totalmente esclarecida.
12)
Na verdade, o Réu rapidamente mostrou um afastamento relativamente à maioria dos assuntos relacionados com a Autora, não dando seguimento a contactos que eram efectuados, nem dando resposta, dentro de tempo razoável, a uma parte significativa das solicitações que lhe iam sendo dirigidas pela Autora.
13)
Sendo certo que, inicialmente, o contacto entre a Autora e o Réu se desenrolava de forma mais constante, não menos certo é que desde cedo a Autora começou a sentir dificuldades sérias em chegar ao contacto com o Réu.
14)
A situação em causa prolongou-se durante todo o ano de 2014, em que o relacionamento das partes ocorria de forma intermitente, existindo períodos em que o Réu dava resposta a algumas solicitações da Autora e, em contraste, outros períodos em que a conduta se pautava por uma total ausência de resposta.
15)
A forma de contacto primordial que existia entre a Autora e o Réu era através de correio electrónico ou, para assuntos de maior urgência, através de contacto telefónico.
16)
Acontece que frequentemente o Réu não dava qualquer resposta às solicitações efectuadas pela Autora através de correio electrónico, sendo necessário insistir por diversas vezes e durante períodos de tempo consideráveis para obter respostas por parte do Réu.
17)
Por outro lado, não raras vezes a Autora tentava entrar em contacto telefónico com o Réu, não obtendo qualquer sucesso nessas tentativas de contacto.
18)
Não só o Réu não atendia o telemóvel, como raramente devolvia as chamadas efectuadas, frequentemente desculpando-se com pretextos de ocasião, sem no entanto procurar rectificar a situação ou resolver a questão que lhe fora colocada.
19)
Foi no ano de 2014 que tiveram início alguns litígios judiciais que opunham a Autora a trabalhadores, fornecedores, clientes e outras entidades, tendo o Réu sido expressamente mandatado, através da outorga da respectiva procuração forense, para representar a Autora em todos esses processos judiciais
20)
O patrocínio forense adjudicado no âmbito dos processos indicados no artigo anterior sempre mereceu total aceitação pelo Autor, sem qualquer tipo de reservas.
21)
O Réu dispunha de todas as informações e elementos para exercer a defesa dos interesses da Autora nesses mesmos processos judiciais.
22)
Mesmo relativamente às notificações judiciais que recebia, nomeadamente através da Plataforma CITIUS, o Réu afirmava não receber as mesmas, justificando com isso a ausência da prática de actos processuais relevantes e a falta de comparência em audiências de partes e audiências de julgamento.
23)
Se até determinada data as dificuldades de comunicação que se faziam sentir entre a Autora e o Réu eram intensas, o que causava sérios constrangimentos no desenvolvimento das relações entre ambos e prejudicava de forma decisiva a posição assumida pela Autora perante os seus trabalhadores, fornecedores e clientes, a partir de 28 de Janeiro de 2015, o Réu deixou de dar qualquer resposta às solicitações da Autora, deixando de lhe fornecer qualquer informação sobre o estado dos processos em que esta era parte e de dar qualquer resposta às suas solicitações, independentemente da urgência das mesmas.
24)
Os serviços jurídicos a prestar pelo Réu à Autora envolviam não apenas a assessoria jurídica nas questões mais simples da vida societária da última, como também o desempenho do mandato forense pelo Réu em todos os processos administrativos e judiciais em que a Autora fosse parte.
25)
A 24 de Março de 2014, a Autora conferiu os mais amplos poderes forenses em direito permitidos ao Réu, dispondo assim da possibilidade de fazer imediata junção da referida procuração em todos os processos judiciais pendentes em que a Autora fosse parte, podendo consultar os mesmos e praticar todos os actos processuais relevantes.
26)
Ora, em várias situações o Réu optou por não juntar qualquer procuração aos autos, sem qualquer razão aparente para o sucedido, motivo que causou o desentranhamento de várias peças processuais.
27)
Por outro lado, mesmo tendo feito a junção da competente procuração forense aos autos, o Réu não acompanhou os processos judiciais, não reagindo às notificações electrónicas que recebia a respeito dos mesmos através da Plataforma CITIUS, o que não apenas implicou a ausência da prática de actos processuais relevantes e a perda de prazos processuais, como ainda a falta de comparência em tantos outros actos.
- Processo n.º 332/14.0TTPRT (Porto - Instância Central – 1.ª Secção de Trabalho – Juiz 3 – certidão a fls. 542-578 do suporte físico)
28)
O processo judicial em causa, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 332/14.0TTPRT (Porto - Instância Central – 1.ª Secção de Trabalho – Juiz 3), consistiu numa acção declarativa de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, proposta por IM... contra a ora Autora, tendo a respectiva petição inicial dado entrada no passado dia 18 de Março de 2014.
29)
Na referida acção judicial, IM..., ex-trabalhador da Autora, peticionou o pagamento da quantia total de €586,84 (quinhentos e oitenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), correspondente à soma de quantias devidas a título de diferenças de retribuição pelas férias não gozadas e subsídio de férias correspondentes ao trabalho prestado no ano de 2013, proporcionais de férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal pelo trabalho prestado no ano da cessação, retribuição por cinco dias de trabalho prestado no mês de Janeiro de 2014 e os respectivos juros de mora.
30)
A Autora foi citada por carta registada expedida no dia 26 de Março de 2014, com aviso de recepção, para comparecer no dia 5 de maio de 2014, pelas 14 horas e 15 minutos, a fim de se proceder à realização da respectiva audiência de partes.
31)
Conforme já foi referido, na data em causa, o Réu dispunha de plenos poderes forenses para representar a Autora em juízo, estando presente na respectiva audiência de partes.
32)
Após a Autora ter dado conhecimento ao Réu da citação que havia sido recebida e ter solicitado o seu parecer jurídico sobre a peça processual apresentada, o Réu nada fez, não só não tendo comparecido na audiência de partes, como não explicitou à Autora que seria necessário estar presente na mesma através dos seus legais representantes.
33)
Mais, também não advertiu a Autora que, em caso de falta, deveria procurar justificar a mesma, sob pena de vir a ser condenada ao pagamento de multa, o que veio efectivamente a acontecer.
34)
Ou seja, a Autora foi aqui condenada ao pagamento de uma multa de 1 UC, correspondente a € 102,00 (cento e dois euros), sem no entanto nunca ter sido advertida pelo Réu das razões que levaram à aplicação dessa mesma multa, nem do que poderia fazer para evitar a respectiva condenação.
35)
Em seguida, foi a Autora notificada para apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias, tendo dado pronto conhecimento do recebimento da respectiva notificação do Réu, para que este adoptasse as diligências necessárias e praticasse os actos processuais que se afigurassem razoáveis para assegurar a competente defesa dos interesses da Autora.
36)
A 26 de maio de 2014, o Réu, na qualidade de mandatário da Autora, apresentou a respectiva contestação, tendo para o efeito pago 91,80€ de taxa de justiça e tendo protestado juntar a respectiva procuração forense e os dois documentos probatórios que acompanhavam a peça processual.
37)
Muito embora o Réu dispusesse de procuração forense emitida a 24 de Março de 2014, não juntou a mesma à respectiva peça processual, por razões que se desconhecem, tendo-o o feito apenas a 16 de Julho de 2014, não juntando ainda assim os documentos probatórios em momento algum.
38)
A 10 de Novembro de 2014, foi o Réu notificado através da Plataforma CITIUS do despacho saneador proferido no processo em causa, sendo igualmente notificado da realização da audiência de julgamento, que se encontrava agendada para o dia 28 de Janeiro de 2015, pelas 10 horas.
39)
A Autora foi igualmente notificada do agendamento da diligência processual, por notificação expedida a 26 de Novembro de 2014, situação que foi igualmente comunicada ao Réu.
40)
Acontece que, mesmo após ter sido notificado através da Plataforma CITIUS e pela própria Autora, o Réu não ofereceu qualquer resposta, nem compareceu na audiência de julgamento
41)
Acontece que no dia 28 de Janeiro de 2015, o Réu fez juntar um requerimento aos autos, o qual só foi efectivamente junto no dia 29 de Janeiro de 2015, procurando justificar a sua falta, afirmando que não havia tomado conhecimento, até àquela data, do agendamento da audiência de julgamento e que, por sobreposição de agendamentos, estava impedido de comparecer à mesma, solicitando que a mesma fosse adiada e justificada a sua falta e a da Autora.
42)
Houve reagendamento da audiência de julgamento para o dia 27 de Abril de 2015, pelas 14 horas.
43)
Para além da notificação efectuada através da Plataforma CITIUS, o Réu foi ainda notificado via postal para aquele que, no processo em causa, era o seu domicílio profissional e que correspondia ao domicílio profissional comunicado junto da Ordem dos Advogados, tendo todas as notificações sido devolvidas.
44)
O Réu foi ainda informado do reagendamento da audiência de julgamento pela Autora, por diversas vezes, sem no entanto ter dado qualquer resposta.
45)
Na data de 27 de Abril de 2015, teve lugar a realização de nova audiência de julgamento, à qual o Réu novamente não compareceu.
46)
O Réu remeteu no próprio dia novo requerimento, afirmando que desconhecia o agendamento da audiência de julgamento para a data em causa, solicitando novamente o seu adiamento e justificação da falta.
47)
O Tribunal, tendo procedido à verificação de todas as notificações processuais efectuadas, determinou que o IGFEJ fosse oficiado, para se pronunciar sobre o facto de o ora Réu ter ou não recebido as notificações electrónicas.
48)
Na sequência do ofício, o IGFEJ pronunciou-se afirmando que as notificações electrónicas haviam sido disponibilizadas ao ora Réu, embora não existisse qualquer evidência de terem sido lidas.
49)
Atendendo à resposta fornecida pelo IGFEJ, foi o ora Réu, na qualidade de Mandatário, notificado para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma, a 12 de Junho de 2015.
50)
O Réu nada disse.
51)
Na sequência de todos esses acontecimentos, veio o Tribunal considerar que haviam sido tomadas todas as diligências para assegurar a notificação do Mandatário, ora Réu, para a comparência nos actos processuais devidos, não existindo qualquer motivo que justificasse o adiamento e realização de nova audiência de julgamento, pelo que restava senão concluir que o mesmo havia faltado à audiência sem ter apresentado justificação.
52)
As faltas verificadas motivaram a aplicação do disposto no artigo 71.º do Código do Processo do Trabalho (“CPT”), tendo sido julgados confessados os factos articulados pelo Autor IM... e tendo a Ré, ora Autora, sido condenada na totalidade do pedido e em custas, por sentença proferida a 8 de Julho de 2014.
53)
A Autora pagou voluntariamente a quantia de € 586,84, a que foi condenada.
- Processo n.º 414/14.9TTPRT (Porto - Instância Central – 1.ª Secção de Trabalho – Juiz 3 – certidão a fls. 516-539v.º do suporte físico)
54)
O processo judicial em causa, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 414/14.9TTPRT (Porto - Instância Central – 1.ª Secção de Trabalho – Juiz 3), consistiu numa acção declarativa de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, proposta por EM... contra a Autora, tendo a respectiva petição inicial dado entrada no passado dia 1 de Abril de 2014.
55)
Na referida acção judicial, EM..., ex-trabalhador da Autora, peticionou o pagamento da quantia total de €960,12 (novecentos e sessenta euros e doze cêntimos), correspondente à soma de quantias devidas a título de retribuição e subsídios de refeição pelo trabalho prestado em Janeiro de 2014, retribuição de férias não gozadas e o respectivo subsídio de férias proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal pelo trabalho prestado em Janeiro de 2014, crédito de horas de formação profissional não proporcionada e respectivos juros de mora.
56)
A Autora foi citada por carta registada expedida no dia 8 de Abril de 2014, com aviso de recepção, para comparecer no dia 13 de maio de 2014, pelas 14 horas e 15 minutos, a fim de se proceder à realização da respectiva audiência de partes.
57)
À semelhança do que aconteceu no âmbito do processo supra descrito, a Autora deu o devido conhecimento ao Réu da citação que havia sido recebida e solicitou o seu parecer jurídico, sendo que o Réu nada fez, não compareceu na audiência de partes, nem advertiu a Autora que seria necessária estar presente na mesma, sob pena de vir a ser condenada em multa caso a falta não fosse justificada, o que veio novamente a acontecer.
58)
Em seguida, foi a Autora notificada para apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias, tendo dado pronto conhecimento do recebimento da respetiva notificação do Réu, para que este adoptasse as diligências necessárias e praticasse os atos processuais que se afigurassem razoáveis para assegurar a competente defesa dos interesses da Autora.
59)
A 11 de Junho de 2014, o Réu, na qualidade de mandatário da Autora, apresentou a respectiva contestação, tendo para o efeito a Autora liquidado a taxa de justiça, no valor de € 91,80 (noventa e um euros e oitenta cêntimos) e tendo protestado juntar a respectiva procuração forense.
60)
Por despacho datado de 1 de julho de 2014, foi o Réu notificado para juntar, no prazo de 5 dias, a respectiva procuração forense e, se aplicável, declaração de ratificação do processado.
61)
O Réu, apenas no dia 16 de Julho de 2014, procedeu à respectiva junção.
62)
Por outro lado, cabe ter em conta que a apresentação da peça processual foi feita fora de prazo, embora ainda dentro dos três dias seguintes ao final deste.
63)
O Réu justificou, logo na peça processual, que o atraso se deveu ao facto de a notificação ter sido recebida por uma funcionária da Autora e, nesse sentido, só no dia 11 de Junho de 2014 é que a Autora teve efectivo conhecimento da peça processual.
64)
Conforme resulta do já aqui alegado, tal facto resulta exclusivamente da criatividade do Réu, que procurou justificar o seu atraso dessa forma, uma vez que não apenas a Autora teve conhecimento da referida notificação no devido tempo, como no dia 27 de maio de 2014 foi a mesma remetida para o Réu, com a nota de que deveria dar resposta no prazo de 10 dias, o que não fez.
65)
O Tribunal aplicou o disposto no artigo 139.º do Código de Processo Civil (“CPC”).
66)
Assim, o Réu notificado por duas vezes para o pagamento da multa, não só não tendo efectuado o respectivo pagamento, como igualmente não deu conhecimento à Autora do sucedido.
67)
Nestes termos, a falta de pagamento de multa determinou a consideração de que a apresentação da contestação havia sido extemporânea e que, por esse motivo, a mesma devia ser desentranhada.
68)
O Réu foi notificado do desentranhamento e da devolução da peça processual, sem nunca ter dado conhecimento de tal facto à Autora.
69)
Assim, tendo o Tribunal considerado que a ora Autora havia sido regularmente notificada, foi proferida sentença, tendo sido julgados confessados todos os factos articulados pelo Autor EM..., e a ora Autora condenada na totalidade do pedido e em custas, por sentença proferida a 15 de Abril de 2015.
70)
A Autora efectuou o pagamento voluntário do montante em que havia sido condenada.
71)
A Autora procedeu ainda ao pagamento das custas.
72)
Em síntese, a Autora despendeu as seguintes quantias:
a)- € 91,80, a título de taxa de justiça por apresentação de contestação, que veio a ser desentranhada dos autos;
b)- € 153,00, a título de custas;
c)- € 960,12, a título de pagamento voluntário efectuado, após ter sido condenada por sentença proferida nos autos;
- Processo n.º 1406/14.3TTLSB (Lisboa - Instância Central – 1.ª Secção de Trabalho – Juiz 7 – certidão a fls. 604-629 do suporte físico)
73)
O processo judicial em causa, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 1406/14.3TTLSB (Lisboa - Instância Central – 1.ª Secção de Trabalho – Juiz 7), consistiu numa acção declarativa de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, proposta por DA... contra a Autora, tendo a respectiva petição inicial dado entrada no passado dia 6 de maio de 2014.
74)
Na referida acção judicial, DA..., ex-trabalhadora da Autora, peticionou o pagamento da quantia total de € 4.145,76, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, férias não gozadas e crédito de horas de formação profissional não ministrada, acrescida dos respectivos juros de mora.
75)
Em 9 de maio de 2014, foi expedida citação para a ora Autora comparecer no dia 21 de maio de 2014, pelas 9 horas, a fim de se proceder à realização da respectiva audiência de partes.
76)
À semelhança do que aconteceu no âmbito dos processos supra descritos, a Autora deu o devido conhecimento ao Réu da citação que havia sido recebida e solicitou o seu parecer jurídico, sendo que o Réu nada fez, não compareceu na audiência de partes, nem advertiu a Autora que seria necessária estar presente na mesma, o que determinou a sua falta.
77)
Note-se que, muito embora lhe tenha sido transmitida a notificação para comparência na respectiva audiência de partes no dia 13 de maio de 2014, apenas a 20 de maio de 2014 o Réu deu resposta à mesma, afirmando apenas que não poderia comparecer, uma vez que nesse dia lhe tinha sido agendada uma outra audiência de julgamento.
78)
Em seguida e após ter sido notificado da necessidade de apresentar contestação, muito embora estivesse plenamente informado do processo em curso, o Réu nada fez, o que determinou a consideração de que os factos articulados pela Autora DA... estavam confessados e conduziu à condenação da ora Autora na totalidade do pedido e em custas, por sentença proferida a 8 de Julho de 2014.
79)
Por força do aconselhamento jurídico prestado pelo Réu, foi atingido acordo entre a trabalhadora e a ora Autora quanto ao montante devido pela cessação do contrato de trabalho, que acordaram ser de € 3.367,36 (três mil, trezentos e sessenta e sete euros e trinta e seis cêntimos).
80)
Acontece que, não obstante estar plenamente informado da existência deste acordo, até porque o acompanhou na qualidade de mandatário da ora Autora, o Réu omitiu qualquer referência à existência do mesmo no âmbito do processo judicial em curso.
81)
Após ter sido notificada da sentença, a Autora deu pronta nota ao Réu do conteúdo da mesma, que afirmou existir um claro erro de cálculo na sentença, sendo que o valor total efectivamente devido era de € 3.156,24 (três mil, cento e cinquenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos).
82)
Em seguida, a Autora procurou resolver a questão, tendo para o efeito contactado o Réu por diversas vezes, sem no entanto nunca ter obtido qualquer resposta satisfatória.
83)
Acontece que, por expressas indicações do Réu, a Autora efectuou o pagamento voluntário da quantia de € 3.156,24 (três mil, cento e cinquenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos), estando convicta da veracidade do que havia sido afirmado e de que o Réu regularizaria o erro verificado junto das instâncias próprias.
84)
Tal situação não se veio a verificar e determinou a apresentação de uma ação executiva, que correu termos nos próprios autos sob o Processo n.º 1406/14.3TTLSB.1.
85)
A Autora efectuou um pagamento no valor de € 1.790,94 no âmbito da posterior acção executiva, com o qual ficou liquidado o julgado, nada lhe tendo sido restituído, sendo que dessa quantia foram pagos 419,60€ de juros, 354,00€ de custas, sendo o remanescente a quantia exequenda.
- Processo n.º 3009/14.3T8OER (Oeiras - Instância Central – 2.ª Secção de Execução – Juiz 2 – certidão a fls. 470-514 do suporte físico)
86)
O processo judicial em causa, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.º 3009/14.3T8OER (Oeiras - Instância Central – 2.ª Secção de Execução – Juiz 2), consistiu numa acção executiva, tendo por base uma livrança subscrita pela Autora e avalizada pelos sócios gerentes da mesma, apresentada pelo BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A. (“Banif Rent”) contra a Autora, tendo o respetivo requerimento executivo dado entrada no passado dia 18 de Novembro de 2014.
87)
Na referida acção judicial, o Banif Rent peticionou o pagamento da quantia de €1.676,31, acrescido das respectivas taxas de justiça, custas judiciais e honorários do agente de execução.
88)
É de fazer notar que o Réu sempre acompanhou todas as negociações desenvolvidas entre a Autora e o Banif Rent, estando não só a par de todo o enquadramento factual aplicável, como também de toda a documentação relevante para exercer uma competente defesa dos interesses da Autora, quer judicial, quer extrajudicialmente.
89)
Tendo a Autora sido citada para a referida acção executiva e para a apresentação da respectiva oposição à execução e à penhora, facto do qual deu pronto conhecimento ao Réu, foi no dia 23 de Janeiro de 2015 apresentada em juízo a competente Oposição à Execução, que deu origem ao apenso A do respectivo processo.
90)
Note-se que, na referida peça processual, o Réu protestou juntar os respectivos documentos probatórios e a procuração forense que estava na sua posse, o que nunca fez.
91)
Tal junção só veio a ser efectuada mais tarde, no dia 18 de Setembro de 2015, pelos atuais Mandatários da Autora.
92)
O atraso na apresentação foi fundamento para a aplicação à Autora de uma multa de 153,00€, a qual foi paga.
- Processo n.º 21497/15.9T8LSB (Lisboa - Instância Central – 1.ª Secção de Execução – Juiz 6 – certidão a fls. 631-672v.º do suporte físico.)
93)
O processo judicial em causa teve por base a apresentação de um requerimento de injunção por parte da Massa Insolvente New Alban - Soluções Para Empresas, S.A. (“MI New Alban”), no dia 24 de Setembro de 2014, perante o Balcão Nacional de Injunções, na qual se peticionava quantia no valor de € 7.099,58, à soma da quantia devida a título de capital, de juros de mora vencidos e de custas de parte.
94)
Após ter sido notificada do respectivo requerimento de injunção, a Autora deu imediato conhecimento do mesmo ao Réu, para que fosse exercida a competente defesa, através da apresentação de oposição no respectivo processo, o que impediria que fosse aposta fórmula executória ao respectivo requerimento de injunção.
95)
É de fazer notar, uma vez mais, que o Réu sempre acompanhou todas as negociações desenvolvidas entre a Autora e a MI New Alban, estando não só a par de todo o enquadramento factual aplicável, como também de toda a documentação relevante para exercer uma competente defesa dos interesses da Autora, quer judicial, quer extrajudicialmente.
96)
O Réu nada fez, não tendo apresentado a respectiva oposição no processo, tendo sido aposta fórmula executória ao respectivo requerimento de injunção, e posteriormente foi instaurada acção executiva destinada à cobrança coerciva do montante em causa, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o processo n.º 21497/15.9T8LSB (Lisboa – Instância Central – 1.ª Secção de Execução – Juiz 6).
97)
Aliás, o Réu criou a convicção na Autora de que havia apresentado a respectiva oposição no processo judicial, através de mensagem de correio electrónico enviada por esta àquele, no dia 7 de Janeiro de 2015, em que se solicitava o envio da cópia da peça processual.
98)
Uma vez que esta execução segue a forma de processo sumária, foi efetuada, previamente à citação, uma penhora de saldo de depósito bancário no valor de 7.099,58€.
99)
Com a defesa apresentada pela ora autora no referido processo executivo, pagou 306,00€ em taxa de justiça.
- Processo n.º 1037/14.8TBOER (Oeiras- Instância Central – 2.ª Secção de Execução – Juiz 1 – certidão a fls. 580-601v.º do suporte físico.)
100)
Este processo judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o n.º 1037/14.8TBOER (Oeiras - Instância Central – 2.ª Secção de Execução – Juiz 1), consistiu numa ação executiva, apresentada pela Bluesphere it Consulting, Lda. (“Bluesphere”) contra a Autora, tendo sido peticionado o pagamento do montante de €551,85.
101)
Tendo a Autora sido citada para a acção executiva, deu pronta nota desse facto ao Réu, para que este exercesse a competente defesa no processo em causa.
102)
Na sequência das orientações que foram recebidas, o Réu apresentou nos autos a respectiva
Oposição à Execução, conjuntamente com o comprovativo de pagamento da taxa de justiça, não tendo junto com o articulado procuração forense.
103)
Não obstante ter sido notificado pelo douto Tribunal para o efeito, o Réu nada fez, nunca tendo junto a procuração forense de que dispunha, o que determinou a extinção da instância, determinada pela impossibilidade superveniente da lide.
104)
Em síntese, a Autora despendeu as seguintes quantias na presente acção:
a)- € 551,85, na sequência das penhoras que foram efectuadas no âmbito do processo executivo em curso;
b)- € 306,00, a título de taxas de justiça pagas pela apresentação da oposição à execução que veio a ser desentranhada;
O que perfaz o total de € 857,85 (oitocentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos).
B)–Factos não provados:
Considerou-se que “Nos artigos 131º a 139º não são alegados factos concretos, atinentes aos danos não patrimoniais, mas apenas factos genéricos não concretamente identificados, não sendo individualizados nomes de trabalhadores, fornecedores, clientes, etc: diversos litígios extrajudiciais com trabalhadores, novos trabalhadores, parceiros de mercado, clientes e fornecedores. Acresce que são utilizadas expressões conclusivas como “prejudicou a imagem”, inexistindo factos concretos nos referidos artigos que o Tribunal possa julgar como confessados”.
3.2.-Do mérito do recurso
3.2.1.-Primeira questão:
Pretende a Autora, aqui Recorrente, que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, bem como de todos os actos praticados após a apresentação de alegações pela ora Recorrente, por omissão da prática de acto processual relevante na tramitação dos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 195.º do CPC, prosseguindo o processo os seus normais termos.
Considera a Recorrente, face à motivação de facto e de direito da sentença recorrida, que a tramitação processual adoptada em primeira instância não cumpriu o regime legal da revelia cominado no artigo 567.º do CPC, o que prejudicou a sua posição processual de tal forma que o Recorrido foi condenado a pagar-lhe somente o montante de € 193,80 (cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos), quando o pedido de condenação assume o valor de € 17.192,93 (dezassete mil, cento e noventa e dois euros e noventa e três cêntimos).
Argumenta que o Tribunal a quo, no Despacho proferido a 11 de Janeiro de 2017, considerou que a revelia do Réu nos presentes autos era uma revelia operante, nos termos do n.º 1 do artigo 567.º do CPC, devendo, por isso, aplicar-se plenamente a tramitação prevista no mesmo artigo 567.º, considerando-se “confessados os factos articulados pelo autor” (cfr. in fine n.º 1 do artigo 567.º do CPC). E que, não obstante, e em contra-senso com o que resultava do referido despacho de 10 de Janeiro de 2017, e tal como já havia acontecido com o despacho de 13 de Fevereiro de 2017, veio o Tribunal a quo, em 4 de Junho de 2019, por Despacho, determinar o seguinte: “Notifique a Autora para, em dez dias, juntar aos autos certidões judiciais comprovativas dos factos respeitantes a processos judiciais, insusceptíveis de confissão.”
Refere ainda que, apesar de ter juntado as referidas certidões, o que fez através de requerimentos apresentados em 12-06-2019 e 15-06-2019, não foi mais notificada de qualquer despacho até ao momento em que é proferida a sentença de que ora recorre, não foi notificada para apresentar quaisquer alegações, nomeadamente alegações que contemplassem os documentos juntos, sobretudo tendo em conta que, contrariamente ao que antes havia sido dito, considerava agora o Tribunal a quo que já não se estaria perante uma revelia (totalmente) operante.
Considera, assim, que ao proferir a sentença em crise, sem mais, como sucedeu em relação às sentenças antes proferidas (e depois anuladas), a 13 de Junho e 12 de Março de 2019, para além das irregularidades praticadas na tramitação dos presentes autos, houve uma grosseira violação do princípio do contraditório, tendo o Tribunal a quo decidido questões de facto e de direito sem ter dado à Autora (Recorrente) a possibilidade de se pronunciar sobre tais questões, violando, assim, o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC.
Vejamos então se, como sustenta a Autora (Recorrente), foi ou não cometida uma nulidade processual que afecte a sentença recorrida, como todos os actos praticados posteriormente à apresentação de alegações pela Autora, ora Recorrente.
A resposta a esta questão terá de ser encontrada no regime da revelia cominado no artigo 567.º do CPC e por apelo às regras e princípios gerais do direito processual civil, sobrelevando no caso os princípios do contraditório (art.º 3.º) e da cooperação conjugado com o da auto-responsabilidade das partes (art.ºs 590.º e 5.º).
In casu, como já se referiu no acórdão proferido nestes autos a 11.Dez.2018 (cfr. fls. 385 a 405), que neste particular seguiremos de perto, encontramo-nos perante uma situação de revelia relativa[ Por oposição à revelia absoluta em que o Réu não só não contesta como também não comparece em juízo.], com efeito cominatório semipleno, em que o Réu comparece em juízo [agindo como mandatário em causa própria], mas não contesta validamente, tornando-se a não contestação definitiva[ Professores Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Processo Civil – Vol. VIII – pág. 51.].
Tal revelia não arreda o Réu da lide e permite-lhe designadamente intervir numa fase mais adiantada do processo, apresentando as suas alegações na sequência da apresentação das alegações da Autora, esgrimindo os seus argumentos jurídicos e rebatendo os opostos.
O art.º 567.º do CPC [idêntico ao anterior art.º 484.º], sob a epígrafe “Efeitos da Revelia”, estatui:
«1- Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2- O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
3-Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.»
Como referem os Professores Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa [obra citada, págs. 52], estaremos face a uma situação de revelia operante, «produzindo, por conseguinte, efeitos profundos no processo.
Esses efeitos são de três ordens:
– Efeitos quanto ao julgamento do processo;
– Efeitos quanto à marcha do processo;
– Efeitos secundários.
3.2.-Julgamento do processo
Quanto ao julgamento do processo, a revelia operante produz, em processo ordinário, o seguinte efeito: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor (art.º 484.º, n.º 1, hoje, art.º 567.º, n.º 1). (…).
O processo declarativo é, pois, um processo cominatório semipleno, dado que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu. O juiz pode, aliás, absolver o réu: absolver o réu da instância, pelas excepções dilatórias de conhecimento oficioso, ou absolver mesmo do pedido, se entender que os factos articulados pelo autor não produzem os efeitos jurídicos que o autor pretende ou se conhecer oficiosamente de uma excepção peremptória.
3.3.–Marcha do processo
Quanto à influência da revelia no processamento, há que distinguir dois casos:
- O réu optou deliberadamente pela revelia, por não lhe interessar defender-se de facto, mas querer defender-se de direito, mostrando essa intenção ao juntar ao processo procuração passada a advogado (revelia-defesa) (ou, na hipótese de poder litigar por si, ao requerer a aplicação do regime previsto no art.º 484.º, n.º 2, hoje 567.º, n.º 2);
- O réu nem sequer junta ao processo procuração passada a advogado (e nem requer, na hipótese de poder litigar por si, a aplicação do regime do art. 484.º, n.º 2, hoje art.º 567.º, n.º 2).
No primeiro caso - e só nele -, segue-se o disposto no art.º 484.º, n.º 2 (hoje art.º 567.º, n.º 2):
– O processo é facultado para exame pelo prazo de dez dias ao advogado do autor e do réu, que alegarão por escrito sobre a questão de direito;
– Em seguida, é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito, saltando-se, portanto, da fase dos articulados para a da sentença; o juiz pode, como se disse, condenar no pedido, absolver da instância ou absolver do pedido.»
No caso em apreço, verifica-se a existência duma situação de revelia operante, com efeito cominatório semipleno[ No caso, o Réu, Advogado inscrito na OA, litiga por si, em causa própria,], sendo que o Réu, Advogado inscrito na Ordem dos Advogados, advoga em causa própria.
Na verdade, a própria Ordem dos Advogados continua a apoiar-se no princípio regra de que os inscritos na Ordem dos Advogados podem advogar em causa própria [ É disso exemplo o Parecer n.º 11/PP/2009-G, de 31.8.2009, do Conselho Geral.].
E, por outro lado, no processo civil, não resulta do art.º 40.º, quando obriga à constituição de advogado, que um advogado se agir em causa própria esteja obrigado a constituir como mandatário judicial outro advogado [ Cf. Acórdão do STJ de 18.4.2012, Proc. n.º 172/11.9TRPRT-A.S1.].
*
A referida situação de revelia do Réu e a sua influência quando ao julgamento dos factos foi devidamente enquadrada pelo Tribunal a quo, que a considerou operante, mas com eficácia semiplena, não se vislumbrando, ao invés do sustentado pela Recorrente, qualquer contradição entre os Despachos proferidos a 11 de Janeiro de 2017, 13 de Fevereiro de 2017 e 4 de Junho de 2019.
Apesar da confissão ficta proclamada no primeiro daqueles Despachos, decorrente da revelia do Réu, nos termos do n.º 1 do artigo 567.º do CPC, os factos sujeitos a prova legal/taxada, como aqueles que as certidões judiciais que a Autora juntou após no oferecimento das alegações, na sequência do convite que lhe foi dirigido por Despacho de 13 de Fevereiro de 2017, ainda que tenham sido alegados pela Autora na petição inicial, apenas podiam ser dados como assentes e considerados se tal prova documental estivesse no processo.
Tais factos, como bem se refere no Despacho de 13 de Fevereiro de 2017, eram insusceptíveis de confissão e não estavam abrangidos pelo Despacho de 11 de Janeiro de 2017, do qual, foram, aliás, expressamente excluídos “(…) considero confessados os factos articulados pela autora na sua petição inicial que são susceptíveis de confissão.”
Por aqui não se vislumbra qualquer irregularidade.
Defende a Recorrente, ainda, que após a junção da certidões referidas o Tribunal a quo deveria tê-la notificada para apresentar novas alegações, face à junção dos referidos documentos adicionais, sobretudo tendo em conta que contrariamente ao que antes havia dito, veio a considerar que já não se estaria perante uma revelia (totalmente) operante e que a omissão de tal notificação constitui uma irregularidade praticada na tramitação dos presentes autos, com grosseira violação do princípio do contraditório, tendo o Tribunal a quo decidido questões de facto e de direito sem ter dado à Autora (Recorrente) a possibilidade de sobre elas se pronunciar, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
*
O princípio do contraditório é estruturante do nosso direito processual, tanto assim que surge consagrado no art.º 3º do Código de Processo Civil como forma de evitar a chamada “decisão-surpresa”, constituindo inclusivamente uma manifestação do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do n.º 3 do art.º 3º o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio “ao longo de todo o processo”.
A proibição de decisões surpresa tem, fundamentalmente, aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado (cfr. Acórdão da RE, de 14-07-2005, Col. Jur., 2005, 4.ª – 263).
Ora, no caso em apreço, não está em causa questão de conhecimento oficioso ou sequer questão sobre a qual as partes não tenham tido a possibilidade de se pronunciar. No que ao efeito (semipleno) da revelia diz respeito, não se está perante uma decisão surpresa pois ele foi claramente explicitado no Despacho de 11 de Janeiro de 2017, que antecedeu a apresentação das alegações pela Autora (Recorrente).
Por conseguinte, não faria qualquer sentido abrir nova discussão sobre essa matéria, concedendo à Autora a possibilidade de apresentar novas alegações, posteriores à apresentação de documentos cuja finalidade visou tão só a demonstração de factos que já haviam sido por si alegados na petição inicial e que foram por si considerados nas alegações apresentadas oportunamente.
Neste contexto, a realização da notificação pretendida pela Recorrente configuraria, aliás, a prática de um acto proibido por lei - artigo 130.º do CPC.
Em suma, não foi violado o princípio do contraditório, nem cometida qualquer nulidade processual, designadamente a invocada, que assim se indefere (artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
3.2.2.–Segunda questão
Entende Autora, ora Recorrente, que, face à prova testemunhal produzida nos autos, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado não provados os factos por si alegados nos artigos 131.º a 139.º da Petição Inicial.
Nos artigos 131.º a 139.º da Petição Inicial, a Autora alegou:
“131.º
Acontece que, para além dos danos patrimoniais diretos causados pelo Réu à Autora, se verificaram ainda, na esfera jurídica desta última, danos não patrimoniais, nomeadamente danos causados através da ofensa ao crédito e ao bom nome.
132.º
Ora, por força da conduta do Réu, que já se teve oportunidade de descrever detalhadamente supra, a Autora não só deixou de conseguir dar uma resposta pronta a questões que lhe eram colocadas pelos seus clientes e fornecedores, que necessitavam de um prévio enquadramento jurídico, como também se viu envolvida em diversos litígios judiciais, muitos dos quais poderiam ter sido resolvidos extrajudicialmente ou, ainda, podia ter sido obtido um diferente resultado nestes processos não fosse a postura que o Réu assumiu neles, enquanto mandatário da Autora.
133.º
Por diversas vezes, com parceiros com os quais a Autora tinha uma boa relação, não teve esta a possibilidade de aceder às suas solicitações em tempo útil, por se encontrar a aguardar resposta do Réu, que chegava tardiamente ou nunca chegava.
134.º
Tal facto, conforme se consegue facilmente perceber, não apenas era suscetível de causar perdas financeiras imediatas, como também prejudicou a imagem da Autora perante os seus parceiros de mercado, com quem se relacionava diariamente no exercício da sua actividade comercial.
135.º
Por outro lado, a Autora viu-se ainda envolvida em diversos litígios com os seus trabalhadores, quer extrajudiciais, quer judiciais, tendo sido vencida em todos eles.
136.º
A Autora, seguindo as orientações que lhe eram dadas pelo Réu, confiava que estava a atuar conforme o Direito e que a posição que assumia perante eles estava devidamente tutelada.
137.º
Atendendo à atividade desenvolvida pela Autora, esta necessita constantemente de contratar colaboradores, de forma a dar resposta às necessidades das empresas com quem se relaciona.
138.º
Ora, os litígios extrajudiciais e judiciais em que se viu envolvida prejudicaram igualmente a imagem da Autora, uma vez que, dentro do meio em que atua, a informação da existência de processos judiciais por falta de pagamento de montantes que, a final, eram considerados devidos pelo tribunal rapidamente se divulgou.
139.º
Tal facto dificultou, em certa medida, a contratação de novos trabalhadores que, tendo conhecimento desses litígios, não estavam interessados em celebrar contrato de trabalho com a Autora.”
Ao expressar a sua motivação sobre a decisão da matéria de factos a Senhora a Juiz a quo referiu:
“Nos artigos 131º a 139º não são alegados factos concretos, atinentes aos danos não patrimoniais, mas apenas factos genéricos não concretamente identificados, não sendo individualizados nomes de trabalhadores, fornecedores, clientes, etc: diversos litígios extrajudiciais com trabalhadores, novos trabalhadores, parceiros de mercado, clientes e fornecedores. Acresce que são utilizadas expressões conclusivas como “prejudicou a imagem”, inexistindo factos concretos nos referidos artigos que o Tribunal possa julgar como confessados.”
*
Ora, da leitura da transcrição do teor dos artigos da Petição Inicial postos em causa, conclui-se não passarem de «enunciações» e «conclusões» que não satisfazem a exigência do artigo 342, n.º 1, do Código Civil, sobre a existência concreta e extensão dos danos não patrimoniais.
Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo em não elencar tas afirmações na factualidade provada, dado o seu cariz meramente enunciativo e conclusivo, pois que a confissão ficta, prevista no n.º 1 do artigo 567.º do CPC para a falta de contestação de réu citado, como é o caso, incide apenas sobre factos e não sobre enunciações ou conclusões, conforme decorre dos princípios gerais do direito processual civil e consta expressamente da norma em causa.
Com efeito, em face da vaguidade (meras proposições genéricas) do alegado em 132.º e 133.º, da inocuidade do alegado no art.º 135.º e 137.º, face ao que resultou provado nos pontos 1.) a 14.) e 28.) a 104.), dos juízos conclusivos e genéricos que encerram as expressões utilizadas nos artigos 134.º-138º (“prejudicou a imagem da Autora…”) e 139.º da Petição inicial (“dificultou em certa medida, a contratação de trabalhadores…”), a decisão do Tribunal a quo não podia ser outra que não a de considerar não provadas tais enunciações e conclusões.
A Autora, aqui Recorrente, carecia de ter alegado as concretas situações em que, por força da actuação do Réu, aqui Recorrido, deixou de dar resposta pronta a questões que lhe eram colocadas pelos seus clientes e fornecedores ou pelos seus parceiros de negócios e do descrédito que tais putativas situações causaram na imagem da Autora perante tais concretas pessoas e entidades.
Nem se diga, como a Recorrente na conclusão19.ª, que a decisão em crise violou o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, “do qual resulta que, na sua petição inicial, não está o autor obrigado a alegar todos os factos que determinam a procedência do seu pedido, mas só e apenas os factos essenciais. E foi precisamente isto que a Autora (ora Recorrente) fez, alegou os factos essenciais que constituem a causa de pedir nos presentes autos, não estando onerada com a responsabilidade processual de alegar os factos concretos, complementares e concretizadores desses factos essenciais.”
É verdade que aquele normativo reduz ao mínimo o ónus de alegação nos articulados - ao autor basta a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (cfr., ainda, o artigo 552.º, n.º 1, alínea d) e ao réu a exposição dos factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas (cfr. ainda o art.º 572.º, alínea c) -, podendo os demais factos, sejam eles complementares ou concretizadores, sejam instrumentais, resultar da instrução da causa, sem preclusões.
O que acontece é que a Autora não alegou esses factos essências aptos a demonstrar a existência concreta e a extensão dos danos não patrimoniais.
Neste caso, existe um “vazio” que não foi preenchido pela Autora como era seu ónus (art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil).
Tal vício da Petição Inicial nem sequer era passível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe e porque o princípio da cooperação, que deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir (cfr., neste sentido, Acórdão do STJ, de 21-09-2006, Proc. n.º 06B2772, disponível em www.dgsi.pt.).
Improcede, portanto, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
Ainda assim, reapreciando a matéria de facto considerada provada, entende esta Relação alterá-la, oficiosamente, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, no que concerne aos pontos 79) e 80), por se tratar de factos sujeitos a prova taxada, documental e idónea (art.º 364.º do Cód. Civil), e estarem em oposição com o que ficou provado nos pontos 73) a 78). Sucede que não foi junta qualquer prova documental demonstrativa da celebração de um qualquer acordo de transacção extrajudicial entre a Recorrente e a sua ex-trabalhadora, DA..., que alterasse o valor (4.145,76€) que a Autora foi condenada a pagar àquela no âmbito do processo n.º 1406/14.3TTLSB. (vide Docs. 51 a 54 da PI), sendo que a dita transacção extrajudicial deveria constar de escritura pública ou de documento particular autenticado (artigo 1250.º, n.º 1, do Cód. Civil).
Por falta de prova da respectiva factualidade, que teria de ser feita por documento idóneo, também será suprimida a afirmação vertida na alínea b) do ponto 104) dos factos provados, pois, como se salienta na fundamentação de direito da sentença recorrida, contraditoriamente com o decidido em sede de decisão da matéria de facto, da respectiva certidão judicial, junta a fls. 675 e segs., consta apenas um auto de penhora com uma estimativa do valor das custas (“Despesas prováveis: 368,15€”), não tendo sido junta guia/recibo de pagamento ou conta de custas, desconhecendo-se o valor efectivamente pago pela Autora/recorrente, se algum valor pagou, a esse título, se a penhora se manteve, etc..
Por tudo o exposto, decide-se alterar a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
a)- Eliminar os pontos 79) e 80) do elenco de factos provados, passando estes a integrar o elenco de factos não provados;
b)- Alterar a redacção do ponto 104 do elenco de factos provados, que passa a ser a seguinte:
“104) Neste processo de execução, com o n.º 1037/14.8TBOER, a Autora despendeu 551,85€ na sequência de penhoras realizadas.”
c)-Aditar a seguinte factualidade ao elenco de factos não provados:
“- No processo n.º 1037/14.8TBOER, a Autora despendeu 306,00€ de taxas de justiça pagas pela apresentação da oposição que veio a ser desentranhada.”
3.2.3.–Terceira questão
Impetra a Recorrente, por fim, que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que acolha os fundamentos por si alegados e condene o Réu, aqui Recorrido, ao pagamento do montante peticionado, de 17.192,93€, sendo 12.192,93€ como compensação dos danos patrimoniais e 5.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
Argumenta, para o efeito, em síntese, nas conclusões 40 a 45:
“40.- A Recorrente fez prova - bastante abundante, até - da existência de diversos processos judiciais, quer com trabalhadores seus (Processos n.ºs 332/14.0TTPRT, 414/14.9TTPRT e 1406/14.3TTLSB), quer com parceiros de negócio seus (Processos n.ºs 3009/14.3T8OER, 1037/14.8TBOER e 21497/15.9T8LSB), pelo que era razoável presumir que, para uma empresa com as dimensões da Recorrente, a existência de tais processos judiciais fosse conhecida no meio, e que os seus efeitos e resultados prejudicariam o bom nome e o crédito da Recorrente junto de atuais e potenciais trabalhadores e junto de atuais e potenciais parceiros ou clientes.
41.- Perante tudo isto, conclui-se que andou mal o douto Tribunal a quo ao dar como não provados todos estes factos e ao considerar que o Recorrido não poderia ser responsável pelo ressarcimento de danos efetivamente sofridos pela Recorrente, fazendo da ação dos presentes autos uma ação de tudo ou nada: ou a Recorrente prova o sucesso das diferentes ações judiciais em que o Recorrido a representou (desconhece-se porque meio pretenderia o Tribunal a prova) - obtendo assim o provimento total do seu pedido - ou a Recorrente não prova esse sucesso e, assim sendo, o seu decaimento é total.
42.-Não sendo tal solução adequada a uma justa composição do litígio, é nestes casos que deve funcionar a equidade, enquanto mecanismo jurídico que permite a realização da justiça do caso concreto, sem que o juiz fique obrigado à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios outros critérios (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 2656/04.6TVLSB-A.L2-6, de 1 de outubro de 2014, disponível em www.dgsi.pt).
43.-Estando o conteúdo do dano suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, nada obsta a que o Tribunal lance mão da equidade, conforme inclusivamente prevê o n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil (“CC”), para assim fixar a indemnização devida à Recorrente.
44.-Pois, caso contrário, permitir-se-á que um qualquer Advogado - também incumbido da realização da justiça - possa atuar de forma ilícita, incumprindo os contratos de mandato que celebra e as normas deontológicas que regem a sua profissão, sem que qualquer consequência da sua conduta lhe possa ser imputada - salvo no caso de ser bastante provável obter sucesso na ação em que o Advogado foi mandato para representar o seu cliente (e na qual incumpriu aquilo que lhe era exigido).
45.-Estando demonstrada a responsabilidade civil contratual do Recorrido, porquanto o mesmo praticou factos ilícitos que deram origem a danos, patrimoniais e não patrimoniais, na esfera jurídica da Recorrente, impõe-se que seja a sentença proferida revogada e que prossigam os autos no sentido de ser a mesma substituída por uma decisão que condene o Recorrido no pagamento da indemnização devida à Recorrente.”
*
Está em causa o cumprimento defeituoso, pelo Réu, Advogado, do contrato de mandato celebrado com a Autora com vista à prestação de serviço de consultoria e à intervenção judicial em diversos processos em que esta fosse parte, para defesa dos seus interesses.
Alega a Autora, ora Recorrente, em substância, que o Réu e Recorrido incumpriu de forma grosseira, manifesta e reiterada as obrigações que sobre si impendiam e que, de forma directa ou indirecta, essa actuação do Recorrido causou inúmeros danos à Recorrente, quer porque esta (i) pagou taxas de justiça devidas pela apresentação de peças processuais que acabaram por ser desentranhadas porque o Recorrido não praticou actos processuais necessários; (ii) pagou juros de mora e despesas de execução em processos judiciais enquanto estava convicta de que o Recorrido havia apresentado as devidas oposições e que a relação material controvertida subjacente estava a ser discutida judicialmente e (iii) foi condenada no pagamento de diversas quantias porque o Recorrido omitiu a prática de actos processuais relevantes, nomeadamente a apresentação de contestação ou a presença em audiências de partes ou de julgamento.
Tal como tal qualificado pela Autora, está em causa a perda de chance, entendida como uma modalidade de dano emergente.
A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 09.07.2015, ww.dgsi.pt: “Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista, reconduzindo-se a um dano autónomo existente à data da lesão, portanto qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.”
Trata-se de uma espécie de antecipação de um dano hipotético, e que não se consegue demonstrar – ao contrário do lucro cessante, o qual assenta na demonstração de verosimilhança ou probabilidade dessa perda.
Este tipo de dano não é revelado pela teoria da diferença, porque quando se compara a situação patrimonial real do lesado com a sua situação patrimonial hipotética (se o facto não tivesse ocorrido), a perda de chance não consta da situação patrimonial real, mas também provavelmente não constaria da hipotética.
De origem pretoriana, a perda de chance é marcada por alguma imprecisão, cf. a propósito, RUI CARDONA FERREIRA, “A perda de chance – Análise comparativa e perspetivas de ordenação sistemática”, O DIREITO, ano 144.º, 2012, página 57.
Tal como decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2010, www.dgsi.pt (a propósito do mandato forense), a obrigação profissional do advogado “Integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma atividade direcionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta. Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstrato mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, atualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade. (…)”
É sabido que no cumprimento do mandato forense, o advogado está sujeito aos deveres deontológicos constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, os quais conformam as obrigações que da celebração do mandato lhe decorrem.
De acordo com o n.º 2 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na versão aplicável (3.ª versão resultante da Lei n.º 12/2010, de 25/6) “O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas”.
Poer sua vez, do artigo 95.º do mesmo Estatuto, resulta que o Advogado tem para com os clientes os seguintes deveres deontológicos:
“1- Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a)- Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;
b)- Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
c)- Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;
d)- Não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas;
e)- Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2– Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”
É verdade que o Réu, aqui Recorrido, violou os seus deveres profissionais, porque não foi diligente, nem actuou de acordo com as leges artis, porque apesar de ter aceitado patrocinar a Recorrente nos vários processos judiciais em que esta era parte e dar-lhe apoio de consultoria, tendo, estando, para o efeito, desde 24 de Março de 2014, munido de procuração forense que lhe conferia os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, exerceu de forma deficiente o patrocínio da Recorrente nos seis processos judiciais em que esta era parte, casos havendo em que omitiu por completo qualquer intervenção nos mesmos, para além de ter faltado a diligências processuais que foram agendadas, sabedor que seria das consequências gravosas das suas omissões (não apresentação de contestação ou apresentação não válida ou extemporânea) e das faltas de comparência a diligências.
E violou os seus deveres profissionais, quando, como se provou, não informava a Recorrente do desenvolvimento dos processos judiciais em que esta era parte, não lhe dando conhecimento dos actos processuais relevantes, nem de que havia omitido a prática de um determinado acto, ou quando recusou o contacto com a Recorrente sem qualquer justificação.
Exemplo dessa violação dos deveres deontológicos do advogado resulta igualmente do facto provado de o Recorrido não ter dado seguimento a contactos que eram efectuados pela Recorrente, nem de ter dado resposta a uma parte significativa das solicitações que lhe iam sendo dirigidas por esta sua cliente, no âmbito da assessoria jurídica acordada entre ambos.
Todavia como bem sublinha a Senhora Juíza a quo não basta que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por perda de chance, sem se exigir qualquer outro requisito.
Tal entendimento, que não acolhemos, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, designadamente a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e os danos.
O apuramento da responsabilidade por “perda de chance”, não pode prescindir da exigência da verificação do dano e do nexo causal directo, pressuposto comum da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório.
Para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de obter vencimento numa dada acção declarativa ou executiva pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de obter vencimento nessa mesma acção: não basta invocar a omissão da obrigação de contestar uma acção ou de apresentar meios de prova ou ainda de comparência a uma determinada diligência processual e que tal omissão levou à obtenção de uma decisão desfavorável, à condenação da Autora; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de reconhecimento desses créditos.
Na verdade, o Réu, aqui Recorrido, enquanto Advogado da Autora/Recorrente, não se obrigou a um resultado, mas a uma actividade.
Ora, conforme ponderou a sentença em crise, “os factos alegados pela Autora respeitantes aos processos em que foi condenada são manifestamente insuficientes para se poder extrair qualquer conclusão acerca da probabilidade de sucesso da sua defesa, da possibilidade de tais acções serem julgadas improcedentes se a contestação tivesse sido apresentada ou atendida. A Autora não alega factos suficientes para se fazer o “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, aferir na presente acção do provável desfecho das outras em que foi Ré ou executada se o ora Réu tivesse praticado determinados actos”.
Nesta perspectiva, bem andou o Tribunal a quo em considerar a acção improcedente quanto ao pedido de pagamento das quantias de 586.84€ e 969,12€, em que a Autora foi condenada a pagar a seus ex-trabalhadores, ali Autores, nas acções que correram seus termos do Tribunal de Trabalho do Porto sob os números 332/14.0TTPRT e 414/14.9.TTPRT, respectivamente.
Não sendo imputável ao Réu/Recorrido a condenação cominada no processo n.º 414/14.9TTPRT, também não pode o mesmo ser responsabilizado pelo valor peticionado de 153,00€ pago pela Autora/recorrente a título de custas processuais, por se tratar de uma consequência legal do decaimento da Autora na acção (art.º 527.º do CPC).
No caso, nem se pode afirmar, como a Recorrente, que o seu decaimento nas referidas acções foi apenas e só consequência da actuação negligente e omissiva do Réu, verificando-se, por si só, o dano de perda de chance.
Não basta que se verifique o incumprimento do mandato para que haja indemnização por perda de chance, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado, e não se verificando, no presente caso, que a Recorrente teria essa probabilidade de sucesso, não haverá lugar a qualquer indemnização a este título.
A própria Autora reconhece, no artigo 67.º da Petição Inicial, relativamente ao processo n.º 332/14.0TTPRT, que a apreciação dos fundamentos de facto e de direito que foram invocados na contestação apresentada sempre estaria dependente do juízo a efectuar pelo Tribunal de Trabalho do Porto. Nesta acção, como alegado e demonstrado, apesar de o Réu, em representação da Autora, ter protestado juntar dois documentos/recibos que infirmariam em parte os fundamentos invocados pelo ex-trabalhador, IM..., certo é que tais documentos nunca foram apresentados e que não está alegado nem demonstrado que o tenha sido por culpa do aqui Réu, pelo que caberia à Autora alegar e provar tais factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do Cód. Civil (vide certidão de fls. 546 e segs.).
Apesar de, como se disse, a lei processual civil (artigo 5.º, n.º 1) apenas exigir a alegação de factos essenciais, manda a jurisprudência das cautelas, que no exercício da advocacia se confunde, por via de regra, com o “cumprimento do dever de tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade” (art.º 95.º-1/b do EOA), que o Autor, nos casos em que os factos essenciais não são passíveis de prova directa, não se limite a alegar factos essenciais integradores da causa de pedir e que alegue igualmente factos instrumentais destinados a fazer prova indiciária desses factos essenciais já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, assim, uma função probatória. Esta boa prática assume particular relevância em casos como o dos autos em que o Autor, por falta de contestação do Réu, se vê confrontado com o “espartilho” constituído exclusivamente pelo núcleo dos factos resultantes da confissão ficta, em que não houve instrução que permitisse adquirir outros factos probatórios complementares ou instrumentais.
Voltando ao caso dos autos, diga-se ainda que a decisão em crise, pelos mesmos motivos, também não merece censura ou reparo relativamente às quantias de 551,85€ e de 7.099,58€, que a Autora pagou, respectivamente, no âmbito dos processos executivos n.ºs 1037/14.8TBOER e 21497/15.9T8LSB, pois, como bem refere o Tribunal a quo, a Autora não alegou factos tendentes a demonstrar que havia uma defesa passível de ser bem-sucedida em sede de oposição a essas execuções, em termos de levar à extinção parcial ou total dessas execuções e da correspondente obrigação de pagamento da quantia exequenda.
*
No que concerne à execução n.º 1406/14.3TTLSB.1, outra não podia ser a decisão do Tribunal a quo, pelo que, em bom rigor, nem percebemos a discordância da Recorrente.
Resulta dos factos provados que tal execução teve por base uma sentença de condenação da Autora a pagar à Exequente, sua ex-trabalhadora, DA..., a quantia de 4.145,76€.
A Autora não provou o alegado acordo celebrado com a Exequente DA..., no sentido de reduzir para a quantia de 3.156,24€ a dívida exequenda resultante de condenação em acção declarativa (factos não provados sob os pontos 79) e 80), pelo que se lhe impunha satisfazer integralmente o pagamento da quantia em que foi condenada. Não tendo logrado demonstrar a séria probabilidade de vir a ser absolvida da parte do pedido que excedeu a referida quantia de 3.156,24€ - que pagou voluntariamente -, isto é, não resultando demonstrado o alegado dano de chance, o pedido teria de improceder parcialmente quanto ao peticionado valor de €1790,94, correspondente ao pagamento efectuado na execução, para liquidação das custas, quantia exequenda e juros, pois o valor de quantia exequenda que pagou (989,52€, que excedia o valor pago voluntariamente (3.156,24€), era efectivamente devido conforme sentença que constituía o título executivo. Assim, deduzido esse valor remanescente ao pagamento feito pela Autora na execução, temos que a Autora pagou de juros e custas da execução a quantia de 801,42€ (1790,94€-982,52€). Bem andou, pois, o Tribunal a quo em considerar, como considerou, que este valor de custas e juros era imputável à actuação ilícita do Réu, ora Recorrido, que criou na Autora a convicção de que estava em causa um erro de cálculo, como a aconselhou a pagar apenas a quantia de 3.156,24€ afirmando que iria solucionar a questão junto do tribunal, o que nunca fez.
*
Relativamente aos valores reclamados pela Autora/Recorrente como correspondendo a taxas de justiça pagas nos processos n.ºs 1037/14.8TBOER (306,00€) e 21497/15.9T8LSB (306,00€) nada há a apontar, já que a Autora não alcançou prova de ter pago taxa de justiça na execução referida em primeiro lugar (pontos 100) a 104), com a alteração introduzida por esta Relação) e, embora tenha provado o pagamento da taxa de justiça na execução referida em segundo lugar (ponto 99), não alegou e, consequentemente, não demonstrou factos dos quais se possa deduzir que esse pagamento é da responsabilidade do Réu/Recorrido, por radicar em incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato judicial. Desde logo, por se desconhecer a decisão final que recaiu sobre a oposição por embargos de executado apresentada, por não terem sido alegados factos que permitam concluir que a defesa apresentada pelo Réu/Recorrido o foi à revelia das orientações da Autora ou que tenha tido insucesso por acto censurável e ilícito deste causídico.
Por fim e no que concerne aos danos não patrimoniais só podemos acompanhar a decisão em crise, pois como ali se dá nota não foram alegados pela Autora, ora Recorrente, factos concretos indiciadores sequer de que a actuação negligente e omissiva do Réu/Recorrido teve uma efectiva repercussão na esfera da Autora, prejudicando o seu crédito, bom nome e imagem junto de qualquer parceiro de negócio ou mesmo dos seus trabalhadores ou clientes. Desconhecendo-se a dimensão da Autora e a repercussão da sua actividade no respectivo sector empresarial, não poderia o Tribunal a quo concluir no sentido pretendido pela Autora/Recorrente, por não se tratarem de facto notórios que dispensem alegação e prova. Para que o Tribunal a quo pudesse concluir pela verificação do alegado dano no crédito e imagem da Autora, isto é, que os actos ou omissões ilícitos do Réu/Recorrido tiveram repercussão na imagem da Autora/Recorrente, deveria esta ter identificado clientes, trabalhadores ou concretos parceiros de negócios e alegado que os mesmos tiveram conhecimento da actuação ilícita do Réu/Recorrido e que esse conhecimento alterou e em que termos a imagem da Autora/Recorrente, tudo em conformidade com os pressupostos exigidos pelos artigos 484.º e 562º e segs. do Cód. Civil.
*
Termos em que se considera que a apelação improcede na totalidade, sendo de manter a sentença recorrida, excepto no que se refere às alterações introduzidas à matéria de facto.
*
Tendo decaído na acção, a Recorrente terá de suportar as custas respectivas - artigo 527.º do CPC.
IV–Decisão:
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em: a) Indeferir a nulidade processual invocada pela Recorrente; b) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto; c) Alterar a decisão da matéria de facto, nos termos explicitados supra; d) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
*
Custas do recurso pela Autora/Recorrente.
*
Registe e notifique.
*
Lisboa, 14 de Julho de 2020
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques