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COMODATO
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
BENFEITORIAS ÚTEIS
LEVANTAMENTO
DETRIMENTO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
Sumário
I- O conceito de benfeitorias (necessárias e úteis) é, para o efeito de um contrato de comodato de um prédio rústico, mais concretamente de um campo de cultura arvense e de regadio, o que consta dos artºs 216º, nº. 3, 1272º e 1273º do Código Civil e não das normas do DL 294/2009 de 13/10, que estabelece o Novo Regime do Arrendamento Rural, que só podem aplicar-se caso se esteja perante uma lacuna. II- Não constituem benfeitorias necessárias, nem os encargos, nem as despesas de cultura, sementes ou matérias-primas pagas pelo comodatário, destinadas à frutificação da coisa e não à sua conservação, nos termos do disposto nos artºs 215º, 1270º, nº. 2 e 1272º todos do Código Civil. III- O direito de indemnização por benfeitorias úteis que não podem levantar-se sem detrimento da coisa, e que constitui contrapartida da obrigação de restituição da coisa, depende ainda de o seu dono se opor ao levantamento das mesmas com fundamento em detrimento da coisa benfeitorizada. IV- O detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias refere-se não a estas, mas antes à coisa benfeitorizada, sendo necessário alegar e provar quais as obras que correspondem a cada uma das espécies, a valorização da coisa, como consequência necessária e directa das mesmas, a deterioração resultante do levantamento e o respectivo custo e actual valor. V- Cabe ao possuidor ou comodatário de um prédio rústico que invoca o seu direito à indemnização pelo valor das benfeitorias úteis, o ónus de alegar e provar que o levantamento dessas benfeitorias pode causar detrimento à coisa (artº. 342º, nº. 1 do Código Civil). VI- O montante da obrigação de restituição/indemnização fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, deve corresponder ao valor do custo da execução dessas benfeitorias, ou ao valor do benefício que delas resulta para a parte beneficiada, consoante o que for mais baixo. VII- A simples privação do imóvel reivindicado, dado que consubstancia uma restrição ilegítima do direito de propriedade, é susceptível de gerar o direito à indemnização, pelo que, mesmo não se provando que da ocupação indevida tenha resultado um concreto prejuízo para o seu proprietário, ainda assim este deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição, sendo o montante indemnizatório fixado, em última análise, com recurso à equidade.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A. T. e mulher M. B. intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. J. e mulher C. M., pedindo que:
1) se declare validamente denunciado o contrato de comodato identificado nos autos; 2) sejam os RR. condenados a restituir aos AA. o prédio descrito nos artºs 4 e 5º da petição inicial; 3) sejam os RR. condenadosa pagar aos AA. a quantia de € 2.100,00 pela privação do uso desse prédio desde 23 de Abril de 2018 até ao mês da instauração da presente acção (Novembro de 2018), acrescida de € 300,00 por cada mês ou fracção dos meses seguintes.
Para tanto alegam, em síntese, que o referido prédio pertencia a A. F., o qual, em 23 de Abril de 2003, por escrito particular, declarou ceder gratuitamente o seu gozo aos aqui RR., pelo prazo de 15 anos contados a partir da data da sua assinatura.
Foi aí acordado entre o referido Sr. A. F. e os RR. que o contrato seria prorrogado automaticamente se não fosse denunciado por nenhuma das partes até 6 meses do seu fim.
No dia 17 de Novembro de 2004 faleceu o referido A. F., no estado de viúvo de R. S., sem descendentes nem ascendentes, tendo deixado testamento em que instituiu seus únicos e universais herdeiros J. S. e mulher M. L..
Estes últimos, em 15 de Fevereiro de 2017, celebraram escritura pública em que declararam vender ao aqui A. marido, que declarou comprar, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia de ..., mostrando-se a propriedade daquele registada em nome dos AA. desde 23 de Fevereiro de 2017.
No dia 9 de Agosto de 2017 os AA. requereram a notificação judicial dos RR., por agente de execução, dando-lhes “conhecimento de que o requerente não pretende que o contrato de comodato se renove, na próxima data de renovação”.
Em 20 de Setembro de 2017, os RR. foram notificados da cessação do contrato, por não renovação do mesmo, mas não entregam o prédio, estando desde 23 de Abril de 2018 a privar os AA. de utilizar ou permitir que outros utilizem o referido prédio, impedindo os AA. de obterem um rendimento, caso o arrendassem, não inferior a € 300,00 por mês.
O R. A. J. contestou, invocando a ilegitimidade da Ré mulher, porquanto a mesma não é parte no referido contrato de comodato, nem sequer o subscreveu, não podendo a mesma restituir aquilo que nunca lhe foi entregue.
Referiu, ainda, que o prédio em questão lhe foi entregue cheio de mato e de silvas, tendo o R. procedido à limpeza daquele prédio rústico, a fim do mesmo ficar com as características que o compunham.
Para o ajudar na execução desses trabalhos de limpeza, o R. contratou dois homens durante cerca de um mês. Após tais trabalhos, foi necessário efectuar uma limpeza mais profunda, mediante a contratação de uma máquina de terraplanagem, procedendo ainda à implantação do sistema de rega, bem como à plantação de árvores e aplicação dos respectivos esteios.
O R. adquiriu material de rega para implantar no terreno, 500 árvores de kiwi que plantou no referido campo de cultura arvense e de regadio e nas quais aplicou esteios, e adquiriu adubos e sulfatos que aplicou no terreno e nas árvores que plantou.
Com os trabalhos e a aquisição de material acima referidos despendeu a quantia de € 11.319,17.
Além das árvores de kiwi, o R. plantou 3 ameixoeiras, um damasqueiro, duas pereiras, um pessegueiro, macieiras, fisálias e mirtilos, árvores essas que se encontram incorporadas no solo do terreno.
O réu goza, por conseguinte, do direito de retenção do prédio até à liquidação daqueles valores pelos Autores.
Deduziu reconvenção, dando por reproduzidos os factos alegados nos artºs 10º a 23º da contestação.
Mais alegou que, após a plantação das árvores supra referidas, o réu usou sempre uma produção agrícola biológica, pelo que a maturação daquelas árvores de fruto demorou mais tempo. Contudo, no ano de 2018, todas as árvores já estavam a dar frutos e de qualidade, pelo que aquele campo de cultura arvense e regadio constitui um pomar de alta qualidade, num segmento de grande procura actual, que é o da produção biológica.
O pomar tem um valor que estima em € 50.000,00, com que os AA. irão enriquecer o seu património, após entrega do prédio.
O valor médio anual dos frutos que aquele pomar produz ronda os € 3.000,00, pelo que aquele será um lucro que os AA. passarão a obter em detrimento do Réu.
Acrescenta, ainda, que se instalar um pomar noutro terreno, terá que esperar, pelo menos, cinco anos até que o mesmo produza fruta naquele valor, pelo que tem direito a ser indemnizado no valor de € 15.000,00, correspondente aos cinco anos que terá de esperar para poder voltar a ter um rendimento médio anual de € 3.000,00.
O R. pagou aos dois trabalhadores que contratou para fazer a limpeza do terreno a quantia de € 2.500,00 (€ 1.250,00 x 2), que tem direito a receber dos Autores.
Conclui, pugnando pela improcedência dos pedidos dos pontos 2 e 3 da petição inicial, face ao direito de retenção do R., e pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação dos AA. a indemnizarem o R. no valor de € 78.819,17, acrescido de juros de mora à taxa legal, calculados desde a citação até efectivo pagamento.
Os AA. apresentaram réplica, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade e da reconvenção deduzidas pelo R. e invocando a inexistência do direito de retenção por ele invocado.
Por despacho proferido em 17/10/2019, foi admitida a reconvenção, fixado o valor da causa e, por força deste, o Juízo Local Cível de Guimarães declarou-se incompetente para preparar e julgar a presente causa, considerando o Juízo Central Cível de Guimarães competente para o efeito.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Posteriormente, foi realizada audiência prévia a requerimento do R. A. J., na qual este requereu o aditamento de um tema de prova, o que foi deferido pela Mª Juíza “a quo”.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, “declara-se cessado o contrato de comodato relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ..., na freguesia de ..., com a área de 12.800 m2, composto de campo de cultura arvense e de regadio, a confrontar, do norte com A. M. e outro, do sul com J. N. e outro, do nascente com Estrada Nacional e, do poente, com M. R. e herdeiros, mais se condenando o réu A. J. na entrega imediata do mesmo aos ora autores e, bem ainda no pagamento da quantia de € 175,00 (centoe setenta e cinco euros)/mês, contada desde o dia 23 de Abril (considerando-se os proporcionais) até efectiva entrega. A ré C. M. vai absolvida do pedido. Mais vai a reconvenção julgada improcedente, com a consequente absolvição dos autores do pedido. Custas da acção na proporção do decaimento que se fixa em 1/3 para os autores e 2/3 para o réu – art. 527º do CPC. Custas da reconvenção a suportar pelos réus, sem prejuízo do apoio judiciário – art. 527º do CPC”.
Inconformado com tal decisão, o R. A. J. dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1ª A matéria de facto dada como provada foi incorrectamente julgada quanto aos factos alegados nos artigos 11º, 12º, 32º e 33º da contestação / reconvenção, pois conforme consta do ponto II. 4. do corpo destas alegações, face à reapreciação da prova gravada quanto ao depoimento prestado pelo recorrente e aos depoimentos das testemunhas J. M. e N. F., com a conjugação de todos os outros elementos probatórios, impõe-se que seja dado como provado o seguinte facto: "Quando foi entregue ao réu o prédio referido em 1), ele encontrava-se cheio de mato e silvas" e, consequentemente, seja acrescentado uma nova alínea aos factos dados como provados.
2ª A alínea 12) da matéria de facto dada como provada foi incorrectamente julgada, pois conforme consta do ponto II. 5. do corpo destas alegações e da reapreciação da prova gravada, a sua prova viola as imposições relativas à prova por confissão, bem como, à prova por declarações de parte, sendo que, também não foi produzida qualquer prova que levasse a que este facto da alínea 12) fosse dado como provado, pelo que, impõe-se que aquela alínea 12) dos factos provados, passe para os factos não provados.
3ª A alínea b) da matéria de facto dada como não provada foi incorrectamente julgada, pois conforme consta do ponto II. 6. do corpo destas alegações, face à reapreciação da prova gravada quanto ao depoimento prestado pelo recorrente em sede de declarações de parte e ao que consta da motivação da decisão de facto, bem como, à conjugação de todos os elementos de prova, impõem-se que aquela alínea b) da matéria de facto dada como não provada, seja eliminada e seja acrescentada uma nova alínea aos factos provados onde conste o seguinte facto: "Apesar de não estar certificada como biológica, ou que seja possível a sua certificação, a produção de frutas pelo Réu é biológica no sentido de não se usar qualquer produto químico para a produção em massa".
4ª Nos presentes autos, estamos perante um prédio rústico, mais concretamente, perante um campo de cultura arvense e regadio, pelo que, para verificarmos o que são benfeitorias necessárias ou úteis, temos que atender às definições constantes no Novo Regime do Arrendamento Rural, previsto no Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro.
5ª Assim, temos que ter presente a definição de acções de conservação da alínea a) do artigo 5º do Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro que entende por acções de conservação, as acções que tenham como objectivo manter as características e potencialidades fundamentais do prédio e, consequentemente, a respectiva capacidade produtiva.
6ª A definição de benfeitorias necessárias da alínea j) do artigo 5º do Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro, que entende por benfeitorias necessárias as despesas realizadas com o objectivo de evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio rústico, ou do urbano, caso esteja incluído no contrato, e, consequentemente, salvaguardar as suas características produtivas fundamentais, sendo as acções de conservação e de recuperação consideradas para os efeitos previstos no presente decreto-lei como benfeitorias necessárias.
7ª A definição de benfeitorias úteis da alínea l) do artº 5º do Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro, que entende por benfeitorias úteis, as despesas que, tendo em consideração o objecto do contrato de arrendamento, determinam o desenvolvimento e melhoria da capacidade produtiva do prédio, e, consequentemente o seu valor.
8ª Tendo em atenção estas definições previstas no Regime do Arrendamento Rural e à especificidade do prédio em questão, o recorrente ao limpar as silvas daquele prédio que cobriam as árvores existentes, ao retirar as árvores que estavam apodrecidas, ao plantar árvores de fruto novas, ao limpar a charca existente e ao colocar um sistema de rega para aproveitamento da água dessa charca, teve como objectivo manter as características e potencialidades fundamentais do prédio, ou seja, manter o prédio como um prédio de cultura arvense e regadio, e, consequentemente, manter a respectiva capacidade produtiva, que neste caso seria retirar o máximo de frutos possíveis, pelo que o recorrente fez prova de ter efectuado benfeitorias necessárias no prédio.
9ª Estando demonstrado nos autos que o valor dessas benfeitorias necessárias, ascendem ao montante de 14.429,17 €, correspondente à soma das quantias constantes dos factos das alíneas 8) e 9) [3.999,60 € + 10.429,57 €], é este o valor que o recorrente tem o direito a ser indemnizado pelos recorridos.
10ª Mesmo que se considerasse as benfeitorias realizadas pelo recorrente como úteis, o seu levantamento levaria a um detrimento do prédio rústico, uma vez que afectaria a capacidade produtiva daquele prédio, pelo que, por este motivo, o recorrente também teria de ser indemnizado por aquele montante de 14.429,17 €.
11º Face a este direito de crédito do recorrente sobre os recorridos, assiste-lhe o direito de retenção sobre o prédio em questão nos presentes autos, até que lhe seja pago o valor correspondente às benfeitorias.
12º De qualquer forma, a verdade é que não existe qualquer direito de indemnização a favor dos recorridos pela privação do uso, uma vez que os mesmos, não alegaram, nem provaram qualquer dano concreto a este título, conforme de resto, consta da própria sentença recorrida.
13º A presunção efectuada pela sentença recorrida, de que os recorrentes poderiam dar um uso ao prédio sem concretizar qual o uso, é ilegal, pois viola o direito ao contraditório, bem como, o ónus da prova, porque a entender-se de forma diversa o recorrente não estaria apto a contraditar o referido uso e teria que ser ele a fazer a prova de um facto negativo, ou seja, a não existência do dano e do prejuízo.
14º Estabelecer, como fez a sentença recorrida, o quantum da indemnização na ponderação de dois danos distintos [o uso pela locação do prédio e o uso pela explotação agrícola do prédio], além de ilegal, demonstra mesmo que não foi feita a prova de qualquer dano concreto nem o seu prejuízo e que se viola o direito do contraditório do recorrente, bem como, o ónus da prova.
Assim, a sentença recorrida, por erro de aplicação e de interpretação violou, além do mais, o disposto nos seguintes artigos: nº 3 do art 3º, artº 5º, artº 463º e artº 466º, todos do CPC, nos arts. 216º, 342º, 352º e sgts., 755º e 1273º do CCivil e artº 5º do Novo Regime do Arrendamento Rural [Dec-Lei nº 294/2009 de 13 Outubro].
Termina entendendo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a reconvenção e, em consequência, condene os recorridos a pagar ao recorrente a quantia de € 14.429,17 pelas benfeitorias e que confirme o direito de retenção do prédio pelo recorrente, até que os recorridos paguem a referida indemnização, bem como julgue improcedente os pedidos 2. e 3. da petição inicial.
Os AA. apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, ou caso seja revogada, entendem que o valor pedido deve limitar-se ao que se considere serem benfeitorias (se a limpeza do terreno, se os fertilizantes de adubo, se os esteios e arames, se as plantas de kiwi, se o sistema de rega, se os sulfatos) e, em qualquer caso, sempre o subsídio recebido pelo recorrente deve ser deduzido à indemnização que peticiona.
O recurso foi admitido por despacho de 2/06/2020 (refª. Citius 168364280).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo R. A. J., delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) – Do direito de indemnização do R. pelas benfeitorias;
III) – Saber se o R. goza do direito de retenção sobre o prédio;
IV) – Do direito de indemnização dos AA. pela privação de uso do terreno.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:
1) Mostra-se inscrita no registo, em nome dos ora autores, a propriedade do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ..., na freguesia de ..., com a área de 12.800 m2, composto de campo de cultura arvense e de regadio, a confrontar, do norte com A. M. e outro, do sul com J. N. e outro, do nascente com Estrada Nacional e, do poente, com M. R. e herdeiros. 2) O prédio referido em 1) pertenceu a A. F., tendo sido transmitido, por sucessão, a J. S. e M. L.. 3) Por escritura pública datada de 15.02.2017, J. S. e M. L. declararam vender aos ora autores, que declararam comprar, o prédio referido em 1). 4) Por escrito particular datado de 23 de Abril de 2003, A. F., referido em 2), declarou ceder o gozo do prédio referido em 1) ao ora réu A. J., pelo prazo de 15 anos contados daquela assinatura, gratuitamente. 5) No escrito referido em 4), as partes acordaram, entre o demais, que “os melhoramentos fundiários, plantações ou construções realizados pelo 2º outorgante [ora réu] (…) ficam autorizados (…)”. 6) Acordaram ainda em prorrogar o acordo automaticamente caso “não fo[sse] denunciado por nenhuma das partes até 6 meses do seu fim”. 7) Por notificação judicial avulsa datada de 09.08.2017 e recebida pelo réu marido em 11.09.2017 e pela ré mulher em 20.09.2017, os ora autores declararam não pretender ver renovado o contrato de comodato e requereram a entrega/restituição do prédio para 22.04.2018. 8) Após o referido em 4), o ora réu A. J. efectuou terraplanagens, com vista à retirada das silvas que haviam crescido no prédio, bem como procedeu à limpeza do terreno e da charca lá existente, despendendo quantia não concretamente apurada mas não inferior a € 3.999,60 [€ 1999,60 + € 2000,00]. 9) Entre 2005 e 2007, em materiais para preparação da produção de kiwis, designadamente com tubagem, arame, esteios, sulfatos e outros produtos, o réu marido despendeu não menos do que € 10.429,57. 10) Para desenvolver o projecto de plantação de kiwis, o réu marido recebeu um subsídio no valor de € 5.062,86 por parte do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, em Maio de 2008. 11) O referido em 9) permitiu que o prédio actualmente produza cerca de 2 toneladas de kiwis por ano, gerando um rendimento médio de € 3.000,00, o que corresponde a € 250,00/mês (3000:12=250). 12) Num contexto de exploração das árvores de fruto existentes no prédio, o mesmo poderia ser arrendado por um valor não concretamente apurado mas nunca inferior a € 100,00/mês. 13) No período decorrido desde 2003 até aos dias de hoje, o ora réu colheu os frutos da produção, destinando-os como entendeu, designadamente vendendo a particulares.
Por outro lado, na sentença recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:
a) a ré mulher tivesse intervindo nos termos do acordo referido em 4); b) que a produção de fruta seguisse o método biológico e os frutos fossem biológicos; c) o pomar tenha o valor de € 50.000,00.
*
Apreciando e decidindo.
I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Vem o R. A. J., ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:
a) - face à matéria alegada nos artºs 11º, 12º, 32º e 33º da contestação / reconvenção, seja dado como provado o seguinte facto, acrescentando-se uma nova alínea aos factos provados: Quando foi entregue ao réu o prédio referido em 1), ele encontrava-se cheio de mato e silvas;
b) – o ponto 12) dos factos provados seja dado como não provado;
c) – a alínea b) dos factos não provados seja eliminada e acrescentada uma nova alínea aos factos provados com a seguinte redacção: Apesar de não estar certificada como biológica, ou que seja possível a sua certificação, a produção de frutas pelo Réu é biológica no sentido de não se usar qualquer produto químico para a produção em massa;
por entender que o Tribunal “a quo” não julgou correctamente tal factualidade, na medida em que fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova produzida nos autos, designadamente do depoimento de parte do Réu e dos depoimentos das testemunhas J. M. e N. F., arroladas pelos RR., verificando-se, ainda, da própria motivação da decisão da matéria de facto, que as declarações do Autor não têm qualquer relevância para a decisão do facto provado nº. 12.
Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:
A mais dos factos aceites pelas partes, na formação da sua convicção o tribunal atendeu à documentação junta a fls. 8, verso, ss. [certidão do registo predial para prova do referido em 1) e 2)]; 15 ss. [escrito particular referido em 4), 5) e 6)]; habilitação de herdeiros e testamento junto a fls. 13 ss. para prova do referido em 2); escritura pública de fls. 16 ss. para prova do referido em 3); notificação judicial avulsa de fls. 21 ss., com recepções atestadas a fls. 29, verso, e 31, comprovando o referido em 7); recibo de fls. 63, relativo à factura que consta do verso, que se reporta aos trabalhos de limpeza da charca, confirmados em audiência de julgamento pela testemunha A. M. - que na mesma altura efectuou também trabalhos de terraplanagem e que recebeu, pelos mesmos, uma quantia seguramente não inferior a € 1.000,00, tendo esta afirmação sido considerada para efeitos da fixação do valor referido em 8), já que a testemunha se pronunciou de modo credível, distanciado do caso e com evidente razão de ciência (tudo sem prejuízo do valor de € 2.000,00, que acresce a este, e que adiante será referido). Para o valor referido em 9) foram considerados os documentos juntos a fls. 60, verso, a 65, não havendo dúvidas de que o réu efectivamente desenvolveu o projecto de pomar, especialmente orientado para a produção de kiwi, tendo sido precisamente por causa desse projecto que recebeu o subsídio mencionado em 10) e documentado a fls. 127. Como o próprio réu referiu em sede de declarações/depoimento de parte, o pedido para obtenção de subsídio era bastante superior, na ordem dos € 25.000,00, mas apenas lhe foi deferido aquele montante, em parte porque o mesmo recusou a colocação de um poço no terreno, uma vez que a charca que lá estava desde momento anterior ao do contrato, e que o mesmo entretanto limpou, lhe dava acesso à água de que carecia (cerca de 60 litros por pé/dia). Apesar de o declarante ter afirmado que a produção era biológica, essa prova não foi feita. Desde logo, o mesmo não soube referir se os produtos que utilizou e estão documentados a fls. 61 e 62 são consentidos na produção biológica e/ou impedem essa qualificação. Acresce que aquela fruta não recebeu certificação biológica, o que, por si só, é impeditivo da afirmação de que a mesma o é (sendo certo que, por vezes, a produção pelo método biológico – que aqui não se provou – não basta à certificação biológica, em função dos solos e riachos adjacentes). De resto, o declarante afirmou, a propósito dos fetos acastanhados da imagem de fls. 91, frente e verso, que os mesmos ficam na margem do prédio, confinando com a estrada, sendo a Junta de Freguesia que trata de os queimar com herbicida. Ora, a presença de herbicida numa área tão próxima colidiria sempre com a produção e certificação biológicas. Essas as razões conducentes à não prova do facto pertinente [al. b)]. Quanto aos artigos 11) a 13), foi o próprio réu quem os afirmou, sendo que, apesar de o autor ter referido, também em sede de declarações, que pretendia obter um rendimento de € 500,00/mês com o arrendamento do prédio, designadamente por pretender destiná-lo a alguma actividade (vg., armazenamento de materiais), o certo é que, apesar dessa afectação não ser inviável (a caracterização do prédio como terreno de cultura arvense de regadio não é necessariamente impeditiva dessa afectação) nenhuma prova juntou nesse sentido (vg., um potencial candidato a esse tipo de arrendamento). A intervenção da ré C. M. no acordo de vontades não ficou demonstrada, sendo que a mesma se apresentou em julgamento afirmando que não sabe nada do negócio e que não assinou o acordo, como de facto não assinou. Daí a não prova da al. a). É de sublinhar que os réus trabalham por conta de outrem, com actividade profissional distinta entre si e não relacionada com a agricultura. A venda da fruta que o réu conseguia produzir era um extra para as economias domésticas (e não era actividade fiscalmente declarada, como o próprio réu admitiu em julgamento – e, porventura, a recusa para a obtenção da sua declaração de IRS não é alheia a esse facto – vd. fls. 117). Para a alínea c) não foi feita prova rigorosamente nenhuma. J. A., que vendeu o prédio aos ora autores, declarou em julgamento que assistiu à negociação do acordo de vontades referido em 4), esclarecendo que o ora réu, noutro(s) prédio(s), era caseiro do primitivo proprietário do prédio em causa nestes autos, A. F.. O contrato foi celebrado por 15 anos com o intuito do ora réu poder obter um subsídio para a produção, não tendo existido qualquer contrapartida. Ou seja, todos os frutos percebidos foram utilizados em proveito próprio do réu. Daí que o depoente não contasse minimamente com a hipótese, que veio a verificar-se, de o réu, findos os 15 anos, se recusar a sair. Ou seja, quando vendeu o prédio aos ora autores, fê-lo com o esclarecimento de que teriam que pôr termo ao contrato antes da renovação, o que eles fizeram, mas não colocou a hipótese de o réu se manter no mesmo depois daquela comunicação. A testemunha M. O. não tinha conhecimento directo de factos relevantes, pelo que o seu depoimento não assumiu relevância. As testemunhas J. M. e N. F. participaram das limpezas do prédio, a pedido do réu, aquando da celebração do acordo de vontades referido em 4), tendo os seus depoimentos, positivamente relevados (já que nada os desmereceu), permitido concluir que cada um terá recebido, à data, cerca de € 1000,00, ao longo de pouco mais de um mês de trabalho. Este valor de € 2000,00 foi considerado no artigo 8) dos factos provados.
O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, o recorrente cumpriu os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de pequenos excertos do depoimento de parte do Réu/recorrente e dos depoimentos das testemunhas J. M. e N. F., por ele mencionadas para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Com efeito, após ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento – com destaque para o depoimento de parte do R. A. J., as declarações de parte do A. A. T. e os depoimentos das testemunhas J. M. e N. F. (que participaram na limpeza do prédio em causa, a pedido do R., quando este tomou conta do mesmo), todos eles mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pelo recorrente, bem como à matéria que este pretende aditar aos factos provados - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os depoimentos das demais testemunhas inquiridas, constatamos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova mencionados na fundamentação, confrontando-os, ainda, com as regras da experiência comum, tal como consta claramente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos e que merece a nossa concordância.
Vejamos então.
Entende o R., ora recorrente, que foram mal julgados os factos por si alegados nos artºs 11º, 12º, 32º e 33º da sua contestação / reconvenção e que deveria ter sido dado como provado o seguinte facto, acrescentando-se uma nova alínea aos factos provados: Quando foi entregue ao réu o prédio referido em 1), ele encontrava-se cheio de mato e silvas.
Argumenta, para tanto, que alegou nos mencionados artigos do seu articulado que aquele prédio, antes da sua entrega ao R./recorrente, há mais de 10 anos não era tratado, nem utilizado e, naquela altura, encontrava-se cheio de mato e silvas, não tendo este facto sido dado como provado, como se impunha em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento e por ter relevância para a decisão da causa.
O recorrente fundamenta a sua pretensão, quanto ao facto supra referido, em pequenos excertos do seu depoimento de parte e dos depoimentos das testemunhas J. M. e N. F. acima mencionadas, que transcreve nas suas alegações, afirmando que os mesmos foram considerados credíveis pelo Tribunal “a quo”, conforme resulta da “motivação de facto” inserta na sentença recorrida.
Como tivemos oportunidade de constatar pela audição da prova gravada, embora os três depoimentos acima referidos, dos quais constam os trechos transcritos nas alegações, façam menção de que o prédio em causa encontrava-se cheio de mato e silvas, sendo necessário proceder à sua limpeza para se poder aceder ao terreno e cuidar dele, afigura-se-nos que o facto que o recorrente pretende agora acrescentar aos factos provados, não tem relevo para a economia do processo, razão pela qual o Tribunal recorrido não o considerou sequer, nem nos factos provados, nem nos factos não provados.
De facto, o R. alegou na sua contestação / reconvenção ter feito trabalhos no prédio, que considera serem benfeitorias, pelas quais pede uma indemnização e até o reconhecimento do direito de retenção do prédio até os AA. o ressarcirem das quantias despendidas. Assim, o que importa “in casu” é saber que trabalhos foram feitos pelo R., para depois, aplicando o direito, decidir se constituem benfeitorias necessárias ou úteis e, sendo úteis, saber se podem ser retiradas sem detrimento do prédio benfeitorizado, pois que, quanto a estas, só as que não podem levantar-se sem detrimento da coisa é que são passíveis de ser indemnizadas.
Ora, a descrição dos trabalhos que foram feitos pelo R. e respectivos custos encontra-se plasmada nos pontos 8 a 10 dos factos provados, os quais não foram impugnados pelo ora recorrente, tendo sido com base naqueles factos que o Tribunal “a quo” apreciou se tais trabalhos se enquadravam no conceito de benfeitorias necessárias ou úteis e decidido o pedido de indemnização formulado pelo R. em sede de reconvenção.
Assim, não tendo relevo, para a determinação do valor das alegadas benfeitorias, saber qual era o estado da coisa benfeitorizada, mas apenas quais as benfeitorias que foram feitas, entendemos não ser de seleccionar qualquer facto relativo ao estado do prédio quando este foi entregue ao R., mas antes os factos relativos às obras ou trabalhos feitos, como já consta da sentença recorrida.
O recorrente pretende que seja considerado não provado o ponto 12) dos factos provados que passamos a transcrever: 12) Num contexto de exploração das árvores de fruto existentes no prédio, o mesmo poderia ser arrendado por um valor não concretamente apurado mas nunca inferior a € 100,00/mês.
Para tanto, argumenta o recorrente que este facto provém da matéria alegada pelos recorridos no artº. 29º da petição inicial, que foi por si impugnado na contestação, para prova do qual aqueles solicitaram a prova por confissão, mediante depoimento de parte do recorrente, bem como a prestação de declarações de parte. Acrescenta que apesar de na motivação da decisão de facto constar que "quanto aos artigos 11) a 13), foi o próprio réu quem os afirmou", a verdade é que o Tribunal “a quo” não considerou que tenha havido confissão deste facto por parte do recorrente, pois não consta da acta da audiência de julgamento de 5/02/2020 qualquer assentada nos termos do artº. 463º do CPC, resultando do depoimento do Réu prestado em audiência de julgamento o contrário a esse facto, pois o mesmo não sabia qual o valor do arrendamento de um terreno como aquele e apenas pôs a hipótese de poder chegar aos € 100,00/mês, mas nunca um valor superior a esse. Segundo o recorrente, referir que nunca poderá ser superior a € 100,00/mês, como afirmou no seu depoimento, é o contrário de nunca inferior a € 100,00/mês, que ficou como provado no facto nº. 12.
Refere, também, que se verifica da própria motivação de facto que as declarações do Autor não têm qualquer relevância para a decisão daquele facto, não tendo sido consideradas credíveis pelo Tribunal “a quo”, pois não indicou qualquer elemento, nem juntou qualquer prova que corroborasse o seu depoimento.
Pretende, ainda, o recorrente que a alínea b) dos factos não provados seja eliminada e acrescentada uma nova alínea aos factos provados com a seguinte redacção: Apesar de não estar certificada como biológica, ou que seja possível a sua certificação, a produção de frutas pelo Réu é biológica no sentido de não se usar qualquer produto químico para a produção em massa.
Para fundamentar a sua pretensão, o recorrente estriba-se no trecho do seu depoimento que transcreve nas alegações, argumentando que não estando aqui em causa se a produção referida como biológica era ou não certificada, ou se tinha possibilidades de obter essa certificação, impunha-se que o Tribunal “a quo” tivesse dado como provado que a produção de fruta é biológica, sem o uso de qualquer químico para a produção em massa.
O ora recorrente justifica a pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com uma perspectiva subjectiva, mediante uma apreciação unilateral e parcial da prova, pretendendo substituir a convicção que o Tribunal recorrido formou sobre a prova produzida pela sua própria convicção pessoal que, relativamente aos factos colocados em crise (ponto 12 dos factos provados e alínea b) dos factos não provados), não coincide com a do julgador.
Na realidade, o R./recorrente fundamenta a sua discordância, quanto aos factos supra referidos, essencialmente, no seu depoimento de parte, e em particular nos pequenos excertos que transcreve nas alegações, alegando que as declarações de parte do Autor não têm qualquer relevância para a decisão do facto provado nº. 12, não tendo sido consideradas credíveis pelo Tribunal “a quo”, pois não indicou qualquer elemento, nem juntou qualquer prova que corroborasse o seu depoimento.
Relativamente ao depoimento de parte a que aludem os artºs 352º e 356º, nº. 2 do Código Civil, refere o acórdão da Relação de Lisboa de 10/04/2014 (proc. nº. 2022/07.1TBCSC-B, disponível em www.dgsi.pt,) que “é já hoje aceite por numerosa jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios”.
Ademais, no acórdão da Relação de Guimarães de 29/05/2014 (proc. nº. 2797/12.6TBBCL-A, disponível em www.dgsi.pt) refere-se que “actualmente, e perante o que dispõe o artº. 466º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção”, acrescentando, ainda, no que concerne ao depoimento de parte, que já não fará sentido reduzir tal depoimento aos factos que sejam desfavoráveis ao depoente, “integrando também o domínio da livre apreciação do juiz os factos declarados pela parte que lhe sejam favoráveis, ainda que se reconheça que esta apreciação terá de ser mais rigorosa e apertada que a parte do relato dos factos desfavoráveis, impondo-se a conjugação com outros elementos de prova que apontem no sentido da corroboração da realidade daqueles factos”.
Defende o Prof. José Lebre de Freitas (in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278) que a apreciação que o juiz faça das declarações de parte (um novo e autónomo meio de prova, introduzido pelo Código do Processo Civil de 2013, com o normativo do artº. 466º) importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.
Por outro lado, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade.
Como é sabido, as declarações/depoimento de parte contêm sempre um risco de parcialidade decorrente da posição das mesmas na lide e do manifesto interesse que têm no desfecho da acção, pelo que devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, tendo sempre em conta a fragilidade intrínseca deste meio probatório.
Fazer depender a avaliação de um facto, unicamente, das declarações/depoimento de uma parte sem a necessária confirmação de outros meios de prova relevantes, dificilmente se justificará, uma vez que a parte, tendo um interesse directo na causa, normalmente confirma as posições por si assumidas nos articulados, que lhe são favoráveis.
Como vem sendo defendido na jurisprudência, a relevância das declarações de parte (e também do depoimento de parte) poderá justificar-se pela possibilidade de vir a fornecer elementos relevantes para a apreciação da prova, particularmente se forem confirmadas por outros elementos probatórios relevantes.
Importa, assim, nas declarações da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja corroborado por outros meios de prova, designadamente que tais declarações sejam confirmadas por outros dados que, ainda que indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração.
Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a confirmação por algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes (cfr. acórdão da RG de 18/01/2018, proc. nº. 294/16.0Y3BRG, disponível em www.dgsi.pt).
Como bem resulta da “motivação de facto”, o Tribunal “a quo” analisou tanto o depoimento de parte do Réu A. J., como as declarações de parte do Autor A. T., de forma crítica e com o cuidado que lhe é exigido, dado o interesse directo que os mesmos têm na decisão da causa, referindo a propósito do ponto 12 dos factos provados o seguinte: «Quanto aos artigos 11) a 13), foi o próprio réu quem os afirmou, sendo que, apesar de o autor ter referido, também em sede de declarações, que pretendia obter um rendimento de € 500,00/mês com o arrendamento do prédio, designadamente por pretender destiná-lo a alguma actividade (vg., armazenamento de materiais), o certo é que, apesar dessa afectação não ser inviável (a caracterização do prédio como terreno de cultura arvense de regadio não é necessariamente impeditiva dessa afectação) nenhuma prova juntou nesse sentido (vg., um potencial candidato a esse tipo de arrendamento)».
Refere o recorrente que não houve confissão quanto ao ponto 12 dos factos provados, porque, se a houvesse, isso teria de constar da assentada a que se refere o artº. 463º do NCPC.
Todavia, não lhe assiste razão. O que os AA. alegaram no artº. 29º da petição inicial foi que o prédio arrendado lhes permitiria obter uma renda mensal nunca inferior a € 300, sendo que isto não foi confessado e, obviamente, não consta da assentada. Mas isso não significa que não possa considerar-se provado um valor inferior (neste caso um terço), com base em declarações que, não sendo confessórias do alegado, não foram assentadas, por não terem que ser, mas que são livremente apreciadas pelo Tribunal.
Ora, revisitado o depoimento de parte do Réu, constatamos que foi ele próprio a admitir, após ter hesitado um pouco perante a pergunta que lhe foi feita pelo mandatário dos AA., que um terreno daqueles poderia ser arrendado por um valor não superior a € 100 por mês.
Analisando aquela declaração vinda do próprio Réu, contra quem está pedida indemnização por deter ilicitamente o prédio, tendo em conta que se trata de um campo de cultura arvense e de regadio com mais de 10.000 m2 e que confronta com uma Estrada Nacional (cfr. ponto 1 dos factos provados), será fácil concluir que, num contexto de exploração de árvores de fruto, o valor de € 100/mês seria o valor mínimo que os AA. obteriam se o pudessem arrendar.
Relativamente ao supra referido facto que o recorrente pretende ver acrescentado ao capítulo dos factos provados, em substituição da alínea b) dos factos não provados que, em seu entender, deve ser eliminada, não se vislumbra que este facto seja relevante para a economia do processo.
Como vimos, o R./recorrente alegou, na sua contestação, ter efectuado naquele terreno uma plantação de kiwis, no segmento da produção biológica, quando pediu uma indemnização por benfeitorias e por cessação do contrato de comodato.
A cessação do contrato no seu termo não merece ser indemnizada e disso não apelou o Réu. Quanto a benfeitorias, o que importa, como já se referiu, é saber que trabalhos foram feitos e se eles aumentam o valor do prédio e em que medida. Saber se a produção é biológica não altera os termos da pretendida indemnização por benfeitorias.
Seja como for, o Tribunal recorrido fundamentou a não prova do facto vertido na mencionada alínea b) nos seguintes termos:
«Apesar de o declarante ter afirmado que a produção era biológica, essa prova não foi feita. Desde logo, o mesmo não soube referir se os produtos que utilizou e estão documentados a fls. 61 e 62 são consentidos na produção biológica e/ou impedem essa qualificação. Acresce que aquela fruta não recebeu certificação biológica, o que, por si só, é impeditivo da afirmação de que a mesma o é (sendo certo que, por vezes, a produção pelo método biológico – que aqui não se provou – não basta à certificação biológica, em função dos solos e riachos adjacentes). De resto, o declarante afirmou, a propósito dos fetos acastanhados da imagem de fls. 91, frente e verso, que os mesmos ficam na margem do prédio, confinando com a estrada, sendo a Junta de Freguesia que trata de os queimar com herbicida. Ora, a presença de herbicida numa área tão próxima colidiria sempre com a produção e certificação biológicas».
Porém, dizer-se, como refere o recorrente, que apesar de não estar certificada como biológica, a sua produção de frutas é biológica no sentido de que não foram usados produtos químicos, não tem sustentação na prova produzida. Como é sabido, o facto da produção agrícola ser feita sem recurso a produtos químicos, só por si, não atesta que seja biológica, ou que siga o método biológico, ou que os frutos produzidos sejam biológicos.
De acordo com informação disponível no site da DGADR, a produção biológica é um sistema global de gestão das explorações agrícolas e de produção de géneros alimentícios que combina as melhores práticas ambientais, um elevado nível de biodiversidade, a preservação dos recursos naturais, a aplicação de normas exigentes em matéria de bem-estar dos animais e método de produção em sintonia com a preferência dos consumidores por produtos obtidos utilizando substâncias e processos naturais.
Na União Europeia, a agricultura biológica é alvo de legislação específica - o Regulamento (CE) nº. 834/2007 de 28 de Junho e o Regulamento (CE) nº. 889/2008 de 5 de Setembro, estabelecem as regras básicas que os produtores biológicos têm de adoptar, relativas à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos, estabelecendo normas detalhadas cujo cumprimento é controlado e certificado por organismos acreditados para o efeito. Os produtos de agricultura biológica são reconhecidos pelo logótipo europeu de agricultura biológica.
As regras europeias relativas ao modo de produção biológico estabelecem os objectivos e princípios comuns destinados a aplicar relativamente a todas as fases da produção, preparação e distribuição dos produtos biológicos e ao seu controlo.
O logótipo referente aos produtos biológicos que passaram pelo sistema de controlo e certificação de acordo com a regulamentação europeia, permite que qualquer consumidor possa identificar estes produtos com maior facilidade.
Refere o recorrente que a decisão do Tribunal “a quo” assentou na falta de certificação da produção biológica, acrescentando que a alegação que fez foi mais factual do que jurídica. Ora, com todo o respeito por opinião contrária, saber se a produção é certificadamente biológica, é um facto e não matéria jurídica.
E analisada a “motivação de facto” inserta na sentença recorrida, constata-se que o recorrente pretende inverter a resposta a este facto com as declarações do próprio em audiência de julgamento, num claro reconhecimento de que nenhuma outra prova se produziu.
Aliás, se assim fosse, seria fácil ao recorrente fazer uma agricultura com produtos químicos e ver provada a agricultura biológica. Bastaria não mostrar facturas dos produtos químicos utilizados e declarar que a produção é biológica. Por outro lado, e como se refere na decisão recorrida, é de sublinhar que o recorrente, para se esquivar da alegação, feita pelos recorridos, de que o campo não era limpo, juntando fotografias da berma da estrada que retratam fetos acastanhados, situados na margem do prédio e confinantes com a estrada, declarou que a limpeza dessa vegetação não lhe competia, mas sim à Junta de Freguesia, que utiliza herbicida para os queimar, sendo que a presença dessa substância química naquela área, obviamente, contamina os solos, o que não se coaduna com a produção biológica e respectiva certificação.
Em suma, escrutinados o depoimento de parte do Réu, as declarações de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas mencionadas pelo recorrente, conjugados com os restantes meios de prova produzidos e em consonância com o que se mostra explanado na “motivação de facto”, não se vislumbra que tais declarações/depoimentos (designadamente nos excertos em que o recorrente se estriba) sejam de molde a permitir a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente, não tendo este Tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Com efeito, os factos dados como provados e não provados são o resultado da análise cuidadosa de toda a prova produzida e respectiva valoração feita pelo Tribunal “a quo”, tal como consta da motivação de facto supra transcrita, na qual explicitou claramente, não apenas os vários meios de prova (depoimento/declarações de parte, depoimentos das testemunhas e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, sendo certo que nada de relevante foi aduzido pelo recorrente no sentido de infirmar a apreciação feita pelo Tribunal.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pelo recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos por ele pretendidos.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
De acordo, pois, com o citado artº. 607º, nº. 5 do NCPC, o Tribunal “a quo”, neste caso, apreciou livremente o depoimento e as declarações de parte e os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, em conjugação com as demais provas produzidas, designadamente a prova documental, sopesando-as com as regras da experiência comum, tendo decidido segundo a sua prudente convicção acerca da factualidade ora colocada em crise.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com os documentos mencionados e as regras da experiência comum, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente à matéria de facto que o recorrente pretende ver alterada, inexistem quaisquer elementos de prova que permitam formar uma convicção diferente.
É certo que o recorrente não concorda com o decidido, mas não carreou para os autos prova consistente que imponha decisão diversa, como bem refere o Tribunal “a quo” na sentença recorrida.
Deste modo, porque a decisão sobre a matéria de facto não merece reparo, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pelo Réu.
*
II) – Do direito de indemnização do R. pelas benfeitorias:
Entende o ora recorrente que o Tribunal “a quo” não tem razão ao concluir, na sentença recorrida, que "o réu não provou ter efectuado quaisquer despesas tendentes a evitar a perda, deterioração do prédio", alegando que as despesas que efectuou e que se encontram descritas nos factos provados, tendo em conta a particularidade do prédio em causa, enquadram-se nas acções de conservação definidas na al. a) do artº. 5º do DL 294/2009 de 13/10, que estabelece o Novo Regime do Arrendamento Rural.
Pretende, pois, o recorrente que os trabalhos por ele efectuados no terreno em causa sejam considerados benfeitorias necessárias, fazendo, para tanto, apelo a normas específicas do Novo Regime do Arrendamento Rural, designadamente ao disposto na al. j) do artº. 5º do citado DL 294/2009, em confronto com o consignado na al. l) do mesmo preceito legal.
Convém recordarmos que a sentença recorrida julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pelo R./recorrente, com a seguinte fundamentação a respeito das alegadas benfeitorias, sempre orientada pela circunstância de estar em causa um contrato de comodato [transcrição]:
“Efectivamente, de acordo com o disposto no art. 1138º do CC, o comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé. Ou seja, tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias e, bem assim, a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela.
Sob a epígrafe “Benfeitorias necessárias e úteis” preceitua o art. 1273º do CC que «[t]anto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa».
Nos termos do nº 3 do art. 216º do CC, «[s]ão benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante».
Não são benfeitorias necessárias os encargos com a coisa pagos pelo comodatário para frutificação da coisa – vd. art. 1272º do CC -, pois estes não constituem despesa feita para evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. Também não são havidas como benfeitorias necessárias as despesas de cultura, sementes ou matérias primas a que se referem os arts. 215º e 1270º, nº 2. Estas últimas são destinadas à frutificação da coisa e não à sua conservação» - cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, 2ª edição, Vol. III, p. 42.
De resto, o réu não provou ter efectuado quaisquer despesas tendentes a evitar a perda, deterioração ou destruição do prédio.”
Como já referimos, pretende o recorrente que se considerem benfeitorias necessárias os trabalhos que alegou ter efectuado e que demonstrou apenas em parte, fazendo para tanto uso de normas e conceitos do Novo Regime do Arrendamento Rural, previsto no supra citado DL 294/2009 de 13/10, apenas porque estamos perante um prédio rústico, mais concretamente, perante um campo de cultura arvense e de regadio.
Contudo, em nosso entender, tal facto é irrelevante, porquanto o recorrente não pode ignorar que estamos perante um contrato de comodato, que é diferente do contrato de arrendamento rural – enquanto o primeiro é gratuito, o outro é oneroso.
E o conceito de benfeitorias necessárias é, para o efeito do contrato de comodato, o que consta das normas por que se orientou o Tribunal recorrido e não outras, designadamente as normas especiais do arrendamento rural, que só poderiam aplicar-se “in casu” se estivéssemos perante uma lacuna, o que não acontece.
Seja como for, as acções de conservação, que têm por finalidade manter a capacidade produtiva dos prédios rústicos, a que se refere o Novo Regime do Arrendamento Rural [artº. 5º, al. a)], não são, seguramente, a plantação, porque isso já não é manter a capacidade produtiva, mas antes produzir.
Por outro lado, os trabalhos de limpeza do terreno e da charca lá existente, não constituem benfeitorias. Seria inconcebível que o arrendatário de um prédio para habitação viesse, findo o contrato de arrendamento, pedir ao senhorio o dinheiro que gastou na limpeza da habitação, porque estaria suja no início. Pior seria num contrato de comodato, por ser um negócio gratuito.
Por outro lado, a instalação de um sistema de rega de kiwis também não pode considerar-se uma obra que tem por finalidade manter a capacidade produtiva, mas antes aumentar a capacidade produtiva de culturas que carecem de muita água, como é o caso da cultura do kiwi (cfr. https://www.vidarural.pt/insights/a-nova-vida-da-cultura-do-kiwi).
De resto, não podemos olvidar, assim como não olvidou o Tribunal recorrido, que não são havidas como benfeitorias necessárias, nem os encargos, nem as despesas de cultura, sementes ou matérias-primas pagas pelo comodatário, destinadas à frutificação da coisa e não à sua conservação, nos termos do disposto nos artºs 215º, 1270º, nº. 2 e 1272º todos do Código Civil (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 42).
Como referem os mesmos autores, em anotação ao artº. 216º do Código Civil, “pela sua finalidade, as benfeitorias não se confundem com as despesas de produção ou cultura” (in Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 193).
Em suma, nenhum dos trabalhos dados como provados nos autos constitui benfeitoria necessária, nem à luz do disposto no artº. 216º, n.º 3 do Código Civil, nem à luz do disposto nas normas do Novo Regime do Arrendamento Rural.
Defende, ainda, o recorrente que mesmo que se considerasse que as benfeitorias por ele realizadas no prédio rústico dos autos eram úteis, teria direito a ser indemnizado do montante por ele gasto num total de € 14.429,17, pois o levantamento daquelas levaria a um detrimento do prédio, uma vez que afectaria a sua capacidade produtiva.
Sobre este aspecto, salientamos o que foi decidido na sentença recorrida que passamos a transcrever:
“As benfeitorias úteis são as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam o valor. Para evitar locupletamento, por um lado, e prejuízo, por outro, permite-se ao autor destas benfeitorias levantá-las, conquanto não haja detrimento para a coisa. Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA na obra e local citados, «[o] detrimento refere-se à coisa e não às benfeitorias. Quanto a estas, a possibilidade de detrimento não tem relevância jurídica» - sublinhado acrescentado.
Ou seja, o possuidor (ou, no caso, o comodatário) só tem o direito a receber alguma indemnização por estas benfeitorias (calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa, de acordo com o estabelecido no nº 2 daquele art. 1273º, de acordo com as regras plasmadas no art. 429º do CC) se provar que do seu levantamento resulta detrimento para a coisa.
Essa prova cabe-lhe a si – nº 2 do art. 342º do CC.
Ora, no caso dos autos, o réu não fez esta prova, donde, mesmo que as benfeitorias possam qualificar-se como sendo úteis, não se verificam os pressupostos da indemnização pedida pelo réu.
Além disso, o incremento de valor no prédio não foi exclusivamente feito por via de despesas suportadas pelo património do réu, atento o subsídio obtido. Onde não houve sacrifício económico, o réu não poderia ser reembolsado”.
Como vimos, o Tribunal “a quo” não considerou que fossem benfeitorias necessárias os trabalhos que o recorrente provou ter feito. Acrescentou que, ainda que se considerassem aqueles trabalhos como benfeitorias úteis, caberia ao R./recorrente fazer a prova de que não podiam ser levantadas sem detrimento do prédio, o que ele não logrou fazer.
Adiantamos, desde já, que acompanhamos este entendimento do Tribunal recorrido.
Conforme resulta da sentença sob escrutínio, uma parte desses trabalhos consta do ponto 8 dos factos provados:
8. Após o referido em 4), o ora réu A. J. efectuou terraplanagens, com vista à retirada das silvas que haviam crescido no prédio, bem como procedeu à limpeza do terreno e da charca lá existente, despendendo quantia não concretamente apurada mas não inferior a € 3.999,60 [€ 1.999,60 + € 2.000,00].
Como já se referiu, os trabalhos de limpeza das silvas (e é só disso que se trata, mesmo com a menção a terraplanagens, como declarou o próprio R. em audiência de julgamento) e de limpeza da charca, não constituem benfeitorias, nem necessárias, nem úteis.
De facto, o próprio R. declarou que o terreno já estava nivelado e que a terraplanagem foi só para remover as raízes das silvas e do mato (que foram cortadas), quando isso lhe foi perguntado pela Mª Juíza “a quo”.
Ora, em termos comparativos, limpar o terreno cedido em comodato, é como limpar a casa dada de arrendamento - não é uma benfeitoria necessária, pois que não se destina a evitar a perda, deterioração ou destruição do prédio, mas antes a plantar uma nova cultura ou a utilizar a casa. Tal acto também não constitui uma benfeitoria útil, pois que não aumenta o valor do prédio, apenas lhe dando um melhor aspecto.
De resto e no caso dos autos, o R. sempre teria que limpar o prédio para nele fazer a plantação para a qual concorreu a um financiamento público.
Outra parte dos trabalhos que o R. provou ter feito no prédio rústico em questão consta do ponto 9 dos factos provados:
9. Entre 2005 e 2007, em materiais para preparação da produção de kiwis, designadamente com tubagem, arame, esteios, sulfatos e outros produtos, o R. marido despendeu não menos do que € 10.429,57.
Ora, a respeito da plantação de kiwis propriamente dita, importa referir que também não constitui benfeitoria necessária, como de resto o Tribunal recorrido apontou, socorrendo-se da posição defendida pelos Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, pois que não se destinam a conservar o prédio, mas antes a tirar frutos dele.
É que no valor referido no facto provado nº. 9 incluem-se, além do mais, adubo (cfr. doc. n.º 2 da contestação), calcário, superfosfato e sulfatos (cfr. doc. n.º 4 da contestação), os esteios e arames (doc. nºs 3 e 5 da contestação), bem como tubagem e outros materiais para o sistema de rega (cfr. doc. nº. 8 da contestação), produtos estes que não se destinaram a conservar o prédio, mas, e à semelhança da plantação, a tirar dele frutos e rendimento.
Resta apurar se a plantação de kiwis, os esteios, arames e sistema de rega constituem benfeitorias úteis e, na afirmativa, se não podem ser retiradas sem detrimento do prédio.
De acordo com o disposto no artº. 216º, nº. 3 do Código Civil, benfeitorias úteis são as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor.
Acontece que, no caso em apreço, não está provado que os referidos trabalhos realizados pelo R./recorrente tenham aumentado o valor do prédio, nem o R. o alegou, motivo por que não podem considerar-se benfeitorias úteis.
Por outro lado e mesmo que possa prescindir-se da demonstração desse requisito, não podemos esquecer que, por força do preceituado no artº. 1273º do Código Civil, “tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito […] a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela” (nº. 1) e “quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa” (nº. 2).
Com efeito, o pedido de indemnização por benfeitorias que não podem levantar-se sem detrimento da coisa destina-se a evitar um enriquecimento sem causa, à custa do possuidor, que é obrigado a entregar a coisa benfeitorizada.
Porém, o direito de indemnização por benfeitorias úteis, contrapartida da obrigação de restituição da coisa, depende ainda de o seu dono se opor ao levantamento das mesmas com fundamento em detrimento da coisa benfeitorizada. É que a possibilidade de o levantamento poder ser efectuado com ou sem detrimento do prédio depende do dono da coisa.
Por outro lado, o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias refere-se não a estas, mas antes à coisa benfeitorizada, sendo necessário alegar e provar quais as obras que correspondem a cada uma das espécies, a valorização da coisa, como consequência necessária e directa das mesmas, a deterioração resultante do levantamento e o respectivo custo e actual valor.
A isto acresce que sendo constitutivo o direito à indemnização pelo valor das benfeitorias úteis, a alegação e prova do facto de que o seu levantamento pode causar detrimento à coisa cabe aquele que o invoca, nos termos do nº. 1 do artº. 342º do Código Civil (cfr. acórdão do STJ de 23/11/2010, proc. nº. 3056/06.9TBVFR, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, no caso “sub judice”, mesmo que considerássemos que aqueles trabalhos constituem benfeitorias úteis, ainda assim o R. tinha que demonstrar que elas não podem ser retiradas sem detrimento do prédio, desiderato que este não logrou alcançar.
De facto e quanto a isto, o recorrente nenhuma prova fez. E mesmo que o tivesse feito, seria irrelevante. É que os esteios foram enterrados e podem ser retirados, assim como o arame, sem que isso danifique o prédio, que é um campo de cultivo. Do mesmo modo, o sistema de rega (para mais de kiwis, em que a rega é feita por cima e não enterrada no solo), pode ser retirado e isso não danificará o campo.
As plantas também podem ser retiradas sem que isso danifique o prédio, antes danificando, quiçá, as próprias plantas, o que também não está demonstrado.
Por outro lado, também não se provou que os AA. se oponham ao seu levantamento com fundamento em detrimento da coisa benfeitorizada, nem o respectivo valor actual.
Ainda que se considerasse haver detrimento do prédio, a indemnização fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, sempre seria calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do n.º 2 do artº. 1273º do Código Civil, ou seja, pelo mais baixo dos seguintes valores: o custo da execução dessas benfeitorias ou o aumento do valor da coisa, nos termos do n.º 2 do artº. 479º do Código Civil (cfr. acórdão da RL de 5/02/2009, proc. nº. 9542/08-2, disponível em www.dgsi.pt).
Também a este respeito nada se mostra provado na matéria de facto destes autos.
Conforme se alcança da motivação do recurso, o R./recorrente pretende receber o que gastou há cerca 15 anos atrás, sem sequer se saber se o terreno aumentou de valor com a plantação de kiwis e em que medida, sendo certo que já se passaram bastantes anos desde que a mesma foi feita, não sendo, por isso, nova.
Por último, o recorrente não leva em consideração que recebeu um subsídio do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas que, salvo melhor opinião, sempre deveria ser deduzido à indemnização pretendida.
Assim sendo, não tendo o R. provado, como lhe competia, os factos acima referidos que constituem requisitos do direito à indemnização por benfeitorias úteis a que se arroga (artº. 342º, nº. 1 do Código Civil), não goza o mesmo do direito de exigir dos AA. o pagamento da indemnização pelo seu valor.
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III) – Saber se o R. goza do direito de retenção sobre o prédio:
Alega o recorrente que face ao direito de crédito que tem sobre os recorridos, a título de benfeitorias, assiste-lhe o direito de retenção sobre o prédio em questão nestes autos até que lhe seja pago o valor correspondente às benfeitorias.
O direito de retenção de uma coisa depende da existência de um crédito pelo retentor (cfr. artº. 755º, nº. 1, al. e) do Código Civil). Ora, não existindo crédito do recorrente porque nenhum dos trabalhos que efectuou constitui benfeitoria que, ao ser retirada, danifique o prédio, não existe qualquer direito de retenção sobre o mesmo (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 597).
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IV) – Do direito de indemnização dos AA. pela privação de uso do terreno:
Defende o recorrente que, face ao direito de retenção, falece o pedido dos AA. referente à indemnização pela privação do uso, uma vez que o prédio só não lhes foi entregue pelo recorrente ao abrigo de um direito que lhe assiste.
Mas mesmo que se considere que não existe direito de retenção, o recorrente considera que não existe qualquer direito de indemnização a favor dos AA. pela privação de uso do terreno, uma vez que os mesmos não alegaram, nem provaram a existência de qualquer dano concreto que tenham sofrido e que tivesse repercussão negativa no seu património, conforme resulta da própria sentença recorrida.
Mais alega que a presunção constante da sentença recorrida, de que os AA. compraram o terreno para efectivamente lhe darem um uso (ou seja, poderiam dar um uso ao prédio sem concretizar qual o uso), é ilegal, pois viola o direito ao contraditório, bem como as regras do ónus da prova, pois a entender-se de forma diversa, o recorrente não estaria apto a contraditar o referido uso e se o mesmo tem qualquer repercussão negativa no património dos AA. (dano), para além de que teria que ser ele a alegar e provar um facto negativo, ou seja, a não existência do dano.
Segundo o recorrente, não é possível estabelecer, como fez a sentença recorrida, o quantum da indemnização na ponderação de dois danos distintos – ou seja, o uso pela locação do prédio e o uso pela sua exploração agrícola.
Na sequência da posição defendida na sentença recorrida e no acórdão desta Relação de 24/05/2018, proferido no proc. nº. 1263/16.5T8GMR (disponível em www.dgsi.pt), que aqui sufragamos, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência “a fonte da indemnização só pode residir, in casu, na responsabilidade extracontratual, enunciando o art.º 483º do C.C. os pressupostos respectivos: a verificação do facto; a ilicitude do facto; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; e o nexo causal entre o facto e o dano. O facto é aqui traduzido pela ocupação do (…). A ilicitude, que se traduz na desconformidade entre a conduta devida (conduta considerada no sentido objectivo), in casu, o respeito pela propriedade de outrem, e a conduta assumida pelo agente, que aqui se traduz na ocupação do (…) contra a vontade dos seus proprietários, sendo, consequentemente, violador do direito de propriedade destes. Na culpa aprecia-se a conduta no sentido subjectivo – reconduz-se a um juízo de censura ou de reprovação que é dirigido ao obrigado que, atentas as circunstâncias do caso, podia e devia ter agido de outro modo. A culpa, como nexo de imputação subjectiva ao agente, desdobra-se em duas vertentes: o dolo, que é a adesão da vontade ao comportamento ilícito, e a negligência, ou mera culpa, caracterizada por uma actuação sem a diligência ou o discernimento exigíveis ao agente. De acordo com o art.º 487º, n.º 2 do C.C. a culpa é apreciada de acordo com um padrão objectivo dado pela diligência de um bom pai de família. Na situação sub judicio temos de reconhecer que, por mais fundadas que fossem as expectativas dos Apelantes, atendendo ao longo tempo decorrido (…), aqueles não podiam olvidar que a sua permanência no [prédio] estava sempre dependente da boa vontade destes, já que só eles, enquanto proprietários, têm o poder de disposição sobre o imóvel. Assim, a sua recusa na entrega que lhes foi solicitada consubstancia, pelo menos, a negligência consciente. Relativamente aos danos, eles são toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, sendo indemnizáveis tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, de acordo com o art.º 564º, n.º 1 do C.C.”.
Como bem se refere na sentença sob censura, neste aresto da Relação de Guimarães, tal como no presente caso, colocou-se a questão do direito à indemnização pela simples privação de uso do imóvel, como restrição ilegítima do direito de propriedade, concluindo-se pela sua ressarcibilidade.
É um facto que na sentença recorrida, após transcrição de um segmento do acórdão do STJ de 27/04/2017 (proc. nº. 685/03.6TBPRG, disponível em www.dgsi.pt), consta o seguinte:
“Efectivamente, mesmo quando prove a privação do bem, o lesado não está desonerado da alegação e prova de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na sua esfera patrimonial, sendo que face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil. Contudo, estando em causa um terreno que os autores adquiriram, sabendo-o comodatado mas em fase terminal do prazo acordado, creio ser razoável concluir que o compraram para, efectivamente, lhe darem uso. Quanto ao valor devido a título de indemnização, apurou-se um valor locativo mínimo mas também um rendimento proporcionado pelo prédio. Não obstante este seja o rendimento que os réus colhem, e os autores poderão não colher, mormente se as benfeitorias vierem a ser levantadas, considero que é na ponderação destes dois valores que se encontra o valor mensal mais razoável.”
Refere-se no acórdão do STJ de 28/05/2009 (proc.º n.º 160/09.5YFLSB, disponível em www.dgsi.pt), citando António Abrantes Geraldes (in Indemnização do Dano a Privação do Uso, pág. 55, 61 e 62) o seguinte:
“Desde que a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de acto ilícito, a par do pedido de reivindicação, nos termos do art. 1311º do CC, pode ser formulado o pedido de indemnização, como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação, como ocorre quando esta atinge bens imóveis; se se provar que a indisponibilidade foi causa directa de prejuízos resultantes da redução ou perda de receitas, da perda de oportunidades de negócio ou da desvalorização do bem, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes. Mas mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição. A simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória. Sem embargo da prova que possa ser feita da total ausência de danos, não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, um valor razoável e justo. Não é imprescindível que o lesado invariavelmente alegue e prove a existência de danos efectivos. Decerto tais danos podem ser invocados. E, uma vez provados, podem servir para, com mais rigor, quantificar a indemnização ou permitir a atribuição de um quantitativo superior.”
Aderimos a esta posição, tanto mais que o art.º 569º do Código Civil permite que o lesado, ao exigir a indemnização, não indique a importância exacta em que avalia os danos, permitindo-lhe igualmente que, no decurso da acção, reclame quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores, visando, deste modo, garantir que se cumpra a finalidade da indemnização – reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, nos termos do artº. 562º do Código Civil.
Se não se puder averiguar o valor exacto dos danos, porque não pode deixar de se satisfazer o direito do lesado à indemnização, o tribunal julgará equitativamente, nos termos do nº. 3 do artº. 566º do mesmo Código (cfr. acórdão da RG de 24/05/2018 acima referido).
É sabido que é difícil demonstrar os concretos prejuízos resultantes da privação do uso de um bem. Mas disso não pode beneficiar o inadimplente que não entrega a coisa que tem que restituir e ainda sai premiado por não indemnizar por isso, só porque o lesado não prova que concreto prejuízo sofreu, o que, de todo o modo, não é o caso dos autos. Tal entendimento não convenceu o legislador que, a respeito do arrendamento, até estabeleceu que o arrendatário que esteja em mora na restituição do locado indemnizasse o senhorio com o valor correspondente ao dobro da renda, nos termos do disposto no artº. 1045º, n.º 2 do Código Civil.
Aliás, como resulta da jurisprudência acima citada, quando não se determina o valor do prejuízo, mas se sabe que o acto causa prejuízo, deve recorrer-se à equidade, sem esquecer, como não esqueceu o legislador, a vertente sancionatória do inadimplente.
Quanto a esta matéria, o Tribunal “a quo” acolheu, na sentença recorrida, a doutrina plasmada no aresto do STJ de 27/04/2017 supra citado ao referir que “o reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização pela privação do uso de um bem de que é proprietário, a cargo do lesante, na lógica do princípio da restauração «in natura», é suscetível de ser concretizado, através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, no período da forçada indisponibilidade da sua fruição pelo respetivo titular. Muito embora não seja de privilegiar, necessariamente, o valor locativo como critério de indemnização pela privação do uso da coisa, desde logo, por ser diferente o valor do uso do valor da locação, tem-se adotado esse valor locativo, apenas, como ponto de referência na determinação do valor do dano da privação do bem.”
Nesta conformidade, entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir na sentença recorrida que:
“Não há, por conseguinte, uma absoluta correspondência entre o valor locativo do prédio e o prejuízo sofrido pelos autores em virtude de não poderem fruir do mesmo. Por conseguinte, a quantificação do dano por se verem impedidos de fruir do bem deverá, in casu e com recurso à equidade, fixar-se no valor de € 175,00/mês, nos termos do nº 3 do art. 566º do CC. Impõe-se assim a procedência parcial da acção, com a consequente condenação do réu marido na imediata entrega do prédio e no pagamento de uma indemnização correspondente a € 175,00/mês, considerando o período já decorrido desde a propositura da presente acção e até efectiva entrega. Sobre essa quantia vencem-se juros à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento – nº 3 do art. 805º do CC.”.
Não merecendo a sentença recorrida qualquer censura, terá de improceder o recurso de apelação interposto pelo Réu A. J..
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SUMÁRIO:
I) - O conceito de benfeitorias (necessárias e úteis) é, para o efeito de um contrato de comodato de um prédio rústico, mais concretamente de um campo de cultura arvense e de regadio, o que consta dos artºs 216º, nº. 3, 1272º e 1273º do Código Civil e não das normas do DL 294/2009 de 13/10, que estabelece o Novo Regime do Arrendamento Rural, que só podem aplicar-se caso se esteja perante uma lacuna.
II) - Não constituem benfeitorias necessárias, nem os encargos, nem as despesas de cultura, sementes ou matérias-primas pagas pelo comodatário, destinadas à frutificação da coisa e não à sua conservação, nos termos do disposto nos artºs 215º, 1270º, nº. 2 e 1272º todos do Código Civil.
III) - O direito de indemnização por benfeitorias úteis que não podem levantar-se sem detrimento da coisa, e que constitui contrapartida da obrigação de restituição da coisa, depende ainda de o seu dono se opor ao levantamento das mesmas com fundamento em detrimento da coisa benfeitorizada.
IV) - O detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias refere-se não a estas, mas antes à coisa benfeitorizada, sendo necessário alegar e provar quais as obras que correspondem a cada uma das espécies, a valorização da coisa, como consequência necessária e directa das mesmas, a deterioração resultante do levantamento e o respectivo custo e actual valor.
V) - Cabe ao possuidor ou comodatário de um prédio rústico que invoca o seu direito à indemnização pelo valor das benfeitorias úteis, o ónus de alegar e provar que o levantamento dessas benfeitorias pode causar detrimento à coisa (artº. 342º, nº. 1 do Código Civil).
VI) - O montante da obrigação de restituição/indemnização fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, deve corresponder ao valor do custo da execução dessas benfeitorias, ou ao valor do benefício que delas resulta para a parte beneficiada, consoante o que for mais baixo.
VII) - A simples privação do imóvel reivindicado, dado que consubstancia uma restrição ilegítima do direito de propriedade, é susceptível de gerar o direito à indemnização, pelo que, mesmo não se provando que da ocupação indevida tenha resultado um concreto prejuízo para o seu proprietário, ainda assim este deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição, sendo o montante indemnizatório fixado, em última análise, com recurso à equidade.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu A. J. e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Guimarães, 8 de Julho de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)