ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO
REMIÇÃO PARCIAL
Sumário

Nos termos resultantes do art.º 75.º n.º 2 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, a remição parcial da pensão por acidente de trabalho, apenas está prevista quando a pensão anual vitalícia corresponda a incapacidade igual ou superior a 30% e não, em casos de pensões atribuídas com base em incapacidades inferiores, ainda que com IPATH.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.Relatório:


1.1.– No presente processo especial por acidente de trabalho em que figuram como sinistrado AAA e entidade responsável a BBB, ambos com os sinais dos autos, veio aquele requerer a remição parcial da pensão que lhe fora fixada nos autos.

Por despacho foi indeferido tal requerimento, tendo-se considerando que estando em causa uma IPP de 15% com IPATH, nos termos do art.º 75.º n.º 2 da LAT, não se verificando o primeiro dos pressupostos para a remição parcial (IPP superior a 30%) ainda que com IPATH, não é parcialmente remível a pensão.

1.2.Inconformado com esta decisão dela recorre o autor, concluindo, em síntese, a sua motivação do seguinte modo:
-  A norma constante do art.º 75.º, n.º 2 da LAT foi julgada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão do TC 172/2004, de 10 de Março,
- Assim, face à declaração de inconstitucionalidade, deveria o tribunal ter recusado a aplicação de tal norma e admitido a remição parcial da pensão.
- Deve ser revogado o despacho e substituído por outro que deferira a remição  parcial da pensão.

1.3.O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.

1.4.Foram dispensados os vistos com a anuência dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir

2.Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e das não apreciadas pela solução dadas a outras, ainda não decididas com trânsito em julgado - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). Assim, a questão a apreciar no âmbito do presente recurso consiste em aquilatar se a pensão atribuída ao sinistrado pode ser parcialmente remida.

3.Fundamentação de facto
Os factos provados são os constantes do relatório.

4.Fundamentação de Direito
Da remição parcial da pensão atribuída ao sinistrado

Como é sabido, ao abrigo do regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho anterior ao atual (vigora no presente a Lei 98/2009, de 4-09), o instituto da remição obrigatória de pensões dependia da verificação de dois requisitos autónomos entre si, bastando a verificação de um deles para que a pensão fosse obrigatoriamente remível (art.º 33.º, n.º 1, da Lei 100/97, de 13-09 e art.º 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do DL 143/99, de 30-04).

Assim, a remição tinha lugar desde que o grau de incapacidade permanente fosse inferior a 30%, independentemente do valor da pensão, por um lado, e se a pensão não excedesse o valor de seis vezes a RMMG, por outro. Em face deste último requisito podiam ser obrigatoriamente remíveis pensões devidas por incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30%, desde que o seu valor se contivesse dentro da baliza de seis vezes o valor da RMMG.

É também sabido que a remição obrigatória de pensões visa permitir, que a compensação correspondente à pensão fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, - não impeditivos de posterior exercício da sua atividade - possa converter-se em capital e, assim, ser aplicada, porventura, de modo mais rentável do que a permitida pela mera perceção de uma renda anual.

Sucede, porém, que a remição das pensões naquelas condições, foi julgada inconstitucional em vários arestos do Tribunal Constitucional, tendo-se considerado ocorrer violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição. Aponta essa jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade por violação do direito à justa reparação, a consagração legal da obrigatoriedade de remição de pensões de elevado valor ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado seja muito acentuada; e inversamente, que não será inconstitucional a obrigatoriedade de remição de pensões de valor reduzido ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado não seja muito acentuada.  (Cfr., entre outros, os acórdãos do TC n.º 34/2006, n.º 606/2006 e n.º 163/2008, in www.tribunalconstitucional.pt).

Nessa linha, “na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 88/X, consignou-se que em matéria de remição de pensões, tendo por base a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, altera-se de forma relevante as regras da remição obrigatória, consagrando-se a verificação cumulativa das condições de remição até aos limites máximos estabelecidos, quer quanto à graduação da incapacidade permanente para o trabalho, quer quanto ao valor anual da pensão. Com esta alteração, impede-se quer a remição de qualquer pensão devida por incapacidade permanente para o trabalho superior a 30%, independentemente do correspondente valor da pensão anual ser inferior a seis pensões mínimas mais elevadas do regime geral, quer a remição de qualquer pensão por incapacidade permanente para o trabalho a que corresponda um valor anual superior a seis pensões mínimas mais elevadas do regime geral, independentemente de o grau da incapacidade ser inferior a 30%.” Do mesmo modo, na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 786/X, pode ler-se que se pretendia “… corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente”(Viriato Reis, “A Lei de Acidentes de Trabalho, aspetos controversos da sua aplicação”, ISP, págs. 126 -127).

Por isso, a Lei 98/2009, no n.º 1 do seu art.º 75.º, passou a exigir a verificação de dois requisitos cumulativos: o grau de incapacidade permanente inferior a 30%, e a pensão não ter valor superior a seis vezes a RMMG.

Manteve, contudo, o regime proveniente da Lei 100/97, no que se refere à remição facultativa, dispondo n.º 2 do art.º 75.º o seguinte:
2 Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a)- A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;´
b)- O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.”

Como emerge da referida disposição legal, pressupondo a mesma montante mais elevado de pensão, “servirá ele de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere o sinistrado em consequência da reduzida capacidade de trabalho. (…), sendo certo que a “aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser aleatória, comporta riscos” (Ac. do TC n.º 302/99, www.tribunalconstitucional.pt). Afigurando-se, que terá sido por isso, que o legislador temperou o “critério” do valor elevado da incapacidade (igual ou superior a 30%), com os requisitos quantitativos (pensão sobrante e capital da remição) previstos nas alíneas a) e b) do referido dispositivo legal.

Relativamente à questão suscitada no presente recurso, importa desde já referir que se não se desconhece o disposto na Constituição da República Portuguesa, no que aos acórdãos do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, diz respeito.
Todavia, há que ter em consideração o respetivo conteúdo decisório e aquilatar se o mesmo respeita à situação em análise.

Relembra-se que no presente caso, ao recorrente foi fixada a IPP de 15%, com IPATH.

Ora, o acórdão do TC n.º 172/2004, de 10-03 (DR n.º 48/2014, Série I de 2014-03-10), a que alude o recorrente, no que se refere ao art.º 75.º n.º 2 da Lei 98/2009, considerou que a questão em apreciação  (…) respeita apenas à conformidade constitucional da proibição da remição parcial e facultativa de pensões devidas por um grau de incapacidade permanente parcial não muito elevado (inferior a 30 %) e que, de acordo com a nova valoração legal, não podem ser consideradas de montante reduzido (porque de montante superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta).”Itálicos e sublinhados nossos. 

Em parte alguma desse acórdão se analisou o dito art.º 75.º n.º 2 da Lei 98/2009, quando esteja em causa a Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), como aqui sucede.

Acresce ainda que a IPATH, não foi prevista pelo legislador no dito normativo legal. Sendo certo que, como também tem sido entendido, a interpretação das regras de remição de pensões deve ser realizada cuidadosa e limitadamente, atento o conteúdo do art.º 78.º da Lei 98/2009, onde se qualificam os créditos provenientes do direito à reparação de danos acidentários como inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, importando, por isso, assegurar que a interpretação da lei não conduz a resultados que se aproximem de renúncias abdicativas por parte dos beneficiários legais, já que requerendo a remição das pensões, o beneficiário abdica do respetivo abono periódico; dimensão do direito à perceção de pensão anual e vitalícia – ou, como sucederia no caso em análise, de montante significativo da mesma.

É também de assinalar, que jurisprudência recente dos nossos tribunais superiores, relativamente ao aludido art.º 75.º n.º 2 da Lei 98/2009, se tem pronunciado no sentido de não ser de admitir a remição parcial da pensão, em casos de IPP inferior a 30%, com IPATH. Nesse sentido, se entendeu no acórdão do TRP de 04-11-2019, proc. 2602/17.7T8AVR.P1, www.dgsi.pt onde, expressamente, se consignou que a remição facultativa apenas está prevista quando a pensão anual vitalícia corresponda a incapacidade igual ou superior a 30% e não, em casos de pensões atribuídas com base em incapacidades inferiores, ainda que com IPATH”. Posição essa  que se subscreve.
Em face do exposto, apenas resta concluir pela improcedência da presente questão.
*

O recorrente está isento de custas uma vez que é representado pelo Ministério Público e o seu rendimento, como atesta a cópia da sua declaração de IRS (fls. 4 e 5), não é superior a 200 UC – art.º 4.º n.º 1, alínea h), do RCP.
*

5.Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o despacho recorrido.
Sem custas por delas estar isento o sinistrado



Lisboa, 2020-07-13



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro