PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO
CASO JULGADO
TRANSPORTABILIDADE DA PROVA
DEVER DE VIGILÂNCIA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Os efeitos consignados no artº. 623º, do Cód. de Processo Civil, relativos à oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória, em sede de posterior acção civil, não são aplicáveis ao caso julgado formado pela decisão proferida no âmbito do processo tutelar educativo ou processo tutelar crime ;
II - o que é justificável devido às finalidades e garantias de ambos os processos – penal e tutelar - serem distintas, não sendo curial concluir que as garantias presentes no processo penal, nomeadamente de exaustiva busca da verdade material, inclusive com dilatados poderes de oficiosa indagação de toda a material factual relevante, com a finalidade da obtenção de um juízo de certeza acerca da prática, pelo arguido, da infracção imputada na acusação, se repliquem ou mimetizem no âmbito do processo tutelar educativo, de forma a poder-se concluir por idêntica tutela garantística ;
III - efectivamente, apesar das claras afinidades reconhecidas e do processo tutelar educativo ter replicado alguns dos princípios e garantias enformadores do processo penal, não permite a obtenção daquele juízo de fiabilidade, confiança ou garantia que logre determinar neste a presunção prevista no citado artº. 623º, “no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal” ;
IV- por outro lado, o próprio teor literal do normativo em equação previu apenas, e tão-só, acerca da condenação (definitiva) proferida em sede processual penal, sendo que a utilização de tal expressão por parte do legislador traduz um significado técnico preciso, não pretendendo integrar na presunção legal estipulada qualquer processo de outra natureza, ou seja, quando o legislador se referiu ao processo penal, apenas a este se pretendeu referir ;
V - ademais, a referenciada norma que estabelece uma presunção legal é de natureza excepcional e, nessa exacta medida, insusceptível de aplicação analógica (artº 11º do CC), o que sempre impediria a pretendida abrangência do artº. 623º ás decisões definitivas proferidas em sede de processo tutelar educativo que concluíssem pela prática, por parte do menor, de factualidade qualificada pela lei como crime ;
VI - a regra da transportabilidade da prova ou da prova emprestada, prevista no artº. 421º, do Cód. de Processo Civil, está condicionada ao preenchimento de quatro distintos pressupostos, nomeadamente (1) que exista identidade da parte contra quem a prova é por segunda vez invocada; (2) que nas diferenciadas fases no primeiro processo tenha sido observado o princípio do contraditório; (3) que a parte beneficiária daquela prova aja activamente no sentido da sua utilização; (4) que o primeiro processo tenha natureza ou índole jurisdicional ;
VII - salvo nas situações legalmente enunciadas no nº. 2, do artº. 412º, do Cód. de Processo Civil, tal transportabilidade da prova, não pode ter lugar por iniciativa oficiosa do tribunal, mas antes, e sempre, por iniciativa das partes (a invocação legalmente enunciada) que, querendo aproveitarem-se de tais provas, devem invocar e alegar, no segundo processo, os meios de prova do primeiro processo que pretendem utilizar ;
VIII - e, para além de tal alegação, incumbe, ainda, à parte que pretende beneficiar daquela transportabilidade apresentar a prova no momento processualmente adequado, em que se faria ou requeria a respectiva produção, nomeadamente através da devida junção da gravação, da cópia certificada dos depoimentos ou do teor das perícias produzidas no primeiro processo.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I - RELATÓRIO
1 – NS…, residente na Rua …, Lote …, …º A, Massamá, Queluz, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
- GA…, menor, representado pelos seus progenitores LF… e AM…, residente na Rua …, nº. …, …º Direito, Belas ;
- LF… e mulher AM…, residentes na Rua …, nº. …, …º Direito, Belas ;
- RM…, director do Agrupamento de Escolas …, sito na Rua …, Queluz,
deduzindo petitório no sentido dos Réus serem solidariamente condenados a pagar-lhe:
a) 100.000,00 € (cem mil euros), a título de danos não patrimoniais ;
b) 783,68 € (setecentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais ;
c) Tudo acrescido de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
§ conforme decisão judicial, devidamente transitada em julgado, o menor G… foi condenado em medida tutelar educativa de internamento em regime fechado ;
§ o que decorreu, para além do mais, do facto do menor, em 14 de Outubro de 2013, ter atingido a ora Autora, na escola em que aquele estudava e esta trabalhava, com dois golpes, com uma faca, respectivamente, no cimo da cabeça e no pescoço ;
§ o que causou à Autora danos não patrimoniais e patrimoniais ;
§ por não terem cumprido o dever de vigilância que os onerava,  os seus progenitores (seus legais representantes) são os responsáveis pelo ressarcimento dos danos sofridos ;
§ o que decorria, nomeadamente, do menor vir demonstrando necessidade de ajuda psicológica especializada, o que os seus pais nunca fizeram ou impulsionaram ;
§ advindo a responsabilidade do Réu RG… do deficiente funcionamento e organização da escola ;
§ atenta a inexistência de meios adequados para detectar o transporte, pelo menor, de armas para o interior de um estabelecimento de ensino, colocando em risco a segurança de todos os alunos, professores, funcionários e demais utentes.
2 – Devidamente citado, veio o Réu RM… apresentar contestação, por excepção, invocando a sua ilegitimidade, alegando que a acção deveria ter sido intentada contra o Estado, pelo que deve ser absolvida da instância.
Invoca, ainda, a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer acerca do pedido contra si deduzido, considerando serem competentes os Tribunais Administrativos, o que constitui excepção dilatória conducente à sua absolvição da instância.
Mediante defesa por impugnação, alegou, ainda, não ter a Autora indicado quaisquer diligências ou medidas de segurança que pudessem evitar a ocorrência, nem apresentou provas da conduta omissiva que imputa ao Réu, sendo certo que não é o Director da Escola quem decide acerca dos meios de segurança que devem ser implantados.
Conclui, no sentido da procedência das excepções e improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
3 – Os demais Réus contestaram, conforme fls. 124 a 134, alegando, em resumo, o seguinte:
Ø a sua responsabilidade mostra-se excluída porque o seu filho, no momento dos factos que lhe imputam, encontrava-se na escola ;
Ø a decisão judicial proferida no processo tutelar educativo não constitui caso julgado nos presentes autos ;
Ø por outro lado, a Autora não sofreu quaisquer lesões graves, nem padeceu do sofrimento psíquico que invoca ;
Ø efectivamente, a tendência para a dramatização já fazia parte da personalidade da ora Autora, sendo que os efeitos psicológicos que imputa à conduta do menor G… são resultado dessa personalidade ;
Ø além do que os pais do menor não tiveram qualquer negligência ou falta de zelo no cumprimento do seu dever de vigilância, pois o filho menor nunca apresentou maus comportamentos ou comportamentos anti-sociais ;
Ø sendo, inclusive, um rapaz tímido, fechado, reservado e que se encontrava na adolescência, o que mais dificultava a percepção do que se passaria na sua cabeça ;
Ø pois, à data em que ocorreram os factos imputados ao Réu G… este já tinha quase 16 anos de idade, data em que normalmente os menores já atingem uma capacidade intelectual e volitiva que lhes permite agir de forma completamente autónoma e independente, em que a capacidade de vigilância dos pais é menor.
Concluem, no sentido da total improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido, deduzindo, ainda, incidente de intervenção principal provocada de CM…, professora do menor, por alegadamente esta ter violado, de forma culposa, os deveres de educação, controlo e vigilância, assim acautelando, nos quadros do artº. 317º, do Cód. de Processo Civil, a eventual satisfação do direito de regresso que venha a assistir aos Réus LA… e AA….
4 – Conforme fls. 142, veio a Autora apresentar desistência da instância relativamente ao Réu RM…, tendo-a este aceite a fls. 160, pelo que foi a mesma homologada, por sentença, datada de 17/06/2015, julgando-se extinta a instância relativamente àquele Réu – cf., fls. 162.
5 – A fls. 176 e 177, foi indeferida a requerida intervenção da Chamada CM… e, na invocação do princípio da adequação formal, foi a Autora convidada a responder, querendo, à matéria da excepção invocada na contestação.
6 – Tal resposta veio a ser apresentada a fls. 181 a 184, pugnando a Autora pela improcedência da invocada excepção de ilegitimidade.
7 – Conforme fls. 184 e 185, foi:
- fixado o valor da causa ;
- dispensada a realização da audiência prévia ;
- proferido saneador stricto sensu ;
- fixados o objecto do litígio e temas da prova ;
-  e apreciados os requerimentos probatórios.
8 – Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, conforma actas de fls. 237 a 243, com observância do formalismo legal.
9 - Posteriormente, em 30/07/2018, foi proferida sentença – cf., fls. 244 a 255 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
“Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal julgar improcedente a presente ação, absolvendo-se, do pedido, todos os demandados.
Custas pela Autora - art. 527º, nº 1 e nº 2, do C.P.Civil - sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique”.
10 – Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 25/09/2018, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que, apesar de não cumprirem, minimamente, a exigência de síntese inscrita no nº. 1, do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil, se transcrevem integralmente ; procede-se, ainda, à correcção dos lapsos de redacção):
“1- O presente recurso visa simultaneamente a matéria de DIREITO e de FACTO.
2- No que concerne á MATÉRIA DE DIREITO, a Recorrente não se conformando com a Douta Sentença Recorrida, pretende que a mesma seja anulada e substituída por outra, por a mesma encontrar-se ferida de NULIDADE.
3- A Mm Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito e que é muito, mal andou, uma vez que não fez a melhor interpretação e aplicação do Direito, desrespeitando normativos Legais, designadamente:
- a) Ofendeu o valor probatório do teor da certidão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa transitado em julgado, junto aos como Doc. 2., violando os artigos 619º, 580º, n.º 4, 623º, 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil.
- b) Desrespeitou as conclusões cientificas contidas no Relatório Pericial sobre a personalidade
da Recorrente junto aos autos sem fundamentação.
- c) Omitiu na Douta Sentença recorrida, a fundamentação da valoração dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Recorridos, contrariamente ao depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente, desrespeitando o Artigo 607º n.º 4 e 5 do C.P.C e Artigo 205º n.º 1 da CRP, evidenciando uma apreciação da prova com dois pesos e duas medidas.
4 – A Sentença em causa, julgando provados os factos que enumera, considerou o Pedido de INDEMNIZAÇÃO CIVEL apresentado por NG… contra os Réus, GA… e seus progenitores, LF… e AM…, totalmente improcedente, por não provado, absolvendo todos os Réus do pedido.
5 – A Recorrente, veio intentar uma acção declarativa de condenação sob forma de processo comum contra os Recorridos, no valor total de € 100.783,63 acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento, porquanto e em total consonância com o teor da certidão do Douto Acórdão proferido pelos Exmos. Senhores Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 17 de Abril de 2014, o jovem então menor, GA…, em 14 de Outubro de 2013, atingiu-a na escola Stuart Carvalhais em que aquele estudava e esta trabalhava, com dois golpes com uma faca, respectivamente, no cimo da cabeça e no pescoço e abandonando-a em sangue, sem lhe prestar qualquer auxilio.
6- Na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, correu termos um Processo Tutelar Educativo, nos Juízos de Família e Menores – …ª Secção, sob o Numero …/…T3SNT, que não terminou pelo consenso a que alude o Artigo 104º da LTE, tendo transitou para a fase de Audiência e Julgamento.
7- Nessa fase, intervieram vários ofendidos, entre os quais a Recorrente, o menor, os seus progenitores ora Recorridos, várias testemunhas foram apreciados relatórios periciais sobre a personalidade do menor, de investigação criminal e também foi apreciado o exercício do dever de “ Vigilância “ dos progenitores, nexo de causalidade e danos provocados culposamente pelo menor.
8) - Após análise de toda a prova afecta aos factos controvertidos, quanto á responsabilidade penal do menor, circunstancias de facto, tempo, lugar e modo da pratica do Ilícito e apreciação da “culpa” dos progenitores no cumprimento do seu dever de educação, controlo e vigilância do menor, foi proferida Douta Sentença Condenatória, que condenou, o menor GA… ao cumprimento da medida de INTERNAMENTO EM REGIME FECHADO PELO PRAZO DE DOIS ANOS E SEIS MESES e TRATAMENTO DE CARIS PSICOTERAPÊUTA, FARMACOLÓGICO E PEDOPSIQUIÁTRICO, pela prática de três crimes de homicídio qualificado na forma tentada p.p pelos artigos 131º, 132º n.º 1 3 n.º 2 ale), j) e 22º do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 2º, n.º 1 al. a) e m), 3º n.º 1, n.º 2 al. d) e 7º, al. a) e 86º n.º 1 al. d) do regime Jurídico de Armas e Munições.
9 - Inconformados, os legais representados do Menor, ora Recorridos, apresentaram RECURSO PENAL PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, confirmando na íntegra a Douta Sentença proferida em 1ª Instância.
10- A certidão do Douto Acórdão Proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa com indicação da data do trânsito em julgado, foi junta pela Recorrente na sua P.I, na convicção que, em conformidade com o Artigo 619º n,º 1, 581º n.º 4 e 621º do C.P.C, todos os factos fixados nesse Acórdão, tivessem força obrigatória definitiva dentro e fora do processo, sendo apenas oponíveis perante terceiros em conformidade com o disposto no Artigo 623º do C.P.C.
11- O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, CONSTITUI UMA AUTÊNTICA DECISÃO PENAL, com “dupla conforme” que fixou, para todos os intervenientes envolvidos, definitivamente, FACTOS, insusceptíveis de serem questionados ou postos em crise.
12- Assim não o entendeu o tribunal a quo, que reapreciou e julgou, pela terceira vez, factos provados e não provados em total contradição com a factualidade fixada definitivamente no teor da certidão.
13- A Sentença recorrida está ferida de NULIDADE, espelha uma inaceitável negação da Justiça, desvirtualiza claramente todas as Decisões Judiciais proferidas anteriormente, pelo que tem necessariamente e por elementar Justiça de ser revogada e anulada.
14- E tanto assim é que, no ponto 2 da factualidade não provada, o tribunal a quo chega a concluir que o menor não praticou o ilícito com a “ INTENÇÂO DE QUERER A MORTE DA AUTORA “ em total contradição com o teor do Douto Acórdão Proferido a folhas 59.
15- Mais, refutou qualquer responsabilidade cível dos progenitores ora Recorridos, porquanto supostamente, ilidiram a respectiva culpa no que respeita ao exercício do dever de vigilância, educação e controlo, também em total contradição, aos depoimentos dos recorridos registados no processo tutelar educativo, segundo os quais, o filho “falava em suicídio, andava isolado, não se interessava por nada a não ser do Benfica.”, O que levou o Tribunal da Relação de Lisboa a concluir: “ (…) apesar de expressarem uma valorização afectiva entre si e que parecem existir praticas parentais adequadas ao nível da transmissão de valores e normativos socioculturais, supervisão e controlo, contudo tais praticas NÃO SE MOSTRARAM SUFICIENTES PARA QUE SE DETERMINASSE DE ACORDO COM OS PADRÕES SOCIAIS VIGENTES, DETERMINANDO-SE A TIRAR A VIDA A SERES HUMANOS, COM DESPREZO OU DESCONHECIMENTO DE VALORES ESSENCIAIS QUE REGEM A VIDA EM SOCIEDADE, DEFICIENTE
FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE NA PERSPECTIVA DA SUA CONFORMAÇÃO COM O DEVER-SER JURIDICO MÍNIMO E ESSENCIAL COPORIZADO NA LEI PENAL, RAMO DE DIREITO QUE REPRIME AS OFENSAS INTOLERAVEIS AOS BENS JURIDICOS ESSENCIAIS “. OS FACTOS APURADOS CUJA AUTORIA É ATRIBUIDA AO RECORRIDO, REVELAM A NECESSIDADE DE O EDUCAR PARA O DIREITO E DE, SIMULTANEAMENTE, CORRIGIR A SUA PERSONALIDADE NO SENTIDO DA SUA CONFORMAÇÃO COM OS VALORES SOCIAIS, INVERTENDO O SEU PERCURSO DESVIANTE (folha 60 do Douto Acórdão).
16- Na sua motivação, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, no que respeita ao valor probatório da certidão junta aos autos, considerou que a decisão Judicial homologatória de medida tutelar educativa não se equipara a Sentença Penal, nem faz nos presentes autos, caso julgado, concretamente, no sentido de se darem como provados, nesta acção, os factos que foram julgados como provados e assim exarados na aludida certidão e proferida em Processo Tutelar Educativo.
17- Esqueceu-se, contudo, a Meritíssima Julgadora que o Processo Tutelar Educativo que sustenta os factos alegados pela Recorrente no seu pedido de indemnização Cível, não tem subjacente uma mera sentença homologatória de aplicação de medida cautelar, MAS ANTES UMA SENTENÇA CONDENATÒRIA.
18- Os factos ilícitos cometidos pelo menor G…, foram apreciados em várias sessões de JULGAMENTO.
19- Nesse julgamento, intervieram, a Recorrente, o menor, os seus representantes legais, testemunhas, foram apreciados relatórios periciais e foram esmiuçados e julgados os “ factos controvertidos” subjacentes á autoria de vários crimes, circunstâncias de facto, tempo, lugar, modo, assim, como danos e nexo de causalidade.
20- Como já referido, também foi ponderada e julgada, a necessidade ou não de educar o menor fase ao exercício do dever de educação, controlo e vigilância dos respectivos progenitores, que foi doutamente considerado como INSUFICIENTE. (Folhas 60 do Douto Acórdão)
21- Se duvidas se suscitam sobre a natureza penal da condenação do menor, as mesmas são totalmente dissipadas quando a Recorrente, constata que é a SESSÃO PENAL E NÃO DE OUTRA ESPECIALIDADE do Tribunal da Relação quem profere o Douto Acórdão junto aos presentes autos.
22- O valor probatório definitivo da certidão junta aos autos, respeitante á Condenação do Menor é inquestionável, quanto a todos aos factos e todos os sujeitos que intervieram no julgamento.
23- Considera por isso a Recorrente que todos os factos já julgados e transitados em julgados que sustentam o pedido cível da Recorrente, não podiam ser desvirtualizados ou retocados pelo tribunal a quo com uma nova versão.
24- Se subsistisse a imperiosa necessidade de repetir toda a prova produzida, uma terceira vez, tal necessidade acarretaria um elevado risco do menor vir a ser absolvido do facto ilícito subjacente ao pedido cível, por perda de prova, tendo em conta o decurso do tempo sobre a data da prática dos ilícitos, ou seja, passados cerca de 5 anos.
25- È precisamente, esta a interpretação que decorre do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça evocado pelo Tribunal a quo no processo 1549/10.2 TBFLG.S1: quando o processo tutelar educativo terminar “ pelo consenso na aplicação de uma medida educativa “, a sentença tem natureza meramente homologatória, dai a necessidade de alargar á base Instrutória do pedido Cível a apreciação dos factos ilícitos que em boa verdade, nunca foram apreciados e julgados por qualquer órgão judicial.
26 - No caso concreto, foi proferida uma Sentença Condenatória com natureza penal, com dupla conforme e força probatória definitiva quanto a todos os factos aí apreciados e julgados e quanto todos aqueles que nele intervieram, SENDO por esse motivo APLICAVÉL o disposto previsto no Artigo 623º do CPC.
27– Não pode o menor que foi condenado por tentativa de homicídio qualificado na pessoa da Recorrida de forma livre e consciente e que cumpriu a medida decretada na integra, passado cerca de 5 anos, ser reapreciada, concluindo, antes o tribunal a quo no ponto 2 da matéria não provada que, afinal: o menor não previu e não quis como consequência da sua conduta, a morte da ora autora!
28 – Nem pode o Tribunal a quo, fazer “letra morta” do Douto Acórdão proferido transitado em julgado, que julgou ser necessária a aplicação de medidas cautelares ao menor por os progenitores terem exercido as responsabilidades parentais de forma insuficiente e concluir passado 5 anos, que afinal, os progenitores, á data da pratica dos ilícitos exerceram sem reparo o seu dever de educação, controlo e vigilância, concluindo assim, que os Exmos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, cometeram erro de apreciação e julgamento!
29 - Esta reapreciação constitui uma grave violação de normativas legais imperativos, desvirtualiza todo o processo Tutelar Educativa e descredibiliza a Justiça.
30- Salvo melhor opinião, a Recorrente refuta a posição do tribunal a quo, segunda a qual “ a decisão judicial certificada nos autos, não faz caso julgado e apenas prova, que foi realizado um Julgamento.”
31-Não existem julgamentos “ faz de conta “, como também não são proferidas Sentenças ou Acórdãos transitados em julgado “ faz de conta “.
32- Se o Acórdão proferido teve força probatória definitiva para obrigar o menor a cumprir um internamento em regime fechado e tratamento, têm de ter a mesma força probatória para sustentar a sua responsabilidade cível nos danos causados á Recorrente em consequência do mesmo facto ilícito e por os seus progenitores não terem sido suficientemente capazes de exercerem o seu dever de educação, controlo e vigilância, por forma a impedir o filho da pratica do crime.
33- A força probatória da sentença condenatória do processo tutelar educativo, estende-se naturalmente á responsabilidade cível, quanto a todos aqueles, cuja actuação foi apreciada e julgada definitivamente.
34- A douta Sentença recorrida está assim, ferida de nulidade, por ser incoerente com o teor do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
35- A Recorrente insurge-se, assim, por o tribunal a quo ter proferido uma sentença que julgou a factualidade não provada nos pontos 1, 2, 11, 12, 13, 14,15 16 e 17 em total contradição com a factualidade fixada definitivamente constante da certidão do Douto Acórdão á folhas 25 e 26.
36- A Recorrente igualmente não aceita com o mesmo argumento, que o tribunal a quo tivesse considerado provados os pontos 51 a 62 da Sentença Recorrida.
37- O tribunal a quo proferiu uma sentença nula, porque existia no processo uma certidão Judicial integral com força probatória definitiva que por si só, implicaria uma decisão diversa da proferida.
38-Além do mais, se o tribunal a quo, pretendesse manter a sua posição segunda a qual, “a certidão faz apenas prova que ocorreu um julgamento”, o que não se concebe, era sua obrigação lançar mãos aos dispositivos dos Artigos 413º e 421º do CPC.
39- Não podia a Julgadora deixar de tomar em consideração todas as provas produzidas num processo judicial, tenham ou não sido emanada da parte que devia produzi-las.
40 – O tribunal a quo tinha ao seu alcance, para prova dos factos alegados pela Recorrente no seu pedido cível, não apenas a certidão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, mas também TODA A PROVA PRODUZIDA EM SEDE DE JULGAMENTO NO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO QUE CORREU TERMOS, NO MESMO TRIBUNAL
41- Relatórios, gravações de depoimentos e perícias produzidas num processo com audiência contraditória das partes, podem ser invocados noutro processo, contra as mesmas pessoas, em harmonia com o teor do disposto no Artigo 421º do CPC, evitando-se que fossem proferidas decisões judiciais opostas.
42- Na verdade, a presente acção cível não constitui mais de que uma extensão do Processo Tutelar Educativo, limitando-se a recorrente a quantificar os danos e acrescentar outros, que se revelaram, desde a data da audiência desse processo até á data da propositura da presente acção.
43- Entende a Recorrente que o Acórdão doutamente proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa tem força probatória definitiva e constitui fundamento “de caso julgado” quando o objecto da nova acção coincide no todo ou em parte com o mesmo.
44- O que se pretende na sua essência é que não haja a possibilidade de um tribunal decidir duas vezes ou de maneira diferente.
45- A pretensão cível da Recorrente tem os seus alicerces assentes no Acórdão proferido pela Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo por isso a Meritíssima Julgadora cometido grave desrespeito aos imperativos normativos que a impedem de dar uma nova versão á factos já julgados e insusceptíveis de recurso, e discutir o “ thema decidendum “ que se encontra esgotado.
46- O Artigo 623º do C.P.C regula ainda a oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória, sendo que “Terceiros, são todos aqueles que não intervieram no processo penal “ pois em relação a todos aqueles que nele intervieram, a decisão penal tem eficácia absoluta, ou seja faz caso julgado formal e material quanto aos factos constitutivos da infracção e os relativos á culpa.
47 – Para além do menor, os seus progenitores também tiveram intervenção no julgamento do processo tutelar educativo, prestaram declarações, no que concerne ao modo como exerceram o seu dever de educação, controlo e vigilância, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa (folhas 60 do Douto Acórdão Proferido), apreciado a respectiva culpa no cumprimento de tal dever, concluindo que exerceram praticas parentais de supervisão e controlo do menor que se mostrassem “SUFICIENTES“ para evitar o cometimento dos vários ilícitos do seu filho menor.
48- Também, nesta parte, salvo o devido respeito e que é muito, defende a Requerente, que a apreciação da “ culpa “ dos progenitores encontrava-se esgotada pelo que não podia ser objecto de reapreciação cível, uma vez que foi determinante na necessidade de aplicação de medida tutelar educativa.
49 - Por isso, o Tribunal a quo, tinha de considerar como factos provados os pontos 1, 2, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16 e 17º e não podia considerar como factos não provados os pontos 58º, 59º, 61º por contradição com o teor da certidão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com força probatória definitiva, decidindo antes, em conformidade, pela procedência do pedido de indemnização cível da Recorrente, no que respeita a todos os danos morais e patrimoniais que foram julgados provados pelo tribunal a quo constantes nos pontos 8 a 44 da factualidade considerada provada.
50 - O Tribunal a quo violou os dispositivos legais contidos nos artigos,413, 421, 580º, 581º, 615, 619º, 621º, 623º, 624º, do C.P.C assim como os artigos 483º, 487, 488, 489º, 491º, 495º 496º e 497º do Código Civil e proferiu um SENTENÇA NULA a qual terá de ser por ELEMENTAR JUSTIÇA, substituída por outra que julgue procedente por provado o pedido de indemnização cível da Recorrente.
51-No que respeita ao relatório sobre a personalidade da recorrente, nos pontos 47º e 48º da factualidade dada como provada, refere a Sentença recorrida, que a Recorrente apresenta “ como principais características da sua personalidade emocional, rigidez dos seus processos mentais e com tendência á somatização e á exacerbação das suas queixas como forma de compensação e obtenção de atenção para satisfação das suas necessidades mais ou menos permanentes.”
52 – Mais, acrescenta que: “ A Autora já apresentava personalidade com tendência para a dramatização; característica QUE SE AXACERBOU COM OS FACTOS AQUI EM APREÇO e que se mantiveram com o passar do tempo “.
53- Se corresponde á verdade, que a factualidade considerada provada nestes dois pontos consta das conclusões do relatório pericial sobre a sua personalidade junto aos autos, também não menos verdade é que a Meritíssima Julgadora, desconsiderou uma conclusão pericial da maior importância: A Recorrente “ não tem consciência dessa dinâmica”.
54- A Meritíssima Julgadora, no seu livre arbítrio ponderou os “traços negativos“ da personalidade da Recorrente, sem relevar com necessária fundamentação que, os traços de algum exagero das suas queixas, não são intencionais, voluntários ou conscientes.
55- Veio assim a Julgadora, uma vez mais, desvirtuar um documento com força probatória plena, extraindo conclusões inexactas e incompletas susceptíveis de prejudicar, designadamente, o valor das suas queixas e respectivo valor indemnizatório.
56- Os aludidos pontos 47 e 48 por não se ajustarem ao teor integral das conclusões periciais, têm de ser reformulados sob pena de Nulidade, acrescentando-se como facto provado que a: “ Recorrente não tem consciência dessa dinâmica “.
57- No que respeita á falta de Fundamentação da valoração do depoimento testemunhal, a Recorrente insurge-se, porque para considerar provada a factualidade dos pontos 46º e 50 a 62 da Sentença recorrida, no que concerne á ilação da presunção de culpa dos progenitores no cumprimento desse dever de vigilância, o Tribunal a quo: “considerou o teor do depoimento das testemunhas BA…, tio materno do G…; PA…, tio paterno do G…; SM…, colega do pai do G… desde há 17 anos e amigos de ambos os pais do G…; e CMo… colegas, colega e amiga dos pais do G… há cerca de 20 anos; além do depoimento da testemunha Profª CL…. “
58- Na “reapreciação” do dever de vigilância exercido pelos recorridos que foi considerado “INSUFICIENTE” no Douto Acórdão proferido, concluiu o Tribunal a quo que os Recorridos ilidiram a sua presunção de culpa porque foram considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorridos.
59- Questiona a Recorrente, porque motivos em concreto, a Julgadora “Considerou“ esses depoimentos suficientemente credíveis para julgar a factualidade dos pontos 46º e 50 a 62 como provada?
60- Não terá sido pela sua falta de isenção e imparcialidade, já que, as duas primeiras testemunhas, são parentes directos dos Recorridos com ligações naturalmente fortes, próximas e afectivas e as restantes, para além de lidarem quase diariamente com os Recorridos, em especial com o LA… no seu local de trabalho, este é chefe e superior hierárquico da Técnica de radiologia SC….
61- A Julgadora violou o n.º3 e 4 do Artigo 607º do C.P.C, já que: “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais o que não julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. “
62- Caso a Juiz não realize esta actividade, a Lei comina tal omissão com Nulidade – cfr. Art. 615º N.º 2 al. b) do C.P.C.
63- Importa ainda, realçar que a exigência de fundamentação tem natureza imperativa, obedecendo ao Principio Constitucionalmente consagrado no Artigo 205º n.º 1 da CRP, devendo por isso, ser sempre cumprido nas decisões Judiciais.
64-Impugna-se a Sentença proferida por estar ferida de nulidade, já que a Julgadora omitiu as razões em concreto porque considerou os aludidos depoimentos em contraposição com a apreciação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente.
65- Nessa apreciação, a julgadora foi exigente, rigorosa e fundamentou criteriosamente não cumprindo contudo, a mesma obrigação em relação as testemunhas arroladas pelos Recorridos.
66- Para considerar credíveis as testemunhas da Recorrente, fundamentou o seguinte:
-Prova dos factos 3 a 6 – depoimento da testemunha CL… – “ Isento, objectiva, esclarecedor e descomprometido “
-Prova dos factos 15 a 29, 32, 33 e 34 dos factos provados, - depoimentos, novamente objectivos, isentos e esclarecedores, descomprometidos e reveladores de efectivo conhecimento dos factos das testemunhas Dra. CG…, Dra. AP….
Prova dos pontos 30, 31, 35 a 45 dos factos provados, o tribunal anotou e apreciou o depoimento das testemunhas ML…, marido da Autora, RL… e CL…, filhas da Autora, MN…, e MC…, tendo todos revelado dar conta do que era e foi a sua percepção do modo de ser e do modo como se mostrou afectada pelo episódio aqui em causa, considerando o tribunal que foram relevantes.
67- Já no que respeita ao depoimento de todas as testemunhas arroladas pelos recorridos e pese embora não lhe tenha passado despercebida a relação familiar e subordinação profissional com os recorridos, a Meritíssima Juiz, não justificou nem fundamentou o sustento da sua credibilidade, autenticidade, espontaneidade, isenção, objectividade e veracidade.
68 – Constata-se que o tribunal a quo avaliou a prova testemunhal com dois pesos e duas medidas diferentes e sem qualquer fundamento para tal tratamento desigual e parcial.
69 - Salvo o devido respeito e que é muito, por falta de fundamentação e violação do imperativo legal previsto no artigo 607º do CPC e 205º n.º 1 da CRP, deve a douta sentença recorrida ser revogada por ser nula e substituída por outra que, á exceção dos pontos 52, 53 e 55 baseados no depoimento da professora C…, cuja valoração foi devidamente fundamentada.
70 – Os pontos 46 e 50, 51, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62 considerados provados, baseados nos depoimentos supra identificados devem ser entes considerados, não provados, julgando-se em consequência, procedente o pedido da Recorrente por a presunção de culpa do dever de vigilância dos recorridos progenitores não ter sido iludida pelos ora Recorridos.
71- No que respeita á apreciação da MATERIA DE FACTO, também mal andou o tribunal a quo, que julgou erradamente a exercício do dever de vigilância dos progenitores do menor adequado ao contexto factual de normalidade e de acordo com os padrões exigíveis em conformidade com o teor do Artigo 491º do C.C.
72- Para prova da factualidade dos pontos 46 e 50 a 62, como anteriormente foi referido, o tribunal a quo “considerou” o teor do depoimento das testemunhas BA…, PA…, familiares directos dos menores, SM…, CMo… colegas e amigas do recorrido LF… e Profª CL….
73- Em suma os pontos 46 e 51 da factualidade considerada provada referem que:
-O pai do G… é técnico de radiologia e a mãe assistente de consultório.
-Ambos trabalham, cumprindo horário.
-O pai faz turnos de 24 horas, mas a mãe preocupa – se em particular, para vir para casa no final do seu período de trabalho, para estar com o filho.
74- Considerando provada tal factualidade, a Julgadora concluiu que os Recorridos cumpriram suficientemente o seu dever de vigilância, sem culpa, porquanto, este dever não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados em relação aos vigilandos, porque, doutro modo, o não deixar, sobretudo, no que concerne ao poder paternal respeita, alguma margem de liberdade e crescimento do menor, seria contraproducente para a aquisição de regras de comportamento e vivências compatíveis com uma sã formação do carácter e contenderia com a desejável inserção social.
75- Por norma ainda, as pessoas que têm o dever de vigilância, têm em regra outras ocupações, e não pode-se considerar culpado quem de acordo com os costumes, comparação com o critério do”Bom Pai de Família e analise do caso concreto“ deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância cabe.
76- Neste ponto, a Recorrente não podia estar mais em sintonia, contudo, do depoimento prestado pelas testemunhas e da necessidade de coerência lógica com as regras da experiência da vida com todo o circunstancialismo que envolveu a dinâmica do ilícito, não podia a Meritíssima Juiz chegar a esta conclusão.
77- Do depoimento prestado pelas testemunhas PA… e SC…, o Tribunal a quo, não podia ter julgado provada a factualidade contida nos pontos 46º, 51, 52, 53, 56, 58, 59º, 60º, 61º e 62º.
78 – Contrariamente ao entendimento da Julgadora no ponto 46, PA… afirmou que, o pai como a mãe do G…, são radiologistas, há pelo menos 20 anos e que não se limitam a trabalhar numa única Instituição Hospital, mas em várias.
79 – Também não podia ter passado despercebido á julgadora que a testemunha SM…, técnica de radiologia não mantinha um relacionamento estritamente de amizade com os recorridos., já que eram colegas de trabalho e o recorrido LA…, o seu “chefe”.
80– Do depoimento desta testemunha também ficou demonstrado, contrariamente ao considerado provado no ponto 60, que o G… não foi uma criança, nem um adolescente tímido e reservado, já que participava nos convívios e conversas entre familiares e colegas do trabalho do Pai e relacionava-se bem com a sua filha.
81º- Registe-se ainda que a Meritíssima Julgadora no seu dever de direcção da Audiência, não podia permitir que o ilustre mandatário dos Réus, nas suas Instâncias, questionasse as testemunhas constantemente de “ forma claramente sugestiva “, insinuando uma resposta de “sim ou não” causando um autêntico estrangulamento da livre expressão, espontaneidade e autenticidade da produção da prova.
82- Não bastava a falta de fundamentação da credibilidade das testemunhas, permitiu que o depoimento das testemunhas fosse livremente “ moldado “ á prova pretendida pelos recorridos.
83- Os poucos esclarecimentos prestados por estas testemunhas com alguma “liberdade de arbítrio e espontaneidade” tiveram por objecto a actividade laboral dos Recorridos, horários de trabalho e locais de trabalho por ambos praticados.
84- A técnica de radiologista, afirmou que tem uma “ VIDA DIFICIL DE GERIR, COM HORARIOS EXIGENTES, COM TURNOS, chegando a fazer turnos, tal como o seu chefe, de 24 HORAS.”
85-Da conjugação destes dois depoimentos resultam várias conclusões contraditórias com a douta sentença recorrida, designadamente, os progenitores do menor são ambos radiologistas, há pelo menos 20 anos, trabalham em varias Instituições e por experiência da vida e comparação á testemunha SC… também ela radiologista, naturalmente, estes têm as mesmas EXIGÊNCIAS PROFISSIONAIS e o mesmo padrão de vida “ DIFICIL DE GERIR”!
86 – Por isso, impunha-se ao tribunal a quo, fazer uma apreciação mais exacta e rigorosa ao conjunto da prova testemunhal e retirar as ilações de acordo com a experiência de vida, as regras da lógica e coerência natural, no que respeita, ao cumprimento do dever de vigilância e controlo dos recorridos ao seu filho menor G….
87 – Assim, não o fez a Julgadora como ignorou esta realidade que não passou despercebida aos Excelentíssimos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, razão pela qual, consideraram e bem, que este dever foi exercido pelos Recorridos progenitores de modo insuficiente.
88- Erradamente, considerou que a mãe do G…, mera assistente de consultório, preocupava-se em particular em vir para casa no final do seu período de trabalho, para estar na companhia do filho. (Ponto 51 da factualidade considerada provada)
89- O tribunal a quo cometeu erro da apreciação da prova testemunhal, impugnando-se por isso, decisão diversa nos pontos 46 e 51 já que do teor dos depoimentos resultou antes demonstrado que a família A…, não corresponde de todo ao padrão de normalidade da maioria das famílias portuguesas em geral.
90 - Com uma sobrecarga horária idêntica, com turnos que podem chegar a ser de 24h00, por trabalharem em várias instituições hospitalares e com “vidas difíceis de gerir“, a Julgadora não podia ter concluído que a conduta dos recorridos obedeceu “ao padrão normal de conduta exigível” no que respeita ao dever de vigilância do menor.
91- Sendo perfeitamente perceptível o contexto laboral dos dois progenitores do menor, sendo que o recorrido LA… também somava funções de responsabilidade e chefia de equipas de radiologia, pouco tempo passavam em casa e naturalmente não conseguiram controlar e vigiar, suficientemente o seu filho.
92- O tribunal a quo tinha obrigatoriamente ter concluído que em boa verdade, o G… deve ter crescido por longos períodos sozinho, dada a ausência dos progenitores por motivos profissionais com cargas horárias irregulares e longas, há seguramente mais de 20 anos.
93- Recorrendo ao critério de normalidade e bom pai de família, o tribunal a quo não podia ter chegado a outra conclusão, tal como o Tribunal da Relação de Lisboa, de que os pais do G…, por sobrecarrega e responsabilidade laboral não conseguiram de forma adequada exercerem as práticas parentais ao nível de transmissão de valores e normativos sócio-culturais, supervisão, controlo e vigilância.
94- Registe-se que não foi a Recorrente quem concluiu pela necessidade de educação, correcção da personalidade, invertendo o seu percurso desviante do menor, por práticas parentais de supervisão e vigilância insuficientes dos progenitores.
95- CONSTITUI POR ISSO, FLAGRANTE CONTRA SENSO, O MENOR SER CONDENADO A MEDIDA TUTELAR EDUCATIVA com fundamento nos pressupostos ora descritos e posteriormente, numa mera acção de responsabilidade civil, o tribunal a quo proferir uma sentença em sentido oposto.
96- A Recorrente impugna assim os pontos 46 – 50 a 62 da douta Sentença, proferida, já que da análise criteriosa dos depoimentos das testemunhas supra identificados em conjugação com a demais provas, seja testemunhal, seja documental junta aos autos, o tribunal a quo não podia considerar provada integralmente a factualidade com base na qual os recorridos ilidem a “presunção de culpa previsto no Artigo 491º do C.C, não sendo por isso, responsáveis civilmente por quaisquer danos causados pelo menor na Recorrente.
97- O depoimento das testemunhas, mostra-se insuficiente para afastar tal responsabilidade, até porque apenas foi credível e isento na parte respeitante á vertente profissional dos recorridos, que demonstrou claramente imprevidência e descuido no cumprimento do respectivo dever de vigilância do filho, o que constitui uma das vertentes “da culpa” definida pelos Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, ln U Código Civil Anotado ", Vol. R., págs. 492 a 493
98- Do caso concreto, extrai-se da vida pessoal e profissional dos recorridos, que confiavam no filho, por ter sido uma criança que não dava preocupações, não carecia de qualquer intervenção de que natureza fosse, era bom aluno, nunca esteve envolvido em rixas, nunca lhes dirigiram denúncias nem queixas, (pontos provados 55 a 62 segundo o tribunal a quo) e tal circunstancialismo levou a que os progenitores investissem mais na sua vida profissional, sem preocupações de eventuais comportamentos desviantes do filho.
99- Ainda que vingasse a tese que os progenitores nada soubesse sobre os discursos de suicídio e comportamentos desviantes do filho, o que constitui um enorme contra-senso com o Acórdão proferido, cremos que do depoimento testemunhal, resultou provada inequivocamente a “Culpa dos Progenitores” ora recorridos, no caso concreto, tal como a descrevem os Profs. Dr. Pires de Lima e Antunes Varela
100- A prova de que não há culpa, ou melhor, o afastamento da responsabilidade pode obter-se por dois modos: ou provando-se que se cumpriu o dever de vigilância, ou mostrando-se que o dano se teria produzido, mesmo que se cumprisse esse dever.
101 – Os recorridos não provaram, no caso concreto e fase ás suas exigências profissionais e horárias, que cumpriram o seu dever de vigilância e de modo suficiente, por forma a evitar o cometimento dos ilícitos contra a Recorrente como bem demonstraram, pelo contrario que deixaram o menor por sua “própria conta“, confiando na aparência enganadora da desnecessidade de actos de controlo e vigilância para com o filho.
102- Em suma, considera a Recorrente que o Tribunal a quo não podia dar como provada a factualidade atinente aos pontos 46, 51, 56 a 62.
103- Por elementar Justiça, deve por isso, a Sentença recorrida ser antes revogada por uma que considere o pedido da Recorrente procedente por provado, condenando os Recorridos a pagarem, a quantia peticionada correspondente aos danos considerados provados do ponto 8 a 44 da douta Sentença Proferida”.
Conclui pela procedência do recurso, revogando-se a sentença da 1ª Instância e substituindo-a por outra que condene os Recorridos a indemnizar a Recorrente “por todos os danos considerados provados, cometidos pelo menor GA… em consequência directa e necessária da tentativa de Homicídio agravado de que foi vitima no dia 14 de Outubro de 2013”.
11 – O Apelado/Recorrido GA… apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes Conclusões (procede-se á correcção dos lapsos de redacção):
 “1ª - O apelado subscreve integralmente o teor da Douta Sentença recorrida, a qual se afigura absolutamente irrepreensível no plano da decisão sobre a matéria de facto, bem como na aplicação do Direito, à qual adere integralmente, fazendo sua a fundamentação de facto e de direito que está na base da douta decisão.
2ª - Andou bem a douta Sentença recorrida quando concluiu que a decisão judicial certificada proferida em sede de Processo Tutelar Educativo em que o aqui Apelado foi arguido, não faz, nestes autos, caso julgado, concretamente, no sentido de se darem como provados, nesta ação, os factos que foram julgados como provados e assim exarados na acima aludida decisão certificada nos autos e proferida em Processo Tutelar Educativo.
3ª - A Sentença a que alude o art. 619º, do Código de Processo Civil, é, naturalmente, a sentença proferida em ações cíveis (e, não, por exemplo, a sentença proferida em processo penal ou em processo contraordenacional), e mesmo no âmbito da sentença proferida em processo civil, como pode ler-se, por exemplo, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 11-10-2016, em que foi Relator Jorge Arcanjo, acessível em “http://dgsi.pt”; e citando ANTUNES VARELA (in Manual de Processo Civil, 1984, pág 697) “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.”
4ª - O Tribunal “a quo” , já em sede de despacho saneador decidiu muito bem, quando levou aos Temas da Prova os factos alegadamente praticados pelo aqui Apelado em Outubro de 2013, dando assim à A. A oportunidade de os provar, dando cumprimento as regras gerais do ónus da prova, que constam dos arts. 341.º e 342.º do CC .
5ª - De igual forma , andou bem a Sentença recorrida na valoração do Relatório Pericial ao contrário do que conclui a Apelante. Sobre este ponto, porque na perspectiva do Apelado resulta exemplar tal apreciação por parte do “Tribunal a quo” , transcreve-se o vertido na Sentença recorrida a esse respeito. Assim:
“No que respeita aos pontos 47 a 49, o Tribunal deu natural preponderância (dadas as características de isenção, rigor e objectividade inerentes a perícia médica realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal) ao teor do relatório pericial junto aos autos em 8 de fevereiro de 2018; o que, ademais, não se mostra contrariado por qualquer outro elemento de prova; e se coaduna com o demais apurado e exarado como provado (a Autora teve as enunciadas consequências, fruto da agressão sofrida, mas, influenciadas pelos indicados traços de personalidade apurados na perícia). “
6ª - O referido Relatório Pericial conclui que já antes dos factos, a Apelante apresentava uma personalidade com tendência para a dramatização, pautada por receios, inseguranças e ansiedades, sendo certo, conforme referido no referido Relatório, e citando: “que a AFECTAÇÃO FISICA para os factos SEJA LIGEIRA E A PRESERVAÇÃO DAS QUEIXAS SEJA INERENTE A CARACTERISTICAS PRÉVIAS AOS FACTOS EM APREÇO.”
7ª - Logo, o Tribunal “ a quo” valorou correctamente o referido Relatório Pericial quando apreciou a prova.
8ª - Finalmente, também não procede o vertido na motivação da recorrente no respeita à pretensa falta de fundamentação, na Douta Sentença Recorrida, pois, ao contrário do alegado pela Recorrente na sua Movimentação, o Tribunal “a quo” cumpriu o disposto no nº 4 e 5 do Artº 607º do CPC , no que respeita à indicação da prova que esteve na base da exclusão de toda e qualquer responsabilidade cível dos pais do aqui Apelado quanto aos factos por si praticados enquanto menor.
9ª - Tal conclusão, extrai-se do texto da própria Sentença recorrida, quando ali refere e citando: “ Para a decisão quanto aos pontos 46 e 50 a 62, o Tribunal considerou o teor dos depoimentos das testemunhas BA…, tio materno do G…; PA…, tio patermo do G…; SM…, colega do pai do G… desde há 17 anos e amigos de ambos os pais do G…; e CMo…, colega e amiga dos pais do G… há cerca de 20 anos; além do depoimento da testemunha Prof. CL….”
10ª - Mais à frente, e no que respeita aos factos não provados, a Sentença recorrida, volta a esclarecer que e citando: “Assim, tome-se, ainda, em conta que não se mostram juntos aos autos elementos probatórios, nem foi produzido qualquer outro meio de prova que possibilitasse dar como assente o que se mostra elencado sob os pontos 1 e 2 (a professora C… não se lembrava de ter visto o GA… com qualquer mochila); e 11 a 17 dos Factos não Provados; ao que se juntam os sobreditos depoimentos das testemunhas BA…, PA…, SM… e CMo…; que, com as suas afirmações, também, contribuíram para se dar como não provada tal matéria de facto.”
11ª - Ao contrário do que pretende a Recorrente , para o cumprimento do disposto no nº 4 do Artº 607º do CPC, basta que a decisão, indique, de forma clara, os concretos meios de prova que a determinaram, positiva ou negativamente.
12ª - Não há qualquer dúvida que a Sentença recorrida indicou de forma clara os concretos meios de prova que determinaram a sua decisão, não procedendo igualmente esta alegação da Recorrente”.
12 – O recurso foi admitido por despacho datado de 05/11/2018 – cf., fls. 284 -, como apelação, a subir  de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Consignou-se, ainda, nos termos do nº. 1, do artº. 617º, do Cód. de Processo Civil, entender o Tribunal a quo inexistir a invocada nulidade, por entender devidamente fundamentada, de facto e de direito, a sentença recorrida.
13 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Não se olvidando serem as Conclusões a delimitar a esfera de actuação do tribunal ad quem, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA NULIDADE DA SENTENÇA por VIOLAÇÃO do DISPOSTO no ARTIGO 615º, nº. 1, alíneas C) e D), do CÓD. de PROCESSO CIVIL ;
2. DA NULIDADE DA SENTENÇA por VIOLAÇÃO do DISPOSTO no ARTIGO 615º, nº. 1, alínea B), do CÓD. de PROCESSO CIVIL ;
3. EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
I) Tendo em consideração os factos dados como provados no Processo Tutelar Educativo:
a) Do valor da sentença transitada em julgado e do alcance do caso julgado – cf., artºs 619º e 621º, ambos do Cód. de Processo Civil ;
b) Do funcionamento e abrangência do artº. 623º, do Cód. de Processo Civil, e da eventual equiparação da decisão transitada em julgado, proferida em sede de Processo Tutelar Educativo à decisão Penal condenatória ;
c) Da necessária consideração, como PROVADOS, dos factos constantes sob os pontos 1, 2 e 11 a 17, da factualidade não provada ;
d) Da necessária consideração, como NÃO PROVADOS, dos factos constantes sob os pontos 51 a 62, da factualidade provada :
e) Da necessária utilização da prova produzida, em sede de julgamento, no âmbito do Processo Tutelar Educativo, em observância dos artºs. 413º e 421º, ambos do Cód. de Processo Civil ;
II) Da factualidade provada sob os pontos 47 e 48 e da pretensão de aditamento de um novo facto provado, com a seguinte redacção:
a Recorrente não tem consciência dessa dinâmica” ;
III) Da alteração da redacção dos pontos 51 e 46 provados, nos seguintes termos:
Ponto 51: deve considerar-se como não provado no segmento onde se refere que “preocupando-se, em particular, a mãe do G…, em vir para casa no final do seu período de trabalho para estar com o filho” ;
Ponto 46: deve considerar-se como não provado que a Ré A… seja “mera assistente de consultório” ;
IV) Da factualidade provada sob os pontos 50 e 52 a 62, e pretensão que a mesma figure como NÃO PROVADA.
4. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto das alterações infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
A impugnação da matéria de facto, para além dos fundamentos legais especificamente indicados, será conhecida nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que implicará a REAPRECIAÇÃO DA PROVA, nomeadamente, e eventualmente, da GRAVADA.
Consigna-se que nas alegações recursórias a Apelante Autora misturou, de forma indevida, e apesar da sua aparente diferenciação formal, impugnação da matéria de direito e impugnação da decisão sobre a matéria de facto, para além de não ter observado, minimamente, nas conclusões apresentadas, a síntese determinada pelo nº. 1, do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil.
O que dificultou a elencagem supra consignada, procurando-se o devido espartilho das questões enunciadas, ainda que de forma pouco clara e precisa.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos materiais ou de redacção existentes e introduzem-se as alterações infra decididas):
1. Por decisão judicial proferida no âmbito do Processo Tutelar Educativo que correu termo, então, na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, no Juízo de Família e Menores – …ª Secção, sob o Numero …/…T3SNT, transitada em julgado, no dia 17 de Abril de 2014, o Tribunal decidiu aplicar ao menor, GA…, ora Réu, a medida de INTERNAMENTO EM REGIME FECHADO PELO PRAZO DE DOIS ANOS E SEIS MESES, pela prática de três crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p.p pelos artigos 131º, 132º n.º 1 e n.º 2 als. e), j) e l) e 22º do código penal e de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 2º, n.º 1 al. a) e m), 3º, n.º 1, n.º 2 al. d) e 7º, al. a) e 86º n.º 1 al. d), do regime Jurídico de Armas e Munições.
2. Nessa decisão, mais determinou, o Tribunal, que o menor, ora Réu fosse sujeito a intervenção clínica de cariz psicoterapêutico, farmacológico e pedopsiquiátrico conforme as necessidades reveladas pelo mesmo.
3. No dia 14 de Outubro de 2013, na Escola dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico, Stuart Carvalhais, sita em Massamá, o ora Réu GA…, dirigiu-se ao pavilhão G do identificado estabelecimento escolar em que decorria a aula de Português, em que G… deveria estar presente.
4. Nessa sala, encontrando-se, pelo menos, na posse de uma faca e de um dispositivo que atirou para a mesma sala e que provocou uma mancha de cor verde e fumo; e depois dos ferimentos causados a dois dos seus colegas, um deles, de nome J…, que se encontravam no interior da sala de aula, o Réu GA…, saiu da sala, desceu as escaladas desse pavilhão em correria e no átrio no R/Ch e ao fundo dessas escadas, encontrou-se com a ora Autora, auxiliar de acção educativa dessa Instituição escolar.
5. Com uma faca que tinha consigo, o ora Réu G… desferiu um golpe no cimo da cabeça da Autora e atingiu-a com um segundo golpe no pescoço.
6. O ora Réu GA…, abandonou aquele pavilhão sem prestar auxílio à Autora que, com as mãos na cabeça e no pescoço, gritava e deixou atrás de si e pelo caminho que seguiu um rasto de sangue.
7. O menor, sabia que a ora descrita conduta lhe estava vedada pela Lei e que lhe era censurada pela comunidade em geral, o que não impediu a prática desses factos.
8. Num primeiro momento, a ora Autora foi assistida numa improvisada enfermaria escolar, tendo sido, de seguida, transportada para a urgência do Hospital Fernando da Fonseca por equipa do INEM (VMER).
9. Nessa instituição hospital, a admissão da Autora foi considerada urgente, por traumatismo por arma branca na região cervical e occipital; tendo, a ora Autora, permanecido nesse Hospital entre as 17.25 h. e as 19. 00 h. desse dia 14 de Outubro.
10. A ora Autora apresentava ferida incisa não sangrante cervical direita e ferida occipital com pequena hemorragia controlada.
11. Foi encaminhada para a Sala de Reanimação de Urgência Geral e Sala de Pequena Cirurgia.
12. A ora Autora tinha uma ferida linear no pescoço à esquerda na região anterior com cerca de 5 cm de extensão e 1-2 cm de profundidade, sem acometimento de estruturas venosas, arteriais ou nervosas de relevo; e lesão pré-fascial.
13. Foi sujeita a saturação por planos.
14. A ora Autora apresentava ainda, ferida complexa no couro cabeludo, sangrativa, tendo também sido suturada nessa zona.
15. Na face lateral esquerdo do pescoço, a Autora ficou com cicatriz e com cicatriz occipital encoberta pelo couro cabeludo.
16. A ora Autora revelou sofrer de ansiedade.
17. Na sequência e em razão dos acima referidos ferimentos, resultou, para a Autora, um período de doença de 15 dias, com impossibilidade de comparecer no trabalho.
18. Em 30/10/2013, a Autora ainda não se encontrava restabelecida e a Dra. CG…, médica da Autora, voltou a determinar-lhe um período de doença e impossibilidade de comparecer no trabalho, de mais 21 dias.
19. No dia 5/11/2013, pelas 14h00, a Autora deslocou-se a unidade de saúde denominada de “Abraçar Queluz”, em Massamá, integrante do Serviço Nacional de Saúde (ACES Sintra) onde teve consulta com a psicóloga AP….
20. Em 20-11-2013, a Autora ainda estava doente, na sequência e em razão do evento em que sofreu as sobreditas lesões, mostrando-se impossibilitada de comparecer no trabalho, então, desde o dia 19-11-2013 e por mais um período de 18 dias.
21. Em 6/12/2013, a ora Autora deslocou-se a mais uma consulta ao centro “Abraçar Queluz” para mais uma consulta de psicologia, na qual se constatou que a Autora, por motivo de doença, continuava a estar impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho.
22. Em 6/01/2014, a Autor voltou a ser examinada pela sua médica, Dra. CG…, que determinou mais um período de 30 dias de doença.
23. Em 30/01/2014, a Autora voltou ao Centro de Saúde de Queluz para receber uma consulta médica.
24. Em 05/02/2014, por se encontrar, ainda, doente, sempre, na sequência e em razão do evento em que sofreu as sobreditas lesões, foi-lhe determinado mais um período de impossibilidade de comparecimento no trabalho pelo período de 14 dias.
25. Em 19/02/2014, pela mesma razão, a médica assistente acrescentou-lhe mais um período de doença e de impossibilidade de comparecimento no trabalho de 9 dias.
26. Na consulta realizada no dia 20/02/2014, com a sobredita Dra. AP…, foi detectada “uma evolução positiva quer dos sintomas, quer da vontade de retomar a sua vida normal, apesar de manifestar ainda alguma insegurança” sem prejuízo da necessidade de manter acompanhamento psicológico mensal.
27. Em 17/03/2014, a Autora ainda mantinha tratamento e acompanhamento psicológico.
28. Em razão dos factos supra descritos, a Autora sofreu dor física e psíquica.
29. Até à data da prática dos actos aqui em apreço, a Autora era seguida clinicamente em razão da diabetes de que padecia e não padecida de problemas de saúde de carácter psicológico.
30. A ora Autora revelava gosto em trabalhar na escola.
31. A Autora exercia a sua actividade profissional com boa disposição e tinha boa relação com os alunos.
32. Na sua primeira consulta de psicologia, a Autora evidenciava grande sofrimento, com choro fácil, discurso autocentrado e focalizado na agressão que sofreu assim como queixas de falta de concentração e de esquecimento.
33. Na segunda consulta de psicologia, a Autora apresentava algum alívio do sofrimento, sem choro.
34. A Autora sofreu ansiedade e receio de regressar ao local de trabalho, o que a obrigou, para além do recurso ao acompanhamento psicológico, também a terapêutica com ansiolítico.
35. A Autora passou a andar nervosa.
36. Durante meses, a ora Autora isolou-se em casa e deixou de conviver socialmente.
37. Em casa, a Autora sentia tristeza causada pelas recordações dos momentos que viveu e relativamente aos quais dizia que jamais se apagariam da sua memória.
38. Tinha dificuldades em dormir.
39. No primeiros tempos a seguir ao evento, contou com o necessário apoio dos seus familiares e de uma vizinha para a satisfação das suas necessidades do dia-a-dia.
40. Esteve um período de cama.
41. Passou a viver com insegurança, quer em casa, quer, na rua; e com medo de sair à rua sozinha.
42. Voltou a reviver o momento em que sofreu aquela agressão, no processo tutelar educativo, o que lhe causou ansiedade, nervosismo e perturbação.
43. O vestuário e calçado da ora Autora ficaram inutilizados porque rasgados durante a assistência médica ou porque manchados de sangue
44. Na compra de medicação, receitada pelos clínicos que acompanharam os tratamentos da Autora, esta despendeu importância de cerca e não superior a € 180.00.
45. GA… nasceu em … de Dezembro de 1997 e mostra-se registado como filho de LF… e de AM….
46. Os pais do menor G… desempenham funções de técnicos de radiologia [2].
47. A ora Autora apresenta, como principais características da sua personalidade, independentemente dos factos em causa, fragilidade emocional, com rigidez dos seus processos mentais e com tendência à somatização e à exacerbação das suas queixas como forma de compensação e obtenção de atenção para satisfação das suas necessidades emocionais mais ou menos permanentes.
48. Antes dos factos dos autos, a ora Autora já apresentava personalidade com tendência para a dramatização; característica que se exacerbou com os factos aqui em apreço e se mantiveram, com o passar do tempo.
49. A afectação psíquica considerada para os factos objeto da ação mostra-se ligeira e a preservação das queixas apresenta-se como inerente a características da personalidade da Autora, prévias àqueles factos.
50. Os pais do menor G… não têm formação médica ou na área da psicologia.
51. Ambos trabalham cumprindo horário de trabalho e o pai do ora Réu G…, por vezes, faz turno de 24 horas; preocupando-se, em particular, a mãe do G… em vir para casa no final do seu período de trabalho para estar com o filho.
52. GA… sempre manteve um bom aproveitamento escolar; frequentando, à data dos factos, o 11º ano de escolaridade.
53. Os Réus L… e AA… nunca receberam qualquer queixa em relação ao comportamento do filho na escola.
54. Antes do dia 14 de Outubro de 2013, o ora Réu GA… nunca tinha respondido judicialmente ou perante autoridade policial.
55. O ora Réu GA… nunca se envolveu em rixas.
56. O Réu GA… sempre manteve um relacionamento afectuoso com a sua família ao longo da sua vida, com inclusão dos seus primos direitos.
57. O ora Réu GA… nunca exerceu qualquer tipo de violência física ou verbal para com os seus familiares e amigos.
58. Nunca revelou ao longo da sua infância e adolescência qualquer comportamento manifestamente anti-social.
59. Nada no comportamento do ora Réu GA… ao longo da sua infância e adolescência, indiciou necessidade de acompanhamento e apoio médico ao nível psicológico.
60. O ora Réu GA… foi sempre uma criança e um adolescente tímido e reservado.
61. Nada no comportamento do ora Réu G… foi de modo a levar os seus pais a recorrer a apoio médico ao nível psicológico.
62. Os Réus L… e AA… procuraram sempre incutir, no ora Réu GA…, valores para destrinça entre o bem do mal.
Na mesma sentença, foi CONSIDERADA NÃO PROVADA, entre outra, a seguinte factualidade (rectificam-se os lapsos materiais ou de redacção existentes e introduzem-se, no lugar próprio, as alterações infra decididas):
1. Na data e local supra identificados, o Réu GA… entrou no referido estabelecimento escolar com uma mochila na qual tinha:
- “ Cinco facas, uma delas de marca “ quttim suprme “ com cabo de cor preta e lâmina cerâmica de cor branca apreendida a fl.14 cuja lâmina mede 15 cm de longo,
- Seis veryligths, - Dois isqueiros,
- Três garradas de álcool,
- Uma embalagem de gás pimenta em spray,
- Um gorro,
- e um cachecol.
2. O ora Réu GA…, previu e quis como consequência da sua conduta, a morte da ora Autora.
3. A ora Autora era muito estimada por professores, alunos, colegas e responsáveis da instituição escolar.
4. Deixou de se alimentar e de dormir.
5. Durante o período de mais de 6 meses, a Autora não conseguiu ter outro tipo de conversas que não incidissem sobre a tentativa de homicídio de que foi vitima.
6. Sempre que, nos programas televisivos de vários canais, os jornalistas faziam alguma reportagem ou acrescentavam uma notícia sobre o sofrimento da Autora aumentava, assim como a sua revolta.
7. A Autora convenceu-se de que jamais conseguiria regressar ao seu local de trabalho e que iria perder o seu único sustento, com a agravante de não ser fácil encontrar trabalho com a sua idade e as suas limitadas habilitações literais, num período de grave crise económica.
8. Sentia-se uma “inválida” que só com o recurso a medicação conseguia aliviar as suas dores físicas e psíquicas.
9. O vestuário e calçado da Autora tinham o valor correspondente a € 100,00 (cem) euros.
10. Nas suas deslocações em viatura própria a todas as consultas, quer hospitalares, quer, ao Centro de Saúde, quer, às farmácias e ao Tribunal, durante todo o período de convalescença que durou mais de um ano, a Autora despendeu em combustível, cerca de € 500,00, numa média mensal de € 40,00.
11. No 10º ano, a mãe do, então, menor G… pressionava o filho para subir a média para o 16, pois só assim, podia escolher uma boa faculdade.
12. Nessa altura, o filho dizia à mãe que estava a pensar suicidar-se, que era feio e que não era inteligente e em 2012, este não quis festejar o seu aniversário, nem com a família nem com os amigos.
13. A mãe do menor, ora Réu, viu que o filho cada vez mais isolado e fechado.
14. O pai do G…, também percebeu que o filho se desinteressava pelas coisas do dia-a-dia e que a única coisa que o fazia vibrar eram os jogos de futebol do Benfica.
15. Os pais do menor G… tinham perfeita consciência e bem sabiam que o filho não tinha um comportamento normal e não obstante tal conhecimento e a circunstância de trabalharem juntos na área da saúde, nunca procuraram sujeitar o filho a uma avaliação clínica ou recorrer a ajuda médica e psicológica.
16. Pelo menos desde a idade dos 16 anos, o filho, ora Réu ameaça suicidar-se.
17. O menor, constantemente afirmava que não era inteligente, isolou-se de forma anormal e apesar destes claros sinais de necessidade de ajuda clínica especializada, os Réus LF… E AM… até à data da prática dos factos objeto dos autos negligenciaram de forma grosseira a saúde psíquica do filho.
18. Que a mãe do G… desempenhe funções profissionais de assistente de consultório (aditado).
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento das causas enunciadas nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil
Invoca a Apelante que o Tribunal a quo, ao negar a força probatória definitiva dos factos por si alegados, que foram julgados e apreciados no âmbito do processo tutelar educativo que identifica, de forma dupla, pois a decisão proferida em 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação, tendo transitado em julgado, proferiu sentença nula, considerando preenchidas as causas de nulidade inscritas nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.
Considera, nomeadamente, que a factualidade apreciada e dada como provada naquele processo tutelar educativo tem força dentro e fora do processo, nos termos dos artigos 619º e 621º, ambos daquele diploma, sendo ainda tais factos ilidíveis perante terceiros, nos termos do artº. 623º, ainda do Cód. de Processo Civil.
Pelo que, aduz, a sentença proferida está ferida de nulidade, pois coloca “em crise factos apreciados e julgados por duas Instâncias Judiciais, não obstante ter sido junta aos autos o teor integral do Acórdão transitado em julgado”.
Apreciemos:
Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescrevem as alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
 Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [3] [4].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [5].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [6].
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
No que concerne à causa de nulidade equacionada pela transcrita alínea c), refere Ferreira de Almeida [7] tratar-se na presente causa de nulidade de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.
Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.
Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.
A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.
Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” [8].
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” [9].
No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [10], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º).
Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.
Ainda como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada no demais segmento da transcrita alínea d) reporta-se à omissão de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado nº. 2 do artº. 608º, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.
Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” [11].
Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [12], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”.
Analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar.
Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, não é legítimo concluir que a mesma contradiga ou esteja em distonia com a decisão proferida, isto é, que da mera e imediata análise da fundamentação aduzida fosse expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada.
Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível.
Efectivamente, não é possível afirmar, de forma pertinente, que da fundamentação da mesma resulte, ainda que parcialmente, diferenciadas interpretações, com multiplicidade de sentidos, susceptível de a inquinar nos termos descritos. Ou seja, que da interpretação feita constar seja possível extrair uma multiplicidade de sentidos, afastando-a de um sentido unívoco, susceptível de afectar a decisão ao ponto de a inquinar de ininteligibilidade ou incompreensibilidade.
Ademais, não se olvide, conforme supra exarado, que o vício a existir, radicado na fundamentação, apenas teria relevância em termos de mácula legalmente acolhida, caso comprometesse, de forma inquestionável, a decisão (ou seja, provocasse a sua ininteligibilidade), sendo totalmente irrelevantes as situações de pontual ambiguidade da fundamentação. Que, consigne-se, também não se reconhecem in casu.
Por fim sempre se diga e reconheça, que a Apelante Autora também não especifica ou questiona quaisquer contradições, radicando antes a sua discordância da não valoração, pela sentença recorrida, dos factos fixados no processo tutelar educativo, pois considera existir caso julgado relativamente aos mesmos a imporem-se nos presentes autos cíveis, em que se apura acerca da responsabilidade civil dos demandados lesante e progenitores deste.
O que é, manifestamente, questão distinta e diferenciada da aludida nulidade, a ponderar infra, na análise que efectuaremos relativamente à relevância daquele factualidade assente em sede de processo tutelar educativo para a fixação factual a operar na presente sede civil.
Por outro lado, e no que concerne ao aludido excesso de pronúncia, também não vislumbramos que a decisão sob apelo tenho violado o nuclear princípio do dispositivo, ou seja, que esta tenha conhecido de qualquer causa de pedir não invocada pela parte competente, ou de excepções não invocadas, para além das que permitem o oficioso conhecimento.
Conhecimento, aliás, que não é sequer invocado pela Recorrente, pois a razão da sua discórdia, já supra exposta, não é atinente a qualquer excesso de conhecimento, mas antes ao alegado incumprimento das regras dos efeitos de sentença proferida em autos de processo tutelar crime (educativo) em sede de processo civil.
Por fim, no que respeita à exposta omissão de pronúncia, não descortinamos que o Tribunal a quo tenha olvidado pronúncia sobre qualquer questão que devesse apreciar.
Com efeito, não está em equação qualquer não apreciação de factos essenciais alegados pela Autora, ora Recorrente, no sentido de ocorrer omissão de pronúncia no julgamento da matéria de facto. Efectivamente, e na realidade, o que existe é discordância quanto á elencagem de factos que a Apelante considera que deveriam ser considerados como provados, o que tem campo de conhecimento próprio na impugnação da matéria de facto, conforme melhor apreciaremos infra.
Por outro lado, também não configura ou preenche causa de nulidade da sentença a alegada não valoração do indicado meio probatório apresentado pela Autora, traduzido na certidão das decisões proferidas no âmbito do identificado processo tutelar educativo, o que tem igualmente lugar próprio em sede de impugnação da decisão acerca da matéria de facto, com indicação dos efeitos de tal não valoração para a fixação da matéria factual provada e não provada.
O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência das invocadas nulidades da sentença, com legal inscrição nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.
II) Da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil
Referencia a Apelante que o Tribunal a quo considerou o “teor do depoimento das testemunhas BA…, tio materno do G…; PA…, tio paterno do G…; SM…, colega do pai do G… desde há 17 anos e amigos de ambos os pais do G…; e CMo… colegas, colega e amiga dos pais do G… há cerca de 20 anos; além do depoimento da testemunha Profª CL…“, com base nos quais considerou provados factos conducente a que tivesse concluído terem os Recorridos ilidido a presunção de culpa que os onerava.
Questiona os motivos pelos quais tais depoimentos foram considerados e julgados suficientemente credíveis, nomeadamente para julgar como provada a factualidade constante dos pontos 46 e 50 a 62, acrescentando que tal não terá sucedido “pela sua falta de isenção e imparcialidade, já que, as duas primeiras testemunhas, são parentes directos dos Recorridos com ligações naturalmente fortes, próximas e afectivas e as restantes, para além de lidarem quase diariamente com os Recorridos, em especial com o LA… no seu local de trabalho, este é chefe e superior hierárquico da Técnica de radiologia SC…”.
Considera, assim, ter o julgador, na sentença apelada, violado o prescrito nos nºs. 3 e 4, do artº. 607º, do Cód. de Processo Civil, o que é sancionado com a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº. 615º, nº. 2, alín. b), do Cód. de Processo Civil.
Realça que a exigência de fundamentação tem natureza imperativa, devendo obedecer ao princípio constitucional consagrado no artº. 205º, nº. 1, pelo que a sentença está ferida de nulidade, ao ter omitido, em concreto, “porque considerou os aludidos depoimentos em contraposição com a apreciação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente”.
Efectivamente, no respeitante ao depoimento das testemunhas arroladas pelos Recorridos, e “pese embora não lhe tenha passado despercebida a relação familiar e subordinação profissional com os recorridos, a Meritíssima Juiz, não justificou nem fundamentou o sustento da sua credibilidade, autenticidade, espontaneidade, isenção, objectividade e veracidade”.
Desta forma, conclui, atenta tal falta de fundamentação e violação dos citados normativos, “deve a douta sentença recorrida ser revogada por ser nula e substituída por outra que, á exceção dos pontos 52, 53 e 55 baseados no depoimento da professora C…, cuja valoração foi devidamente fundamentada”, considere não provados os “pontos 46 e 50, 51, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62 considerados provados” – cf., Conclusões 57 a 70.
Em sede contra-alegacional, referem os Apelados que, contrariamente ao aludido pela Recorrente, “o Tribunal “a quo” cumpriu o disposto no nº 4 e 5 do Artº 607º do CPC , no que respeita à indicação da prova que esteve na base da exclusão de toda e qualquer responsabilidade cível dos pais do aqui Apelado quanto aos factos por si praticados enquanto menor”.
Aduz que tal conclusão extrai-se quer na motivação exposta relativamente à prova de tais factos, quer, ainda, do teor de parte da motivação da factualidade não provada, transcrevendo tais excertos, pelo que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, “para o cumprimento do disposto no nº 4 do Artº 607º do CPC, basta que a decisão, indique, de forma clara, os concretos meios de prova que a determinaram, positiva ou negativamente”, o que a sentença proferida cumpriu – cf., Conclusões contra-alegacionais 8ª a 12ª.
Vejamos.
O vício de fundamentação em equação – alínea b), do citado nº. 1 do artº. 615º do Cód. de Processo Civil -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.
Todavia, “só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade” [13] [14] [15].
Donde decorre que “a falta de motivação da decisão de facto (art. 607º, nº. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art. 607º, nº. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art. 662º, nºs. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas.
A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art. 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (nº. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art. 665º, nº. 1)” [16].
A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artº. 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que:
1 – as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa, ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.
Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de 07/11/2013 [17], “é, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico- jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação.
Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça”
O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito” [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.].
E, acrescenta, “conforme decorre do n.º2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303].
Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação.
Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC”.
Relativamente aos pontos factuais ora questionados, vejamos a motivação/fundamentação feita constar pelo Tribunal a quo.
Após fixação e enunciação da factualidade provada e não provada, consignou-se que “para a decisão quanto aos pontos 46 e 50 a 62, o Tribunal considerou o teor dos depoimentos das testemunhas BA…, tio materno do G…; PA…, tio paterno do G…; SM…, colega do pai do G… desde há 17 anos e amigos de ambos os pais do G…; e CMo…, colega e amiga dos pais do G… há cerca de 20 anos; além do depoimento da testemunha Prof. CL…” (rectificaram-se os lapsos de redacção).
Adrede, na parte em que a aludida motivação incidiu sobre a factualidade não provada, acrescentou-se dever tomar-se ainda em conta “que não se mostram juntos aos autos elementos probatórios, nem foi produzido qualquer outro meio de prova que possibilitasse dar como assente o que se mostra elencado sob os pontos 1 e 2 (a professora C… não se lembrava de ter visto o GA… com qualquer mochila); e 11 a 17 dos Factos não Provados; ao que se juntam os sobreditos depoimentos das testemunhas BA…, PA…, SM… e CMo…; que, com as suas afirmações, também, contribuíram para se dar como não provada tal matéria de facto”.
Reconhece-se, sem hesitação, que o juízo crítico à actividade probatória inscrito no nº. 4, do artº. 607º, do Cód. de Processo Civil, no que concerne aos aludidos depoimentos e factos, poderia, e deveria, ter sido produzido de forma mais sustentada, detalhada e completa, fazendo-se constar, de forma expressa e explícita, a razão de ser daqueles depoimentos terem sido considerados e valorados. Ou seja, de que forma é que os mesmos produziram na convicção do julgador um juízo quanto à sua credibilidade e idoneidade.
Todavia, o juízo feito constar está longe da aludida falta absoluta de fundamentação da sentença, sendo que só esta gera a nulidade da sentença, sendo que, em determinadas circunstâncias, devido ao facto de a tornar ininteligível.
Ou seja, fundamentação deficiente, escassa ou incompleta não traduz a prática daquela nulidade, pois não pode concluir-se pela total ausência de fundamentação.
Ademais, resulta da motivação/fundamentação exarada pelo Tribunal a quo, ainda que apenas de forma implícita, que o Tribunal considerou aqueles depoimentos, por lhes ter certamente reconhecido idoneidade e credibilidade, independentemente dos laços familiares, de amizade ou de natureza profissional das testemunhas para com os Réus. E, fê-lo não só para a consideração da factualidade provada em causa, como ainda para a ponderação e valoração de factualidade considerada como não provada, nos termos supra descritos.
Extrai-se, assim, da consignação efectuada, que o Tribunal Recorrido entendeu que aqueles depoimentos eram merecedores de positiva valoração, reconhecendo-lhes necessários méritos probatórios, sendo que os mesmos eram ainda correspondentes, compagináveis e consentâneos, pelo menos em parte, com o depoimento da testemunha CL…, professora à data do Réu G…, tendo este depoimento sido considerado “absolutamente isento, objectivo, esclarecedor e descomprometido”.
Por fim, uma derradeira consideração.
Contrariamente ao aduzido pela Apelante, caso se reconhecesse motivo para a declaração da reclamada nulidade, a mesma implicaria, não a consideração como não provados dos indicados factos, mas antes a avaliação de tais depoimentos em concatenação com tais factos, por parte do presente Tribunal, no cumprimento da regra da substituição inscrita no artº. 665º, do Cód. de Processo Civil.
E isto, sem prejuízo da possibilidade de recurso ao mecanismo previsto no artº. 662º, nº. 2, alín. d) e 3, alín. d), nas situações em que este se imponha, ou seja, em que o vício existente não determine a efectiva nulidade da decisão, assim se suprindo a irregularidade da sentença.
Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, considerando-se não verificada a nulidade da sentença, com enquadramento jurídico no disposto na alínea b), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, improcede, neste segmento, a pretensão apelatória apresentada.
III) REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto
- Da consideração dos factos dados como provados no Processo Tutelar Educativo ;
- Do valor da sentença transitada em julgado e do alcance do caso julgado – cf., artºs 619º e 621º, ambos do Cód. de Processo Civil ;
- Do funcionamento e abrangência do artº. 623º, do Cód. de Processo Civil, e da eventual equiparação da decisão transitada em julgado, proferida em sede de Processo Tutelar Educativo à decisão Penal condenatória
Alega a Apelante que a factualidade apreciada e dada como provada no âmbito do Processo Tutelar Educativo instaurado contra o então menor GA…, mediante decisão transitada em julgado, que determinou a aplicação a este de medida tutelar de internamento, deve ser considerada e dada como provada neste processo cível.
Considera, assim, que a “certidão do Douto Acórdão Proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa com indicação da data do trânsito em julgado, foi junta pela Recorrente na sua P.I, na convicção que, em conformidade com o Artigo 619º n,º 1, 581º n.º 4 e 621º do C.P.C, todos os factos fixados nesse Acórdão, tivessem força obrigatória definitiva dentro e fora do processo, sendo apenas oponíveis perante terceiros em conformidade com o disposto no Artigo 623º do C.P.C.”, considerando-se, deste modo, constituir o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, que confirmou a decisão da 1ª instância, “uma autêntica decisão penal (…), que fixou, para todos os intervenientes envolvidos, definitivamente, FACTOS, insusceptíveis de serem questionados ou postos em crise”, o que não foi entendido pelo Tribunal recorrido “que reapreciou e julgou, pela terceira vez, factos provados e não provados em total contradição com a factualidade fixada definitivamente no teor da certidão”.
Desta forma, a sentença recorrida, entre o mais, “refutou qualquer responsabilidade cível dos progenitores ora Recorridos, porquanto supostamente, ilidiram a respectiva culpa no que respeita ao exercício do dever de vigilância, educação e controlo, também em total contradição, aos depoimentos dos recorridos registados no processo tutelar educativo, segundo os quais, o filho “falava em suicídio, andava isolado, não se interessava por nada a não ser do Benfica.”, O que levou o Tribunal da Relação de Lisboa a concluir: “ (…) apesar de expressarem uma valorização afectiva entre si e que parecem existir praticas parentais adequadas ao nível da transmissão de valores e normativos socioculturais, supervisão e controlo, contudo tais praticas NÃO SE MOSTRARAM SUFICIENTES PARA QUE SE DETERMINASSE DE ACORDO COM OS PADRÕES SOCIAIS VIGENTES, DETERMINANDO-SE A TIRAR A VIDA A SERES HUMANOS, COM DESPREZO OU DESCONHECIMENTO DE VALORES ESSENCIAIS QUE REGEM A VIDA EM SOCIEDADE, DEFICIENTE FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE NA PERSPECTIVA DA SUA CONFORMAÇÃO COM O DEVER-SER JURIDICO MÍNIMO E ESSENCIAL COPORIZADO NA LEI PENAL, RAMO DE DIREITO QUE REPRIME AS OFENSAS INTOLERAVEIS AOS BENS JURIDICOS ESSENCIAIS “. OS FACTOS APURADOS CUJA AUTORIA É ATRIBUIDA AO RECORRIDO, REVELAM A NECESSIDADE DE O EDUCAR PARA O DIREITO E DE, SIMULTANEAMENTE, CORRIGIR A SUA PERSONALIDADE NO SENTIDO DA SUA CONFORMAÇÃO COM OS VALORES SOCIAIS, INVERTENDO O SEU PERCURSO DESVIANTE (folha 60 do Douto Acórdão)”.
Ora, aqueles factos foram fixados em verdadeira sentença condenatória, após a sua apreciação em várias sessões de julgamento, no qual intervieram “a Recorrente, o menor, os seus representantes legais, testemunhas, foram apreciados relatórios periciais e foram esmiuçados e julgados os “ factos controvertidos” subjacentes á autoria de vários crimes, circunstâncias de facto, tempo, lugar, modo, assim, como danos e nexo de causalidade”, tendo sido igualmente “ponderada e julgada, a necessidade ou não de educar o menor fase ao exercício do dever de educação, controlo e vigilância dos respectivos progenitores, que foi doutamente considerado como INSUFICIENTE”.
Assim, o “valor probatório definitivo da certidão junta aos autos, respeitante á Condenação do Menor é inquestionável, quanto a todos aos factos e todos os sujeitos que intervieram no julgamento”, pelo que “todos os factos já julgados e transitados em julgados que sustentam o pedido cível da Recorrente, não podiam ser desvirtualizados ou retocados pelo tribunal a quo com uma nova versão”.
Considera, deste modo, plenamente aplicável o prescrito no artº. 623º, do Cód. de Processo Civil, entendendo que a “força probatória da sentença condenatória do processo tutelar educativo, estende-se naturalmente á responsabilidade cível, quanto a todos aqueles, cuja actuação foi apreciada e julgada definitivamente”, pelo que não se aceita que o Tribunal a quo tenha proferido sentença “que julgou a factualidade não provada nos pontos 1, 2, 11, 12, 13, 14,15 16 e 17 em total contradição com a factualidade fixada definitivamente constante da certidão do Douto Acórdão”, bem como não se aceita, “com o mesmo argumento, que o tribunal a quo tivesse considerado provados os pontos 51 a 62 da Sentença Recorrida”.
Aduz, ainda, que a presente acção cível mais não constitui do que “uma extensão do Processo Tutelar Educativo, limitando-se a recorrente a quantificar os danos e acrescentar outros, que se revelaram, desde a data da audiência desse processo até á data da propositura da presente acção”, entendendo-se o Acórdão que confirmou a sentença proferida no processo tutelar educativo como constituindo “fundamento “de caso julgado” quando o objecto da nova acção coincide no todo ou em parte com o mesmo”.
Desta forma, regulando o enunciado artº. 623º, do Cód. de Processo Civil, a oponibilidade a terceiros da decisão pena condenatória, devem ser qualificados como terceiros “todos aqueles que não intervieram no processo penal“ pois em relação a todos aqueles que nele intervieram, a decisão penal tem eficácia absoluta, ou seja faz caso julgado formal e material quanto aos factos constitutivos da infracção e os relativos á culpa”.
Ora, “para além do menor, os seus progenitores também tiveram intervenção no julgamento do processo tutelar educativo, prestaram declarações, no que concerne ao modo como exerceram o seu dever de educação, controlo e vigilância, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa (folhas 60 do Douto Acórdão Proferido), apreciado a respectiva culpa no cumprimento de tal dever, concluindo que exerceram praticas parentais de supervisão e controlo do menor que se mostrassem “SUFICIENTES“ para evitar o cometimento dos vários ilícitos do seu filho menor”, pelo que “a apreciação da “ culpa “ dos progenitores encontrava-se esgotada pelo que não podia ser objecto de reapreciação cível, uma vez que foi determinante na necessidade de aplicação de medida tutelar educativa”.
Pelo que, conclui, “o Tribunal a quo, tinha de considerar como factos provados os pontos 1, 2, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16 e 17º e não podia considerar como factos não provados [é provados, e não provados, sendo evidente o lapso existente] os pontos 58º, 59º, 61º [anteriormente indicou os pontos 51 a 62, existindo, assim, alguma distonia na pretensão apresentada] por contradição com o teor da certidão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com força probatória definitiva, decidindo antes, em conformidade, pela procedência do pedido de indemnização cível da Recorrente, no que respeita a todos os danos morais e patrimoniais que foram julgados provados pelo tribunal a quo constantes nos pontos 8 a 44 da factualidade considerada provada” – cf., Conclusões 3 a 37 e 42 a 50.
Em sede contra-alegacional, o Apelado defende o entendimento adoptado na sentença recorrida, ao qual adere, considerando-a certeira “quando concluiu que a decisão judicial certificada proferida em sede de Processo Tutelar Educativo em que o aqui Apelado foi arguido, não faz, nestes autos, caso julgado, concretamente, no sentido de se darem como provados, nesta ação, os factos que foram julgados como provados e assim exarados na acima aludida decisão certificada nos autos e proferida em Processo Tutelar Educativo”.
Considera, assim, que a sentença aludida no citado artº. 619º, do Cód. de processo Civil “é, naturalmente, a sentença proferida em ações cíveis (e, não, por exemplo, a sentença proferida em processo penal ou em processo contraordenacional), e mesmo no âmbito da sentença proferida em processo civil, como pode ler-se, por exemplo, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 11-10-2016, em que foi Relator Jorge Arcanjo, acessível em “http://dgsi.pt”; e citando ANTUNES VARELA (in Manual de Processo Civil, 1984, pág 697) “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final””.
Pelo que, o Tribunal a quo já havia decidido bem quando “levou aos Temas da Prova os factos alegadamente praticados pelo aqui Apelado em Outubro de 2013, dando assim à A. A oportunidade de os provar, dando cumprimento as regras gerais do ónus da prova, que constam dos arts. 341.º e 342.º do CC” – cf., Conclusões contra-alegacionais 1ª a 4ª.
A sentença apelada justifica a solução adoptada nos seguintes termos:
“no que respeita aos pontos 3 a 6 (e 1ª parte do ponto 8) dos Factos Provados, importa que se exare, desde já, o nosso entendimento (segundo cremos, em perfeita conformidade com a lei sobre a matéria, mas, aparentemente, ao contrário do entendido pela demandante) de que a decisão judicial certificada nos autos e atrás referida, proferida em sede de Processo Tutelar Educativo, não faz, nestes nossos autos, caso julgado, concretamente, no sentido de se darem como provados, nesta ação, os factos que foram julgados como provados e assim exarados na acima aludida decisão certificada nos autos e proferida em Processo Tutelar Educativo.
Veja-se, em primeiro lugar, que a sentença a que alude o art. 619º, do Código de Processo Civil, é, naturalmente, a sentença proferida em ações cíveis (e, não, por exemplo, a sentença proferida em processo penal ou em processo contra-ordenacional).
Ademais, mesmo no âmbito da sentença proferida em processo civil, como pode ler-se, por exemplo, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 11-10-2016, em que foi Relator Jorge Arcanjo, acessível em “http://dgsi.pt”; e citando ANTUNES VARELA (in Manual de Processo Civil, 1984, pág 697) “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.” Nesse Acórdão, também se cita TEIXEIRA DE SOUSA (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 577), para quem “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado”.”
Neste Acórdão, ainda se cita um outro Acórdão do STJ de 2/03/2010 (proc. n.º 690/09.9), disponível em www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma – “(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.”.
E lê-se, com interesse, ainda, no mesmo Acórdão da Relação de Coimbra: “Por outro lado, perspectivando-se no âmbito do valor probatório da sentença, enquanto documento público, os factos apreciados num processo não se impõem noutro processo, porque a sentença prova plenamente a realização do julgamento (dos actos praticados pelo juiz), mas não quanto à realidade dos factos dados como provados.”.
Para a situação em apreço nos autos e no que se refere à oponibilidade da decisão proferida naquele processo tutelar educativo, a questão colocar-se-ia, porventura, ao nível da previsão do art. 623º, do Código de Processo Civil.
Contudo, não encontramos fundamento legal que permita equiparar a decisão penal condenatória à decisão final proferida em sede de processo tutelar educativo, por se tratar de analogia para a qual não se vê fundamento legal e dadas as conhecidas diferenças entre os fundamentos e objetivos de uma e de outra decisão.
Com a expressão deste entendimento (no caso concreto, pronunciando-se quanto a uma decisão homologatória proferida em processo tutelar educativo) veja-se o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2015, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira: “O art. 623.º do NCPC, referindo-se à condenação definitiva proferida no processo penal, somente em relação a esta estabelece a presunção, que se impõe ao juiz cível, e que é ilidível, no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime.
A decisão judicial homologatória de medida tutelar educativa proferida no âmbito do art. 104.º, n.º 4, da LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14-09, não se equipara a sentença penal a que possa aplicar-se o disposto no art. 623.º do NCPC.
Limitando-se o efeito do caso julgado da decisão homologatória à concordância dada por todos os intervenientes relativamente à medida tutelar educativa proposta pelo MP, não podem nele incluir-se os factos qualificados na lei como crime e imputados ao menor como justificativos da sua aplicação.
Se tais factos – constitutivos do direito à indemnização civil peticionada pelos autores –, foram alegados na petição inicial, porém, não levados à base instrutória, mantendo-se controvertidos e pertinentes, impõe-se ordenar a ampliação da base instrutória, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do NCPC, facultando-se aos autores a oportunidade de os provarem, de harmonia com as regras gerais do ónus da prova, que constam dos arts. 341.º e 342.º do CC.”.
Este foi já o entendimento seguido em sede de despacho saneador, em que se levou aos Temas da Prova os factos alegadamente praticados pelo, então, menor GA… em outubro de 2013”.
E, adiante, ainda em sede de fundamentação/motivação, mas agora reportada á factualidade não provada, acrescenta-se que “trazem-se para esta sede as considerações supra tecidas (em sede da Motivação dos Factos Provados) quanto à circunstância de se entender que o acervo factual enunciado na decisão judicial certificada nos autos e produzida em sede do processo tutelar educativo não faz caso julgado nestes autos; não podendo, por essa via, dar-se, nesta ação, como provados os factos que foram julgados provados naquele outro processo”.
Analisemos.
No âmbito dos efeitos da sentença, e prevendo acerca do valor da sentença transitada em julgado, dispõe o nº. 1, do artº. 619º, do Cód. de Processo Civil [18] que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Por sua vez, no que concerne ao alcance do caso julgado, referencia o artº. 621º que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
Especificamente com maior atinência ao caso sub júdice, prescreve o artº. 623º, ajuizando acerca da oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória, que “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”.
Tornando-se a sentença definitiva, por já não ser susceptível de recurso, impugnação ou reclamação, “forma-se então o caso julgado, só formal (com efeitos apenas no processo concreto) quando a sentença tenha sido de absolvição da instância e simultaneamente formal e material (com efeitos dentro e fora do processo) quando tenha sido de mérito”.
Traduzindo-se a sentença como decisão de mérito, acerca da relação material em controvérsia, produz, fora do processo o efeito de caso julgado material: “a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (….), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda ação (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”. 
Assim, com “o caso julgado condenatório precludem definitivamente todos os meios de defesa invocáveis contra a pretensão deduzida”, e com “o caso julgado absolutório precludem todas as razões de sustentação da pretensão deduzida, que não encontraram acolhimento na decisão proferida. Fala-se de efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida”. O que é aplicável não só à sentença proferida com julgamento da matéria de facto, como ainda ao próprio saneador-sentença [19].
Transitada em julgado a sentença, ou seja, passando a mesma a deter o carácter ou qualidade de imutabilidade, a sua força obrigatória “desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado”.
Assim, “o efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577º, al. i), segunda parte, 580º e 581º. Classicamente corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior (…). Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur”.
Deste modo, enquanto “o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão do poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão” [20].
Nas palavras de Teixeira de Sousa [21], “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional , duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”. Pelo que, “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Pelo que, respeitada a identidade dos sujeitos, “a autoridade de caso julgado decorrente de decisão proferida em anterior ação pode funcionar independentemente da verificação do restante condicionalismo de que depende a exceção de caso julgado (art. 581º), em situações em que a questão anteriormente decidida não possa voltar a ser discutida entre os mesmos sujeitos (…), abarcando, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (…). Seguro é que tal mecanismo, que visa evitar contradições decisórias entre os mesmos sujeitos, não poderá ser invocado em ação que corra entre sujeitos diversos na perspectiva da sua qualidade jurídica” [22].
Ora, encontrando-se os referenciados artigos 619º e 621º moldados relativamente a decisões, acerca do mérito da causa, proferidas em sede cível, in casu está em equação a articulação entre decisão proferida em sede de processo tutelar crime e a acção cível de responsabilidade civil que lhe sucedeu, de que os presentes autos tratam.
Pelo que, no caso concreto, assume maior realce ou acuidade a análise do estatuído no transcrito artº. 623º, urgindo, desde logo, apreciar acerca do seu efectivo campo de aplicabilidade, ou seja, e desde logo, se o mesmo, para além da específica previsão de aplicação à condenação definitiva proferida em processo penal, é igualmente aplicável á condenação definitiva proferida em sede de processo tutelar educativo ou processo tutelar crime.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [23]reportar-se o presente normativo à eficácia da decisão penal transitada em julgado, “em ação de natureza civil posterior, conferindo-lhe valor probatório legal extraprocessual”.
Assim, “a sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer acção de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração. O caso mais frequente é o da ação de indemnização: provada, no processo penal, a prática dum acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na ação civil subsequente o ato ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e, na generalidade dos casos, com a do nexo de causalidade”.
A presunção é, desta forma, “invocável perante terceiros relativamente ao processo penal”, o que sucede, nomeadamente, com a situação da seguradora da pessoa penalmente condenada por acidente de viação, “que a poderão ilidir”.
Todavia, “entre as partes a presunção é inilidível”, pois, “enquanto o arguido condenado teve oportunidade de exercer o direito de defesa, os terceiros foram alheios ao contraditório no processo penal” (sublinhado nosso).
Acrescentam os mesmos autores não se tratar nesta situação “da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções stricto sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um ato jurisdicional com trânsito em julgado ; não está, porém, em causa a eficácia do caso julgado (…), mas a eficácia probatória da sentença penal” (sublinhado nosso). E, citando Maria José Capelo [24], encontramo-nos perante uma “situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos «presumidos», mas sim uma «confiança» na averiguação dos factos feita pelo juiz penal”.
Traduzindo a aludida inilibilidade entre as partes, aduzem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [25] que “a sentença penal condenatória do arguido constitui caso julgado contra o mesmo, o qual pode ser invocado noutra ação”.
Pelo que, aquele normativo reporta-se apenas ao relevo a atribuir á mesma sentença relativamente a terceiros, sendo que, “a sentença penal, conquanto proferida no âmbito de um processo em que o terceiro não teve intervenção, representa uma presunção ilídivel da ocorrência dos factos que sejam comuns aos que foram apreciados e considerados provados no âmbito do processo penal (facto ilícito, culpa, nexo de causalidade, forma de atuação)”.
Na reafirmação daqueles efeitos absolutos relativamente ao arguido, alude Luís Filipe Pires de Sousa [26] que em relação a este ”condenado no processo penal opera plenamente e sem quaisquer restrições a autoridade do caso julgado da sentença penal no que tange à matéria da autoria, da ilicitude e da culpa. Deste modo, no subsequente processo cível está completamente vedado ao arguido (…) ilidir a presunção decorrente da sentença penal. Dito de outra forma, os factos que foram considerados provados na sentença penal têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova”.
Comentando o antecedente artigo 674º-A (ao qual sucedeu o artº. 623º, fruto das alterações introduzidas pela Lei nº. 41/2013, de 26/06), aduz Lopes do Rego [27]estabelecer-se neste preceito “a relevância «reflexa» do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza civil, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal – e tendo, nomeadamente, em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza «prática» de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada.
Entendeu-se, porém, em homenagem à regra do contraditório (….) que a condenação definitiva no processo penal não deveria impor-se, necessária e «cegamente», a sujeitos processuais que nele não tiveram oportunidade de expor as suas razões – constituindo tão-somente presunção ilidível, relativamente aos elementos referenciados no preceito”.
Desta forma, torna-se possível ao responsável civil “ulteriormente demandado no foro cível demonstrar que, afinal, o arguido - apesar de já condenado no âmbito do processo penal – não actuou culposamente”.
Donde decorre que “a eficácia «erga omnes» da decisão penal condenatória é, deste modo, temperada com a possibilidade de os titulares de relações civis conexas – terceiros relativamente ao processo penal – ilidirem a presunção de que o arguido cometeu efectivamente os factos integradores da infracção que ditou a sua condenação”.
Ainda no campo doutrinário, referencia Rui Pinto [28] que na aferição do valor extraprocessual da decisão probatória a regra é a da não eficácia extra-processual, pois “o regime dos limites objectivos do caso julgado exclui a importação sem mais e de modo vinculado de uma decisão probatória”.
Acrescenta, então, que “qualquer decisão sobre matéria de facto, i.e., sobre se a realidade de um facto está ou não demonstrada (cf. art. 341º CC), não vale autonomamente mas sim como condição necessária de construção da fundamentação de facto, nos termos do art. 659º nº 3 CPC.
Nesse sentido, ANTUNES VARELA/MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA escrevem que “a força do caso julgado não se estende (…) aos fundamentos da sentença” pelo que “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além dos contidos na decisão final”. Por isso, a decisão sobre a matéria de facto começa por apenas valer para o concreto processo em que foi produzida e perde depois autonomia sendo adquirida pela sentença final.
Por outras palavras, a decisão de dar certo facto como assente (cf. art. 511º CPC) ou a decisão sobre a matéria de facto (cf. art. 653º nº 2) não têm eficácia jurídica senão no concreto processo para o que foram produzidas”.
Tal corresponde, adita, ao unânime entendimento jurisprudencial, no sentido “da eficácia extraprocessual da prova, não o da eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados”, pois, “não se importam factos provados”.
Pelo que, questionando acerca do valor das decisões acerca da matéria de facto em outro processo que lhe suceda, referencia que o julgador “conhecerá o juízo probatório de provado/não provado: nesse caso escreve LEBRE DE FREITAS a “sujeita à livre apreciação da prova (…) no novo processo, a resposta deve ser valorada em conjunto com os meios de prova com que ele é directamente confrontado” valerá como princípio de prova como quando o primeiro processo tem menores garantias.
Isto porque “não podendo o juiz apreciar o conteúdo do depoimento, à livre formação da sua convicção substituir-se-ia o exercício dum poder vinculado (se se entendesse que teria de concluir como no processo anterior) ou discricionário (se se entendesse que apenas podia fazê-lo), que, em qualquer dos casos, a lei não lhe atribui e que teria como base a formação da convicção de outrem, se lhe fosse consentido assentar uma decisão de facto na mera resposta de outro tribunal a um quesito” e “isto mesmo pressupondo a total identidade da configuração do facto em causa e a não produção sobre ele de outras provas no segundo processo”.
Neste sentido, em sede de art. 712º CPC foi declarado pelo STJ 3-Nov2009/3931/03.2TVPRT.S1 (MOREIRA ALVES) que se o autor/recorrente se limitou a oferecer como meio de prova as certidões das decisões proferidas numa primeira acção, “as ditas decisões judiciais, apenas constituem documentos cuja força provatória se limita a um princípio de prova, a valorar livremente pelo julgador, em conjugação com a demais prova directamente produzida perante ele””.
Todavia, existem excepções ou desvios a esta regra, sendo uma delas a plasmada no normativo ora em equação – 623º -, assim se procurando “alguma coerência decisória entre julgado penal e julgado civil”, o que no passado se operava através do artº. 153º do CPP de 1929.
Acrescenta o mesmo Autor [29] ter-se já anteriormente concluído “que as decisões sobre a matéria de facto em outro processo estão sujeitas à livre apreciação da prova no novo processo e valem neste como princípio de prova. Não têm força de caso julgado.
Ora, justamente os preceitos dos arts. 674º-A e B fogem a essa solução. Ambos estatuem que a sentença penal, seja condenatória, seja absolutória, tem força probatória plena quanto a certos factos, em resultado de atribuição de valor de presunção legal ilídivel ao que nela foi decidido a esse respeito”.
No que concerne ao âmbito objectivo do dispositivo, “no caso da sentença penal condenatória os factos presumidos — na letra da lei os “factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime” — são os factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, como escrevem LEBRE DE FREITAS et alia.
Esses factos quando transplantados para uma acção/pedido cível não vão cobrir a totalidade dos pressupostos da responsabilidade civil, mas sim cobrir a ilicitude e a culpa e, mais duvidosamente, o nexo causal”.
Relativamente ao âmbito subjectivo da presunção em equação, “a eficácia probatória extraprocessual da decisão penal é em face de terceiros, antes de mais”, sendo que o que é oponível, “erga omnes é o valor probatório da sentença condenatória e não o caso julgado, i.e., o sentido decisório”.
Questiona, seguidamente, qual o entendimento a adoptar entre as partes, ou seja, “se também entre as partes o que ficou provado penalmente vale como mera presunção ilidível no campo cível ou se, mais do que isso, as vincula, com valor de caso julgado”.
E, após enunciar decisão jurisprudencial e entendimento doutrinário conflituantes, conclui referenciando que “o art. 674º-A expressamente apenas regula o valor probatório cível da sentença penal condenatória em face de terceiros. Nada diz quanto à eficácia perante as partes civis. No pretérito art. 153º CPP/29 é que se enunciava um valor de ”caso julgado, quanto à existência e qualificação facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais” sem restrições subjectivas.
No entanto, a clara omissão do legislador hodierno pode pretender significar que a sentença penal foi tida como vinculando as partes também quanto aos fundamentos decisórios, ou seja, os factos constitutivos da infracção” [30].
Jurisprudencialmente, acerca do âmbito de aplicabilidade da solução legal consagrada no citado artº. 623º, enunciemos, por todos, dois arestos do Supremo Tribunal de Justiça.
Em primeiro lugar, o douto Acórdão de 23/05/2000 [31], o qual, apreciando a introdução do antecedente artº. 674º-A, pelo DL nº. 329-A/95, começa por referenciar o exposto no relatório deste diploma, nomeadamente que “no que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929 não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria".
Acrescenta, então, na apreciação do caso concreto, que “a sentença penal que condenou a segurada da recorrida não constitui caso julgado em relação à ora ré seguradora.
Efectivamente, as personalidades jurídicas da segurada e da seguradora não se confundem e como esta nenhuma intervenção teve na acção penal tem de considerar-se um terceiro.
Por outro lado, não tendo hoje eficácia "erga omnes" a decisão penal condenatória, por se encontrar revogado o Código de Processo Penal de 1929, sendo, portanto, inaplicável o seu artigo 153, a condenação criminal da segurada da ré constitui apenas, em relação à seguradora, como terceiro, uma presunção ilidível”.
O segundo dos arestos reporta-se ao douto Acórdão de 13/01/2010 [32] que, após referenciar o enquadramento jurídico a efectuar, aduz que “a decisão penal condenatória em causa, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, tem eficácia absoluta quanto «à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção» — cf. os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21 de Janeiro de 1992, com sumário disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ199201210818111, de 15 de Março de 1994, com sumário disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ199403150848441, relativos a situações anteriores à reforma de 1995-1996, bem como os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 6 de Janeiro de 2000, com sumário disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ20000106010652, de 14 de Fevereiro de 2002, proferido no Processo n.º 3849/01, da 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, 2002, Secções Cíveis, de 13 de Novembro de 2003, disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ200311130029987, de 25 de Março de 2004, disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ200403250041937, e, ainda, de 9 de Dezembro de 2004, disponível em www.dgsi.pt, n.º de documento SJ200412090017642, estes relativos a situações posteriores à reforma de 1995-1996” (sublinhado nosso).
Donde, acrescenta, tendo recorrente e recorrido intervindo “no processo-crime em causa, na qualidade, respectivamente, de arguido e assistente (…), a dita condenação do recorrente nesse processo criminal, uma vez transitada em julgado, e onde, na parte relativa àquele, se discutiam, como se extrai dos factos 11) e 12), no essencial, os mesmos factos imputados na decisão disciplinar e constantes da base instrutória, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido.
É que, tal como se decidiu no citado acórdão de 14 de Fevereiro de 2002, «[a] possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado mas, apenas, em homenagem ao princípio do contraditório, aos sujeitos processuais não intervenientes no processo penal, para lhes dar a oportunidade de demonstrar que, afinal, o arguido, não obstante ter sido condenado definitivamente não actuou com culpa e, portanto, não praticou os factos integradores da infracção por que foi condenado»”.
Ou seja, conclusivamente, e contrariamente ao que sucede relativamente a terceiros, entre as partes que intervieram no processo penal respectivo e que aí tiveram participação activa, isto é, puderam exercitar o princípio do contraditório, a presunção é inilidível, possuindo a decisão penal condenatória eficácia probatória absoluta, nomeadamente no que concerne aos factos constitutivos da infracção (ou tipo legal), que não poderão voltar a ser questionados ou discutidos, seja em sede penal, seja em sede civil.
Aqui chegados, impõe-se questionar se o juízo exposto, que subjaz ao enquadramento jurídico efectuado, decorrente, fundamentalmente, do artº. 623º, é igualmente aplicável quando a aludida condenação definitiva foi proferida, não em processo penal, mas antes em processo tutelar educativo ou processo tutelar crime.
Efectivamente, é esta a primeira questão a demandar efectiva resposta na apreciação do caso sub júdice.
Relativamente à qual, refira-se, não logramos encontrar qualquer directa pronúncia, nem doutrinária nem jurisprudencial.
Ajuizando acerca do âmbito contra-ordenacional, conclui o douto Acórdão do STJ de 05/04/2016 [33] pela inaplicabilidade do artº. 623º à decisão daquela natureza, ou seja, no sentido de ausência de equiparação, por considerar inexistir identificação, nem material nem formal, entre o processo penal e o direito contra-ordenacional.
Neste processo, a decisão da 1ª instância ajuizou em sentido divergente,  pronunciando-se no sentido da recepção dos factos provenientes de decisões contra-ordenacionais, “nos termos do art. 623º do C.P.Civil, já que não existe qualquer razão para as distinguir das decisões definitivas proferidas no processo penal, porque “a confiança de que a sentença penal é merecedora aplica-se de igual forma à sentença contraordenacional …pois este processo é norteado por idênticos princípios aplicáveis ao processo penal e tutelados constitucionalmente, sendo que ao arguido são conferidos mecanismos de defesa e de impugnação equivalentes em face das sanções em causa. As diferenças que existem nos respectivos regimes não são suficientes para fundamentar o afastamento da decisão contraordenacional do regime previsto no art. 623º”.
Não foi este, todavia, o entendimento sufragado pela Relação [34], onde se afirmou que “marcado pela autonomia entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, seja a nível constitucional, seja a nível infraconstitucional, e por diferenças estruturantes (substantivas e formais) de cada um dos regimes, entendemos que está vedada a interpretação da norma excecional contida no art. 623º, do CPC (cf. o art. 11º, do CC) no sentido de se atribuir à decisão contraordenacional a eficácia probatória que aquele preceito do CPC confere à sentença penal condenatória”, pelo que decidiu que “a factualidade dada como provada na decisão contraordenacional não poderá servir de base factual relevante, na decisão sobre o mérito da causa, na presente ação”. Ou seja, defendeu e decidiu no sentido de que os factos provados no processo de contra-ordenação, em contrário da factualidade assente em processo penal, não podem ser levados em linha de conta numa acção cível” (sublinhado nosso).
Tal entendimento foi então confirmado pelo Acórdão do STJ, apelando às regras de interpretação da lei, nos termos do artº. 9º, do Cód. Civil, e á reconstrução do pensamento legislativo, através da análise do preâmbulo do já citado DL nº. 329-A/95, 12/12, que introduziu o dispositivo em causa no processo civil (então sob o mencionado art. 674º-A).
Alude, expressamente, que “na justificação da introdução do dispositivo no sistema legal, o legislador sublinhou a adequação da decisão penal condenatória (e só desta) ao âmbito de eficácia «erga omnes».
No art. 623º fala-se expressamente em “condenação definitiva proferida no processo penal”. A disposição, que foi introduzida no processo civil na reforma de 1995, passou, na sua formulação, incólume nas diversas reformas de processo civil ocorridas posteriormente. Daqui, segundo cremos, é lícito concluir que o legislador ao empregar a expressão “processo penal” quis dar-lhe um significado técnico preciso e, patentemente, que a aí não quis incluir o processo de contra-ordenação, sabendo-se, como se sabe, que já na altura da reforma processual de 1995 existia o processo contra-ordenacional (foi introduzido no nosso sistema legal pelo DL nº 232/79, de 24/7). Certamente que não deixaria de aí se referir ao processo de contra-ordenação se fosse sua intenção aplicar o regime em causa a esse tipo de processos”.
Acrescenta, então, que “nos termos do art. 9º nº 3 do C.Civil “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, donde decorre que quando o legislador se referiu, no dito art. 623º, ao processo penal, só a este se quis referir. Não é compreensível, se fosse intenção do legislador integrar na dita disposição a decisão proferida no processo de contra-ordenação, não lhe tivesse feito uma referência expressa, tanto mais que nas diversas reformas ocorridas posteriormente à introdução do dispositivo no sistema legal, não diligenciou por qualquer modificação nesse sentido (inserindo aí as decisões contra-ordenacionais). Ou seja, o que o legislador quis dizer na formulação do art. 623º foi precisamente o que disse, o que serve para excluir qualquer a interpretação extensiva da norma, visto que esta só terá lugar, como é sabido, quando se conclua “pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (minus dixit voluit”) – in Parecer nº 71/76 da PGR de 8-7-1976, BMJ 263º, 103-. A interpretação extensiva só deverá, pois, ter lugar quando o intérprete, ao reconstruir o texto da lei segundo os critérios estabelecidos no art. 9º do C.Civil, reconheça que o legislador, ao elaborar a norma, disse menos do queria e, por isso, será necessário alargar o âmbito do texto legal, o que não ocorre no caso, pois, repete-se, o legislador quis dizer o que, na realidade afirmou.
Quer isto dizer que a interpretação sobre o alcance a dar ao dito art. 623º, excluindo dele as decisões proferidas em processo de contra-ordenação, foi certa” (sublinhado nosso) [35].
Em reforço argumentativo, aduz compreender-se “que à sentença penal seja atribuída uma peculiar segurança e que, por isso, o legislador de 1995 lhe tenha conferido a confiança necessária de forma a estabelecer a presunção a que alude o dito dispositivo, “no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal”. Isto é, o legislador entendeu existirem condições para o juiz cível confiar e acreditar no julgamento efectuado no processo penal, quanto aos ditos elementos. O juiz, no processo penal, com base no princípio inquisitório, tem amplos poderes de investigar e determinar a real veracidade dos factos, de chegar ao âmago ou essência da realidade. Isto justifica a atribuição da excepcional força probatória às decisões proferidas no processo penal em relação aos factos imputados ao visado. Como se refere no parecer de Nuno Brandão junto aos autos de fls. 3212 e segs., invocando Jean Pardel “a repercussão do juízo penal no civil fundamenta-se, sobretudo, na circunstância de se considerar que os processos criminais “são guardiães de ordem pública e decidem da vida, da honra e da liberdade dos cidadãos, enquanto os tribunais cíveis apenas decidem interesses privados, sobretudo patrimoniais” e “o juiz penal tem meios de investigação superiores ao do processo civil e melhor colocado para obter a verdade””.
Donde, conclui, “atendendo aos princípios de segurança, no sentido da descoberta da verdade material, de que enferma o processo penal, o legislador entendeu atribuir à decisão penal a presunção (ilidível) quanto à existência dos factos determinantes da condenação criminal. As razões desta presunção legal, repete-se, resultam do entendimento sedimentado de que o processo penal buscando a verdade material, pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, com vista ao estabelecimento da certeza de que o arguido cometeu a infracção que lhe é imputada. Por isso, considerando-se que o processo penal oferece garantias de indagação superiores às do processo civil, considerou-se adequado o estabelecimento da presunção quanto à existência dos factos a que alude o dispositivo” (sublinhado nosso).
Com maior atinência e proximidade ao caso concreto, no douto Acórdão do STJ de 27/10/2015 [36] elaborou-se sumário com o seguinte teor:
“o art. 623.º do NCPC, referindo-se à condenação definitiva proferida no processo penal, somente em relação a esta estabelece a presunção, que se impõe ao juiz cível, e que é ilidível, no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime.
II - A decisão judicial homologatória de medida tutelar educativa proferida no âmbito do art. 104.º, n.º 4, da LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14-09, não se equipara a sentença penal a que possa aplicar-se o disposto no art. 623.º do NCPC.
III - Limitando-se o efeito do caso julgado da decisão homologatória à concordância dada por todos os intervenientes relativamente à medida tutelar educativa proposta pelo MP, não podem nele incluir-se os factos qualificados na lei como crime e imputados ao menor como justificativos da sua aplicação”.
No corpo decisório, referencia o aludido aresto não constituir aquela decisão homologatória proferida em sede de processo tutelar educativo “uma sen­tença penal condenatória, antes uma decisão proferida no âmbito do artº 104º, nº 4, da Lei Tutelar Edu­cativa aprovada pela Lei 166/99, de 14/9 (LTE) – ou seja, uma decisão que, por ter sido obtida a concor­dância de todos os intervenientes na audiência preliminar e não ter sido considerada pelo juiz despropor­cionada ou desadequada a medida que o MP propôs, se limitou a proceder à homologação judicial desta. Afi­gura-se, por isso, que não pode nem deve aplicar-se-lhe o disposto no artº 623º do CPC, porquanto a situação que esteve na sua base é tudo menos análoga (do ponto de vista jurídico) à que fundamenta uma sentença penal condenatória. Basta ter presente que, muito embora o primeiro e inarredável pressuposto da intervenção tutelar educativa seja, como referem Anabela M. Rodrigues e António Duarte Fonseca (Comentário da Lei Tutelar EducativaReimpressão – Coimbra Editora, 2003, - pág. 37) a “existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzido na prática de facto considerado por lei como crime”, a sua finali­dade consiste “na educação do menor para o direito e não na retribuição pelo crime”; por isso mesmo, a “medida tutelar não pretende constituir um sucedâneo do direito penal” e “é primacialmente ordenada ao interesse do menor: interesse fundado no seu direito à realização de condições que lhe permitam de­senvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável”; daí que, não visando a intervenção tutelar educativa a punição, ela só deva ocorrer “quando a necessidade de correcção da personalidade subsistir no momento da aplicação da medida. Nos outros casos, a autonomia individual prevalece sobre a defesa dos bens jurídicos e as expectativas da comunidade”. Tudo isto, de resto, está claramente ex­presso no artº 2º da LTE, onde se diz, preto no branco, que as medidas tutelares educativas visam a edu­cação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (nº 1), e que as causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa são consideradas para a avaliação da necessidade e da espécie da medida (nº 2). E há, de igual modo, jurisprudência nacional que de modo muito incisivo e claro traçou a linha divisória entre os objectivos da intervenção estadual no domínio da lei penal, por um lado, e no da lei relativa a menores entre os doze e os dezasseis anos de idade, por outro”.
Como exemplo jurisprudencial, cita, então, o douto Acórdão da RC de 12/10/2011 – Processo nº. 243/10.9T3ETR.C1 -, no qual se refere que “a intervenção tutelar educativa – legitimada, em termos de letra de lei, pelo DL 166/99 de 14/9, que aprovou a Lei Tutelar Educativa, entrada em vigor em 1/1/2001) importa restrições a direitos da criança (como o direito à liberdade e à autodeterminação pessoal) e dos progenitores (como o direito à educação e à manutenção dos filhos).
Ela deve ser excepcional e obedecer aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Se o jovem entra em ruptura com o mínimo ético e social em que assenta a vida em sociedade, ofen­dendo bens jurídicos tutelados pelo direito penal, o Estado, através dos Tribunais, deve intervir com o objectivo de fazer compreender ao agente os valores essenciais da comunidade e as regras básicas de convivência social a que qualquer cidadão deve obediência.
A intervenção tutelar educativa só se justifica, assim, se o interesse da criança ou do jovem assim o deter­minar, tendo em vista o direito em “desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula”. Esta intervenção não visa a punição e só “deve produzir-se quando a necessidade de correcção da perso­nalidade subsista no momento da aplicação da medida. Quando tal não aconteça, a ausência de interven­ção representará uma justificada prevalência do interesse da criança ou do jovem sobre a defesa dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade”.
A intervenção tutelar educativa do Estado justifica-se quando “se tenha manifestado uma situação desvi­ante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica”, legitimando-se o Estado para educar o jovem para o direito, mesmo contra a vontade de quem está investido das responsabilidades parentais Retemos a concepção de um processo tutelar educativo que tem como objectivo primordial a defesa do interesse do jovem, na perspectiva da sua integração social, não podendo ser encarado, nunca, sob uma perspectiva sancionatória ou intimidatória; na realidade, a medida tutelar deverá ser enquadrada em termos da evolução da personalidade do jovem e adequação ao seu desenvolvimento psicológico, devendo o tribunal atender à gravidade da sua conduta, traduzida na prática de actos delituosos.
No sentido da responsabilização do jovem prevaricante, deve dar-se prevalência, num âmbito de justiça reparadora, às ideias de restituição, compensação, redução dos conflitos, mediação, participação, recon­ciliação e prestações comunitárias.
.....
O processo tutelar educativo tem muitas afinidades com o processo penal – que não devem passar disso -, dele importando, essencialmente, as garantias constitucionais em matéria de direitos fundamentais e alguns institutos adaptados aos fins do processo tutelar educativo, como, por exemplo, a participação processual do ofendido (muito embora se opine que o mesmo nunca poderá recorrer de uma decisão final já que se considera que o mesmo não é “terceiro” prejudicado com a mesma, atentas as finalidades do processo tutelar educativo)” (sublinhado nosso).
Acrescenta que ainda que “fosse possível sustentar-se consistentemente a existência de analogia entre as duas situações ou realidades retratadas – sentença penal condenatória e decisão homologatória no âmbito do artº 104º da LTE – certo é que a norma que estabelece uma presunção legal – tal o caso do artº 623º do CPC - é de natureza excepcional e, nessa exacta medida, insusceptível de aplicação analógica (artº 11º do CC)”.
Resulta do exposto entendimento que o mencionado artº. 623º não é aplicável relativamente á sentença homologatória proferida em sede de processo tutelar educativo (ou crime), que se limitou a homologar a aplicabilidade, ao menor, daquela medida tutelar educativa, proposta pelo Ministério Público, pois, nesta situação, obtido o consenso, inexiste sequer qualquer produção probatória, conforme decorre do artº. 104º, da Lei Tutelar Educativa.
Efectivamente, na situação concreta aferida pelo douto aresto do STJ, que vimos citando, homologada a proposta do Ministério Público, apresentada no requerimento para abertura da fase jurisdicional – cf., artigos 89º e 90º, da LTE -, inexiste sequer qualquer fixação da factualidade provada e não provada, pois não ocorre qualquer produção probatória no âmbito da audiência prévia designada – cf., artigos 93º, nº. 1, alín. c) e 104º, nºs. 1, 2 e 4, da LTE. Não ocorre, nesta situação, qualquer produção dos meios probatórios apresentados, a qual apenas viria a ocorrer caso inexistisse consenso sob a medida tutelar proposta, ou outra que viesse a ser considerada adequada, ou caso o Juiz viesse a considerar desproporcionada ou desadequada a medida proposta pelo Ministério Público, sem lograr obter consenso quanto a outra -  cf., artigos 104º, nº. 3, alín. a), e 5, 110º, nºs 1 a 3 e 111º, da LTE.
Pelo que, logicamente, e como aí se ressalva, “não é correcto nem rigoroso falar-se na existência de caso julgado quanto aos factos invocados pelo MP no requerimento para abertura da fase jurisdicional do processo tutelar uma vez que terminado este, como se viu, por decisão que homologou as medidas propostas por aquele magistrado, tal significou, em termos práticos, que os factos materiais ali descritos não chegaram a ser apreciados com observância do princípio do con­traditório e, consequentemente, incorporados como factos efectivamente provados na decisão homologa­tória proferida (artº 92º, nºs 1 e 2, da LTE). Numa palavra, dir-se-á que no processo tutelar foi objecto de homologação judicial, com efeito de caso julgado, o acordo (consenso) sobre a medida educativa a adoptar, mas não os factos imputados ao menor justificativos da sua aplicação”.
Todavia, indaga-se, será de manter idêntico raciocínio no caso em que no processo tutelar educativo houve efectiva produção probatória (o que ocorreu na situação sub júdice), de acordo com os requerimentos apresentados pelo Ministério Público, menor, defensor deste, progenitores, representante legal daquele ou quem tenha a sua guarda de facto ?
A resposta não se afigura evidente ou lógica, antes demandando devida ponderação.
Cremos, porém, que analisada a globalidade da argumentação supra exposta, só podemos concluir no sentido da não aplicabilidade dos efeitos consignados no artº. 623º, relativa à oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória, ao caso julgado formado pela decisão proferida no âmbito do processo tutelar educativo ou processo tutelar crime.
Com efeito, e desde logo, não se pode olvidar que as finalidades e garantias de ambos os processos – penal e tutelar - são distintas, não sendo curial concluir que as garantias presentes no processo penal, nomeadamente de exaustiva busca da verdade material, inclusive com dilatados poderes de oficiosa indagação de toda a material factual relevante, com a finalidade da obtenção de um juízo de certeza acerca da prática, pelo arguido, da infracção imputada na acusação, se repliquem ou mimetizem no âmbito do processo tutelar educativo.
Com a presente conclusão não se pretende desvalorizar a actividade probatória produzida em sede tutelar, pressupondo ou indiciando um qualquer laxismo ou facilitismo na produção probatória.
Todavia, também não se pode afirmar, sob pena de risco de menor apego à verdade, que o grau de garantia, de profundidade probatória, de mecanismo de apuramento factual e mesmo de amplitude no exercício do contraditório seja equivalente ou semelhante ao produzido em sede processual penal, de forma a poder-se concluir por idêntica tutela garantística.
E isto, apesar da previsão da fase jurisdicional obedecer ao princípio do contraditório – cf., o nº. 2, do artº. 92º, da LTE -, de apenas valerem para a formação da convicção do tribunal e fundamentação da decisão as provas produzidas ou examinadas em audiência – cf., artº. 105º, nº. 1, da LTE – e de se salvaguardar a subsidiária aplicação das disposições do Código de Processo Penal – cf., artº. 128º, nº. 1, do mesmo diploma.
Porém, o diferenciado escopo prosseguido nos diferenciados processos – tutelar educativo e penal -, já supra enunciados no aresto do STJ de 27/10/2015, e apesar das claras afinidades reconhecidas, tendo o processo tutelar educativo replicado alguns dos princípios e garantias enformadores do processo penal, não permite a obtenção daquele juízo de fiabilidade, confiança ou garantia que logre determinar neste a presunção prevista no citado artº. 623º, “no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal” [37].
Pelo que, consideramos que nesta situação não existem razões para se concluir que o juiz do processo cível deva manter o mesmo grau de confiança que retiraria do procedimento penal, quanto á verificação daqueles elementos, pois aquela presunção apenas existe e ocorre, justificando-se, na pressuposição quanto aos amplos poderes de investigação do juiz no processo penal e sua constante procura da realidade e veracidade factual, ou seja, no perscrutar, até ao limite, exasperadamente, do que ocorreu, quando ocorreu e como ocorreu.
Por outro lado, também não é legítimo menosprezarmos o próprio teor literal do normativo em equação, o qual previu apenas, e tão-só, acerca da condenação (definitiva) proferida em sede processual penal.
Pelo que, na reiteração da argumentação supra, afigura-se-nos que a utilização de tal expressão por parte do legislador traduz um significado técnico preciso, não pretendendo integrar na presunção legal estipulada qualquer processo de outra natureza, ou seja, quando o legislador se referiu ao processo penal, apenas a este se pretendeu referir.  Pois, caso o pretendesse, nomeadamente no que concerne ao processo tutelar educativo, o legislador certamente o teria operacionalizado, nomeadamente em sede de revisão do processo civil, ocorrida através da Lei nº. 41/2013, de 26/06, pois a Lei Tutelar Educativa é antecedente – aprovada em anexo à Lei nº. 166/99, de 14/09, e fruto de alterações introduzidas pela Lei nº. 4/2015, de 15/01.
Por fim, não podemos deixar de aludir a uma última dificuldade, que, á luz do supra exarado nos citados dois últimos arestos do STJ, não logramos ultrapassar.
Ou seja, ainda que se concluísse, de forma consistente e sustentada, pela existência de analogia entre as duas expostas situações, ou seja a existência de uma sentença penal condenatória e a existência de uma sentença proferida em processo tutelar educativo que concluiu ter o menor praticado factos susceptíveis de relevância jurídico-penal, “certo é que a norma que estabelece uma presunção legal – tal o caso do artº 623º do CPC - é de natureza excepcional e, nessa exacta medida, insusceptível de aplicação analógica (artº 11º do CC)”. O que sempre impediria a pretendida abrangência do artº. 623º ás decisões definitivas proferidas em sede de processo tutelar educativo que concluíssem pela prática, por parte do menor, de factualidade qualificada pela lei como crime.
Ademais, ainda que assim não se entendesse, e se concluísse de forma diferenciada, considerando que a presunção inscrita no artº. 623º abrange igualmente a decisão final proferida em sede de processo tutelar educativo, que considerou ter o menor praticado factos qualificados pela lei como crime, conducentes à aplicação de medida tutelar, haveria, na ponderação do caso concreto, atender ao seguinte:
- a presunção estabelecida no enunciado normativo tem um campo objectivo de aplicabilidade perfeitamente definido e limitado, pois apenas se refere “à existência dos factos  que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime” ;
- ou seja, no que concerne aos pressupostos da punição, urge fundamentalmente atentar ao prescrito nos artigos 10º a 20º do Cód. Penal, no que se reporta às formas do crime vale o prescrito nos artigos 21º a 30º, do mesmo diploma, e no que se refere aos elementos do tipo legal deve-se ter em conta os diferenciados crimes previstos de forma abstracta na lei penal ;
- o que determina que, para além da factualidade atinente a tal tríplice de elementos, a demais factualidade não beneficia da presunção ilidível decorrente da condenação transitada proferida em sede de processo penal ;
- donde resulta que, in casu, o eventual funcionamento do mecanismo em sede da presente acção civil, nunca teria qualquer influência sobre a factualidade descrita nos pontos 11. a 17. não provados, reclamados pela Apelante como devendo passar a figurar como provados ;
- nem, por idêntica motivação, sobre a factualidade dada como provada sob os pontos 51. a 62., reclamada pela Apelante como devendo passar a figurar como não provada ;
- efectivamente, em ambas as situações estamos perante a factualidade referente às condições pessoais do menor G…, relacionamento deste com os progenitores, condições vivenciais destes, comportamento antecedente do G…, percepção dos progenitores relativamente a tal comportamento e grau de acompanhamento dos progenitores relativamente à vivência do filho ;
- não se reportando tal factualidade aos pressupostos da punição, às formas dos factos imputados como crime, nem quanto aos elementos do tipo legal que tal factualidade traduzia ;
- resultando, assim, que da factualidade apontada, a relevância limitar-se-ia à considerada como não provada sob os pontos 1. e 2., com atinência àqueles elementos ;
- todavia, tal enquadramento virtual, que ora se equaciona apenas como dever de raciocínio e explicitação, não teria idêntica relevância para os Réus demandados ;
- com efeito, no que concerne ao Réu GA…, inicialmente representado legalmente pelos seus progenitores e que na pendência da presente acção atingiu a maioridade, tendo figurado o mesmo como equivalente a arguido no processo tutelar educativo (ou crime), e aí condenado por sentença transitada em julgado, a presunção funcionaria de forma inilidível, possuindo a decisão tutelar educativa condenatória eficácia probatória absoluta, nomeadamente no que concerne aos factos constitutivos da infracção (ou tipo legal), que não poderiam voltar a ser questionados ou discutidos, seja naquela sede tutelar, seja em sede civil ;
- todavia, o mesmo já não sucederia relativamente aos Réus LF… e AM…, demandados na qualidade de progenitores daquele Réu, por alegado incumprimento do dever de vigilância inscrito no artº. 491º, do Cód. Civil, relativamente ao filho (e co-Réu) então menor ;
- pois, relativamente a estes, que são efectivamente terceiros para os efeitos do normativo em ponderação, aquela condenação transitada, proferida em sede de processo tutelar educativo, constituiria presunção ilidível no que concerne aos factos constitutivos da infracção ;
- sendo ainda evidente que o facto de terem intervindo na qualidade de progenitores do menor no âmbito do processo tutelar educativo, e aí tendo prestado declarações não ajuramentadas, não lhes atribui a natureza de partes nesse processo tutelar, ainda que no mesmo pudessem intervir, mas sempre em função da posição processual do filho menor ;
- ou seja, em benefício da Autora lesada/ofendida, e por referência àqueles Réus, presumia-se a efectiva existência/ocorrência da factualidade preenchedora dos pressupostos da punição, formas de crime e elementos do tipo legal determinantes daquela condenação transitada ;
- pelo que, competiria àqueles demandados o ónus de ilidirem a presunção de que a Autora lesada beneficiaria, permitindo-se-lhes, em homenagem ao princípio do contraditório, demonstrar que o menor, enquanto alvo do processo tutelar educativo, e não obstante lhe ter sido aplicada uma medida tutelar educativa, inclusive institucional, não havia praticado os factos integradores e qualificados pela lei como crime ;
- contudo, mesmo nesse pressuposto, que, reitere-se, não está reconhecido, a pretensão recursória ora apresentada, no que concerne àquela factualidade dada como não provada sob os pontos 1. e 2. mostra-se com efeitos ou consequências irrelevantes ;
- com efeito, apesar daquela factualidade dada como não provada na sentença apelada, e que, no entendimento ora pressuposto dever-se-ia considerar plenamente provada relativamente ao Réu GA…, e presuntivamente provada relativamente aos co-Réus, seus progenitores, LF… e AM…, a factualidade dada como provada ainda é suficientemente segura e bastante no sentido de reconhecer-se a conduta do ora Réu G… como tradutora ou constitutiva de infracção com natureza penal   - cf., factos 3. a 7. provados ;
- e, se a factualidade não provada sob o ponto 2. – “o ora Réu GA…, previu e quis como consequência da sua conduta, a morte da ora Autora” – sempre inviabilizaria que os factos praticados pudessem ser qualificados em termos idênticos ao ocorrido em sede de processo tutelar educativo – cf., facto 1. provado, nomeadamente no que concerne á tipificação de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa da ora Autora -, não deixava todavia de permitir a sua tradução como prática de um facto ilícito e culposo ;
- pois, conforme vimos, tais factos, quando transplantados para uma acção de natureza civil não vão cobrir a totalidade dos pressupostos da responsabilidade civilística, limitando-se à ilicitude e culpa, sempre restando a cargo da lesada Autora a prova do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano ;
- por fim e ademais, a Apelante configura a sua pretensão recursória, no segmento ora em equação, apenas direccionada para a consideração, naquela sede do artº. 623º (e mesmo na sede dos artigos 619º e 621º que, já vimos, não poder ser operatória) da factualidade que, no seu entendimento, traduziria a responsabilidade dos Réus progenitores, nos quadros do citado artº. 491º, do Cód. Civil, por alegada violação do dever de vigilância que os onerava ;
- Todavia, conforme vimos, tal factualidade está fora da matéria que goza da presunção inscrita no artº. 623º ;
- ou seja, mesmo no pressuposto em equação, a factualidade que ali se inscreveria, correspondente aos factos não provados sob os nºs. 1 e 2, sempre seria destituída de relevância para o enquadramento reclamado pela Apelante, ou seja, para a consideração daquela violação do dever de vigilância pelos demandados Réus progenitores, no sentido da incapacidade de inversão da presunção legal de culpa inscrita no artº. 491º, do Cód. Civil ;
- pelo que, fazer figurar a mesma, nos termos circunscritos no objecto recursório, sempre se revelaria inconsequente e inútil para aquele desiderato de responsabilização dos Réus progenitores
Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, improcede, nesta parte, a pretensão apelatória apresentada.
- Da necessária utilização da prova produzida, em sede de julgamento, no âmbito do Processo Tutelar Educativo, em observância dos artºs. 413º e 421º, ambos do Cód. de Processo Civil
Na prossecução do desiderato recursório, refere a Apelante que “se o tribunal a quo, pretendesse manter a sua posição segunda a qual, “a certidão faz apenas prova que ocorreu um julgamento”, o que não se concebe, era sua obrigação lançar mãos aos dispositivos dos Artigos 413º e 421º do CPC.”, pois o julgador não podia deixar “de tomar em consideração todas as provas produzidas num processo judicial, tenham ou não sido emanada da parte que devia produzi-las”.
Acrescenta que o “tribunal a quo tinha ao seu alcance, para prova dos factos alegados pela Recorrente no seu pedido cível, não apenas a certidão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, mas também TODA A PROVA PRODUZIDA EM SEDE DE JULGAMENTO NO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO QUE CORREU TERMOS, NO MESMO TRIBUNAL”, nomeadamente “relatórios, gravações de depoimentos e perícias produzidas num processo com audiência contraditória das partes, podem ser invocados noutro processo, contra as mesmas pessoas, em harmonia com o teor do disposto no Artigo 421º do CPC, evitando-se que fossem proferidas decisões judiciais opostas” – cf., Conclusões 38 a 41.
Prevendo acerca das provas atendíveis, enuncia o artº. 413º que “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.
Por sua vez, no que concerne ao valor extraprocessual das provas, aduz o artº. 421º que:
“1 - Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
2 - O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar”.
Referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [38], em anotação a este último normativo, reger o mesmo “sobre a eficácia extraprocessual da prova (ou«prova emprestada») e não sobre a eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados”, limitando-se o mesmo “apenas a algumas provas constituendas: depoimentos e declarações de parte, depoimentos testemunhais e perícias” [39].
Sendo que, em regra, os efeitos de tais meios de prova restringem-se ou limitam-se ao processo onde foram produzidos, através do presente preceito tornam-se extensíveis “a outros processos quando exista identidade da parte contra a qual é invocada a prova”.
Acrescentam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [40] não ser exigível “a identidade de partes no processo em que a prova é produzida e naquele em que é invocada”, antes se exigindo “que a parte contra quem a prova é invocada, isto é, aquela que resulta desfavorecida com o resultado probatório, tenha sido parte no primeiro processo e que nele tenha sido respeitado o princípio da audiência contraditória, isto é, que a parte tenha sido convocada para os atos de preparação e produção da prova e admitida a neles intervir, independentemente de ter estado efetivamente presente e ter tido intervenção efetiva (art. 415)”.
A circunstância de existir ou não registo do depoimento, seja por meio de gravação ou redução a escrito, também influencia a forma e modo de valoração da aludida prova emprestada.
Assim, na omissão daquele registo ou gravação, o juiz do segundo processo é “confrontado com o resultado da prova, em conformidade com a convicção formada, mas não com o conteúdo do ato da sua produção. Apenas lhe chega a resposta sobre a realidade do facto que nela se baseie. Por sua vez sujeita á livre apreciação do juiz do novo processo, a resposta deve ser valorada em conjunto com os meios de prova com que ele é diretamente confrontado e, não obstante a letra do artigo sob anotação, dificilmente constituirá mais do que um princípio de prova (…)”.
Porém, havendo registo do depoimento, “já o juiz do segundo processo é confrontado com o seu conteúdo, que pode valorar, de acordo com a sua convicção, e tal como faz o tribunal da relação em instância de recurso (incluindo a possibilidade, paralela à do art. 662-2-a, de ouvir a parte ou a testemunha, em renovação do depoimento prestado: arts. 452-1 e 526). O mesmo se passa no caso da perícia, em que o juiz é confrontado com o relatório pericial (arts. 484 e 485-3), embora a eventual prestação de esclarecimentos em audiência (art. 486) só seja cognoscível quando registada”.
Analisando a possibilidade de transporte probatório, para além do supra aludido, refere Rui Pinto [41] , ainda na vigência do artº. 522º da antecedente redacção do Cód. de Processo Civil, que tal implica “buscar em que medida pode ser importado para a apreciação do pedido cível já não o conteúdo probatório da sentença penal mas o resultado instrutório desse processo prévio. Citando o ac. RP 9-Out-2008/0834784 (TELES DE MENEZES) “não são os factos [dados como] provados numa acção que, ao abrigo do valor extraprocessual das provas, podem ser invocados noutra, antes e apenas pode, por norma, o tribunal, nesta segunda acção, servir-se dos meios de prova (depoimentos e arbitramentos) que foram utilizados na anterior”.
Ora, admitindo que as aludidas normas “do processo civil, feitas a pensar no transporte de prova de uma causa cível para outra causa cível, cabem no âmbito remissivo do art. 4º CPP. Isto é: são normas do processo civil que se harmonizam com o processo penal, pelo que permitem o transporte de prova de uma causa crime para uma causa cível”, a primeira limitação a observar é que apenas está abrangida alguma prova constituenda, nomeadamente a prestação de depoimentos, seja pelas partes ou pelas testemunhas (prova por confissão e prova testemunhal) e a produzida prova pericial.
Através do presente mecanismo processual, consagrou o legislador “uma faculdade, dentro de certos requisitos, em favor de autor e réu, e que lhe permite, querendo, ficar dispensado de nova produção de depoimentos, tanto de parte, como de testemunhas”.
Acrescenta o mesmo Autor [42] que o funcionamento da regra da transportabilidade prevista neste normativo, está condicionada ao preenchimento de quatro distintos pressupostos, nomeadamente “(1) identidade da parte contra quem a prova é por segunda vez invocada; (2) ocorrência de audiência contraditória no primeiro processo; (3) vontade da parte beneficiada pela prova; (4) natureza jurisdicional do primeiro procedimento”.
Assim, no que respeita ao primeiro pressuposto - identidade da parte contra quem a prova é por segunda vez invocada -, “exige-se uma identidade de partes não no sentido de da sua qualidade jurídica (cf. art. 498º nº 2), mas entre os sujeitos concretos dos diferentes processos. Por outras palavras, o que se pede é que o sujeito processual concreto contra quem a prova é apresentada tenha sido parte na primeira causa”.
Relativamente ao segundo requisito - ocorrência de audiência contraditória no primeiro processo -, “exige-se o respeito na primeira causa da regra da audiência contraditória”, ou seja, nos termos já supra expostos por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, que a parte tenha sido efectivamente convocada para intervir, em termos probatórios, e admitida a intervir, independentemente de o ter ou não concretizado, sendo que “no processo penal são dadas ao arguido na produção da prova as garantias essenciais à sua defesa. Como tal cumpre-se o requisito da audiência contraditória sem qual a prova assim produzida não poderia ser emprestada ao processo cível”.
No que concerne ao enunciado terceiro requisito ou pressuposto - vontade da parte beneficiada pela prova -, a enunciada transportabilidade da prova “não pode ter lugar por iniciativa oficiosa do tribunal, mas sempre e somente por “invocação” das partes. Trata-se, pois, de uma sua faculdade processual.
Neste sentido, concluiu o ac. RL 16-Jun-2004/8740/2003-4 (DURO MATEUS CARDOSO) que “para que possa operar o disposto no art. 522º-1 do CPC (valor extraprocessual da prova), em que é admissível a intervenção de juízes diversos, a parte que dela queira aproveitar tem de invocar e alegar, no 2º processo, os meios de prova produzidos no 1º processo””.
Ressalva-se, todavia, “a eventual atendibilidade oficiosa de factos que o juiz haja conhecido no primeiro processo “por virtude do exercício das suas funções””, nos quadros prescritos no nº. 2, do artº. 412º, do Cód. de Processo Civil, mas limitando-se tal recurso no sentido de que “o juiz concreto terá de ser o mesmo nas duas causas: “os factos de que o tribunal se pode servir por deles ter conhecimento no exercício das suas funções, a que alude o n.° 2 do art. 514.º do CPC, são apenas os factos já julgados pelo mesmo juiz noutro processo, ficando excluídos os factos julgados [provados] por juiz diferente em tribunal diferente” (RP 4-Jan-2011/3492/09.9TBVNG-C. (GUERRA BANHA))”.
Considera-se, porém, que tal importação oficiosa da prova deve ser usada com “a maior das cautelas”, na observância “pelos limites ao objecto probatório decorrentes do princípio do dispositivo (cf. art. 264º CPC), pelo dever de fundamentação das decisões (cf. art. 158º CPC) e, necessariamente, com respeito pelo princípio do contraditório, do art. 3º nº 3 CPC”.
Por fim, o último pressuposto - natureza jurisdicional do primeiro procedimento -, impõe que “o processo de onde provêm os depoimentos e perícias há-de ser jurisdicional”, o que acontece, nomeadamente com o processo penal e com o processo tutelar educativo, com atinência in casu.
Aduz o mesmo Autor, que a prova assim transportada ou emprestada, no que concerne ao seu grau, sendo “prova stricto sensu numa causa é-o ainda em outra.
No entanto, se o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e arbitramentos produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova”.
E, relativamente ao valor probatório, aquela prova emprestada “será tratada como a demais prova do segundo processo, não sendo nem valorizada, nem desvalorizada”, estando sujeitas ao princípio da apreciação da prova segundo a livre convicção do julgador.
Por fim, no que concerne ao seu momento de apresentação, existem regras a observar no processo (segundo) onde se pretende a utilização de tal prova. Neste, “será apresentada no momento normal em que se faria ou requereria a respectiva produção”, pelo que deverá acompanhar o respectivo articulado (cf. art. 552º nº 2), ou ser indicada na audiência prévia (cf. art. 598º nº 1, por referência ao artº. 591º) ou apresentadas em 10 dias depois da notificação do saneador, no caso de dispensa da audiência prévia (cf. art. 598º nº 1 e 593º, nº. 3) [43].
O procedimento processual a adoptar pela parte que pretende beneficiar da prova produzida noutro processo deve ser, assim, regido pelos “princípios gerais de direito processual, designadamente, o princípio da iniciativa processual das partes, a quem incumbe o Ónus processual de alegação e de prova, nos termos consignados nos artº 5º e 6º do CPC, ao juiz incumbindo o Dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciando pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, sem prejuízo, porém, do ónus de impulso especialmente imposto por lei ás partes, nomeadamente, o Ónus probatório, ás partes, em exclusivo incumbindo a apresentação dos meios de prova e prova dos factos que constituem os fundamentos da acção, restringindo-se o Princípio Inquisitório do Tribunal aos factos que lhe é lícito conhecer nos termos preceituados no artº 411º do CPC.
Nestes termos, consequentemente, é á parte que dela se pretende aproveitar, que incumbe o ónus de indicação da produção da prova extraprocessual, na parte que se pretende invocar no processo posterior (aliás, como expressamente alude o nº 2 do artº 421º do CPC, e demais preceitos legais referentes ao modo e oportunidade de oferecimento das provas, por ex, artº 423º, 452º-nº2, 466º-nº1, 475º, todos do CPC, todos regulando a iniciativa probatória da parte), e, de forma especificada, relativamente, aos Temas de Prova enunciados, ou na falta destes, aos factos fundamentos da acção, com indicação precisa dos depoimentos ou parte dos depoimentos e testemunhas que os produziram; á parte, ainda, incumbindo “formalizar” a apresentação da prova extraprocessual, nomeadamente, por via da junção da gravação ou de cópia certificada das declarações em causa” [44].
Aqui chegados, retornemos ao caso concreto.
- contrariamente á pretensão da Autora Apelante, a prova emprestada a considerar não abrange os indicados relatórios que, como prova de natureza documental, não cabem na previsão do normativo em equação ;
- restando assim, e tal como dispõe a legal previsão, a consideração da prova por depoimentos e perícias produzida em sede de processo tutelar educativo ;
- por outro lado, no respeitante ao primeiro dos pressupostos enunciado - identidade da parte contra quem a prova é por segunda vez invocada -, impondo-se que o sujeito processual concreto contra quem a prova seja apresentada tenha sido parte na primeira causa, aquela prova produzida no âmbito do processo tutelar educativo poderia ser utilizada na presente acção de responsabilidade civil contra o ora Réu GA…, que ali figurou como menor sujeito ao processo tutelar (em posição, nalguns pontos, semelhante à do arguido no processo penal) ;
- todavia, tal juízo já não será extensível relativamente aos demais Réus, seus progenitores, relativamente aos quais não é admissível a sua configuração como parte naquela primeira causa (conforme já supra explicitámos), ou seja, no processo tutelar crime, pelo que o normativo em equação não lhes poderá ser aplicável, isto é, a prova produzida em sede de processo tutelar educativo não pode ser utilizada contra os mesmos ;
- por outro lado, no que concerne á transportabilidade da prova, constatámos que, salvo nas situações previstas no nº. 2, do artº. 412º, a mesma não pode ter lugar por iniciativa oficiosa do tribunal, mas antes, e sempre, por iniciativa das partes (a invocação legalmente enunciada) que, querendo aproveitarem-se de tais provas, devem invocar e alegar, no segundo processo, os meios de prova do primeiro processo que pretendem utilizar ;
- e, para além de tal alegação, incumbe, ainda, à parte que pretende beneficiar daquela transportabilidade apresentar a prova no momento processualmente adequado, em que se faria ou requeria a respectiva produção, nomeadamente através da devida junção da gravação, da cópia certificada dos depoimentos ou do teor das perícias produzidas no primeiro processo ;
- ora, compulsados os autos, e especificamente os requerimentos probatórios formulados pela Autora, para além da omissão daquela invocação e alegação, não logramos descortinar a junção de quaisquer cópias certificadas de depoimentos ou perícias, produzidos em sede de processo tutelar educativo, cuja utilização pretendesse operacionalizar na presente acção ;
- pelo que, e conforme expusemos, no incumprimento de tal ónus, que lhe incumbia e não poderia ser oficiosamente suprido, e que seria apenas válido relativamente ao Réu GA…, não é censurável a não utilização, por parte do Tribunal a quo, de prova produzida em sede de julgamento no processo tutelar educativo ;
- aliás, curiosamente, foram os Réus ( e não a Autora) que, no seu requerimento probatório apresentado juntamente com o articulado contestação, vieram solicitar que o Tribunal apelado oficiasse à Secção e Tribunal onde correu termos o processo tutelar, no sentido deste enviar suporte digital do depoimento gravado prestado pela ora Autora na audiência de julgamento realizada naqueles autos, o que mereceu despacho de indeferimento, conforme fls. 185.
Pelo que, não se constatando que a sentença apelada tenha causado, neste segmento, qualquer agravo à Recorrente, não podem deixar de ser julgadas improcedentes as conclusões recursórias. O que se decide e consigna.    
- Da factualidade provada sob os pontos 47 e 48 e da pretensão de aditamento de um novo facto provado
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo a Recorrente/Apelante/Autora dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, nomeadamente através da indicação das passagens da gravação e transcrição dos enxertos dos depoimentos identificados, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [45].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[46] (sublinhado nosso).
A Recorrente, na prossecução recursória, enuncia que se corresponde à verdade a matéria factual dada como provada nos pontos 47 e 48, fundada nas conclusões do relatório pericial sobre a sua personalidade, não é menos verdade que o Tribunal recorrido desconsiderou “uma conclusão pericial da maior importância”, nomeadamente a de que a ora Recorrente “não tem consciência dessa dinâmica”.
Considera, assim, que apenas foram ponderados os “traços negativos” da sua personalidade, sem se relevar que “os traços de algum exagero das suas queixas não são intencionais, voluntários ou conscientes”.
Aduz que tal pode prejudicar o valor das suas queixas e respectivo valor indemnizatório, devendo ser acrescentado como facto provado que a “Recorrente não tem consciência dessa dinâmica” – Conclusões 51 a 56.
Em sede contra-alegacional, aduz o Apelado que a sentença fez uma correcta análise do relatório pericial, valorando devidamente tal meio probatório, transcrevendo, inclusive, a parte da fundamentação respeitante ao mesmo – cf.,, Conclusões 5ª a 7º.
A motivação/fundamentação feita constar na sentença apelada, no que aos presentes pontos factuais concerne, é do seguinte teor:
“no que respeita aos pontos 47 a 49, o Tribunal deu natural preponderância (dadas as características de isenção, rigor e objectividade inerentes a perícia médica realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal) ao teor do relatório pericial junto aos autos em 8 de fevereiro de 2018; o que, ademais, não se mostra contrariado por qualquer outro elemento de prova; e se coaduna com o demais apurado e exarado como provado (a Autora teve as enunciadas consequências, fruto da agressão sofrida, mas, influenciadas pelos indicados traços de personalidade apurados na perícia”.
Decidindo:
Os pontos 47 e 48 têm a seguinte redacção:
47. A ora Autora apresenta, como principais características da sua personalidade, independentemente dos factos em causa, fragilidade emocional, com rigidez dos seus processos mentais e com tendência à somatização e à exacerbação das suas queixas como forma de compensação e obtenção de atenção para satisfação das suas necessidades emocionais mais ou menos permanentes.
48. Antes dos factos dos autos, a ora Autora já apresentava personalidade com tendência para a dramatização; característica que se exacerbou com os factos aqui em apreço e se mantiveram, com o passar do tempo”.
A Apelante não questiona a presente factualidade provada.
Antes refere que, considerando-a, deveria ter igualmente considerado como provado que a Autora “não tem consciência dessa dinâmica”, com igual fundamento no relatório pericial.
Para a análise do requerido, urge, ainda, considerar a matéria de facto provada sob o nº. 49, donde consta que “a afectação psíquica considerada para os factos objeto da ação mostra-se ligeira e a preservação das queixas apresenta-se como inerente a características da personalidade da Autora, prévias àqueles factos”.
Analisado o teor do relatório de perícia médico-legal, da área de psicologia, que procedeu á avaliação da Autora – cf., fls. 219 a 222 -, constata-se que a factualidade supra enunciada reproduz, no essencial, o teor das conclusões aí feitas constar. Que foram devidamente expressas naquela factualidade.
Contrariamente ao pugnado pela Recorrente, não consta daquele meio de prova que a mesma não tenha consciência dessa dinâmica, mas antes que tal dinâmica não é completamente consciente. Ou seja, que a elevada susceptibilidade e tendência intrínseca para desenvolver queixas somáticas, como registo de funcionamento que tende a desenvolver sintomas exagerados para obter ganhos secundários, não é completamente consciente.
Tal determina, desde logo, que o aditamento factual reclamado nunca poderia ter a redacção proposta, pois esta não tem correspondência com o invocado meio de prova.
E, por outro lado, o eventual aditar de um facto que referencie que tal dinâmica não é completamente consciente não se revela com qualquer pertinência para o caso completo, nem traduz um qualquer reequilíbrio de traços positivos e negativos da personalidade da Autora, na terminologia da Apelante.
Com efeito, a factualidade pertinente não se fixa, logicamente, com apelo a tal critério, sendo que o que releva são os factos objectivos feitos constar nos pontos dados como provados, não estando em causa a consciência ou inconsciência de tal dinâmica. Que, segundo entendemos, também não se revela com relevância para a fixação de um valor indemnizatório a equacionar. 
Donde, conclui-se pela improcedência da presente vertente de impugnação da matéria factual, inexistindo legal justificação para o reclamado aditamento.
- Da alteração da redacção dos pontos 51 e 46 provados
A presente factualidade tem a seguinte redacção:
46. O pai do menor G… é técnico de radiologia e a mãe assistente de consultório”.
51. Ambos trabalham cumprindo horário de trabalho e o pai do ora Réu G…, por vezes, faz turno de 24 horas; preocupando-se, em particular, a mãe do G… em vir para casa no final do seu período de trabalho para estar com o filho”.
Pugna a Apelante que a redacção do facto 46 seja alterada, no sentido de considerar-se como não provado que a Ré A… seja “mera assistente de consultório”.
E que o facto 51 seja igualmente alterado na sua redacção, de forma a considerar-se como não provado o 2º segmento do mesmo, ou seja, “preocupando-se, em particular, a mãe do G…, em vir para casa no final do seu período de trabalho para estar com o filho”.
Invoca a Apelante resultar do depoimento da testemunha PA…, que quer o pai quer a mãe do G… são radiologistas há pelo menos 20 anos, não sendo a progenitora mãe, contrariamente ao dado como provado, mera “assistente de consultório”, não se limitando ambos a trabalhar numa única instituição hospitalar, mas em ambas.
Acrescenta que, devido a tal ocupação profissional e á vida difícil de gerir, foi efectuada uma errada apreciação da prova, pois a família em causa não corresponde à normalidade das famílias portuguesas, colocando, ainda, em causa a imparcialidade e idoneidade dos depoimentos onde assentou tal factualidade, quer devido às relações familiares das testemunhas com os Réus, quer devido à ascendência profissional do Réu LF… pelo menos relativamente a uma delas (testemunha SC…).
Decidindo:
Conforme supra exposto, a consideração da factualidade em equação foi fundamentada na sentença apelada nos seguintes termos:
“para a decisão quantos aos pontos 46 e 50 a 62, o Tribunal considerou o teor dos depoimentos das testemunhas BA…, tio materno do G…; PA…, tio patermo do G…; SM…, colega do pai do G… desde há 17 anos e amigos de ambos os pais do G…; e CMo…, colega e amiga dos pais do G… há cerca de 20 anos; além do depoimento da testemunha Prof. CL…”.
Tendo-se procedido à total audição dos indicados depoimentos, resulta, não só do indicado depoimento da testemunha PA…, irmão do Réu LA… e tio do Réu G…, como igualmente do depoimento da testemunha CMo…, que a Ré AA…, mãe do G…, desempenha funções profissionais idênticas ao marido, ou seja, as de técnico de radiologia.
Aquele, para além do excerto transcrito, referiu expressamente que a cunhada é também “técnica de radiologia” e, interpelado relativamente aos horários de ambos, mencionou que o irmão faz turnos, trabalhando em horário rotativo, enquanto que a cunhada pensa que tem “um horário fixo ou meio fixo, não tão rotativo como o irmão” – cf., minuto 06.00 a 06.50.
Por sua vez, a testemunha CMo…, assistente de consultório, confirmando aquele desempenho da Ré A…, precisou que esta sempre revelou preocupação em voltar para casa logo que pudesse, de forma a dar assistência ao filho, mencionando expressamente que “ela é sempre preocupada em ir para casa” e estar com o filho. 
O facto provado, feito constar sob o nº. 46, de que a mãe do G… é “assistente de consultório”, foi alegado pelos Réus no artº. 86º da contestação, o que parece carecer de efectiva precisão.
Com efeito, ainda que a designação possa ser aquela, o que não se provou nos autos, decorre claramente da prova que a mesma é identificada, por pessoas com proximidade familiar e profissional, que possuem conhecimento directo acerca da sua vivência, como técnica de radiologia.
Por sua vez, na petição inicial, a Autora, ora impugnante, fundada no teor do dado como provado na decisão proferida em sede do processo tutelar educativo, referencia a Ré, mãe do G…, como “secretária clínica numa empresa de serviços de saúde” – cf., artº. 72º e fls. 36 -, o que parece não se confirmar probatoriamente, pelo menos com essa designação.
Pelo exposto, na parcial procedência da impugnação da matéria de facto, afigura-se ser pertinente a requerida alteração da redacção do ponto 46 dado como provado, o qual passa a terá a seguinte redacção:
“46. Os pais do menor G… desempenham funções de técnicos de radiologia”.
Concomitantemente, deve aditar-se um no ponto á factualidade não provada, a figurar sob o nº. 18, com a seguinte redacção:
“18. Que a mãe do G… desempenhe funções profissionais de assistente de consultório”.
Relativamente ao ponto 51, não descortinamos na prova indicada qualquer consistência, por mínima que seja, quanto á insuficiência probatória da factualidade feita constar no segundo segmento daquele facto.
Efectivamente, para além da improcedência de outra argumentação, conforme melhor veremos infra a propósito da demais impugnação factual, a pretensa alusão às exigências profissionais e padrão de vida difícil de gerir, aludidas no depoimento da testemunha SM…, e sua transposição para a vivência de ambos os progenitores, nomeadamente para a vivência da progenitora mãe, afigura-se-nos abusiva e insustentada.
Com efeito, não é pelo facto daquela testemunha ter afirmado que a sua vida é difícil de gerir, em virtude de ter horários complicados, que a obrigam a fazer turnos, assim justificando que era a mesma quem se deslocava mais a casa dos pais do G…, e não o inverso, que justifica, por si só, a conclusão de que a vivência dos Réus progenitores tem que ser necessariamente semelhante, ao ponto de inviabilizar que a progenitora se preocupasse em vir para casa no final do seu período de trabalho para estar com o filho.
Ademais, a admitir tal argumentação, no mínimo, rebuscada, então ela contraditar-se-ia em si mesma, pois, se assim fosse, já não estaria justificada a razão pela qual era aquela testemunha a normalmente visitar os Réus na casa destes, o que pressupõe uma maior disponibilidade destes para tal e, como tal, uma maior facilidade de gestão da vida.
Por fim, aquela factualidade, nos termos sobreditos, foi inclusive confirmada, de forma que se nos afigurou imaculada, pelo depoimento da testemunha CMo…, assistente de consultório, no sentido da Ré A… sempre ter revelado preocupação em retornar a casa, logo que pudesse, de forma a prestar assistência ao filho, mencionando expressamente que “ela é sempre preocupada em ir para casa” e estar com aquele. 
Donde, inexiste justificação para a pretendida alheação da redacção do ponto 51, que assim se mantém qua tale, improcedendo, nesta parte a impugnação da matéria factual.
- Da impugnação dos pontos 52 a 62 provados
Referencia a Apelante, prosseguindo a impugnação da matéria factual, que do “depoimento prestado pelas testemunhas PA… e SC…, o Tribunal a quo, não podia ter julgado provada a factualidade contida nos pontos 46º, 51, 52, 53, 56, 58, 59º, 60º, 61º e 62º”, pois não deveria ter passado despercebido “á julgadora que a testemunha SM…, técnica de radiologia não mantinha um relacionamento estritamente de amizade com os recorridos, já que eram colegas de trabalho e o recorrido LA…, o seu “chefe””.
Acrescenta que do depoimento desta testemunha ficou igualmente demonstrado, “contrariamente ao considerado provado no ponto 60, que o G… não foi uma criança, nem um adolescente tímido e reservado, já que participava nos convívios e conversas entre familiares e colegas do trabalho do Pai e relacionava-se bem com a sua filha”.
Referencia, igualmente, que “a Meritíssima Julgadora no seu dever de direcção da Audiência, não podia permitir que o ilustre mandatário dos Réus, nas suas Instâncias, questionasse as testemunhas constantemente de “ forma claramente sugestiva “, insinuando uma resposta de “sim ou não” causando um autêntico estrangulamento da livre expressão, espontaneidade e autenticidade da produção da prova”, pelo que, para além da falta de “fundamentação da credibilidade das testemunhas, permitiu que o depoimento das testemunhas fosse livremente “ moldado “ á prova pretendida pelos recorridos”. E que os “poucos esclarecimentos prestados por estas testemunhas com alguma “liberdade de arbítrio e espontaneidade” tiveram por objecto a actividade laboral dos Recorridos, horários de trabalho e locais de trabalho por ambos praticados”.
Pelo que, considera, impunha-se antes ao Tribunal “fazer uma apreciação mais exacta e rigorosa ao conjunto da prova testemunhal e retirar as ilações de acordo com a experiência de vida, as regras da lógica e coerência natural, no que respeita, ao cumprimento do dever de vigilância e controlo dos recorridos ao seu filho menor G…”.
Deste modo, uma “análise criteriosa dos depoimentos das testemunhas supra identificados em conjugação com a demais provas, seja testemunhal, seja documental junta aos autos, o tribunal a quo não podia considerar provada integralmente a factualidade com base na qual os recorridos ilidem a “presunção de culpa previsto no Artigo 491º do C.C, não sendo por isso, responsáveis civilmente por quaisquer danos causados pelo menor na Recorrente”, sendo que o “depoimento das testemunhas, mostra-se insuficiente para afastar tal responsabilidade, até porque apenas foi credível e isento na parte respeitante á vertente profissional dos recorridos, que demonstrou claramente imprevidência e descuido no cumprimento do respectivo dever de vigilância do filho, o que constitui uma das vertentes “da culpa”.
Pelo que, e em suma, “considera a Recorrente que o Tribunal a quo não podia dar como provada a factualidade atinente aos pontos 46, 51, 56 a 62” – cf., Conclusões 77, 79 a 83, 86, 96, 97 e 102.
Apreciando:
Em primeiro lugar, urge referenciar que se por um lado a matéria de facto questionada, para além da já apreciada, é indicada como reportando-se aos factos provados sob os nºs. 52 a 62, noutros lugares, quer do corpo alegacional, quer das conclusões, alude-se a distinto campo de impugnação.
Assim, e ressalvando igualmente a já apreciada, a fls. 266 vº, e aludindo ao depoimento de uma testemunha, referenciam-se os factos 52, 53, 56 e 58 a 62 (á luz da Conclusão 77), a fls. 268 vº. enunciam-se apenas os pontos 56 a 62 (tal como na Conclusão 102), o que não deixa de evidenciar e traduzir algum “caos alegacional”, nem sempre esclarecido, repetitivo e misturando facilmente matéria de facto e matéria de direito, a dificultar, de forma manifesta, o conhecimento do objecto recursório.
Ainda assim, avancemos pelo conhecimento da amplitude máxima impugnatória.
A matéria factual referenciada – pontos 52 a 62 – reporta-se ao comportamento do Réu menor antecedente aos factos praticados, seu relacionamento familiar e com o núcleo relacional próximo, percepção dos progenitores e papel por estes desempenhado na formação do filho.
Já transcrevemos a motivação/fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido relativamente a tal núcleo factual. Que, não traduzindo causa de nulidade da sentença, nos termos supra apreciados, não pode deixar de reconhecer-se como sendo pouco detalhada, com parca argumentação e explicitação, quase evasiva e de cariz implícito. Efectivamente, impunha-se, para uma completa e adequada compreensão, um maior detalhe explicativo e justificador da credibilidade concedida a tal prova testemunhal.
Ora, tendo-se procedido à total audição de tais depoimentos, não descortinamos, apesar da proximidade familiar de algumas testemunhas, da amizade relacional de outras e mesmo da ascendência profissional do Réu LF… relativamente a uma delas, razões, objectivas, claras e evidentes para não conceder credibilidade e idoneidade ao declarado.
Com efeito, a natureza daquelas relações não deve, por si só, implicar ou traduzir, de forma presuntiva, que tais depoimentos devam ser desvalorizados, dotados de uma capitis diminutio, capaz de traduzir uma desconfiança de princípio ou um pré-juízo relativamente á idoneidade dos mesmos proveniente.
Reconhece-se que aquele âmbito relacional deve ser sempre ponderado e valorado, na aferição e juízo crítico que se faz da prova produzida, de forma a obter-se a devida convicção acerca do efectivamente ocorrido, e em controvérsia. O que não pode é, partindo da natureza daquelas relações, e sem objectivamente fundamentar a razão da discordância, nomeadamente em contraposição com outra prova credivelmente produzida, que nunca foi indicada, afirmar-se pela impossibilidade da sua valoração, só porque proveio de pessoas com relacionamento privilegiado ou próximo com uma das partes.
Toda a matéria factual equacionada encontra respaldo naquela prova testemunhal indicada.
Assim, e para além das transcrições efectuadas pela Apelante (correspondentes, no essencial, ao declarado, mas sem fidelidade absoluta), a testemunha BR…, irmão da Ré A… e tio do G…, referenciou que o mesmo nunca deu problemas na escola, nem no relacionamento com os colegas (ainda que reconhecendo que nunca foi de ter muitos amigos), que nunca existiram queixas por parte da escola, que sempre teve boas notas e que nunca descortinou no comportamento do sobrinho algo que não fosse normal, sempre tendo tido o mesmo um relacionamento normal com os primos.
Por fim, acrescentou considerar que os progenitores do G… fizeram um bom trabalho, admitiu que algumas coisas foram mais bem feitas que outras, o que considerou normal, mas que não viu nada de anormal que não fizesse igualmente aos seus filhos.
Por sua vez, a testemunha PA…, irmão do Réu LA… e tio do G…, referenciou que este sempre adoptou um comportamento mais reservado, ou seja, tem um núcleo de convívio mais reservado, que sucede igualmente com um filho do depoente, de 10 anos, primo do G…, com quem tem uma relação próxima.
Mencionou que o sobrinho sempre teve um comportamento exemplar na escola, que nunca lhe foi transmitida qualquer preocupação relativamente ao comportamento do mesmo, desconhecer em absoluto que o sobrinho tenha alguma vez afirmado que pretendia suicidar-se e que aquilo que o irmão fez com a educação do G… teria feito de forma igual, considerando ser de seguir o exemplo do irmão.
A testemunha CI…, colega de trabalho e amiga dos Réus progenitores há cerca de 20 anos, visitando-se mutuamente, referiu ter sempre considerado o G… como uma criança normal, que nunca descortinou nenhum padrão anormal, que tem dois filhos com 23 e 25 anos que sempre se relacionaram normalmente com o então menor e que este convivia normalmente com os seus filhos, que nunca lhe apontaram qualquer anormalidade comportamental, bem como com outros miúdos que estivessem presentes.
Convivendo diariamente com a Ré A…, esta nunca aludiu a quaisquer queixas dos professores ou de colegas da escola, que sempre foi muito bom aluno, que nunca percepcionou qualquer comportamento estranho ou fora do normal por parte do menor, considerando o comportamento dos progenitores do G… igual ao que tem com os seus filhos.
Ora, tais depoimentos, bem como o depoimento da testemunha SC…, transcrito praticamente na íntegra, revelaram aparente consistência no declarado, sendo pessoas próximas dos Réus e tendo acompanhado o crescimento do Réu G…. No declarado não evidenciaram clara parcialidade ou possuírem um discurso preparado ou antecipado, acabando por responder ao questionado, nem sempre de forma exuberante, atenta a forma como as questões eram direccionadas.
A este propósito, e atento o alegado pela Apelante, refira-se que a Sra. Juíza que presidiu ao julgamento interrompeu a instância por várias vezes, procurando a precisão no declarado, suprindo eventuais hesitações pouco esclarecedoras e procurando, sem ofensa da instância, o devido esclarecimento factual.
Ainda assim, o que se revelou com maior acuidade do depoimento da testemunha SM…, nem sempre logrou evitar que o questionar por parte do Ilustre Mandatário dos Réus fosse demasiado direccionado, por vezes mesmo sugestivo, implicando respostas monossilábicas, em prejuízo de um depoimento mais espontâneo, livre e eivado de uma plena e total autenticidade. O que deveria ter logrado evitar.
Todavia, apesar de tal omissão, não vislumbramos que o teor do declarado tenha sofrido qualquer manipulação capaz de inquinar a sua veracidade ou idoneidade, pelo que tais depoimentos teriam que ser efectivamente valorados e ponderados. Como foram, sem ofensa que se vislumbre para com as regras da lógica, do equilíbrio, do bom senso e da coerência.
Ademais, não se olvide, a Recorrente não alude a qualquer outra prova, que possa ser devidamente avaliada e ponderada, capaz de contradizer aquela, questioná-la de forma decisiva ou fazer depreender que o relatado está longe da realidade equacionada.
Pelo que, nos termos supra sufragados, reconhecendo a devida operacionalidade do princípio da livre apreciação das provas, sendo impossível concluir, com segurança, por mínima que seja, pela existência de erro do Tribunal recorrido na fixação da factualidade provada, ora questionada (antes resultando que a indicada produção probatória a confirma), mais não resta do que confirmá-la, negando-se a introdução de quaisquer alterações.
Por todo o exposto, no que ao presente segmento de impugnação factual concerne, improcede a pretensão recursória, mantendo-se nos seus precisos termos a factualidade dada como provada nos pontos 52 a 62.
IV) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
A sentença apelada ajuizou, em súmula, nos seguintes termos:
§ Os factos objecto da acção, imputados á conduta do GA…, para efeitos de funcionamento do instituto da responsabilidade civil aquiliana, mostram-se praticados quando aquele era menor de idade, mostrando-se a acção interposta contra os seus pais ;
§ Está em equação a previsão e a análise dos pressupostos do artº. 491º, do Cód. Civil, nomeadamente a responsabilização dos progenitores pela conduta praticada pelo filho menor ;
§ Tal normativo estabelece uma presunção de culpa a onerar as pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras, nos casos em que estas, mediante a prática de um facto ilícito, causam danos a terceiros ;
§ Ocorre ilisão da presunção de culpa quando se prove que o dever de vigilância foi cumprido, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, nas quais se incluem a ocupação e a condição do próprio vigilante ;
§ Ou então que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que tal dever tivesse sido cumprido ;
§ In casu, conclui-se pela não violação do dever de vigilância por parte dos progenitores “do momento” ou “anterior”, de modo a apontar para a sua responsabilidade, mostrando-se assim ilidida a presunção legal de culpa incidente sobre os Réus, pais do menor G…, o que determinou a improcedência da acção.
Na apelação interposta não está propriamente em controvérsia este enquadramento, ou seja, a Recorrente não questiona o enquadramento da responsabilização dos progenitores no citado artº. 491º, do Cód. Civil.
O que fundamentalmente contradiz é o núcleo factual dado como provado que permitiu considerar ilidida a presunção de culpa ali inscrita, já supra apreciado, não sendo o momento nem a sede para voltar a questioná-lo.
Nesse sentido, alega extrair-se da “vida pessoal e profissional dos recorridos, que confiavam no filho, por ter sido uma criança que não dava preocupações, não carecia de qualquer intervenção de que natureza fosse, era bom aluno, nunca esteve envolvido em rixas, nunca lhes dirigiram denúncias nem queixas, (pontos provados 55 a 62 segundo o tribunal a quo) e tal circunstancialismo levou a que os progenitores investissem mais na sua vida profissional, sem preocupações de eventuais comportamentos desviantes do filho”.
Ora, acrescenta, os Recorridos não provaram, “no caso concreto e fase ás suas exigências profissionais e horárias, que cumpriram o seu dever de vigilância e de modo suficiente, por forma a evitar o cometimento dos ilícitos contra a Recorrente como bem demonstraram, pelo contrario que deixaram o menor por sua “própria conta“, confiando na aparência enganadora da desnecessidade de actos de controlo e vigilância para com o filho”, pelo que a sentença deve ser revogada, de forma a que aqueles sejam condenados a pagar a quantia peticionada correspondente aos danos provados – cf., Conclusões 98, 101 e 103.
Ou seja, a Recorrente parte de um núcleo factual, que inclusive questiona, para considerar que este levou a que os progenitores “investissem mais na sua vida profissional, sem preocupações de eventuais comportamentos desviantes do filho”.
Todavia, esta conclusão não tem qualquer suporte na factualidade assente e provada, isto é, não decorre da mesma factualidade o aludido investimento na vida profissional em detrimento de eventuais preocupações pelos comportamentos desviantes do filho. Comportamentos, ademais, que não logram igualmente encontrar-se provados.
Por outro lado, também não resulta minimamente provado que os Réus progenitores tenham deixado o filho por sua própria conta, confiando, de forma enganadora, em qualquer desnecessidade de efectivarem o controlo e vigilância dos comportamentos daquele.
Resulta, assim, que inalterado o núcleo factual ponderável, as alusões conclusivas e finalísticas da Recorrente não encontram qualquer respaldo na factualidade assente.
Ainda assim, questiona-se: logra aquela factualidade traduzir efectiva e concreta ilisão da presunção legal de culpa que onera os progenitores, nos quadros do citado artº. 491º, do Cód. Civil ?
Referencia Rodrigues Bastos [47] prever tal normativo a “responsabilidade fundada na culpa in vigilando”, aduzindo que “pelos danos que ilicitamente causa a outrem uma pessoa carecida de vigilância, respondem as pessoas obrigadas a vigiá-la, segundo a lei ou negócio jurídico, se os danos foram causados pela violação culposa do seu dever de vigilância”.
Acrescentam Pires de Lima e Antunes Varela [48] estabelecer o mesmo normativo “mera presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras”, que respondem, não por facto de outrem, mas antes por facto próprio, admitindo-as, porém, “a provar que cumpriram o seu dever de vigilância ou, mais do que isso, que os danos não se deixariam de produzir ainda que o tivessem cumprido” (relevância negativa da causa virtual).
Desta forma, existindo uma lesão causada por um incapaz, ”a lei presume, portanto, que ela proveio de culpa in vigilando”, sendo que a posição do obrigado à vigilância só em concreto pode ser aferida.
Assim, “é completamente diferente, por exemplo, a posição do pai ou do tutor que deixa um menor de dezassete anos em liberdade, e que causa um dano a terceiro, da posição do mesmo em relação a um menor de cinco ou seis anos, a quem se dá a mesma liberdade”. E, citando Vaz Serra, acrescentam que “as concepções dominantes e os costumes influem na maneira de exercer a vigilância, de modo a não poder considerar-se culpado quem, de acordo com elas ou com eles, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe” [49].  
Jurisprudencialmente, e por todos, referenciemos o Acórdão desta Secção e Relação, datado de 16/11/2017 [50], ao mencionar contemplar aquele normativo “uma situação específica de responsabilidade subjectiva pela omissão, assentando na ideia de que não foram tomadas as necessárias precauções para evitar o dano, por omissão do dever de vigilância.
Encontram-se abrangidas no preceito as situações de “incapacidade natural”, não sendo apenas aplicável à inimputabilidade, que a lei presume nos menores de sete anos, aplicando-se tanto a menores inimputáveis, como a menores imputáveis, podendo abranger situações de menoridade, enquanto indiciadoras de causa de incapacidade natural, traduzida na falta ou impossibilidade do exercício pessoal de aptidão natural, expressa na capacidade de entender e querer (cf., por ex., HENRIQUE ANTUNES, Responsabilidade Civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, Universidade Católica Editora, 2000, 94 e segs, VAZ SERRA, RLJ ano 111, 22 e segs. e Ac. STJ de 03.02.2009 (Pº 08A3806)”.
Acrescenta-se, constituírem pressupostos da sua aplicabilidade, “a)- a existência de uma obrigação (legal ou convencional) de vigilância a cargo de um sujeito;
b)- a prática de um facto ilícito por parte do vigilando;
c)- e a causação de um dano a terceiro”,
aduzindo-se que a responsabilidade parental decorre “dessa obrigação de vigilância que aqueles incumbe, no caso de filhos menores, radica em acto próprio, porquanto a lei presume que eles omitiram o poder-dever de educar os filhos, que consiste em dotá-los de condições de vivência física que permitam um desenvolvimento são, harmonioso e equilibrado, e que ao omitirem ou negligenciarem esse dever, contribuem para uma personalidade desajustada contrária aos valores que as sociedades devem preservar e que devem começar no seio familiar, posto que quem educa tem de ter um comportamento que sirva de exemplo”.
Relativamente ao grau ou amplitude desta vigilância, acrescenta-se que “o dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa in vigilando, não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos pais, em relação aos filhos menores, em consonância com a idade dos mesmos, o que seria sempre contraproducente, pois é importante deixar-lhes uma margem de liberdade e crescimento com vista à aquisição, pelo próprio menor, de regras de comportamento compatíveis, evidentemente, com uma boa formação da personalidade e carácter – cfr. o anteriormente citado Ac. STJ de 06.05.2008.
Como bem referiu VAZ SERRA, Responsabilidade das Pessoas Obrigadas a Vigilância, BMJ nº 85 (381-444), pg. 425-426 “O dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiadamente severo a tal respeito”. Mais defendendo que os costumes actuais impõem aos pais que deixem a seus filhos uma margem de liberdade.
E, salienta ainda, que: As pessoas, que têm o dever de vigilância, têm, em regra, outras ocupações; por outro lado, as concepções dominantes e os costumes influem na maneira de exercer a vigilância, de modo a não poder considerar-se culpado quem de acordo com elas ou com eles, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe”
Pode, pois, concluir-se, seguindo os exemplos enumerados que, se o filho, habitando embora com os pais, pratica o facto ilícito em condições que excluem esse dever (por exemplo, quando se encontra na escola, longe da vigilância dos pais, e sem que o facto possa revelar falta de educação que os pais deviam dar-lhe), não está verificada a presunção de culpa”.
Assim, realça-se que “não tem sido unívoca a compreensão do alcance do “dever de vigilância”, nomeadamente quanto a saber se se trata da “vigilância do momento”, em que ocorreu o facto danoso, ou antes uma “vigilância anterior”, reportada à educação e transmissão de regras de comportamento social, cujo exercício começa antes da produção do resultado danoso.
Como tem sido entendimento jurisprudencial para a definição do conceito “vigilância” deve adoptar-se uma síntese de ambas as posições, que varia em função das concepções sócio-culturais dominantes, apelando-se para um “padrão de conduta exigível”, impondo-se uma indagação casuística (…).
As pessoas obrigadas à vigilância têm, por conseguinte, de mostrar que cumpriram o dever de vigilância de acordo com o padrão de conduta exigível, pelo que importa, em cada caso, comparar o que um “bom pai de família”, consciente dos seus deveres deveria fazer, e a conduta a analisar no caso concreto”.
Ora, com base nestes critérios, que aderimos quando subscrevemos tal aresto, e que ora reafirmamos, e reportando-os à factualidade dada como provada, não podemos dissentir do juízo exposto na sentença apelada, transcrevendo-a, nessa parte, por lhe reconhecermos total pertinência:
“no caso dos nossos autos, contamos com factos praticados por um menor de idade, mas, à data, a dois meses de completar 16 anos de idade, ou seja, numa fase em que o controle e vigilância dos pais já não é permanente.
A isto acresce que tais factos ocorreram, indubitavelmente, quando G… se encontrava em período de aulas e no interior da escola que frequentava; parecendo inequívoco que os pais não estão em condições de controlar os atos praticados pelos filhos, no interior das escolas que estes frequentam.
Ademais, na situação aqui em apreço, ainda contamos com um, então, menor, que sempre manteve um bom aproveitamento escolar; frequentando, à data dos factos, o 11º ano de escolaridade; que nunca fez com que houvesse queixas em relação ao seu comportamento na escola; de um menor que antes do dia 14 de Outubro de 2013, nunca tinha respondido judicialmente ou perante autoridade policial; que nunca se envolvera em rixas; que sempre manteve um relacionamento afectuoso com a sua família; que nunca exerceu qualquer tipo de violência física ou verbal para com os seus familiares e amigos; o que tudo seria de modo a fazer inculcar nos pais que estavam a exercer, pelo menos, razoavelmente bem, esse seu papel, sem necessidade de medidas excepcionais ou extremas.
Mais se apurou que nada no comportamento do ora Réu GA… ao longo da sua infância e adolescência, indiciou necessidade de acompanhamento e apoio médico ao nível psicológico; não obstante este sempre ter sido tímido e reservado; sendo consabido que a fase da adolescência também não é conhecida pela existência de partilha aberta e permanente das dúvidas e anseios dos adolescentes com os seus pais; de modo a que pudesse afirmar-se que, com a devida indagação junto do filho, perceberiam necessariamente, que não se encontrava psicologicamente equilibrado ou que se preparava para praticar atos da natureza destes que ora se apreciam.
Além disso, mais se apurou que os Réus L… e AA… procuraram incutir no filho valores para destrinça entre o bem e o mal.
Nestes termos, entendemos que não logramos concluir, da banda dos pais do G…, pela violação do dever de vigilância, “do momento” ou “anterior (para usar as designações a que alude o sobredito Ac. R.L., de 16-11-2017) de modo a apontar para a sua responsabilidade ao abrigo do acima enunciado art. 491º, do Código Civil; considerando-se que, no caso, se mostra ilidida a presunção legal de culpa incidente sobre os Réus, pais do menor G…”.
E, daí, a conclusão pela não responsabilização civil dos progenitores, conducente a um juízo de improcedência da acção.
Juízo que, pelos motivos acabados de expor, sufragamos e confirmamos, determinando, consequentemente, total improcedência da presente apelação e confirmação da sentença recorrida.
Por fim, uma derradeira explicitação e consignação:
- a sentença recorrida conheceu acerca da responsabilidade civil dos Réus progenitores (2ºs Réus), mas não apreciou acerca da responsabilidade civil do próprio menor, 1º Réu, (incapacidade natural), o que não significa nem corresponde a inimputabilidade ;
- todavia, tal aparente omissão não foi minimamente questionada pela Apelante Autora no recurso interposto, ou seja, apreciando-se a delimitação objectiva do recurso – cf., artº. 635º, do Cód. de Processo Civil -, e apesar de todos os esforços interpretativos adoptados, não é possível descortinar o questionar de tal omissão ;
- efectivamente, o objecto recursório centra-se e focaliza-se na pretensão de responsabilização dos Réus progenitores (2ºs Réus), opção que não nos incumbe questionar, apesar da responsabilidade autónoma do menor, que pode responder solidariamente, nos termos do artº. 497º, do Cód. Civil, com os obrigados à vigilância ;
- pelo que, não sendo possível a este Tribunal de Recurso ultrapassar oficiosamente tal omissão, aparentemente enformadora da causa de nulidade da sentença inscrita no 1º segmento da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, que não logra oficioso conhecimento, nada incumbe conhecer acerca de tal questão.
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Autora Apelante no presente recurso, é responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
I) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Recorrente/Autora NS…, em que figuram como Apelados/Recorridos/Réus GA…, LF… e AM… e, consequentemente, confirma-se a sentença apelada ;
II) Nos termos do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Autora Apelante no presente recurso, é responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
                       
Lisboa, 21 de Maio de 2020
Arlindo Crua - Relator
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] O presente ponto tinha a seguinte redacção original:
“46. O pai do menor G… é técnico de radiologia e a mãe assistente de consultório”.
[3] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[4] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[5] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[6] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[7] Ob. cit., pág. 370 e 371.
[8] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605.
[9] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[10] Ob. cit., pág. 606.
[11] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370.
[12] Ob. cit., pág. 606 e 607.
[13] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603, citando doutrina de Alberto dos Reis, bem como o sustentado no douto aresto da RP de 28/10/2013, Processo nº. 3429/09.5TBGDM-A, no sentido de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado art. 615º do Novo Código Processo Civil. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
[14] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 370, especifica traduzir-se o presente vício na “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os nºs. 3 e 4 do artº 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada ; [esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo nulidade]”, citando Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 140.
[15] Neste sentido, cf, entre outros, o douto aresto do STJ de 06/07/2017, Relator: Nunes Ribeiro, Processo nº. 121/11.4TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[16] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603.
[17] Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, in  http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf , citado pelo Apelante.
[18] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.
[19] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 748 a 750.
[20] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 185 e 186.
[21] O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, nº. 325, pág. 49 e segs..
[22] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019 Reimpressão, pág. 743.
[23] Ob. cit., pág. 762 a 764 ; identicamente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 691 e 692, em anotação ao então vigente artº. 674º-A, do CPC de 1961, introduzido pela revisão de 1995/96, que antecedeu o ora vigente artº. 623º.
[24] A sentença entre a autoridade e a prova: em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 149-224 e 394.
[25] Ob. cit., pág. 746 e 747.
[26] Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª Edição, Almedina, pág. 198.
[27] Comentários ao Código de processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, 2004, Almedina, pág. 563.
[28] Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução, Texto que serviu de base à comunicação apresentada no Curso de Direito da Saúde. Responsabilidade Civil e Penal, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, em Abril de 2012, pág. 9 e 10.
[29] Idem, pág. 11 e 12.
[30] Ibidem, pág. 15 e 16 ; a posição deste Autor encontra-se reproduzida, em obra da sua autoria – Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 88 a 90.
[31] Relator: Tomé de Carvalho, Processo nº. 00A397, in www.dgsi.pt, e ainda BMJ, nº. 497, pág. 298 a 302.
[32] Relator: Pinto Hespanhol, Processo nº. 1164/07, in www.dgsi.pt .
[33] Relator: Garcia Calejo, Processo nº. 127/10.0TBPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[34] Acórdão desta Relação de 16/06/2015, Relatora: Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi.pt .
[35] Acrescenta, em nota de rodapé, que “no caso, porque se trata (o art. 623º) de disposição excepcional (visto que subjacente ao processo civil, em divergência com a presunção estabelecida na norma, estão os princípios da imediação e da livre apreciação da prova o que leva a que a decisão da matéria de facto seja proferida por quem assistiu à produção da respectiva prova), não é susceptível de aplicação analógica (art. 11º do C.Civil)”.
[36] Relator: Nuno Cameira, Processo nº. 1549/10.2TBFLG.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[37] Índices tradutores dessa diferenciada abordagem podem ver-se no facto:
Ø dos progenitores, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do menor prestarem declarações, mas não serem ajuramentados, o que pode inclusive ocorre até ao encerramento da audiência – cf., artigos 66º, nº. 1, 107º, nº. 1, e 109*º, nº. 2, todos da LTE ;
Ø do ofendido ser inquirido “quando a autoridade judiciária, oficiosamente ou a requerimento, o entender conveniente para a boa decisão da causa” – cf., o nº. 4, do mesmo normativo ;
Ø de que a determinação do prosseguimento do processo para a fase jurisdicional, ab initio ou se, realizada a audiência prévia, o processo tiver que prosseguir, apenas determina a notificação, para requererem diligências ou indicarem meios de prova e para alegarem, do menor, pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do menor e defensor, e não já dos ofendidos – cf., artigos 93º, nº. 2 e 115º, nº. 1.
No que concerne especificamente ao objecto probatório, o artº. 65º refere constituírem “objecto de prova os factos juridicamente relevantes para a verificação da existência ou inexistência do facto, para avaliação da necessidade de medida tutelar e para determinação da medida a aplicar”.
Júlio Barbosa e Silva – Lei Tutelar Educativa Comentada, 2013, Almedina, pág. 224 a 226 -, alude a uma previsão de “prova a três tempos, com relevância para três momentos diversos”, com ordem de precedência, ainda que “inextrincavelmente ligados e dependentes uns dos outros ou autonomizáveis no tempo”, traduzindo-se o primeiro em “trazer para os autos todos os elementos que permitam fazer a prova do facto qualificado como crime pela lei penal e que coloquem o jovem como seu actor”.
Adiante, acrescenta e reconhece que a prova “não serve só propósitos de verificação do facto qualificado como crime, sendo ainda mais relevante, como se verá de seguida, para avaliação da necessidade de medida tutelar e para determinação da medida a aplicar”.
Todavia, ressalva, servindo os meios de prova e de obtenção de prova “os objectivos descritos em cada um dos momentos descritos”, é certo “que a prova do facto desempenha, quanto a nós, na arquitectura da LTE, um papel híbrido, principal e secundário ao mesmo tempo. Principal visto que é condição sine qua non para a intervenção tutelar educativa, secundário porque é apenas um meio para atingir o fim último e mais importante, que é a intervenção sobre o jovem carecido de medida tutelar para prossecução dos objectivos do artigo 40º, nº. 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e artigo 2º, nº. 1 da L.T.E.”. 
[38] Ob. cit., pág. 496 e 497.
[39] Defendendo que o normativo não se aplica às declarações de parte, cf., Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil…., ob. cit., Vol. I, pág. 352.
[40] Ob. cit., pág. 234 e 235.
[41] Valor extraprocessual da prova …., ob. cit., pág. 17 e 18.
[42] Idem, pág. 19 a 23.
[43] Ibidem, pág. 28.
[44] Assim, o douto Acórdão da RG de 04/02/2016, Relatora: Maria Luísa Ramos, Processo nº. 3459/12.0TJVNF-D.G1, in www.dgsi.pt .
[45] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[46] Idem, pág. 285 a 287.
[47] Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1988, pág. 289.
[48] Código Civil Anotado, Vol I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 492 e 493.
[49] Peculiar e inovadora parece ser a posição de Ana Prata – Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Almedina, pág. 637 -, que, embora reconhecendo que a doutrina muitíssima maioritária entende prever tal normativo “uma presunção de culpa dos vigilantes de outrem”, considera que “sem deixar de ponderar o inconveniente para o lesado  de não poder recorrer ao património do vigilante, propende-se, não categoricamente, para a interpretação segundo a qual a «incapacidade natural» aqui referida é a que subjaz à falta de imputabilidade”. O que, pensamos, conduzir-nos-ia para os quadros dos artigos 488º e 489º, do mesmo diploma. 
[50] Processo nº. 1135/15.0TBALM.L1-2, Relatora: Ondina Carmo Alves, no qual o ora relator interveio como 2º Adjunto (citado na sentença apelada).