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PROTECÇÃO DA CRIANÇA
PROCESSO
RESIDÊNCIA
COMPETÊNCIA
Sumário
I - Para os efeitos do artigo 79º/4 da Lei 147/99, a mudança de “residência” forçada e efémera, em execução da medida de protecção imposta não é subsumível a esse preceito para operar a alteração da competência do tribunal para prosseguir com o processo de promoção e continuar a controlar a medida de promoção que aplicou. II - E, como regra, o tribunal competente para aplicar a medida é o da sua residência na data da instauração do processo e continua a sê-lo para controlar a execução dessa medida, salvo a excepção prevista nesse normativo.
Texto Integral
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Acordam no Tribunal da Relação do porto
1) Pelo Ministério Público junto deste tribunal da Relação do Porto foi requerida a resolução do conflito negativo de competência entre os M.mos Juízes do .º Juízo de competência cível do tribunal judicial de Vila do Conde e o .º Juízo do tribunal judicial da Póvoa de Varzim, os quais se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para a prossecução do processo de promoção e protecção nº…./04.0TBVCD, relativo aos menores B………., C………. e D………., todos E………, processo esse iniciado no referido .º juízo cível.
Alega que ambas as decisões dos Senhores Juízes transitaram em julgado, tornando-se necessário resolver o conflito por este tribunal da Relação.
Foram ouvidos os Exmos Magistrados em referência.
Ambos vieram dizer não pretender usar “da faculdade de resposta”.
A Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta entende, no seu douto parecer, que a competência deve ser atribuída ao .º Juízo Cível da Tribunal de Vila do Conde.
Corridos os vistos legais, cumpre resolver.
II) Resulta dos elementos destes autos que:
1) O processo de promoção e protecção nº …./04, em referência, iniciou-se nos juízos cíveis do tribunal judicial da comarca de Vila do Conde, por a residência dos menores (com os pais) se situar em Vila do Conde.
2) Em 15/01/05, em relação aos menores (identificados em I), por esse tribunal foi decidida a medida de promoção e protecção de apoio junto do avô materno, residente na área da comarca da Póvoa de Varzim.
3) Posteriormente, em 28/12/05, pelo mesmo tribunal (.º Juízo Cível de Vila do Conde) foi determinada a manutenção dessa medida de promoção e protecção pois mais seis meses.
4) Após, em 28/03/06, ainda pelo mesmo tribunal, foi prorrogada por seis meses a medida de promoção de apoio junto do avô materno.
5) Mais foi, então e nessa mesma data, decidido “atendendo a que os menores se encontram a residir com o avô na comarca da Póvoa de Varzim, o que sucede há mais de um ano, e ao abrigo do disposto no art. 79º nº 4 da citada Lei n 147/99, deixou este tribunal de ser territorialmente competente para tramitar os presentes autos.
Termos em que, apôs trânsito, deverão os autos ser remetidos ao Tribunal Judicial da comarca da Póvoa d Varzim, por ser a territorialmente competente”.
6) Remetido o processo ao tribunal Judicial da Póvoa da Varzim, foi, pelo Senhor Juiz do .º Juízo desse tribunal, decidido “declara-se este Tribunal territorialmente incompetente para a tramitação do presente processo, declarando-se territorialmente competente para o efeito o .º Juízo Cível do tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde.”
III) Estatui o artigo 79º da Lei 147/99, de 1/9 – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – que define a competência territorial do tribunal para a aplicação das medidas de promoção de direitos e protecção das crianças e jovens em perigo:
1 – É competente para a aplicação das medidas de promoção e protecção (…) o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é (…) instaurado o processo judicial.
(…)
4 – Se, após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido (…) ao tribunal da área da nova residência.
1) Residindo os identificados menores em Vila do Conde quando se iniciou o processo, o tribunal competente para a aplicação das medidas de protecção, como aconteceu na espécie, é o tribunal judicial de Vila do Conde (nº 1 desse preceito). E nesse tribunal continuou o processo e foi esse tribunal que acompanhou a execução da medida aplicada, tendo, inclusive, prorrogado por diversos períodos de tempo (de seis meses) a medida aplicada (arts. 59º/2 e 60º da referida Lei).
É ao tribunal que aplica a medida de promoção e protecção que cabe dirigir e controlar a sua execução que pode, no interesse da criança e jovem (o que prevalece nestes processos), ser modificada e é necessariamente revista, pelo menos, de seis em seis meses (artigo 62º/1).
Em consequência da medida de apoio junto do avô, aplicada pelo tribunal (.º Juízo Cível) de Vila do Conde, os menores passaram a viver com aquele pelo período de seis meses, período esse prorrogado por decisões (do mesmo tribunal) de 28/12/05 e 28/3/06 (sem que antes, o .º Juízo do tribunal de Vila do Conde suscitasse questão alguma de competência).
Quando foi aplicada a medida de promoção e protecção, os menores residiam com os pais em Vila do Conde.
Por força dessa decisão que aplicou aos menores a medida de apoio junto do avô, passaram estes a viver com o avô, na área da comarca da Póvoa de Varzim, por período superior a três meses, mesmo superior a um ano.
É perante essa situação, e face ao que dispõe o citado artigo 79º/4 da Lei 147/99, que se coloca a questão de saber se os menores mudaram de residência que determine alteração do tribunal competente para prossecução do processo.
Para o Juiz do .º Juízo Cível de Vila do Conde, o facto dos menores viveram há mais de três meses na Póvoa da Varzim, determina a competência do tribunal dessa área e a perda de competência daquele.
Diversamente, entende o Juiz do .º Juízo do tribunal da Póvoa de Varzim, que a excepção à imodificabilidade da competência do tribunal, prevista no citado artigo 79º/4, não opera pelo facto da criança ou jovem ser deslocado da área de Vila do Conde por efeito da execução da medida de protecção aplicada.
O conflito, na espécie surgido, versa sobre uma questão de competência territorial (competência relativa), como logo indica a norma em causa. Não está em causa a afectação de determinada matéria a tribunais com especificidades próprias, com reserva material para julgar certa causa ou para decidir um pleito, determinada segundo os factores atributivos de competência, dominados pelo princípio da especialização.
Ambos os tribunais teriam competência material para a prossecução do processo, para conhecer da matéria nele em causa, para aplicar as medidas de promoção e protecção e controlar a sua execução.
O que está em causa é, como se afirma no Ac. do STJ, de 05/12/2002[1], “determinar a competência territorial (ratione loci) para o prosseguimento do processo” e, concretamente, de apurar se a colocação dos menores “em local situado fora da área territorial de competência do tribunal que tal determinou e a sua permanência aí por mais de 3 meses pode, ou não, considerar-se, para esse efeito, mudança de residência por mais de três meses nos termos do n. 4 do art. 79 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”.
De facto, não está em causa a competência do tribunal para julgar certos pleitos, dirimir determinada espécie de conflitos, conforme a natureza dos assuntos versados, que demandem tribunais com preparação técnica e sensibilidade adequadas.
E, adianta-se que, para os efeitos do artigo 79º/4 da Lei 147/99, a mudança de “residência” forçada e efémera, em execução da medida de protecção imposta não é subsumível a esse preceito para operar a alteração da competência do tribunal para prosseguir com o processo de promoção e continuar a controlar a medida de promoção que aplicou.
E, como regra, o tribunal competente para aplicar a medida é o da sua residência na data da instauração do processo e continua a sê-lo para controlar a execução dessa medida, salvo a excepção prevista nesse normativo. Para essa regra, entende o legislador que é o tribunal do local da residência da criança ou do jovem em perigo, no momento em que essa situação é denunciada, o ‘mais apto para a avaliação da situação e a escolha da medida, e que a flutuação do processo, ao sabor das mudanças de residência do menor, seria prejudicial para a justeza e eficácia das decisões[2].
E se a colocação do menor (em estabelecimento, em família de acolhimento ou junto de familiar) em local diferente daquele que era o da sua residência habitual, implica uma mudança de residência, desde que com estabilidade e continuidade, não significa que essa modificação por efeito da medida aplicada produza uma modificação do tribunal competente para a prossecução do processo.
Essa mudança de residência, por efeito da execução da medida aplicada, não produz efeitos na competência do tribunal. Nessa situação, aquele (tribunal) que aplicou a medida continua a ter competência para o processo, para dirigir e controlar a execução da medida, para a rever (pelo menos, de seis em seis meses) ou operar as necessárias e convenientes alterações das mesmas ou determinar a sua cessação, conforme o demande o superior interesse da criança e jovem em perigo.
Deste modo não é o local onde o menor é colocado, por via da aplicação de uma medida de protecção, de ‘modo efémero ou ocasional’ que importa para alterar a competência do tribunal. “Não constitui modificação de facto atendível”, para efeitos do nº 4, do artigo 79º, da Lei 147/99, 01/09, “a permanência em local onde o menor esteja enquanto esteja a ser executada a medida”.
O local da residência do menor é aquele onde tem o centro da sua vida organizada, com estabilidade. ‘O local da residência do menor é aquele onde ele se encontra com permanência e continuidade, que não o lugar em que no concreto momento ocasionalmente se encontre’[3]]. A modificação da competência tem a ver com a mudança voluntária da residência, com carácter duradouro, o que se não verifica na situação em que esse mudança ‘decorre necessária e exclusivamente da medida de protecção aplicada pelo juiz e está sujeita a revisão’[4], que pode determinar nova ou novas deslocações do menor para local diferente daquele onde inicialmente foi colocado, com as inconvenientes sucessivas flutuações do processo ‘prejudiciais para a justeza e eficácia das decisões’[5].
Daí que o facto dos identificados menores passarem a residir na área da comarca da Póvoa de Varzim por força da aplicação da medida não determina alteração da competência do tribunal que se mantém naquele que aplicou a medida de protecção, para acompanhar a sua execução, alterá-la ou fazê-la cessar. E, na espécie, naturalmente que a competência continuaria no .º Juízo Cível do tribunal da comarca de Vila do Conde.
2) Sucede que se está perante um conflito aparente. Afirmou-se que a questão é de incompetência territorial, portando, uma incompetência relativa do tribunal (artigo 108º do CPC). Ora, atento o disposto no artigo 111º/2 do mesmo código, a decisão sobre a competência “transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada” (como aconteceu na espécie).
Proferida decisão que julga o tribunal incompetente, transitada em julgado essa decisão, forma-se caso julgado e torna-se vinculativa para o tribunal ao qual é remetido o processo, ficando-lhe vedado voltar a apreciar essa questão (com qualquer fundamento). Portanto que a decisão proferida pelo .º Juízo Cível de Vila do Conde, uma vez que transitou em julgado, impunha-se ao tribunal para o processo foi remetido – no caso o .º Juízo do tribunal da Póvoa de Varzim, que não podia reapreciar a questão, antes acatar a decisão daquele, sob pena de violar o caso julgado que se formou.
Assim, embora para continuar a prossecução do processo de promoção e protecção, continuasse a ser territorialmente competente o tribunal onde a situação foi denunciada (no, caso, o .º Juízo Cível de Vila do Conde), face ao trânsito em julgado da decisão por este proferida quanto á questão da incompetência territorial, a competência ficou definitivamente fixada no tribunal judicial da Póvoa de Varzim (in casu, o .º Juízo), que ficou vinculado à ‘decisão do tribunal remetente’, atento o preceituado nos arts. 111º/2 e 675º/2 do CPC.
IV) Face ao que se acorda neste tribunal da Relação do Porto em atribuir a competência para a prossecução do processo identificado em I) ao Exmo Senhor Juiz do .º Juízo do tribunal judicial da comarca da Povoa de Varzim.
Sem custas.
Porto, 9 de Novembro de 2006
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
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[1] Em ITIJ/net, proc. 02B3054,
[2] Ac. STJ, de 11/06/2002, em ITIJ/net, proc. 02B1357.
[3] Ac. STJ de 21/05/02, em ITIJ/net, proc. 02A1181.
[4] Ac. STJ, de 22/02/05, em ITIJ/net, proc. 04A4287.
[5] citado Ac. STJ, de 11/06/2002