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AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE
EXAME SANGUÍNEO
Sumário
I - Em processo de averiguação oficiosa de paternidade é, admissível a realização, como meio de prova, de qualquer exame científico, designadamente o hematológico. II - E isso é assim quando, não há recusa à realização de exame de sangue, pelo que é admissível compelir a mãe da menor a comparecer no Instituto de Medicina Legal, a fim de aí ser submetida a exame de sangue.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO.
1. No Tribunal da Comarca de Lousada, correm termos uns autos de averiguação oficiosa de paternidade, para identificação do progenitor da menor B………., nascida a 1 de Maio de 2005 e registada apenas como filha de C………., e que se encontra confiada judicialmente à “D……….”.
2. Entre as diligências efectuadas pelo Ministério Público com vista à averiguação da paternidade da menor inclui-se a realização, no Instituto de Medicina Legal do Porto, de exame hematológico à mãe da menor, à menor, a E………. e a F………. .
3. Designado o dia 5 de Abril de 2006, pelas 9 horas, para a realização do exame, o mesmo não veio a realizar-se por falta de comparência da menor e da mãe, que se encontrava notificada com a cominação de multa e que não justificou a falta.
4. Designada nova data – 18 de Maio de 2006 – o Ministério Público promoveu, além do mais, depois de considerar essencial a realização do exame a que a mãe da menor havia faltado, apesar de advertida nos termos do disposto no artº 519º do CPCivil, o seguinte:
“Pelo exposto, faça de imediato os autos presentes ao Mmº Juiz a quem se promove a condenação da faltosa C………. na devida sanção legal e na emissão de mandados de detenção com vista à condução ao INML do Porto para aí, querendo (sublinhado nosso), se sujeitar à colheita de sangue essencial para a realização do exame em falta”.
5. Conclusos os autos, foi pelo Mmº Juiz proferido despacho a indeferir a promovida passagem de mandados de detenção, por considerar que, apesar de à promoção estar subjacente ser legítima a submissão ao exame, a emissão dos mandados de detenção não tem em vista assegurar a presença da mãe da menor no INML, privando-a da liberdade ambulatória, considerando ainda que a requerida já havia demonstrado de forma ostensiva a sua recusa à submissão dos exames, pelo que a emissão dos mandados seria desproporcionada. E, indeferiu igualmente a condenação da faltosa em multa, por entender que, embora essa condenação tivesse origem na falta de comparência a exame, e não na recusa em submeter-se ao mesmo, a falta de comparência não podia, em si mesma, ser fundamento de aplicação de uma multa, porque, nos artº 519º, nºs 1 e 2, do CPCivil, só pode ser condenado quem se recusar a prestar colaboração que fosse devida.
6. Desse despacho agravou o Ministério Público tendo, nas respectivas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1ª: À data da prolacção do despacho em causa nos autos inexistia fundamento credível para o Mmº Juiz a quo concluir que a mãe da menor se recusava a permitir a recolha de sangue tendo em vista a realização de exame pericial.
2ª: Aliás, o decurso dos autos mostrou que laborou o Mmº Juiz em erro quando extraiu tal conclusão, já que após nova notificação da faltosa para comparecer no INML para a diligência em falta, a mãe da menor compareceu.
3ª: Porém, ainda assim a colheita de sangue não pôde ser realizada porque a mãe da menor chegou ao local uma hora depois do momento designado e para o qual estava, mais uma vez, devidamente notificada (cfr. fls. 74).
4ª: Na verdade, aquele comportamento inicial que, à primeira vista, se poderá assemelhar a uma recusa à sujeição à recolha de amostras biológicas parece-nos configurar, antes, duas situações que acompanham a par:
a) Difíceis condições económicas para permitirem cumprir com desafogo o que é processualmente solicitado e
b) Desinteresse manifesto pelo curso dos autos e pela descoberta da verdade biológica, no superior interesse da própria filha.
5ª: Pelo que falece a argumentação invocada pelo Mmº Juiz a quo para indeferir a promoção que lhe foi submetida a fls. 54 e ss.
6ª: O esquema constitucional que nos rege, em primeira linha, define, entre muitos outros, o princípio de direito fundamental do conhecimento e reconhecimento da paternidade – cfr. artºs 25º, nº 1 e 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
7ª: Sendo que, in casu, não se alcança outra forma de atingir tal desiderato constitucional que não seja o recurso aos exames científicos, de cariz hematológico (cfr. fls. 10 e 27). Acresce que, in casu, o exame ainda não foi possível realizar-se apenas pelo desinteresse manifesto da mãe da menor, que não recusa submeter-se a qualquer colheita de sangue mas antes não quer alcançar os efeitos do seu desinteresse no presente processo em toda a vida presente e futura da sua filha.
8ª: Por outro lado, no confronto entre os direitos constitucionais em causa – direito à liberdade por um par de horas – tudo quanto é necessário – e o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica por parte da menor B……… – não temos dúvidas em afirmar o primado deste sobre aquele, facto por si só suficiente para se deferir a requerida emissão de mandados de detenção para fazer comparecer a mãe da menor no estabelecimento de saúde em causa.
9ª: Toda a antecedente argumentação é absolutamente aplicável à condenação da faltosa em multa processual por faltar à colaboração que lhe era exigida, sendo por si só suficiente, a nosso ver, para que seja revogado o despacho ora em crise e substituído por outro que defira a totalidade da promoção de fls. 54 e ss.
10ª: Em abono da tese exposta na presente motivação, invocam-se desde já os acórdãos, que nos parece defenderem a mesma posição de fundo: Ac. RC de 7/4/81, in CJ, t. II, pág. 31; Ac. RP de 12/02/87, in BMJ 364-939; Ac. RP de 16/02/89, in CJ, T. I, pág. 193; Ac. RP de 3/5/90, in BMJ 397-560 e Ac. RP de 5/6/84, in CJ, T. III, pág. 277.
11ª: Como refere o Ac. RP de 14/06/1999 (in www.dgsi.pt”)
“Sendo o processo de averiguação oficiosa de paternidade ditado por interesses de ordem pública do Estado, nele se exige que tanto a mãe como o pretenso pai do menor tenham uma colaboração intensa e assídua em todos os actos de modo a que aquele interesse não seja postergado ou que o fim pretendido com este processo seja diminuto ou não seja alcançado.
Assim, tendo a mãe do menor faltado a uma diligência para que fora notificada e em que se pretendia dar-lhe nota do resultado hematológico realizado, e tendo, na sequência, o Ministério Público requerido a passagem de mandados de detenção para assegurar a sua comparência, deveria o seu requerimento ser deferido pelo Juiz”.
12ª: Ao decidir da forma plasmada a fls. 63 e ss., afigura-se-nos que violou o Mmº Juiz a quo os artºs 25º, nº 1 e 26º, nº 1 Constituição da República Portuguesa, 1864º e 1865º, nº 4, do Código Civil, 519º do Código de Processo Civil e 202º da OTM.
Por todo o exposto, deverá ser revogado o douto despacho ora em crise, nos termos supra expostos, sendo o mesmo substituído por outro no qual se condene a mãe da menor em multa processual e se ordene a emissão de mandados de detenção contra a mesma a fim de a fazer comparecer no INML do Porto em nova data a designar para a colheita de vestígios hematológicos.
Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao recurso ora interposto pelo Ministério Público e decidindo-se pela revogação do douto despacho impugnado nos termos antes expostos, Vªs Exªs farão, como sempre, inteira Justiça.
7. Proferido despacho de sustentação, colhidos os vistos legais cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Relevam para a decisão do agravo os factos que constam do presente relatório.
2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil), que neles se apreciam questões, e não razões, e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente agravo são as de saber se a mãe de menor, que não compareceu, no Instituto de Medicina Legal, a fim de ser submetida a exame hematológico, cuja realização foi requerida pelo Ministério Público, no âmbito de averiguação oficiosa de paternidade, pode ser obrigada a comparecer, sob custódia, nesse Instituto, e se deve ser condenada em multa por ter faltado a exame anterior, para o qual fora notificada e não ter justificado a falta.
O presente recurso de agravo foi interposto num processo de averiguação oficiosa de paternidade.
Este tipo de processos é considerados de jurisdição voluntária - cfr. al. j) do artº 146º e artºs 150º e 202º da Organização Tutelar de Menores -, diploma que, no artº 202º, atribui a instrução da averiguação oficiosa de paternidade ao curador de menores.
Nos processos de jurisdição voluntária não há, em principio, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse - cfr. Professor Manuel de Andrade, Noções Fundamentais de Processo Civil, 1979, 72 -, e as decisões neles proferidas caracterizam-se pela equidade, implicando a jurisdição voluntária o exercício de uma actividade essencialmente administrativa - cfr. Professor J. A. dos Reis, Processos Especiais, II, 398.
A averiguação oficiosa é, neste tipo de processos, um processo "sui generis".
Nos processos de jurisdição voluntária, a actividade do tribunal é de natureza administrativa, e não propriamente judicial, sendo nos processos de averiguação oficiosa que mais claramente se vê que assim é.
Com efeito, nestes desenvolve-se toda uma actividade de averiguação de factos tendentes à recolha de provas capazes de constituírem fundamento ao pedido de declaração de paternidade em acção própria.
E, essa actividade, é levada a cabo pelo Ministério Público, e não pelo Juiz, ou seja, por quem representa o Estado junto dos Tribunais.
Trata-se, como se afirma no Ac. do STJ de 16/7/81, BMJ 309, pág. 349, de um processo administrativo que tem como único objectivo habilitar à formação de um juízo de viabilidade da acção a propor.
Neste tipo de processos, é, todavia, admissível a realização, como meio de prova, de qualquer exame científico, designadamente o hematológico. Isso mesmo resulta do nº 1 do artº 202º da OTM, que dispõe que o curador pode usar de qualquer meio de prova legalmente admitido, do nº 4 do artº 1865º do CCivil, que estabelece que se o pretenso pai negar ou se recusar a confirmar a paternidade, o tribunal procederá às diligências necessárias para averiguar a viabilidade da acção de investigação de paternidade, como também, tratando-se de processo de jurisdição voluntária, o tribunal pode, como estipula o nº 2 do artº 1409º do CPCivil, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.
Assente a admissibilidade de realização de exame hematológico em processo de averiguação oficiosa de paternidade, isso não resolve a questão suscitada, que é a de saber se a mãe da menor pode ser obrigada a comparecer, sob custódia, no estabelecimento em que ele vai ter lugar, a fim de aí ser submetida a exame hematológico, e se deve ser condenada em multa, por ter faltado injustificadamente.
Importa, portanto, apreciá-la, tendo presente que a C………. havia faltado a exame anterior, para o qual fora notificada, com a cominação de multa, e não justificou a falta, tendo, por isso, o Ministério Público promovido a sua condenação em multa e a passagem de mandados de detenção no sentido de a fazer comparecer no IML do Porto na data que posteriormente veio a ser designada, ou seja 18 de Maio de 2006.
E, como bem observa o agravante, ao contrário do que consta do despacho recorrido, nada nos autos permitia concluir que a referida C………. se recusava à realização do exame.
Efectivamente, fundamentando-se a alegada recusa da examinanda no que consta de fls. 30, 43 e 47 dos autos (fls. 43, 56 e 60 do presente agravo), temos que fls. 30 constitui ofício a solicitar a sua notificação para comparecer no IML do Porto no dia 5/4/06, fls. 43 é a sua notificação e fls. 47 é a informação daquele Instituto a informar da falta.
A corroborar que não se tratava de recusa a submeter-se ao exame, a examinanda compareceu naquele Instituto no posterior designado dia 18/5/06 (precisamente o dia para o qual o agravante requerera a passagem de mandados de detenção), embora pelas 11 horas, quando o exame se encontrava marcado para as 9 horas e, por isso, não se realizou porque os restantes examinandos haviam sido dispensados pelas 10 h e 30 m, conforme informação de fls. 87, ou seja, este facto superveniente vem demonstrar que não se tratava de qualquer recusa.
Posta assim a questão, e tendo sido nesse sentido que o Ministério Público requereu a passagem de mandados de detenção (cfr. o item 4 do presente relatório, em que, na respectiva promoção, foi utilizado o verbo “querendo”), a resposta a ambas as questões é, necessariamente, afirmativa.
Segundo o preceituado no artº 519º, nº 1, do CPCivil, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, submetendo-se às inspecções necessárias.
Por sua vez, de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, os que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis.
Como já vimos quando nos debruçámos sobre a admissibilidade de realização de exames de sangue nos processos de averiguação oficiosa de paternidade, para além das disposições legais então citadas, também de acordo com o disposto no artº 1801º do CCivil, nas acções relativas à filiação, são admitidos como meios de prova os exames de sangue.
O escopo deste preceito legal, para além de afirmar a confiança na capacidade dos laboratórios nacionais para, através de meios científicos, demonstrar a filiação biológica, foi precisamente o de esclarecer que os exames de sangue eram admissíveis como meios de prova sem serem ofensivos da intimidade da vida privada ou familiar ou da dignidade nem gravemente danosos da honra e consideração da pessoa examinada (cfr. Ac. do STJ de 11/3/97, CJSTJ, Tomo I, pág. 146).
E isso é assim quando, como é o caso, não há recusa à realização de exame de sangue, pelo que é admissível compelir a mãe da menor a comparecer no Instituto de Medicina Legal do Porto, a fim de aí ser submetida a exame de sangue, na data que vier a ser designada.
De igual modo, deve ela ser condenada em multa por não ter comparecido naquele Instituto no dia 5/4/06 e não ter justificado a falta, uma vez que não é parte, mas terceiro, na acção, multa essa a aplicar pelo Tribunal recorrido, que em melhores condições se encontra para fixar o respectivo montante, atendendo designadamente à sua situação económica.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a condenar a mãe da menor em multa e a ordenar a passagem de mandados de detenção no sentido de a fazer comparecer no Instituto de Medicina Legal do Porto, na data que vier a ser designada, a fim de aí ser submetida a exame hematológico, caso o mesmo ainda se não tenha realizado.
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Sem custas.
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Porto, 9 de Novembro de 2006
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo