APOIO JUDICIÁRIO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TRAMITAÇÃO
Sumário


I- A decisão dos serviços da segurança social sobre o pedido de proteção jurídica, seja ela expressa ou tácita, não admite reclamação ou recurso hierárquico ou tutelar, sendo apenas suscetível de impugnação judicial (arts. 26º, n.º 2, 27º e 28º, da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
II- Tal impugnação judicial deverá sempre ser entregue junto daqueles serviços, no prazo de 15 dias, a contar do conhecimento da decisão, permitindo, subsequentemente, à entidade administrativa a sua reapreciação, revogando-a ou mantendo-a, enviando, neste caso, a impugnação e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente para apreciação (art. 27º, nºs 1 e 3).
III- Na ausência da devida notificação pelos serviços da segurança social competentes da decisão administrativa de indeferimento total ou parcial do pedido de proteção jurídica, sempre assistirá ao requerente o direito de a impugnar judicialmente, desde que o requeira junto daqueles serviços, no prazo de 15 dias, a partir do momento em que, somente por via processual, teve conhecimento da mesma.
IV- Dirigindo-se diretamente ao tribunal, sem seguir aqueles trâmites normais de impugnação judicial, o requerente do pedido de proteção jurídica indeferido acaba por preterir formalidades legais indispensáveis, não reagindo à posição daqueles serviços administrativos na forma processual adequada, pois que chama diretamente a decidir sobre a questão a entidade (tribunal) com competência apenas para apreciar tal matéria através da configurada impugnação judicial.
V- Esta interpretação não viola qualquer princípio constitucional, mormente o direito de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º, n.º 1, da CRP).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Caixa ... veio requerer a declaração de insolvência da empresa X – Sociedade de Empreendimentos Imobiliários, Lda., alegando, em suma, que a requerida tem dívidas no montante global de € 1.651.089,15, incluindo a dívida à requerente, no montante de € 146.787,81, sucedendo que os montantes das obrigações, bem como as circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade da requerida de satisfazer pontual e integralmente as obrigações a que está adstrita, sendo certo ainda que se encontra numa situação de suspensão generalizada do pagamento das suas obrigações.
A requerida contestou, tendo concluído pela improcedência da requerida declaração de insolvência, condenando-se a requerente em montante não inferior a € 10.000,00 a favor da requerida, a título de litigância de má fé.
Uma vez notificada para efetuar pagamento antecipado de encargos referentes à prova pericial, veio a requerida apresentar, em 21.06.2019, requerimento dando conta que que havia requerido, em 19.06.2019, benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo (cfr. ref.ª citius 8813210 do processo principal e fls. 20 a 24 deste apenso).

Por oficio junto aos autos em 17.07.2019, os serviços da segurança social competentes informaram que, por oficio datado de 15.07.2019, notificado à requerente de apoio judiciário na mesma data, foi a requerente notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias úteis, por escrito, juntando os elementos de prova documental indicados e prestando os esclarecimentos que tiver por conveniente, sob pena de se indeferir o pedido de apoio judiciário formulado, por impossibilidade de apreciação da insuficiência económica invocada.
Nesta missiva, não foi junto qualquer documento comprovativo de ter sido enviado à aqui requerida, por carta registada, o ofício mencionado datado de 15.07.2019 (cfr. ref.ª citius 8918313 do processo principal e fls. 25 a 26 verso deste apenso)

Por e-mail enviado aos autos em 17.10.2019, os serviços da segurança social competentes vieram informar que o requerimento de apoio judiciário solicitado pela requerida encontrava-se indeferido, mormente “por falta de resposta à audiência prévia realizada em 2019-07-15.
Mais se esclareceu no mesmo e-mail que a requerente de apoio judiciário havia sido notificada por ofício registado, para a morada indicada no requerimento de proteção jurídica respetivo, “para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar no âmbito do exercício do direito de audição sobre a proposta de decisão que resultou da análise ao requerimento de proteção jurídica, com expressa referência à cominação de que nada dizendo, a proposta de decisão convertia-se em decisão definitiva de indeferimento não havendo lugar a nova notificação …
Mais se informou que: “Dentro do prazo estabelecido, não deu entrada nestes Serviços qualquer resposta da requerente, pelo que consideramos não ter sido exercido o direito de audição.
Concluindo-se que, “dado que o ato de indeferimento tácito não foi impugnado, nos termos previstos no art. 27º da citada Lei, mantém-se a decisão final de indeferimento da proteção jurídica.
Nesta missiva, também não foi junto qualquer documento comprovativo de ter sido enviado, por carta registada, o ofício mencionado datado de 15.07.2019 (cfr. ref.ª citius 9246486 do processo principal e fls. 27 deste apenso).

Uma vez notificada de tal e-mail, por requerimento de 04.11.2019, a requerida veio invocar que não rececionou qualquer comunicação escrita remetida pelo Instituto da Segurança Social, nem foi notificada no dia 15.07.2019 da proposta de decisão e do exercício do direito de audição prévia, sendo certo que não foi junto comprovativo/registo da notificação à requerida, limitando-se aquele ISS a informar o tribunal que a proposta de decisão foi notificada à requerente na mesma data.
Nesta medida, veio requerer que se declare a anulabilidade da decisão proferida pelo ISS quanto ao pedido de proteção jurídica formulado, por violação do direito de audiência de interessados (art. 121º, do CPA); tendo como consequência o deferimento tácito (art. 25º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
Sem prescindir, caso assim não se entenda, deverá ser ordenado ao ISS que se digne praticar o ato em falta e notificar a devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica (art. 23º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29.07); tal como ainda se deverá ordenar a suspensão do prazo de pagamento relativo à guia para pagamento antecipado de encargos, até à decisão que recair sobre o requerimento em causa (cfr. ref.ª citius 9324490 do processo principal e fls. 29 e 30 deste apenso).

Na sequência, em 25.11.2019, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

Estatui o artigo 26.º da Lei n.º 34/2004:
“ 1- A decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente.
2 - A decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.
3 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.)
4 - Se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a acção se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária.
5 - A parte contrária na acção judicial para que tenha sido concedido apoio judiciário tem legitimidade para impugnar a decisão nos termos do n.º 2.”

Prevê o artigo 27.º da mesma lei:

“1 - A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
2 - O pedido de impugnação deve ser escrito, mas não carece de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal.
3 - Recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente”.

Decidindo:
Ora, tal qual expressamente prevê o artigo 24.º da supra-referida lei, o procedimento de protecção jurídica é autónomo relativamente à causa a que respeite.
Dos autos não se verifica que tenha sido apresentada qualquer impugnação judicial.
Por outro lado, qualquer reacção à decisão do ISS deverá: ou ser directamente dirigida à entidade responsável pelo procedimento administrativo ou ser apresentada através de impugnação judicial. O que não aconteceu.
Assim, este Tribunal não tem competência legal e inexiste qualquer fundamento para se apreciar o pedido de anulabilidade da decisão tomada pelo ISS e demais pedidos apresentados.
Indeferem-se os pedidos.
Notifique.

Inconformada com o assim decidido, veio a requerida interpor recurso de apelação, do qual se extraem as seguintes
CONCLUSÕES

A) Da admissibilidade do recurso:

1. A Apelante recorre da decisão proferida pelo Tribunal a quo no dia 12/11/2019 e notificada à Devedora no dia 26/11/2019, que considerou inexistir fundamento legal para apreciar o pedido de anulabilidade da decisão tomada pelo Instituto da Segurança Social (doravante ISS) e demais pedidos apresentados pela Devedora no requerimento apresentado no dia 04/11/2019, refª Citius 9324490.
2. Com esta decisão, o Tribunal a quo indeferiu a pretensão em Devedora em declarar a anulabilidade da decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social quanto ao pedido de proteção jurídica formulado pela devedora, por violação do disposto no artigo 121º do CPA; e, como consequência, com a declaração da anulabilidade do ato, deverá aplicar-se o regime do deferimento tácito, previsto no artigo 25º, nº2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
3. Com o devido respeito, cremos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo preconizou uma incorreta interpretação e aplicação do direito, nomeadamente, as normas ínsitas nos artigos 23º e 25º, n.º 2 da Lei nº34/2004, artigos 113º, nºs 1 e 2, e 121º do C.P.A., violando ainda o direito da devedora de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, mostrando-se eivada de inconstitucionalidade, por manifesta violação dos artigos 18º, n.º 2, e 20º da C.R.P.
4. Nos presentes autos, a Devedora veio apresentar no dia 06.07.2017 um pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, junto a contestação deduzida, contudo a Devedora nunca foi notificada da decisão proferida pelo ISS, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 25º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, considerou o ato tacitamente aceite, com o consequente deferimento do pedido de proteção jurídica formulada pela Devedora.
5. Acontece que, nos presentes autos, no dia 12/06/2019, foi a Devedora notificada para pagar os encargos devidas com a perícia realizada, sendo que em resposta, no dia 21/06/2019 Devedora requereu a suspensão do prazo para pagamento dos encargos com a perícia até decisão definitiva do pedido de apoio judiciário.
6. No dia 23/09/2019, o Tribunal a quo oficiou junto do ISS pela confirmação da aceitação tácita do pedido de proteção jurídica formulado pela Devedora, tendo o ISS respondido no dia 17/10/2019 que “o pedido de proteção jurídica formulado por X SOC EMPRES IMOBILIARIOS LD NIF …… solicitado em 19-06-2019 encontra-se INDEFERIDO, por falta de resposta à audiência prévia realizada em 2019-07-15”.
7. Por conseguinte, no dia 04/11/2019, veio a Devedora pedir a anulabilidade da decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social quanto ao pedido de proteção jurídica formulado pela devedora, por violação do disposto no artigo 121º do CPA; e, como consequência, com a declaração da anulabilidade do acto, deverá aplicar-se o regime do deferimento tácito, previsto no artigo 25º, n.º 2 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
8. Sem prescindir, caso assim não se entendesse, pediu a Devedora que o Tribunal a quo ordenasse ao Instituto da Segurança Social a prática do ato em falta, nomeadamente, a notificação da devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica, nos termos do artigo 23º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
9. Decidindo, o Tribunal a quo julgou improcedente os pedidos formulados pela Devedora no requerimento de 04/11/2019, considerando que não foi apresentada qualquer impugnação judicial, pelo que, o Tribunal a quo não tem competência legal e inexiste qualquer fundamento para se apreciar o pedido de anulabilidade da decisão tomada pelo ISS e demais pedidos apresentados.
10. A decisão ora proferida pelo Tribunal a quo, improcedendo a pretensão da Devedora, implicará o pagamento, sem mais, dos encargos devidos com a perícia realizada no valor de € 7.527,60, confirmando assim a decisão emitida pelo ISS que é absolutamente prejudicial à Devedora, porque, ilegal e violadora do direito do acesso ao direito e à justiça, e cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
11. As decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, de acordo com o disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 644º do CPC, são apenas as decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de atos processuais.
12. Ora, consideramos que estamos perante uma situação em que a impugnação com a decisão final é absolutamente inútil, acarretando claro prejuízo à devedora que vê assim limitado, de forma ilegal, o seu direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
13. O que é inadmissível num Estado de Direito, atendendo à tutela constitucional do direito consagrado no artigo 20º da CRP e cuja limitação está restrita aos casos expressamente previstos na Constituição e nos termos do artigo 18º, n.º 2 da CRP.
14. Pelo exposto, o presente recurso é admissível ao abrigo do disposto no artigo 644º, nº2, al. h) do CPC e artigo 14º do CIRE.

B) Da decisão proferida:

15. Veio o Instituto da Segurança Social, através de informação prestada no dia 17/10/2019 quanto à decisão do pedido de apoio judiciário formulado pela devedora informar que o pedido foi indeferido, por falta de resposta à audição prévia realizada em 15/07/2019.
16. Ora, compulsados os autos verifica-se que, a devedora não foi notificada pela exercer o direito de audição prévia sobre a proposta de decisão que resultou da análise ao requerimento de proteção jurídica nem o ISS comprovou, nos autos, a realização da notificação à devedora da proposta de decisão e para exercício do direito de audição prévia.
17. Por conseguinte, a Devedora veio pedir a anulabilidade da decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social quanto ao pedido de proteção jurídica formulado pela devedora, por violação do disposto no artigo 121º do CPA; e, como consequência, com a declaração da anulabilidade do ato, deverá aplicar-se o regime do deferimento tácito, previsto no artigo 25º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
18. O Tribunal a quo proferiu decisão no dia 12/11/2019, indeferindo a pretensão da Devedora, considerando que: “Dos auto não se verifica que tenha sido apresentada qualquer impugnação judicial. Por outro lado, qualquer reacção à decisão do ISS deverá: ou ser directamente dirigida à entidade responsável pelo procedimento administrativo ou ser apresentada através de impugnação judicial. O que não aconteceu. Assim, este Tribunal não tem competência legal e inexiste qualquer fundamento para se apreciar o pedido de anulabilidade da decisão tomada pelo ISS e demais pedidos apresentados. Indeferem-se os pedidos.
19. Com o devido respeito por diverso entendimento, consideramos que o Tribunal a quo preconizou uma incorreta interpretação e aplicação do direito, nomeadamente as normas ínsitas nos artigos 23º e 25º, n.º 2 da Lei nº34/2004, artigos 113º, nºs 1 e 2 e 121º ambos do C.P.A., preconizando ainda uma interpretação da Lei n.º 34/2004 que é violadora do direito da devedora de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, mostrando-se assim eivada de inconstitucionalidade, por manifesta violação dos artigos 18º, nº 2, e 20º da C.R.P.
20. Compulsados os autos, verifica-se um ofício junto pela Segurança Social datado de 17/07/2019, através do qual aquele instituto junta uma proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica que alegadamente enviou à devedora.
21. Contudo, naquele ofício de 17/07/2019, o Instituto da Segurança Social não junta o comprovativo/registo da notificação à devedora, limitando-se a informar o tribunal que a proposta de decisão foi notificada à requerente na mesma data.
22. Ora, o Instituto da Segurança Social não faz prova da notificação da proposta de decisão à devedora, nos termos do artigo 113º, nº1 do CPA, a qual carece de registo e que deveria ter sido junta aos autos.
23. Em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 23º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, o requerente da proteção jurídica deve ser notificado por ofício registado para a morada indicada.
24. A devedora não rececionou qualquer comunicação escrita remetida pelo Instituto da Segurança Social nem foi notificada no dia 15/07/2019 da proposta de decisão e do exercício do direito de audição prévia, pelo que, verifica-se falta de cumprimento de um requisito formal essencial para a formação da decisão: a notificação ao requerente para exercício do direito de audição prévia, consubstanciando uma violação do disposto no artigo 121º do CPA.
25. A decisão ora proferida pelo Instituto da Segurança Social, convertendo-se em indeferimento definitivo a decisão por falta de exercício da audição prévia, padece de anulabilidade por violação do direito audiência de interessados, prevista no art. 121° do CPA e artigo 23º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, pelo que, não poderá produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica da devedora.
26. Através do requerimento apresentado no dia 04/11/2019, pretendeu a Devedora que o Tribunal decidisse pela revogação da decisão proferida, por anulabilidade, com a consequente aceitação tácita ou, caso assim não se entendesse, fosse o ISS condenado a praticar o ato em falta, notificar a devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica, nos termos do artigo 23º, nº1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
27. Resulta expressamente consagrado na Lei 34/2004 de 29 de Julho (artigo 37º) que são aplicáveis, supletivamente, ao procedimento administrativo de concessão de proteção jurídica, as normas do Código de Procedimento Administrativo (CPA) sendo que, e particularmente no que diz respeito às notificações para efeito de audiência prévia, a remissão para aquele código resulta expressa no artigo 23º da lei do apoio judiciário.
28. Tendo por base, o regime legal da Lei n.º 34/2004 quanto à concessão do apoio judiciário, decidiu o Tribunal a quo, e mal fez, que não tendo sido apresentada impugnação judicial, a proposta de decisão de indeferimento converteu-se em definitiva e, portanto, terá a devedora que proceder ao pagamento dos encargos devidos com a perícia realizada.
29. Manifestamente, e salvo devido respeito que é muito, incorre o tribunal a quo em erro na interpretação das normas e nas consequências jurídicas daí resultantes. Porquanto, a devedora não teve conhecimento da decisão proferida pelo ISS nem foi notificada para impugnar judicialmente a decisão, pelo que, a Devedora sempre estaria em tempo para impugnar a decisão proferida pelo Instituto.
30. Não tendo a recorrente recebido a carta contendo a proposta de indeferimento, não se pode considerar que funcionou a presunção de notificação no terceiro dia útil posterior ao do envio prevista no artigo 113º, n.º 1 do CPA.
31. Não tendo a recorrente sido notificada por facto que não lhe é imputável, deveria o tribunal a quo ter ordenado ao ISS para vir aos autos demonstrar a realização da notificação da proposta de indeferimento, ou, então, praticar o ato em falta, com a anulação de todo o posterior processado, tal como decorre do artigo 113º, n.º 2 do CPA.
32. Impende sobre a Administração Pública o dever de notificação dos atos administrativos, e o ónus de diligenciar pela sua efetiva concretização, de forma a levar ao conhecimento do destinatário a decisão proferida, tornando-a válida e eficaz, portanto, competia ao ISS, ou ao Tribunal através de ordem judicial, a prova da notificação, à recorrente, da proposta decisão de indeferimento, para efeitos de audição prévia, e para poder afirmar, e fazer operar o invocado indeferimento do pedido de proteção jurídica, por falta de resposta no prazo definido para o efeito.
33. Concluindo, pela falta de notificação, esta resultou, em primeira linha, na violação do direito de audição (artigo 121º do C.P.A.), já que a recorrente, ficou impedida de se pronunciar e tomar posição sobre a decisão a proferir.
34. Acresce que, face à ausência de notificação válida da proposta de decisão de indeferimento, não se pode considerar indeferido o pedido de proteção jurídica.
35. A violação do direito de audição, bem como a falta de notificação da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica à requerente, inquina de vício o ato praticado, e importa a sua anulação nos termos do artigo 163º do C.P.A., pelo que andou mal o Meritíssimo Juiz a quo, ao não ter assim concluído, e abster-se de tomar uma decisão sobre a questão levada a juízo.
36. E daí não ter retirado as necessárias consequências legais, nomeadamente, da inexigibilidade do pagamento dos encargos com a perícia, e a remessa do processo ao ISS para cumprimento da notificação em falta, seguindo o processo administrativo os seus ulteriores trâmites legais.
37. Não o tendo feito, como se impunha, deve agora ser o ato revogado, decidindo-se nos termos supra expostos.
38. Sendo que, e atento ao motivo de indeferimento do pedido de proteção jurídica, entende-se que o Tribunal poder-se-ia pronunciar sobre a questão já que em causa está analise de matéria que não da exclusiva competência do ISS, antes pelo contrário.
39. Posteriormente, o tribunal a quo notifica a recorrente para proceder ao pagamento dos encargos devidos com a perícia, porém, a verdade, conforme referido pela recorrente no requerimento de 21/06/2019, não tendo sido a recorrente notificada da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica, sobre ela não impendia o dever de proceder ao pagamento dos encargos com a perícia.
40. Portanto, e apesar do oficio do ISS, mas sobretudo atento ao seu teor, onde expressamente refere quer foi a falta de resposta que converteu em decisão definitiva, não se tem por verificada a condição necessária – decurso do prazo a contar da notificação da decisão – para que a secretaria pudesse notificar a recorrente, como fez, para pagar os encargos devidos com a perícia.
41. Tendo ainda assim, o tribunal a quo considerado devido o pagamento dos encargos com a perícia, apesar de a Recorrente ter invocado a falta de notificação da proposta de indeferimento e para exercício do direito de audição prévia, logo, não estava a decorrer qualquer prazo para apresentar impugnação judicial.
42. Pelo que, ainda que, a nosso ver, uma interpretação das normas previstas para o regime legal da concessão de proteção jurídica, se coaduna melhor com declaração da anulabilidade do ato, deverá aplicar-se o regime do deferimento tácito, previsto no artigo 25º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
43. Ainda assim, poderia o Tribunal a quo, a título subsidiário, conforme requerido pela Recorrida no requerimento de 04.11.2019, ter decidido ordenar ao Instituto da Segurança Social a praticar o ato em falta e notificar a devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica, nos termos do artigo 23º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
44. Ao não ter decidido no sentido pretendido pela Recorrente, tanto a título principal como a título subsidiário, o Tribunal a quo preconizou uma interpretação e aplicação dos artigos 26º e 27º da Lei n.º 34/2004 num sentido que consubstancia uma violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20º da Constituição.
45. A recorrente, com a decisão proferida, vê assim amputado o exercício da tutela jurisdicional efetiva, através dos direitos de defesa e da prática do princípio do contraditório (artigo 3º do C.P.C.), sendo a condenação no pagamento dos encargos com a perícia, sem que tenha sido proferida decisão válida de indeferimento do pedido de proteção jurídica formulado, desproporcional e limitativo do acesso ao direito, violando assim o disposto no artigo 18º, n.º 2 da Constituição.
46. Em face do exposto, decisão recorrida violou assim, o disposto nos artigos 23º e 25º, nº2 da Lei n.º 34/2004, artigos 113º, n.º 1 e n.º 2 e 121º do CPA e artigos 18º, n.º 2, e 20º da C.R.P.
47. E interpretou e aplicou, erradamente, as normas ínsitas nos artigos 23º, 25º, n.º 2, 26º e 27º da Lei n.º 34/2004, quando à concessão do apoio jurídico.

De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos

- Violou o disposto nos artigos 23º e 25º, nº2 da Lei nº34/2004, artigos 113º, nº1 e nº2 e 121º do CPA e artigos 18º, 2, e 20º da C.R.P.
- Interpretou e aplicou, erradamente, as normas ínsitas nos artigos 23º, 25º, nº2, 26º e 27º da Lei n.º 34/2004, quando à concessão do apoio jurídico.

Finaliza, pugnando pela revogação da decisão recorrida, sendo proferida outra que decida pela anulabilidade da decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social quanto ao pedido de proteção jurídica formulado pela devedora e, consequentemente, deverá aplicar-se o regime de deferimento tácito, previsto no art. 25º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29.07.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá ser ordenado ao Instituto da Segurança Social se digne a praticar o ato em falta e notificar a devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica, nos termos do artigo 23º, nº1 da Lei n.º 34/2004, de 29.07. Mais requer, que seja ordenada a revogação do pedido de pagamento de encargos com perícia, a que se refere a guia emitida no dia 12.06.2019.

*
Não constam dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*

Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
*
II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se ocorre erro de interpretação e de aplicação de direito na decisão recorrida, impondo-se a sua revogação.
- Saber se na decisão recorrida ocorre violação do direito constitucional da recorrente de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
*
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados

Os acima consignados no Relatório.
*
IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Aqui chegados, cumpre então averiguar se o tribunal a quo cuidou de interpretar corretamente as disposições legais aplicáveis ao caso em apreço, mais concretamente no que se à sua incompetência para conhecer do requerimento apresentado pela recorrente a 04.11.2019.

Tal como resulta da Lei n.º 34/2004, de 29.07(1), a proteção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário (art. 6º, n.º 1), sendo hoje competente para decidir sobre essa concessão, e a quem cabe, por consequência, avaliar da verificação dos pressupostos necessários ao deferimento do pedido de apoio judiciário, uma entidade administrativa e não o tribunal. (2)

Na realidade, conforme se estabelece no art. 20º, n.º 1, “a decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.”; sendo certo que é igualmente da competência da entidade administrativa determinar o cancelamento ou verificar a caducidade da proteção jurídica concedida (arts. 10º e 11º).

Enfatize-se, ainda, que, conforme resulta do disposto nos arts. 12º e 26º, nºs 2 e 4, tais decisões tomadas administrativamente são apenas impugnáveis judicialmente, tendo legitimidade para o fazer o requerente da decisão de indeferimento do pedido de concessão de proteção jurídica e para impugnar a decisão de deferimento do mesmo pedido a parte contrária ao beneficiário da decisão. (3)

Daqui podemos retirar, desde já, a seguinte conclusão: não compete atualmente aos tribunais decidir sobre tal matéria, a não ser por via da impugnação judicial atrás aludida.

Pois bem, no caso em apreço, temos como assente que os serviços da segurança social competentes, através de e-mail junto aos autos em 17.10.2019, quanto à decisão do pedido de apoio judiciário formulado pela devedora, vieram informar que o requerimento de apoio judiciário solicitado pela requerida encontrava-se indeferido, mormente “por falta de resposta à audiência prévia realizada em 2019-07-15.
Mais se esclareceu no mesmo e-mail que a requerente de apoio judiciário havia sido notificada por ofício registado, para a morada indicada no requerimento de proteção jurídica respetivo, “para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar no âmbito do exercício do direito de audição sobre a proposta de decisão que resultou da análise ao requerimento de proteção jurídica, com expressa referência à cominação de que nada dizendo, a proposta de decisão convertia-se em decisão definitiva de indeferimento não havendo lugar a nova notificação …”.
Mais se informou que: “Dentro do prazo estabelecido, não deu entrada nestes Serviços qualquer resposta da requerente, pelo que consideramos não ter sido exercido o direito de audição.
Concluindo-se que, “dado que o ato de indeferimento tácito não foi impugnado, nos termos previstos no art. 27º da citada Lei, mantém-se a decisão final de indeferimento da proteção jurídica.

Do disposto no art. 27º, n.º 1, resulta que “a impugnação judicial pode ser intentada diretamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.

Tal pedido de impugnação “deve ser escrito, não carecendo de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal.” (art. 27º, n.º 2)

Uma vez recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de proteção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.” (art. 27º, n.º 3)
Notificada de tal e-mail, por requerimento de 04.11.2019, a requerida veio invocar que não rececionou qualquer comunicação escrita remetida pelo Instituto da Segurança Social, nem foi notificada no dia 15.07.2019 da proposta de decisão e do exercício do direito de audição prévia, sendo certo que não foi junto comprovativo/registo da notificação à requerida, limitando-se aquele ISS a informar o tribunal que a proposta de decisão foi notificada à requerente na mesma data.
Nesta medida, veio requerer que se declare a anulabilidade da decisão proferida pelo ISS quanto ao pedido de proteção jurídica formulado, por violação do direito de audiência de interessados (art. 121º, do CPA); tendo como consequência o deferimento tácito (art. 25º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
Sem prescindir, caso assim não se entenda, deverá ser ordenado ao ISS que se digne praticar o ato em falta e notificar a devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica (art. 23º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29.07); tal como ainda se deverá ordenar a suspensão do prazo de pagamento relativo à guia para pagamento antecipado de encargos, até à decisão que recair sobre o requerimento em causa.
No essencial, são estes os mesmos argumentos que veio a requerida recorrente invocar novamente na presente apelação, com os quais pretende a revogação do despacho recorrido e que seja deferida a pretensão aludida naquele requerimento de 04.11.2019.

Aqui chegados, realce-se que o tribunal a quo, no despacho ora em crise, concluiu que:

Ora, tal qual expressamente prevê o artigo 24.º da supra-referida lei, o procedimento de protecção jurídica é autónomo relativamente à causa a que respeite.
Dos autos não se verifica que tenha sido apresentada qualquer impugnação judicial.
Por outro lado, qualquer reacção à decisão do ISS deverá: ou ser directamente dirigida à entidade responsável pelo procedimento administrativo ou ser apresentada através de impugnação judicial. O que não aconteceu.
Assim, este Tribunal não tem competência legal e inexiste qualquer fundamento para se apreciar o pedido de anulabilidade da decisão tomada pelo ISS e demais pedidos apresentados.
Indeferem-se os pedidos.

Desde já adiantamos que consideramos que assiste razão ao tribunal recorrido.

Temos demonstrado, de facto, que não foi junto pelos serviços da segurança social qualquer documento comprovativo de ter sido enviado à requerente de apoio judiciário, aqui requerida, por carta registada, o ofício mencionado, datado de 15.07.2019, sendo certo que a requerida veio invocar que não rececionou tal ofício.

Realce-se que sempre cumpriria aos serviços da segurança social que apreciaram o pedido de proteção jurídica notificar a requerente do resultado desta mesma apreciação, mormente mediante carta registada, dirigida para o domicílio da requerente ou, no caso de esta o ter escolhido para o efeito, para outro domicílio por si indicado (art. 112º, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art. 37º da LAJ).

Uma vez efetuada tal notificação por carta registada, a mesma presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil; podendo tal presunção ser ilidida pelo notificando quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida (art. 113º, nºs 1 e 2, do CPA).

Todavia, como é bom de ver, a requerida recorrente teve efetivamente conhecimento da existência do referido ofício, pelo e-mail que foi junto ao processo pelos serviços da segurança social em 17.10.2019.

Por conseguinte, pelo menos desde a data em que foi notificada por via processual do conteúdo de tal e-mail, assistiria o direito à requerente da proteção jurídica, ora recorrente, de, no prazo de 15 dias a contar de tal notificação, impugnar judicialmente tal decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, designadamente invocando que não havia sido notificada do conteúdo do dito ofício de 15.07.2019 e que assim estava comprometido o seu direito à audiência prévia, com as consequências legais daí advenientes.

Na realidade, conforme resulta do disposto no art. 27º, n.º 1, a lei é clara em permitir ao interessado a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica formulado, junto dos serviços da segurança social que apreciaram tal pedido, no prazo de 15 dias após o conhecimento de tal decisão.

Destarte, se é certo que, em termos normais, o dito prazo de 15 dias, no caso de decisão efetiva de indeferimento do pedido de proteção jurídica, é contado a partir da respetiva notificação, ou, no caso de conversão automática da proposta de indeferimento total ou parcial em decisão definitiva desse mesmo indeferimento, desde o termo do prazo de resposta à aludida proposta (4), nada impede que o requerente de proteção jurídica impugne a decisão de indeferimento efetiva ou objeto de conversão, a partir do momento em que, somente por via processual, teve conhecimento da mesma, conquanto alegue, desde logo, que, sem culpa sua, não foi efetivada a competente notificação pelos serviços da segurança social.

Por sua vez, tal impugnação judicial deverá sempre ser apresentada junto dos serviços da segurança social, cabendo, na sequência, aos mesmos serviços, em 10 dias, revogar a decisão sobre o pedido de proteção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente (art. 27º, n.º 3).

Não foi, porém, este o caminho seguido pela requerida recorrente. Antes solicitou diretamente ao tribunal recorrido a declaração de anulabilidade daquela decisão tomada pelos serviços da segurança social, com a consequente declaração de ato tácito de deferimento e, sem prescindir, a prática do ato de notificação em falta.

Ao reagir deste modo, consideramos que a recorrente acabou por preterir formalidades legais indispensáveis, não apresentando, tal como lhe competia, junto dos serviços da segurança social, a competente impugnação judicial, no prazo de 15 dias, a contar do conhecimento que teve de tal decisão e de que alegadamente só foi notificada por via do presente processo.

Preterindo esta formalidade, impediu aquele serviço administrativo de a reapreciar, revogando-a ou mantendo-a, enviando, neste caso, a impugnação e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente para apreciação (art. 27º, nºs 1 e 3).

Levou indevidamente, por forma imprópria, a questão para o tribunal recorrido. Não reagiu à posição daquele serviço administrativo na forma processual adequada e chamou diretamente a decidir sobre a questão a entidade (tribunal) com competência apenas para apreciar, de forma irrecorrível, tal matéria através da impugnação judicial (art. 28º, n.º 5).

Por conseguinte, uma vez que o ato de indeferimento não foi impugnado, nos termos legalmente previstos pelo disposto no art. 27º, os seus efeitos têm que ser respeitados neste processo.

Como se refere no Ac. Relação do Porto de 27.03.2008 (5), “não sendo admitido, no caso, reclamação ou recurso hierárquico, sobre a recorrente passou a impender, a partir do conhecimento da decisão, o ónus processual de a impugnar no que toca a anomalias, nulidades ou ilegalidades que tivessem acompanhado o respetivo processo de formação ou de que a mesma enfermasse. Não o tendo feito ..., sibi imputet, constituindo a via do presente recurso um meio processual impróprio e inadequado à prossecução dos correspondentes desígnios.”

No mesmo sentido, salientou-se no Ac. desta Relação de 12.05.2011 (6), que “se… não deitou mão do meio próprio para se opor à aludida decisão da Segurança Social, não poderia conseguir decisão sobre a questão (da concessão ou não do benefício do apoio judiciário) no Tribunal “a quo” e, muito menos, a reapreciação da mesma através de recurso para esta Relação. Se assim fosse … obteria nesta instância decisão sobre matéria que a mesma jamais poderia ser chamada a decidir em condições normais por via de recurso, atento o disposto no citado n.º 5 do art. 28º da Lei n.º 34/2007.” (sublinhámos) (7)

Termos em que, mesmo admitindo a ausência/invalidade da referida notificação escrita de 15.07.2019, pelos serviços da segurança social, a recorrente não impugnou regularmente a decisão administrativa em causa, após conhecimento da mesma.

Deste modo, bem andou o tribunal a quo em indeferir a pretensão da requerida, tanto quanto é certo que o meio processual utilizado pela mesma é impróprio e o tribunal recorrido está limitado a conhecer a questão suscitada unicamente através de impugnação judicial, o que não sucedeu no caso em presença.
*

B) Da violação do direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva

Invoca ainda a apelante que o tribunal a quo, ao não ordenar ao ISS a praticar o ato em falta e notificar a devedora para exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de decisão do requerimento de proteção jurídica, nos termos do artigo 23º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29.07, preconizou uma interpretação e aplicação do disposto nos artigos 26º e 27º da citada Lei, num sentido que consubstancia uma violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20º da CRP.

Mais invoca que, com a decisão proferida, a recorrente vê assim amputado o exercício da tutela jurisdicional efetiva, através dos direitos de defesa e da prática do princípio do contraditório (art. 3º, do C. P. Civil), sendo a condenação no pagamento dos encargos com a perícia, sem que tenha sido proferida decisão válida de indeferimento do pedido de proteção jurídica formulado, desproporcional e limitativo do acesso ao direito, violando assim o disposto no artigo 18º, n.º 2, da CRP.
Não é, porém, esta a nossa posição.

Na verdade, o n.º 1 do art. 20º da CRP, assegura a todos o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, acrescentado o seu n.º 5 que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisões em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 18º, n.º 2, da CRP, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias expressamente previstos na Constituição, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

A Constituição da República Portuguesa, em sede de princípios gerais e no âmbito dos direitos fundamentais, assegura assim, a todos, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
Na opinião de Gomes Canotilho e Vital Moreira (8, o art. 20º da CRP reconhece vários direitos conexos, mas distintos, tais como o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos tribunais (n.º 1); o direito à informação e consultas jurídicas; o direito ao patrocínio judiciário e o direito à assistência de advogado (n.º 2).
A conexão é evidente, na medida em que todos eles são componentes de um direito geral à proteção jurídica. Qualquer deles constitui elemento essencial da própria ideia de Estado de Direito, não podendo conceber-se uma tal ideia sem que os cidadãos tenham conhecimento dos seus direitos, do apoio jurídico de que careçam e do acesso aos tribunais quando precisem (…). De resto, o direito de acesso ao direito não é apenas instrumento de defesa dos direitos. É também integrante do princípio material de igualdade (…) e do próprio princípio democrático do direito, pois este não pode deixar de exigir uma democratização do direito e uma democracia do direito.
O direito de acesso ao direito engloba o direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário. “A Constituição não delimita, ela mesma, o âmbito deste direito, remetendo para a lei a sua concretização («nos termos da lei»), mas é incontestável que esse direito só terá um conteúdo essencial na medida em que abranja a possibilidade de acesso, em condições efetivas, a serviços públicos ou de responsabilidade pública, à informação e consulta jurídicas, bem como ao patrocínio judiciário.” (9)

Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (10), sublinham, em nosso resumo que, na sua dimensão de direito à tutela jurisdicional, têm de ser assegurados a todos o direito de acesso aos tribunais, no sentido de direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, independente e imparcial e de nele verem apreciadas essa sua pretensão num processo equitativo, isto é funcionalmente adequado à apreciação dessa pretensão, em que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que protagonizam no processo, permitindo a obtenção de uma decisão em prazo razoável e em que seja dada prevalência à justiça material sobre a justiça formal.

Aqui chegados, consideramos que, de modo algum, podemos retirar da interpretação que foi realizada pelo tribunal a quo do disposto nos arts. 26º e 27º – ou seja de que, em caso de indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de proteção jurídica pelos serviços da segurança social, caberá unicamente ao requerente a interposição da competente impugnação judicial como forma de reagir a tal indeferimento –, poderá constituir uma violação ao princípio constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva.
Com efeito, como se escreveu no Ac. STJ de 20.05.2009 (11): “O direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição) não impede que o legislador ordinário estabeleça prazos, preclusões e ónus processuais, designadamente ancorados no princípio da celeridade e da economia processuais, posto que o faça com respeito pela finalidade do processo e do princípio da proporcionalidade”.
Na verdade, assistindo à aqui requerida o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º, da CRP, não nos podemos olvidar que à mesma cabe percorrer e cumprir os ditames da lei, observando as regras próprias para o exercício desse direito, designadamente no que se refere à utilização dos meios de defesa adequados que, no caso, não foram observados quanto à impugnação da decisão administrativa. (12)

Por conseguinte, não vislumbramos qualquer violação dos princípios constitucionais mencionados ou de quaisquer outros constantes daquela Lei fundamental.

Termos em que se conclui pela improcedência da apelação em presença.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 18.06.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:

Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.


1. Lei do Apoio Judiciário (na redação aplicável, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08; Lei n.º 40/2018, de 08.08; e D.L. n.º 120/2018, de 27.12) Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
2. O que sucede desde a Lei n.º 30-E/2000, de 20.12.
3. Neste sentido, cfr. Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, Almedina, 7ª ed., 2008, pág. 189.
4. Neste sentido, vide Salvador da Costa, ob. citada, pág. 165.
5. Proc. n.º 0831359, relator Pinto de Almeida, citando outro Ac. RP de 08.10.2007, proc. n.º 0753661, relator Fernandes do Vale, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
6. Proc. n.º 4483/09.5TBGMR-A.G1, relatora Maria da Conceição Saavedra, disponível em www.dgsi.pt.
7. No mesmo sentido, em situação bastante similar à nossa, cfr. Ac. RG de 02.07.2013, proc. n.º 4149/10.3TBGMR-D.G1, relator Filipe Caroço, acessível em www.dgsi.pt.
8. In Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª edição, Vol. I, págs. 409-410.
9. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. citada, págs. 410-411.
10. In Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 170 e segs.
11. Proc. n.º 08S3439, relator Sousa Grandão, acessível em www.dgsi.pt.
12. Vide neste sentido, Ac. RG de 12.05.2011, já citado.