RECURSO DE APELAÇÃO
ALEGAÇÕES DO RECURSO
CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DE RECURSO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário

I - A reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que intitulada de “conclusões” pela apelante, não podem ser consideradas para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, nº 1 do CPCivil.
II - Equivalendo essa reprodução à falta de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPCivil.

Texto Integral

Processo n.º 4899/16.0T8PRT.P1-Apelação

Origem- Tribunal Judicial da Comarca do Porto-
Juízo Central Cível do Porto-J6
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, Ldª”, com sede na rua …, nº …, …, Matosinhos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Condomínio do Prédio sito …, Porto; C…, casado, residente no lugar de …, … (…),…; e D…, menor de idade, residente na rua …, nº .., …, Porto.
Invocou a autora, em súmula, na petição inicial, que em Agosto de 2014 tomou de arrendamento a fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na …”, …, Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1143/20061016-…, correspondente a um estabelecimento comercial sito no rés-do-chão, com entrada pelo nº …. da … onde instalou um estabelecimento de comércio de vestuário, utilizando a parte posterior como zona de armazenagem.
Afirma que o réu D… é radiciário, e o réu C… usufrutuário, da fracção autónoma designada pela letra “P” do mesmo imóvel, correspondente a uma habitação sita no 1º andar esquerdo, com entrada pelo nº …. da …, sendo esta fracção servida por um terraço, de uso exclusivo daquela, o qual situa-se imediatamente por cima da parte posterior da fracção arrendada à autora, servindo de cobertura a esta.
Acontece que entre o final da tarde de 13 de Novembro de 2014 e o início da manhã de 2014, ocorreu uma inundação na zona de armazenagem, causada por água entrada pelo tecto, tendo tido origem no terraço afecto à fracção autónoma designada pela letra “P”, e como causa exclusiva a falta de manutenção, o que gerou a degradação do revestimento do terraço ao ponto de não conter as águas das chuvas, em consequência do que ficaram irreversivelmente danificadas peças de roupa cujo custo de aquisição ascendeu a €48.146,60, sendo que tais peças tais peças de vestuário se destinava à venda, com o que a autora obteria receita não inferior a €110.737,18.
Mais que, posteriormente, e não obstante os avisos pela autora feitos ao condomínio do edifício, no referido terraço nenhum trabalho de manutenção ou reparação foi executado, pelo que se manteve a sua incapacidade de retenção da água da chuva, originando a que, entre o final da tarde de 06 de Fevereiro de 2016 e o início da manhã de 08 de Fevereiro de 2016, ocorreu nova inundação da mesma zona do estabelecimento explorado pela autora, com entrada de água pelo tecto, em consequência do que ficaram irreversivelmente danificadas peças de roupa cujo custo de aquisição ascendeu a €7.370,64, com cuja venda a autora obteria receita não inferior a €16.952,47.
Defende ser da responsabilidade do condomínio do edifício a realização de obras de conservação e manutenção do terraço em causa, cabendo-lhe por isso indemnizar os prejuízos que resultaram da sua omissão.
Se assim se não entender, afirma, então a mesma responsabilidade recai sobre os restantes réus.
Conclui pedindo:
a) a condenação do réu “Condomínio do Prédio sito na … a quantia global de €127.689,65, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso;
b) se assim se não entender, pede a condenação do réu C… a pagar à autora a quantia global de € 127 689,65, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso;
c) se assim se não entender, pede a condenação do réu D… a pagar à autora a quantia global de €127.689,65, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso.
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Citados, apenas os réus “Condomínio do Prédio sito na …”, e C… apresentaram contestação.
O réu “Condomínio” começa, em súmula, na sua contestação, por invocar a sua ilegitimidade processual, afirmando que, reunindo e m si os restantes réus os poderes do proprietário da fracção autónoma designada pela letra “P”, e tendo a propriedade horizontal do edifício sido constituída em 1978, é válida a menção no título constitutivo feita quanto à integração na dita fracção do terraço com 52 m2, cujo acesso e uso exclusivo é e sempre foi feito pelos proprietários da referida fracção.
Defende que na data da constituição da propriedade horizontal, vigorando ainda o regime anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, apenas seriam imperativamente comuns os terraços de cobertura destinados ao uso do último pavimento.
Considera que o terraço de onde terá provido a água que alegadamente causou a inundação no estabelecimento comercial da autora é parte integrante da fracção “P”, pelo que qualquer responsabilidade pela eventual falta de manutenção e pelos eventuais danos assim gerados não pode ser imputada ao contestante.
Conclui pedindo a sua absolvição da instância.
Em sede de impugnação, começa por aceitar a qualidade da autora como arrendatária da fracção “H”, os direitos dos restantes réus sobre a fracção “P”, bem como a integração nesta do terraço identificado na petição inicial.
Impugna, por desconhecimento, a concreta utilização feita pela autora do espaço que tomou de arrendamento, bem como a ocorrência das inundações invocadas e as suas alegadas consequências.
Reafirma não ser da responsabilidade do contestante a realização de obras de conservação/manutenção do terraço que integra a fracção “P”.
Invoca que os 2º e 3º réus promoveram construção ilegal no terraço que integra a sua fracção, com o objectivo de aumentar a área coberta da sala, o que terá contribuído para as infiltrações de que a autora se queixa.
Alega que em diversas ocasiões foi pedido ao réu C… a realização de obras de manutenção no terraço da sua fracção e a reposição desta no seu estado original, pedido a que o réu C… não acedeu.
Afirma que todos os terraços existentes no edifício integram a respectiva fracção autónoma, sempre as obras de conservação e manutenção dos mesmos sido levadas a cabo a expensas dos proprietários das fracções autónomas, em cumprimento dos estatutos do condomínio.
Conclui pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
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O réu C…, em súmula, na sua contestação, começa por aceitar ser o usufrutuário da fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondendo ao 1º andar esquerdo, sendo o réu D… da raiz do respectivo direito de propriedade.
Aceita, ainda, que a fracção “P” é servida por um terraço que se situa por cima da fracção “P”, servindo de cobertura parcial do edifício.
Impugna, por desconhecimento, a qualidade de arrendatária que a autora invoca, bem como a verificação e consequência das inundações invocadas pela autora.
Defende que a ocorrência da inundação, nos termos invocados pela autora, em qualquer caso não é susceptível de causar a total desvalorização das peças de vestuário que a autora alega na data existirem no seu estabelecimento.
Entende que o valor da eventual indemnização por danos não pode contemplar o IVA que a autora suportou com a aquisição e a totalidade do valor que a autora invoca que terá deixado de realizar pela destruição das peças.
Conclui pedindo a improcedência da acção, com a consequente absolvição do réu do pedido mais requerendo a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros E…, SA”, por ter sido com esta celebrado contrato de seguro destinado a garantir o risco de verificação de sinistros como o invocado pela autora.
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Tendo o réu D…, menor, sido citado na pessoa de seu pai, F… (cfr. fls. 749 e 757), e não tendo sido por este apresentada contestação, foi citado o Ministério Público para os termos do processo (cfr. fls. 765 e 766), igualmente não tendo apresentado contestação.
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Notificada para se pronunciar quanto às excepções invocadas pelos contestantes, a autora apresentou o articulado que consta de fls. 773 e ss., na qual em súmula, defende a improcedência da excepção de ilegitimidade processual invocada pelo réu “Condomínio …”, afirmando que a questão da responsabilidade é, no caso, controvertida, o que legitima a demanda subsidiária dos vários réus, como fez a autora.
Conclui como na petição inicial.
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Foi admitida a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros E…, SA”.
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Citada para os termos do processo, a interveniente apresentou articulado próprio, no qual, em súmula, começa por confirmar ter a 31 de Janeiro de 2014 celebrado com o “Condomínio …” contrato de seguro multi-riscos, tendo por objecto e local de risco o edifício sito na …, encontrando-se entre as coberturas contratadas a garantia da responsabilidade civil extra-contratual legalmente imputável aos condóminos, na qualidade de proprietário das fracções seguras, por danos causados a terceiros estranhos ao condomínio, a outros condóminos e ao condomínio em si considerado, e sendo a garantia da apólice extensiva aos danos imputáveis à administração do edifício relativamente às partes comuns.
Defende que a garantia dada pelo seguro não abrange a conduta do réu C…, usufrutuário de uma fracção do edifício.
Impugna, por desconhecimento, a verificação, extensão e consequências das inundações invocadas pela autora.
Invoca que a garantia dada pelo seguro não abrange os prejuízos que decorram de ausência de manutenção do objecto seguro.
Conclui pedindo a improcedência da acção quanto à interveniente.
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A audiência prévia foi dispensada.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual invocada pelo réu “Condomínio …”, decisão de que não foi interposto recurso.
Procedeu-se à indicação do objecto do litígio e à fixação dos temas da prova, não tenho sido apresentada qualquer reclamação.
Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
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A final foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) - condenou o “Condomínio …”, a pagar à autora “B…, Ldª”, indemnização pela danificação das peças de roupa armazenadas na fracção autónoma designada pela letra “H”, na sequência da entrada de água, pelo tecto da fracção, ocorrida a 13 de Novembro de 2014 e 06 de Fevereiro de 2016, com o limite de €127.689,65, cuja liquidação relego para decisão ulterior;
b) e absolveu na íntegra os réus C… e D… do pedido contra ambos formulado.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o Réu Condomínio interpor recurso de apelação, apresentando extensas 159 conclusões que aqui nos abstemos de reproduzir.
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Devidamente notificados, vieram a Autora e os Réus apresentar contra-alegações concluindo pelo não provimento do recurso, tendo ainda a Autora suscitado a ampliação do objecto do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
A) - fundamentação de facto
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1 - A autora é, desde 01 de Agosto de 2014, arrendatária da fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na …, Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1143/2006101, correspondente a um estabelecimento comercial sito no rés-do-chão, com entrada pelo número …. da Avª. … [artigo 1º da petição inicial; documentos que constam de fls. 11 a 16 a 17].
2- O réu D… é radiciário, e o réu C… é usufrutuário, da fracção autónoma do mesmo edifício designada pela letra “P”, correspondente a uma habitação sita no 1º andar esquerdo, com entrada pelo nº …. Avª. … [artigo 2º da petição inicial].
3- A fracção autónoma referida em 2- é servida por um terraço, de seu uso exclusivo, que se situa imediatamente por cima da parte posterior da fracção autónoma referida em 1-, servindo de cobertura a esta [artigo 3º da petição inicial].
4- A autora instalou um estabelecimento de comércio de vestuário na fracção autónoma referida em 1-, aí comercializando peças de roupa nova, utilizando a parte posterior desta como zona de armazenamento [artigo 4º da petição inicial].
5- Entre o final da tarde de 13 de Novembro de 2014 e o início da manhã do dia seguinte ocorreu a súbita entrada de água, pelo tecto, na zona da fracção autónoma referida em 1- então destinada a armazenamento [artigo 5º da petição inicial].
6- A água referida em 5- proveio do terraço referido em 3- [artigo 5º da petição inicial].
7- A entrada de água referida em 5- ocorreu devido à execução de obras deficientemente levadas a cabo no terraço da fracção autónoma designada pela letra “P”, com o esclarecimento que tais obras consistem na deficiente execução da vedação da caixa do ralo de escoamento de águas do terraço e na deficiente vedação da junção do terraço com parede de acrescento à sala da referida fracção autónoma designada pela letra “P” [artigo 6º da petição inicial e artigo 71º da contestação do réu “Condomínio do Prédio sito na …”].
8- Em consequência do referido em 5- foram atingidas pela água diversas peças de roupa nova que a autora tinha armazenado para venda, cuja concreta identificação e valor não foi possível apurar [artigo 8º da petição inicial].
9- Posteriormente, não tendo sido realizada qualquer intervenção no terraço referido em 3-, entre o final da tarde de 06 de Fevereiro de 2016 e o início da manhã do dia seguinte, ocorreu nova entrada de água, pelo tecto, na mesma zona da fracção autónoma referida em 1- [artigo 10º da petição inicial].
10- A entrada de água referida em 9- ocorreu devido à execução de obras deficientemente levadas a cabo no terraço da fracção autónoma designada pela letra “P”, com o esclarecimento que tais obras consistem na deficiente execução da vedação da caixa do ralo de escoamento de águas do terraço e na deficiente vedação da junção do terraço com parede de acrescento à sala da referida fracção autónoma designada pela letra “P” [artigo 10º da petição inicial e artigo 71º da contestação do réu “Condomínio do Prédio sito na …”].
11- Em consequência do referido em 9- foram atingidas pela água diversas peças de roupa nova que a autora tinha armazenado para venda, cuja concreta identificação e valor não foi possível apurar [artigo 11º da petição inicial].
12- A propriedade horizontal do edifício sito na …”, …, Porto, foi constituída por escritura pública de 10 de Abril de 1979, e nesse ano levada ao registo [artigos 13º a 15º da contestação do réu “Condomínio do Prédio sito na …”].
13- No título constitutivo da propriedade horizontal do edifício em causa, quanto à fracção autónoma referida em 2-, consta, desde a sua redacção originária: «PRIMEIRO ANDAR ESQUERDO-uma habitação com a área total bruta de cento e sessenta e quatro metros quadrados, com átrio, átrio de serviço, cozinha, secadouro, sala comum, terraço com cinquenta e dois metros quadrados, três quartos, tendo dois varanda, dois roupeiros, dois quartos de banho e um sanitário; a entrada ao nível do rés-do- chão é pelo n.º … da Avenida …. Na sub-cave do edifício com entrada pela Rua …, numero … tem esta fracção um lugar para aparcamento de um automóvel e um espaço fechado para arrumos ambos identificados com o número …” [artigo 16º da contestação do réu “Condomínio do Prédio sito …”].
14- O terraço referido em 3- é um terraço intermédio, incrustado num dos andares do edifício [artigo 20º da contestação do réu “Condomínio do Prédio sito …”].
15- O réu “Condomínio do Prédio sito na …”, celebrou com a “Interveniente E…, SA”, contrato de seguro do ramo «multi-riscos condomínio», titulado pela apólice nº ………, com início de vigência a 31 de Janeiro de 2014 e anualmente renovado a partir de 01 de Janeiro de 2015, através do qual a interveniente garantiu a responsabilidade civil extracontratual dos condóminos do referido edifício perante terceiros estranhos ao condomínio e que resulte da utilização de elevadores, escadas e outras partes comuns do edifício [artigos 1º a 7º do articulado da interveniente; documento que consta de fls. 804 a 835].
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Factos Não Provados
Não resultou provado, com relevo para a decisão a proferir, que:
a - a entrada de água referida em 5- tenha ocorrido devido a falta de manutenção [artigo 6º da petição inicial];
b- a entrada de água referida em 5- tenha ocorrido devido à degradação do revestimento do terraço a ponto de não conter as águas das chuvas e permitir a sua passagem para a fracção que se situa por baixo [artigo 7º da petição inicial];
c- as peças danificadas pela entrada de água referida em 5- tenham sido as identificadas na listagem que constitui o documento junto a fls. 18 a 24; e que com a sua aquisição a autora tenha despendido a quantia global de €48.146,60 [artigo 8º da petição inicial];
d- com a venda das peças de roupa danificadas pela entrada de água referida em 5- a autora obteria lucro não inferior a €62.590,58 [artigo 9º da petição inicial];
e- a entrada de água referida em 9- tenha ocorrido devido a falta de manutenção [artigo 10º da petição inicial];
f- a entrada de água referida em 9- tenha ocorrido devido à degradação do revestimento do terraço a ponto de não conter as águas das chuvas e permitir a sua passagem para a fracção que se situa por baixo [artigo 10º da petição inicial];
g- as peças danificadas pela entrada de água referida em 9- tenham sido as identificadas na listagem que constitui o documento junto a fls. 47; e que com a sua aquisição a autora tenha despendido a quantia global de €7.370,64 [artigo 12º da petição inicial];
h- com a venda das peças de roupa danificadas pela entrada de água referida em 9- a autora obteria lucro não inferior a €9.581,83 [artigo 12º da petição inicial];
i- tenha sido qualquer dos réus D… e o C… a executar, ou promover a execução, da parede, referida em 7- e 10-, de acrescento à sala da fracção autónoma designada pela letra “P” [artigo 71º da contestação do réu “Condomínio do Prédio sito na …”].
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III- O DIREITO
I- Questão Prévia
- Falta de conclusões
Como é do conhecimento geral a interposição de um recurso em processo civil sujeita o recorrente a dois ónus:
a)- o de apresentar a sua alegação de recurso pelo qual deverá expor de modo circunstanciado as razões de direito e de facto pelas quais diverge da decisão recorrida;
b)- o de finalizar essa peça, com a formulação de conclusões, contendo a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Ora, as especificações que a lei manda alinhar nas conclusões, têm a importante função de definir e delimitar o objecto do recurso, circunscrevendo o campo de intervenção do tribunal superior.
Como assim, devem as conclusões corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com o que foi decidido pelo tribunal a quo, incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter–revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida.[1]
No que tange à exigência de conclusões, preceitua o artigo 639.º, do CPCivil sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões” que:
1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.
(…)
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afectada.
Por outro lado a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso [artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPCivil].
Com a reforma do regime dos recursos introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, a falta de conclusões passou, a par da ausência de alegações, a constituir fundamento de rejeição de recurso [artigo 685.º-C, nº 2, al. b), do CPC, na redacção anterior à Lei nº 41/2013].
Portanto, onde anteriormente se admitia o convite ao recorrente para poder suprir a falta de conclusões, à face da nova lei o convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações previstas no nº 2 do citado artigo 639.º.
A questão que agora importa dilucidar, face às diferentes consequências que a lei atribui a tais vícios, consiste em distinguir o que sejam conclusões “deficientes, obscuras e complexas” e que situações integram a “ausência de conclusões”.
E, para isso, fazemos apelo à delimitação proposta no Acórdão do STJ de 09/07/2015 já citado:
As conclusões são deficientes designadamente quando não retractem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando não revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes), ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligas à matéria de facto e questões de direito.
Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama.
As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inoquidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também deverá decorrer do fato de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudências propícias ao segmento da motivação. Ou ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões.
No que tange ao sentido a dar à “omissão absoluta” de conclusões, para o efeito de o juiz proceder ao convite ao aperfeiçoamento ou, desde logo, à pura e simples rejeição do recurso, afirma António Abrantes Geraldes[2]: “Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso, sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.”
No caso em apreço, como se evidencia do confronto entre a motivação constante do corpo das suas alegações de recurso com a parte em que apelida de “conclusões”, o Réu apelante reproduz, com pequenas excepções, o que já tinha deixado dito, nos mesmos termos, na motivação, reproduzindo até excertos de esclarecimentos feitos pelos peritos em audiência e sem que se tenha dado conta de que nalgumas conclusões, nada conclui de relevante como é expoente a “conclusão QQQQ” que se resume, reproduzindo a motivação, a deixar expresso: “Aqui Chegados”, ou se misture conclusão com explicitações de que é exemplo o teor da conclusão QQQQQQ que reproduz o exposto na motivação no ponto 2.78 e III, 1º, ou seja e numa palavra, limitando-se a introduzir a ordenação alfabética da numeração do corpo alegatório.
Esta segunda parte das suas alegações, que a apelante apelida de “conclusões” é assim obtida mediante um mero “copy/paste”, alfabetizado do até aí alegado.
Evidentemente que o critério delimitador entre a existência, ou não, de conclusões passará mais pela substância do que pela forma.
Como assim, casos haverá em que, não obstante não exista uma verdadeira separação entre a motivação e a sintetização das pretensões, acaba por conter, em termos substancias, as referidas conclusões.[3]
Nestas situações, ainda que o apelante, formalmente não denomine tal sintetização de “conclusões”, tal omissão não prejudicará a inteligibilidade do recurso, entendendo-se que, apesar de tal falha formal, o objectivo visado pela exigência das conclusões se mostra cumprido.
A este respeito Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova[4] discorrem da seguinte forma: “Se a parte, na minuta de recurso, formulou conclusões, embora de forma não autonomizada mas inegavelmente como tal reconhecíveis, deverá o recurso não ser admitido ou pode o tribunal considerar que as conclusões foram formuladas?
Parece-nos que à lei importa que haja conclusões que sejam como tal susceptíveis de ser consideradas embora não surjam, na minuta, de um modo autonomizado. No entanto, para que assim se entenda, impõe-se uma cognoscibilidade isenta de dúvidas quanto ao sentido conclusivo do texto. Há casos em que as alegações, sucintas e bem fundamentadas, valem como conclusões. O Tribunal assim o pode entender salvo se houver alguma razão justificada, invocada nas contra-alegações, que o não permita. Mas o contrário também se pode dar e infelizmente é caso frequente: a parte, sob a designação “conclusões”, reproduz integralmente a minuta. Se nada se conclui, só formalmente estamos diante de conclusões. A prática é a de, em benefício do direito ao recurso, considerar que estamos diante de conclusões, seguindo-se, assim, um critério estritamente formal.
O critério estritamente formal vale, portanto, para se considerar a existência de conclusões e também a inexistência. No entanto, o rigor que o critério pode originar em determinados casos leva a que o Tribunal releve as conclusões que inequivocamente decorram da minuta ainda que não baptizadas pelo recorrente.”
Mas também, para que se considere verificada a existência de conclusões, não será suficiente que o apelante nas suas alegações de recurso utilize a palavra “conclusões”, sendo ainda necessário que a mesma seja seguida de algo que, de algum modo, se assemelhe a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas (ainda que deficientes, obscuras ou complexas).
Ora, a referida reprodução integral do que está vertido no corpo das suas alegações de recurso, não pode ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.
Do que se trata aqui não é de aferir da qualidade das conclusões, nomeadamente se as mesmas são mais extensas ou menos concisas do que podiam ou deviam ser, mas de determinar se as mesmas contêm em si aquele mínimo do qual se possa extrair que o recorrente, embora de modo deficiente, através delas tentou enunciar as questões a submeter ao conhecimento do tribunal de recurso.
No caso em apreço, tal esforço é absolutamente inexistente, uma vez que a apelante nem sequer se deu ao trabalho de eliminar a parte da sua motivação em que reproduz os excertos dos esclarecimentos feitos pelos peritos na audiência de julgamento.
Como se afirma no Acórdão do TRL de 15/02/2013[5], a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.
E não se argumente que nestes casos se justificava o convite ao aperfeiçoamento.
É certo que o despacho de aperfeiçoamento traduz um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil português. Mas esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente um rigor e auto-responsabilidade por parte deste.
Todavia, nesta situação tal convite não encontra justificação, já que, quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe actualmente na nossa lei adjectiva, e só aí encontra a sua razão de ser, para aquelas situações em que parte, de facto, tentou efectuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afecta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade.
Mas se não há lugar a qualquer esforço de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.
Como tem sido, de resto, sobejamente evidenciado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais às partes e em que a li prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus, as exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, não afasta a liberdade de conformação do legislador não compatível com a imposição de ónus processuais às partes.[6]
E, como se alertou no recente aresto do mesmo Tribunal [7] “o convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais não pode ser instrumentalizado pelo respectivo destinatário, de forma a permitir-lhe, de modo enviesado, obter um novo prazo para, reformulando substancialmente a pretensão ou impugnação que optou por deduzir, obter um prazo processual adicional para alterar o objecto do pedido ou impugnação deduzida, só então cumprindo os ónus que a lei de processo justificadamente coloca a seu cargo”.
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A ausência de conclusões–enquanto indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente–leva a que o recurso não possa ser conhecido por falta de objecto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito.[8]
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O despacho do Tribunal recorrido a admitir o recurso, não é vinculativo para a Relação (artigo 641.º, nº 5 do CPCivil).
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Não se conhecendo do objecto do recurso, prejudicada fica a ampliação do seu objecto solicitada pela Autora.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, considerando que as alegações apresentadas pelo apelante Condomínio não contêm verdadeiras conclusões, rejeitar o recurso por si interposto, nos termos preceituados no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPCivil.
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Custas pela Autora apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 30 de Abril de 2020
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Cfr. neste sentido, Acórdão do STJ de 09/07/2015, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[2] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 116.
[3] Neste sentido, Abrantes Geraldes, obra e pág. citadas.
[4] In “Apontamentos Sobre a Reforma dos Recursos”, ROA, Ano 65, T1, pág. 68.
[5] No mesmo sentido vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos: Relação de Lisboa de 12/10/2016 de 07/02/2016; Relação de Guimarães de 29/06/2017; da Relação de Coimbra de 05/05/2015, de 10/11/2015 e de 14/03/2017; da Relação de Évora de 22/03/2018 e ainda os recentes acórdãos desta Relação de 24/01/2018 e 08/03/2018 todos em www.dgsi.pt.
…, dá ainda como exemplo de ausência absoluta de conclusões, a fórmula de se dar por reproduzido tudo o que acima se alegou e pedir-se a revogação ou a alteração da decisão recorrida: “em tal caso não existem conclusões, havendo apenas uma reprodução ficcionada que volta a expor, em vez de concluir, tudo o que antes se explanou–in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20 Aveiro.pdf. (pág. 17).
[6] Cfr., neste sentido, entre outros, Acórdãos nºs 122/02, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020122. html e Acórdão n.º 46/2005/T. Const-Diário da República n.º 118/2005, Série II de 2005-06-22.
[7] Constitucional- Acórdão n.º 462/2016-Diário da República n.º 197/2016, Série II de 2016-10-13.
[8] Cfr. neste sentido, Cardona Ferreira, “Guia dos Recursos em Processo Civil”, 5ª ed., Coimbra Editora, pág. 163.