REPRESENTAÇÃO DE SOCIEDADE
CURADOR
Sumário


Sumário, da única responsabilidade do relator.

1- Inexiste nulidade por omissão de pronúncia para efeitos do artº 615º, nº 1, alª d) do CPC quando embora não se conheça de questão de conhecimento oficioso a mesma não chegou a ser arguida pelas partes.
2- A nomeação a sociedade de curador acarreta que só ele a pode representar e através dela requerer o que haja por conveniente.
3- O curador deve ser citado tanto para tomar conhecimento da nomeação como, se for caso disso, através dele, a sociedade ser chamada ao processo para se defender.
4- Um requerimento efetuado através de procuração emitida por um dos sócios gerentes em que se invoca em ambos a denominação social da respetiva sociedade, mas que tendo gerência plural a sua vontade só pode ser manifestada pelo exercício conjunto dos poderes de representação de outro gerente, não pode ser imputada a essa pessoa coletiva.
5- Nestes termos não deve ser convidado o curador, com poderes de representação conferidos judicialmente, a ratificar atos praticados nessas circunstâncias porquanto a sua vontade é incapaz de substituir a vontade de sócio gerente em derrogação do pacto social da sociedade.

Texto Integral


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

A. F. intentou ação com processo comum contra Peixe ..., Ldª.

Na petição foi indicada a sede da R como sendo o “lugar de ..., freguesia de ..., Monção”.
Pediu-se a condenação no pagamento de 102.549,27€, acrescidos de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.
O A alega para tanto, em síntese: é sócio gerente da R, desde a sua constituição em 08.02.1991; possui uma quota correspondente a 50% do valor do seu capital social, sendo a outra quota, do mesmo valor, pertencente a A. R.; devido a dificuldade de liquidez da R, com o consentimento e anuência do outro sócio, realizou suprimentos no valor global de 153.860,84€; em 31.01.2015, com o consentimento e anuência do outro sócio, a R pagou-lhe 51.321,57€ ficando em dívida o remanescente; a R está inativa, tendo apenas uma receita derivada do arrendamento feito com a X, Lda; tais suprimentos só podem ser pagos pela liquidação de património tendo sido acordado entre os sócios a liquidação da R até finais do ano de 2016 e, se assim não fosse, ficaria o outro sócio responsável pelo pagamento das despesas correntes; e, a R mantém-se por liquidar.
Via postal foi remetido em 13.07.2018 oficio para citação da R (Lugar de ... – ... Monção) e o respetivo A/R devolvido, assinado em 16.07.2018 por L. G., “… pessoa a quem foi entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário”.

Em 18.10.2018 proferiu-se despacho:

“A ré, regularmente citada, não apresentou contestação no prazo de que dispunha para o efeito.
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, nº 1, do NCPC, julgo confessados os factos articulados pelo autor.
Cumpra o disposto no nº 2, do referido art.º 567º, do citado diploma legal.”.
O A foi ofereceu alegação.
Em 26.10.2018 foi junta procuração datada de 24.10.2018, em nome da R, representada pelo citado A. R. a conceder poderes forenses.

Nestes termos, em 29.10.2018 (refª 30536766), foi requerido, juntando-se e arrolando-se prova:
“PEIXE ..., LIMITADA, Ré nos autos supra referenciados, vem,
Nos termos do disposto nos artigos 187º, alínea a), 188º e 191º do C.P.C., arguir a falta de citação ou, pelo menos, a nulidade da citação, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
Art.1º A Ré, ora requerente, é uma sociedade comercial, que foi constituída no dia 8 de fevereiro do ano de 1991,….
Art.2º Tem um capital social de 60.000,00€, integralmente realizado, integrado por duas quotas de 50% cada uma, pertencentes aos únicos sócios, o aqui A. e A. R., que são cunhados entre si.
(…)
Art.3º O sócio A. R., embora figure, na conservatória do registo comercial, como gerente da Ré, desde o mês de janeiro do ano de 2012, que não exerce de facto qualquer atividade de gerência na sociedade, a qual, desde essa altura, ficou a pertencer exclusivamente ao outro sócio, aqui A., A. F., seu cunhado.
Art.4º Desde essa data, o sócio A. R. entrou na situação de reforma e abandonou a gerência e os negócios da sociedade, não mais participando neles nem sequer comparecendo na sede social, limitando-se a assinar as atas que anualmente, seu cunhado, gerente de facto e de direito da sociedade, lhe apresentava e em quem confiava.
Art.5º Deu-se, recentemente conta, que o sócio A. F., A. desta ação, obedecendo a prévio plano gizado, tem adotado comportamentos graves e ilícitos, altamente lesivos para o interesse da sociedade, de tudo fazendo para se locupletar à custa dela, como é exemplo perfeito a instauração desta ação, visto que o A. dela não realizou os suprimentos que reclama.

De facto,
Art.6º Desde que a gerência da Ré passou a ser exercida, exclusivamente, pelo A., o que ocorreu, como se disse, em janeiro de 2012, tem-se verificado uma lenta e gradual, mas acentuada, diminuição da sua atividade comercial, que não se prendeu com a conjuntura do mercado, mas antes com o que a seguir se descreve.
Art.7º Teve a R. recentemente conhecimento, que o sócio aqui A. tem vindo a praticar atos que configuram ilícitos criminais, manifestamente contrários aos interesses da sociedade R., tendo, designadamente, em 28 de novembro de 2014, simulado um furto pretensamente ocorrido na sede da sociedade Ré, crime pelo qual foi condenado, para além de outros, sendo a Ré condenada, por virtude dessa atuação desse seu gerente, num crime de burla qualificada na forma tentada, por sentença ainda não transitada em julgado (…).
Art.8º Em junho de 2014 foi constituída, uma sociedade comercial unipessoal por quotas, denominada, “X, Unipessoal, Lda”, cujo único sócio é R. D., filho do A., cabendo a gerência ao A. da presente ação, sócio e gerente da Ré (…).
Art.9º Essa sociedade, desde a data da sua constituição, instalou a sua sede no imóvel de que a R. é proprietária, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, local onde funcionou, até então, a sede da R., passando aquela a usá-lo (imóvel) exclusivamente.
Art.10º Em 31 de dezembro de 2015, por decisão unilateral do A. na qualidade de gerente da Ré, esta vendeu todo o stock de mercadoria de que era proprietária à sociedade comercial unipessoal, denominada X, Unipessoal, Lda, propriedade do filho do aqui A., que se dedica ao mesmo ramo de atividade da Ré e cujo gerente é o aqui A., fazendo cessar definitivamente a atividade mercantil da R. (…)
Art. 11º Diga-se, desde já, que o produto dessa venda jamais entrou nos cofres societários.
Art.12º A partir dessa data (31 de dezembro de 2015) a Ré deixou, materialmente, de ter sede, uma vez que a que tinha passou a ser ocupada exclusivamente pela sociedade “X”.
Art.13º Aliás, após essa data deixaram de existir reuniões formais e materiais entre os sócios em Assembleia, cujas atas eram, por instruções do ora A., previamente redigidas no escritório que levava a efeito a contabilidade da Ré, o qual se encarregava de contactar o sócio A. R., para assinar as mesmas.
Art.14º As instalações onde, até então, funcionava a sede da Ré, passaram, a partir de janeiro de 2016, ser exclusivamente ocupadas pela “X, Unipessoal, Lda”, da qual o aqui A. é gerente.
Art.15º De forma que, aquando da instauração da presente ação, sabia o A. que a R. não tinha a sua sede na morada que indicou na p.i., impondo-se-lhe, em boa-fé, e dado o circunstancialismo descrito e o que envolve a presente ação, pedido formulado e a qualidade da pessoa que a instaura, que tivesse promovido a citação da Ré, na pessoa do outro sócio.

Consequentemente,
Art.16º A missiva destinada à citação, endereçada para a morada indicada na p.i., não foi entregue na sede da sociedade, nem a representante desta, nem a qualquer trabalhador da Ré (que não tem nenhum).
Art.17º O A/R da carta de citação da Ré foi, como consta dos autos (fls…), assinado “Por pessoa a quem foi entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário”, ou seja, foi assinado por terceiro.
Art.18º Essa carta foi entregue a L. G., esposa do A. desta ação, tendo sido ela quem assinou o competente aviso de receção. (…)
Art.19º A referida L. G., apesar de ser a esposa do A., não é representante da sociedade Ré – (…) – nem sua trabalhadora – cfr. resulta da lista de trabalhadores da R. que se protesta juntar, conforme requerimento endereçado, na data de hoje, ao Centro Distrital da Segurança Social cuja cópia se junta (…).
Art.20º Dispõe o artigo 223º do C.P.C. que as sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes.
Art.21º A citação da Ré não foi realizada em cumprimento das formalidades legais, pois não foi efetuada na pessoa do representante daquela, ou de seu funcionário, nem sequer foi realizada na sua sede, que é, como se disse, desde 2014, exclusivamente, ocupada por uma outra sociedade comercial.
Art.22º Entende a Ré que a factualidade alegada integra o conceito de falta de citação, por total omissão do ato, que invoca, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 188º do C.P.C., com a consequente nulidade de todo o processado posterior à petição inicial, nos termos do disposto no art.187º do C.P.C., que se peticiona.

Subsidiariamente,
Art.23º a realização da citação em pessoa que não é representante legal da Ré, nem seu trabalhador, consubstancia nulidade da citação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 191º.
Art.24º A R. só teve conhecimento dos factos alegados, consubstanciadores dos vícios apontados, com a consulta que efetuou, eletronicamente, aos presentes autos no dia 26/10/2018.
Art.25º Tomando aí conhecimento quem era o A., do pedido contra si formulado e, designadamente, de quem assinou o A/R que acompanhava a carta destinada à sua citação.
Art.26º De tudo o exposto resulta que houve falta de citação ou, pelo menos, nulidade de citação.
Art.27º Do que resulta que, em qualquer dos casos, a Ré não teve a oportunidade de exercer o contraditório e, consequentemente, de exercer o direito à sua defesa, por facto que lhe não poderá ser imputável, o que também representa uma clara violação ao disposto no artº 20º da CRP.

Termos em que,
Requer … se digne conhecer da nulidade que se invoca, consubstanciada na falta de citação da Ré e, consequentemente, anular-se todo o processado subsequente à petição inicial;

Subsidiariamente,
Requer … se digne conhecer da nulidade da citação, por preterição das formalidades legais, com as mesmas consequências legais.
Em ambos os casos, sempre deverá ser repetida a citação da Ré na pessoa do seu sócio, A. R., para que esta possa efetivamente exercer o seu direito de defesa.”.

O A em 16.11.2018 (refª 30664617) expôs e requereu, juntando e arrolando prova:

“I. Do Mandato Judicial:
1. Na presente ação é obrigatória a constituição de advogado, nos termos da al. a) do n.º 1 do Art.º 40º do C.P.C..
2. A constituição da mandatária é feita por procuração assinada, apenas, pelo sócio gerente, da alegada mandante, A. R..
3. Ora, de acordo com a certidão registral junta aos autos, como documento n.º 1 da petição e do requerimento deste incidente, a sociedade Peixe ..., Lda., ré na presente ação, obriga-se com a intervenção dos dois gerentes e não de apenas um.
4. É notório que, quer o sócio subscritor da procuração quer a mandatária têm perfeito conhecimento, até porque a certidão consta dos autos e, até, por eles foi junta, praticaram assim, ato ilegal.
5. Sendo, o que bem sabem, a procuração, no mínimo, irregular e insuficiente ou mesmo estamos perante a falta de procuração/mandato judicial.
6. Pelo que tal facto, ilegal e consciente, se invoca por este meio nos termos do Art.º 48º, do C.P.C..

Sem prescindir,

II. Falta de citação ou nulidade da citação.

7. É de notar que, embora apareça como requerente, a sociedade comercial por quotas Peixe ..., Lda., como supra se refere, não o podia ser. A partir do Art.º 3º do requerimento do incidente é o sócio gerente, A. R., que é o autor do requerimento.
8. Não é necessário versar sobre a ilegitimidade do mesmo.
9. Aí, alega a sua vida na sociedade Peixe ..., Lda. a partir de janeiro de 2012, fugindo às responsabilidades que tem e passa a denegrir a imagem do outro sócio gerente, A. da ação.
10. Porém, o A. nesta ação sempre assumiu as suas responsabilidades e não se afastou da sociedade, acompanhando-a, nem fugiu para terra distante, com qualquer “peso de consciência”.
11. O que o sócio gerente A. R. sabe muito bem é que, se a sociedade ainda não está liquidada e dissolvida, a ele se deve, por não assumir as responsabilidades que tem.
12. Não sendo isto, como o referido A. R. alega à saciedade, no seu articulado e não da Ré Peixe ..., Lda., em quase todo o requerimento que apresentou, ilegitimamente, nos autos.
13. Sem mais delongas, para não utilizar os meios processuais e processo, como o faz o sócio A. R. e a, alegada, Ilustre Mandatária da Ré, uso manifestamente reprovável.
14. Impugna-se, por não corresponder totalmente à verdade o alegado em tal requerimento nos Art.os 3º a 15º, inclusive.
15. Por coincidência, o alegado no Art.º 15º do requerimento inicial, e quase totalmente sublinhado, não condiz com o vertido, anteriormente, em tal peça.
16. A Ré jamais teve outra sede, mesmo inativa, não alterou a sede no pacto social, nem o gerente A. R. cuidou de tal, se isso tanto lhe interessava.
17. A mudança de sede de uma sociedade, como é de conhecimento geral, não se impõe, por quaisquer circunstâncias ou princípios de boa fé, mas por vontade da maioria dos sócios.
18. Alegando, até, que deveria ser feita a citação na pessoa do sócio gerente A. R., que como disse, a partir de 2012 (janeiro) abandonou a gerência e os negócios da sociedade, não mais querendo saber da sociedade, nem comparecia na sede social.
19. Afinal havia sede social. E afirma-se que, ainda, há e é no local designado no pacto social, conforme o registo comercial e que consta da certidão registral, tudo, mas tudo, do conhecimento de quem instaura o presente incidente.
20. Foi para a sede social da Ré que foi feita a citação, não o podendo ser doutra maneira.
21. Contrariamente ao que se alega no artigo 16º do requerimento do incidente, a missiva destinada à citação foi entregue na sede da sociedade, lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção e foi-o ao sócio gerente da sociedade, Autor na ação, que de imediato procurou informar o outro sócio gerente, A. R., como este bem sabe.
22. É certo que o aviso de receção foi assinado pela esposa do Autor, mas logo entregue a este como sócio gerente da citanda Ré, e que reside no referido lugar de ..., ..., Monção (sede da Ré).
23. A interpretação e conclusões feitas em 20º a 23º, inclusive, 26º e 27º do requerimento do incidente, são demasiado restritivas e engenhosas ou, então, descuidadas do Art.º 223º do C.P.C..
24. Esquecendo-se do n.º 2, do referido artigo, que diz: “Quando a representação pertença a mais de uma pessoa, ainda que cumulativamente, basta que seja citada ou notificada uma delas (…)”.
25. Esquecendo-se, ainda, que a secção sobre citações e notificações no Código de Processo Civil tem várias subsecções, sendo a II, sobre citação de pessoas singulares, Art.º 225º a 245º, inclusive, do C.P.C. e a III, sobre citação de pessoas coletivas, que é este o caso.
26. Esta subsecção III, apenas com o Art.º 246º no n.º 1, remete para a subsecção anterior (citação de pessoas singulares), em tudo que não estiver especialmente regulado neste artigo ou subsecção.
27. No n.º 2 do referido Art.º 246º do citado código fala na citação por via postal, remetendo, logo de início, para o n.º 1 do Art.º 228º (citação de pessoas singulares), dispondo, ainda, especialmente que a carta de citação «é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.».
28. Não sendo recusado, e remetendo para o n.º 1 do Art.º 228º do C.P.C., a citação foi feita nos termos deste dispositivo legal, e com a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, (esposa do sócio gerente A.) de que a não entrega ao citando, logo que possível, a faria incorrer em responsabilidade, o que a esposa do A. cumpriu escrupulosamente.
29. Até por que não foi alegado, no requerimento inicial, que a esposa do A. não tivesse entregue a carta de citação da sociedade Peixe ..., Lda. ao marido.
30. Tanto basta para cair por terra a alegada falta ou nulidade da citação da Ré, Peixe ..., Lda.
31. Mas, para aquilatar e condenar, exemplarmente, a litigância de má fé, além de outras ilegalidades, que motivou e levou a requerer este incidente, convém expor o que realmente se passou após a citação da Ré, Peixe ..., Lda., nos termos legais.
32. Desde o seu início de atividade, até à falta de colaboração do sócio gerente A. R., a sociedade Peixe ..., Lda., teve como seu advogado o Ex.mo Senhor Dr. J. L., com escritório na Rua …, na vila de Monção.
33. Recebida a carta de citação da Ré, Peixe ..., Lda., em 16/07/2018 o sócio gerente, A. na ação, tratou imediatamente de a entregar ao referido advogado para este tratar do assunto.
34. Logo, em 18/07/2018, o advogado da empresa comunicou o facto ao sócio gerente A. R., tudo conforme o documento que se junta e se dá por reproduzido, para os devidos efeitos legais, endereçado ao referido sócio gerente, através de carta registada com aviso de receção. (…)
35. Tal carta foi recebida em 23/07/2018 e o aviso de receção foi assinado (com rubrica), mas cujo documento de identificação, do rubricante, tem o n.º …… (cartão de cidadão) (…).
36. Sendo o advogado da Peixe ..., Lda., dias após a receção (23/07/2018), contactado, telefonicamente, pelo Ex.mo Senhor Dr. M. G., do mesmo escritório da advogada subscritora do requerimento, como advogado do sócio A. R., para lhe esclarecer sobre o assunto da ação contra a Peixe ..., Lda., tendo o advogado da empresa posto ao corrente do que se passava ao Ex.mo Colega, via telefone.
37. As férias de verão passaram e o sócio gerente A. R., não aparece no escritório do advogado da Ré, Peixe ..., Lda., nem o referido advogado (Dr. M. G.) o contacta.
38. Perante tal atitude do sócio gerente A. R., o advogado da empresa remete-lhe, por carta registada com aviso de receção de 19/09/2018, todos os documentos da citação da Peixe ..., Lda., informando-o, novamente, que o prazo terminava no final do mês em que lhe envia os documentos (setembro de 2018). (…)
39. O aviso de receção de tal carta, com os documentos de citação, foi assinado por M. C., esposa do sócio A. R., em 21/09/2018 (…).
40. De tudo o exposto, além de não existir qualquer falta de citação ou nulidade da mesma, não pode vir o sócio A. R. e a advogada subscritora do requerimento, indevidamente, como mandatária da Ré, o que nem o faz, como gestora de negócios, afirmar que a Peixe ..., Lda. ou ele de nada sabia quanto à ação que lhe foi proposta, pelo A., sócio gerente, da referida Peixe ..., Lda..
41. Sendo redondamente falso o alegado, de manifesta má fé e ilegitimamente, em 24º e 25º do requerimento do incidente.
42. Atendendo ao comportamento do sócio gerente, A. R., o advogado da sociedade comercial por quotas Peixe ..., Lda., renunciou representar mais a dita sociedade, renunciando aos mandatos que tinha, conforme documentos n.º 3 e 4, que se juntam e se dão por reproduzidos.
43. O requerimento inicial deste incidente de falta ou nulidade da citação, pelo exposto, é dolosamente intentado, revelando má fé, além de outros fins, entorpecer a ação da justiça, sendo manifestamente dilatório, sem qualquer fundamento sério.
44. Devendo, não a sociedade Peixe ..., Lda., por tal ser ilegalmente representada, mas o autor ou autores de tal requerimento, condenados em multa exemplar e indemnização, nunca inferior a €2.000,00 (dois mil euros), a pagar ao A. da ação, aqui requerido.
Nestes termos e nos … supridos …, deve reconhecer-se a falta ou irregularidade do mandato judicial, dando total cumprimento ao disposto no Art.º 48º, do C.P.C., com as consequências legais.

Sem prescindir,

Deve improceder o incidente de falta ou nulidade da citação da Ré, Peixe ..., Lda., com as consequências legais.
Em todo o caso, deve o autor ou autores do requerimento inicial, segundo decisão do Tribunal, proceder à condenação por litigância de má fé, nos termos sobreditos.”.

Expôs-se ainda, em 20.11.2018 (refª 30748284), juntando-se mais documentos:

“PEIXE ..., LIMITADA, R. nos autos supra referenciados, notificada do requerimento apresentado pela contraparte e notificada para esse efeito, vem sobre ele pronunciar-se do seguinte modo:
Genericamente, suscita-nos dizer que, visto o requerimento do A. e a factualidade que nele vem descrita, e para o que aqui importa, parece que tal requerimento acaba por constituir a aceitação e confissão da nulidade invocada pela Ré, consubstanciada na sua falta de citação.

Analisemos, no entanto, o requerimento da contraparte e as questões que o mesmo suscita:

Quanto à primeira questão que nele é suscitada – a irregularidade do mandato.
Parece pretender o A. fazer crer que a sociedade R. só estará validamente representada em Juízo se a procuração que viesse a ser outorgada a mandatário judicial para contestar a presente ação, fosse outorgada e assinada por ambos os sócios gerentes, como determina o pacto social.
Aparentemente, estaria correta esta posição do A., uma vez que, formalmente, a gerência da sociedade R. é plural e conjunta, pelo que, para os atos de representação, incluindo a representação em Juízo, seria necessária a assinatura de ambos os gerentes, de acordo com o estabelecido no pacto social.
Todavia, esta concreta ação está envolta em circunstâncias e especificidades muito particulares. Não nos podemos esquecer que a ação é instaurada pelo sócio gerente da R. contra a pessoa coletiva que é suposto o mesmo representar.
Dado o notório conflito de interesses existente entre o A. e a R., cremos não existir alternativa a que esta possa validamente constituir mandatário que a represente nesta concreta ação outorgando procuração ao mandatário assinada apenas pelo outro sócio gerente.
Por outro lado, dada a conhecida personalidade do autor e o esquema ardiloso que o mesmo concebeu e engendrou, e até pela normalidade das coisas, não vislumbramos a possibilidade de ele, motu próprio, outorgar procuração a advogado para contestar a ação que ele próprio instaurou.
Sendo assim, a sociedade nunca seria validamente representada por advogado, visto que ele nunca estaria na disposição de constituir advogado à R. que viesse contestar e contradizer o seu próprio pedido.
Atenta esta especificidade da ação, entendemos que, por uma questão de transparência, lealdade e honestidade, deveria ter sido o próprio autor a requerer que a citação da Ré se fizesse na pessoa do outro sócio.
Cremos também que o mandato judicial constituído pela R., outorgando procuração a advogado assinada pelo outro sócio gerente, é válido.
Por se afigurar que esta questão a decidir é em tudo semelhante (no que à pretensa irregularidade do mandato judicial diz respeito), à que se decidiu no acórdão da Relação do Porto, de 18/12/2013, proferido no proc. nº 2290/13.0TJVNF-C.P1, acessível através do sitio da internet www.dgsi.pt/jtrp transcrevemos aqui o seu sumário:
I. Sempre que o tribunal entenda que a irregularidade de representação de uma sociedade é suprível, cabe-lhe providenciar por esse suprimento nomeando representante especial ou convidando a parte a regularizar a sua representação, caso a lei estabeleça outra forma de a assegurar.
II. Numa ação em que a sociedade (que se faz representar por dois gerentes), é demandada por um dos sócios gerentes, o outro gerente, por si só e não havendo convenção contrária, pode representar a sociedade e outorgar procuração para a sua defesa.

No texto desse douto acórdão escreveu-se ainda o seguinte:

“… concluímos, assim e desde já que, havendo razões para a nomeação de um representante da sociedade, enquanto forma de suprir a sua falta de representação, esse suprimento tem que ter lugar, e, se necessário, por iniciativa do tribunal…”.
“… no entanto, importa saber se no caso, esse suprimento tem de ocorrer, ou seja, se, só por si, um único gerente pode representar a sociedade.
A resposta negativa parte da seguinte construção: a sociedade é representada por (e obriga-se com) dois gerentes. Um deles demanda a sociedade e, por isso, relativamente a este, ocorre manifesto conflito de interesses. Então, é preciso nomear um representante à sociedade, substituindo o gerente em conflito. A leitura da 1ª parte do artigo 21 do CPC parece dizer isso mesmo. Mas fará sentido que o gerente que propõe a ação continue “a ter que estar representado”, ainda que através de um representante especial, para assegurar a representação da sociedade, de modo a defender-se de si mesmo? E se se entender que o representante especial substitui ambos os gerentes, faz sentido que o gerente não destituído não possa representar a sociedade”
“… ora, se um sócio gerente intenta uma ação contra a sociedade que gere, ele não pode representar a sociedade, mas, nesse conflito, se há outro ou outros gerentes que podem representar a sociedade não vemos razão para a necessidade da nomeação de um representante especial. E não se diga que tem por finalidade assegurar que os representantes sejam aqueles dois, pois equivaleria a dizer que o representante ocupava o lugar do sócio em conflito”.
Perfilhando o entendimento expresso nesse douto acórdão, entendemos que o mandato conferido pelo outro sócio gerente, representa válida e eficazmente a sociedade nesta concreta e especifica ação.
Todavia, se o Tribunal assim não vier a entender, sempre haveria que suprir essa irregularidade do mandato, curando de nomear curador “ad litem” para representar a sociedade nesta concreta ação, nos termos do disposto no artº 25º, nº 2 do CPC.

Sobre o Demais.

Analisando o requerimento do A. ficamos perplexos e estarrecidos com a antijuridicidade dos seus fundamentos reveladora de um comportamento censurável, onde não se vislumbra um mínimo de honestidade, ética e lealdade.
Segundo o seu ponto de vista, o A. não vê problema algum e acha que tudo está processualmente correto, no facto de ele, na qualidade de sócio gerente da R., instaurar contra esta a ação que instaurou e que a citação para essa ação seja efetuada na pessoa da sua esposa, fora da sede social da Ré que, segundo vem alegado, a entregou (a nota de citação) a ele próprio. Tudo isto ocorre, quando na sede social da Ré está instalada uma outra empresa, que se dedica ao mesmo ramo de negócio da Ré, cujo gerente é o próprio autor, sendo ainda certo que o outro gerente da Ré deixou de facto de o ser desde janeiro de 2012 e, desde aí, não mais voltou à sede social.
Segundo o autor a citação assim efetuada estará processualmente correta.
O A. propõe a ação e é ele próprio citado em nome da R. para a contestar, e quer fazer crer ao Tribunal que uma suposta citação nestes termos é válida. Um verdadeiro absurdo, no mínimo!
Mas, o requerimento do A. diz mais e vai ainda mais longe e impõe-se dar conta ao Tribunal da teia e do enredo familiar que astuciosamente o A. aqui criou.
Diz o A. que, depois de lhe ser entregue a nota de citação pela sua esposa, ele próprio a reencaminhou para o advogado da R.?!
Note-se que o dito advogado da Ré não tem procuração desta para a representar.
Portanto, não é advogado dela.
Apesar disso, e é também aqui que se revela o dolo e a má-fé do A. (e de quem com ele se tornou conivente), pasme-se, quem é o alegado advogado da Ré.
O Exmo. Advogado da Ré (ou melhor, quem o A. pretendia que o fosse) é, nem mais, nem menos, o Drº J. L., advogado com escritório na vila de Monção, que é, por simples e mera coincidência do destino, irmão do próprio autor (cfr. resulta da certidão de nascimento que se junta – Doc. 1, a qual, cotejada com o Doc. 6 junto com o requerimento onde se arguiu a falta de citação, resulta que os progenitores do A. e do dito advogado são os mesmos, e portanto irmão consanguíneos).
O mesmo Advogado que, agora, sintomaticamente (e seguramente no interesse da ora R.?!) facultou ao A. os Docs.1 e 2 juntos com o seu requerimento, violando gravemente os seus deveres deontológicos.
Pretende o A. fazer crer que este Ilustre Advogado iria contestar, empenhadamente, uma ação proposta por si próprio, quando é certo que esse mesmo advogado, seu irmão, o patrocina a si próprio em questões judiciais cujos interesses são manifestamente conflituantes com os da sociedade, como é por exemplo o caso do processo crime a que se fez referência no requerimento onde se arguiu a nulidade e donde resultou a condenação criminal do A., e da aqui R..
Haja um mínimo de moralidade, pudor e de deontologia.
Fica-se com a convicção clara, que foi criada astuciosamente uma teia e um enredo familiar com o objetivo de permitir que o A. se possa locupletar sem causa à custa da Ré, tendo em conta que o mesmo não fez, de facto, os suprimentos que lhe reclama nesta ação.

Da factualidade alegada no requerimento a que se responde e da prova documental junta nos autos, resulta, sinteticamente, para o que aqui importa, o seguinte:

• O A. propôs esta ação contra pessoa coletiva que ele próprio representa;
• A citação para essa ação foi recebida, fora da sede da sociedade da R., pela esposa do A.;
• O A. sustenta que a sua esposa lhe entregou a si próprio essa nota de citação;
• O A. diz ter reencaminhado essa nota de citação para um advogado que, todavia, não representa a R., uma vez que esta não lhe passou procuração para a representar;
• Esse Ilustre Advogado é, por mera coincidência, irmão do próprio autor;
• Nenhuma das pessoas a que se faz referência, a não ser o dito advogado muito mais tardiamente, entrega essa nota de citação ao outro sócio da R. ou lhe dá efetivo conhecimento de que foi instaurada contra a sociedade uma ação judicial, quem é o A. da dita ação, em que Tribunal foi proposta, qual o pedido e a causa de pedir, etc…
Cremos que sem necessidade de mais considerações é forçoso concluir que está provada e confessada a falta de citação da Ré.
Quanto aos documentos que vem juntos com o requerimento.
Convém não olvidar que, desde há um ano a esta parte, que as relações entre os sócios já não andavam boas, sendo que a partir de setembro/outubro de 2018, se degradaram de forma inultrapassável.
Nem olvidar também, como se disse no requerimento anterior, que desde janeiro de 2012 até outubro/novembro de 2018, o sócio A. R. apesar de formalmente constar como gerente da R., não exerceu nesse período de tempo tais funções, as quais eram exclusivamente desempenhadas pelo sócio aqui A.
Posto isto, vejamos,
A R. confessa ter recebido, na pessoa do seu sócio A. R., a carta datada de 18/07/2018, que lhe foi enviada pelo Srº Advogado, Drº J. L..
Nessa carta, como dela se pode constatar, não vem referenciado, nem é informado ao sócio da R., A. R., qual é a ação proposta contra a sociedade, qual o número com que foi distribuída, qual o tribunal onde pende, quem é o seu autor, qual o pedido e causa de pedir, etc…..
Apesar disso, esse sócio diligenciou de procurar saber o que se passava e deu conta que havia sido proposta uma ação contra a Ré, que correu termos neste tribunal, onde foi distribuída sob o nº 2443/18.4T8VCT, neste mesmo Juízo, que também havia sido instaurada pelo ora A., cujo valor pedido era exatamente o mesmo, bem como o articulado e documentos juntos.
Nessa data inteirou-se que a petição inicial dessa ação havia sido liminarmente indeferida e que, por isso, o processo havia terminado.
A segunda carta enviada pelo mesmo Srº Advogado, passados mais de dois meses da primeira, foi recebida pela esposa do sócio A. R. que, posteriormente lha entregou.
Quando leu o seu teor e os documentos que a acompanhavam (o teor é em tudo semelhante ao daquela ação de que falamos), o sócio da Ré, A. R., ficou convencido que se tratava daquela ação e não deu qualquer relevo ao assunto.
Apesar do exposto, que se assume por ser verdade, a realidade é que a R. não foi citada para os termos desta ação.
Aquele expediente (a nota de citação) enviado pela via postal por um terceiro, estranho à sociedade, passados mais de dois meses desde que a teria em seu puder, por ter ligações familiares diretas ao A. e encarnar os interesses deste até contra os da sociedade R., levaram o sócio A. R. a não ter em conta essa carta que lhe foi enviada.
Aliás, não consta dos autos que o A. tenha requerido a citação da R. através de mandatário judicial, ou que o Tribunal tenha incumbido aquele ilustre causídico de tal diligência processual.
Nem o envio singelo daquela carta datada de 19/09/2018 equivale ou corresponde a citação da R., efetuada nos termos do disposto nos artsº 237º e 238º do CPC., por não terem sido observadas as formalidades impostas pelo artº 231º.
Concluímos, por isso, pela verificação da nulidade invocada pela R. consubstanciada na sua falta de citação.

Quanto ao pedido de litigância de má-fé da R.:

Tendo em conta os factos alegados por ambas as partes e aqueles que já se encontram provados documentalmente nos autos, avalie o Tribunal qual das partes litiga de má fé.
Do requerimento a que se responde, a Ré apenas aceita como verdadeira a factualidade descrita no artº 22º, e apenas confinada ao facto de que o aviso de receção foi assinado pela esposa do autor.
A restante factualidade alegada é falsa.”.

Em 10.12.2018 foi proferido despacho, notificado no dia seguinte:

“Da irregularidade do mandato
(…)
Entretanto, a ré, representada pelo outro sócio gerente, veio arguir a falta ou nulidade da citação.
Notificado o autor para se pronunciar sobre a referida nulidade, veio este invocar, para além do mais, e para os efeitos do art.º 48º do NCPC, a irregularidade do mandato conferido pela ré à sua ilustre mandatária, uma vez que a procuração forense junta aos autos apenas está subscrita pelo sócio gerente A. R., apesar de da gerência da sociedade ser exercida pelos dois gerentes, conforme consta da certidão registral junta aos autos.
Respondeu a autora defendendo que não existe irregularidade do mandato porquanto a presente ação foi intentada por um dos sócios gerentes que supostamente deveria subscrever a procuração outorgada pela ré e, caso assim não se entenda, deve ser nomeado curador “ad litem” para representar a ré nesta ação. Foi ordenada a junção do pacto social da ré – cfr. fls. 100.

*
Isto posto, a questão essencial a decidir é a de saber se obrigando-se a ré através da assinatura de dois gerentes, se a outorga de mandato judicial apenas por um deles existe irregularidade do mandato.
*
Os factos a tomar em consideração para conhecimento desta questão, são os seguintes:

1. A fls. 26 foi junta uma procuração forense emitida, em 24.10.2018, por A. R., na qualidade de gerente de Peixe ..., Ldª, a favor dos Srs. Drs. M. G. e C. T., concedendo-lhe poderes forenses gerais e ainda os especiais para em nome da mandante transigirem e desistirem como livremente entenderem e para receber custas de parte.
2. A sociedade por quotas Peixe ..., Ldª encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, encontrando-se ali inscrita através da Ap. ../19910208 o respetivo contrato de sociedade e designação de órgãos sociais, donde consta que a sociedade se obriga pela intervenção conjunta de dois gerentes, sendo a gerência exercida pelos sócios A. R. e A. F., conforme certidão de fls. 4 a 5 dos presentes autos e cujo teor se dá por reproduzido.
3. O artigo quarto do Pacto Social da ré prescreve o seguinte: “Um: 1- A administração e representação da sociedade ficam a cargo dos gerentes que forem eleitos em Assembleia Geral. (…) Três: Ficam nomeados gerentes, os actuais gerentes, A. R. e A. F.. Quatro: A sociedade obriga-se em todos os seus actos e contratos, com a intervenção dos dois gerentes. (…)”.
*
Conforme acima se mencionou a questão em apreço prende-se com a existência de irregularidade de representação, uma vez que o mandato judicial foi outorgado apenas por um dos gerentes da ré.
O art.º 25º do NCPC prescreve sobre o regime de representação em juízo das pessoas coletivas e das sociedades, determinando o seu nº 1 que são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.
Por sua vez, o nº 2 deste art.º 25º estipula que sendo demandada a pessoa coletiva ou sociedade que não tenha representante ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, designará o juiz representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respetiva representação.
Assim, e seguindo Teixeira de Sousa, podemos descortinar na interpretação deste preceito duas situações distintas: por um lado, “as ações destas entidades com terceiros” a que alude o nº 1, ocorrendo aqui uma representação dentro do quadro legal ou estatutário, e, por outro lado, “as causas entre elas e o seu representante”, referidas no nº 2, verificando-se, neste caso, uma representação fora daquele quadro representativo, por um curador ad litem, justificando-se tal solução pela “impossibilidade de o representante assumir, nesse caso, as suas funções de representação.” (vide, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 146 e 147).
No que concerne às sociedades por quotas, como é o caso em apreço, dispõe o art.º 252º, nº 1 do CSC que são representadas pelos gerentes, podendo a gerência ser singular ou plural. Enquanto órgão societário a gerência tem pois como função exteriorizar perante terceiros a vontade da sociedade.
Assim, haverá irregularidade de representação sempre que a sociedade não esteja representada pelo seu ou seus representantes em conformidade com a disposição legal ou estatutária vigente.
Detetada essa irregularidade, incumbe ao juiz, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância, conforme decorre dos art.ºs 6º, nº 2 e 28º, nº 1 do NCPC.
A irregularidade sana-se com a intervenção ou citação do representante. Se este não ratificar nem renovar os atos praticados, a irregularidade não se pode considerar sanada, faltando, assim, um pressuposto processual.
Alinhado em termos gerais o quadro legal sobre a matéria da representação judiciária, voltemos, agora, o caso em apreço.
Resulta da factualidade carreada para os autos que a autora é uma sociedade comercial por quotas e conforme resulta do artigo 4º do seu pacto social, registado na respetiva Conservatória do registo Comercial, desde a sua constituição e, pelo menos, até ao momento em que foi interposta a presente ação, a forma de obrigar a sociedade era feita pela assinatura conjunta dos dois gerentes, que são o autor e A. R..
No que concerne à representação em juízo, o nº 1 do artigo 4º do pacto social estipula: “A administração e representação da sociedade ficam a cargo dos gerentes que forem eleitos em Assembleia Geral”.
Assim, sendo a gerência plural, também a representação da sociedade é feita de forma conjunta e plural pelos gerentes da sociedade.
Ou seja, afigura-se-nos que resulta da interpretação do pacto que nos poderes de representação dos gerentes se incluem os poderes de representação da sociedade em juízo, ativa ou passivamente, donde resulta que por ser a gerência plural e conjunta para os atos de representação da sociedade, incluindo a representação em juízo, é necessária a assinatura de ambos os gerentes, em conformidade com o disposto nos art.ºs 252º e 261º, nº 1 do CSC.
Assim, no caso presente não é aplicável o regime supletivo previsto no art.º 985º do CC, aplicável por força do art.º 96[9]6º do mesmo Código, que a jurisprudência, por vezes, tem aplicado quando o pacto constitutivo prevê uma gerência conjunta sendo omisso quanto à representação em juízo, possibilitando a combinação desses preceitos que qualquer sócio possa representar a sociedade em juízo.
Veja-se nesse sentido, ac. STJ, de 15.07.2007, proc. 199/07.5TYVNG-B.P1 e ac. RL, de 29.04.2008, proc. 1413/2008-1, em www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, veja-se Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. III, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 2006, 3.ª reimp. da 1.ª ed. 1991, p. 132 quando defende que não se torna necessário consignar no contrato de sociedade que os gerentes representam a sociedade “em juízo e fora dele”, porque nos seus poderes representativos já está incluída a representação em juízo tanto ativa como passivamente.

No caso presente, atenta a referida cláusula estatutária, afigura-se-nos que a representação da sociedade autora em juízo carece do assentimento dos seus dois gerentes. Com efeito, não tendo a procuração forense junta aos autos sido outorgada pelos dois gerentes mas tão só por um deles, a ré não está devidamente representada em juízo. Porém, sendo um dos sócios gerentes autor na presente ação é manifesto que o mesmo não pode representar validamente a sociedade.
Assim sendo, e visto que quem representa a ré está em conflito com a mesma, é aplicável à situação que nos ocupa o nº 2 do art.º 25º do NCPC, tornando-se necessária a nomeação de um representante especial.
Após a nomeação deste representante especial, poderá este ratificar ou não a outorga de procuração em causa, do que haverá que extrair as devidas consequências a nível dos ulteriores termos do processo, em conformidade com o disposto no citado art.º 27º, nº 2, do NCPC.
Em suma, tem de proceder a questão de irregularidade do mandato, nos termos expostos, havendo que nomear um representante especial à ré para os termos da causa.
*
Nestes termos, decide-se:

- julga-se que a ré não se encontra validamente representada através da procuração constante de fls. 26; e
- nomear um representante especial à mesma, com vista a suprir a invocada irregularidade de representação judiciária, nos moldes ora definidos.
Sem custas.
Notifique, sendo ainda o autor e o sócio gerente da ré A. R. para, querendo e em 10 dias, se pronunciarem sobre a pessoa a nomear como representante especial da ré.”.

A. R., juntando procuração por si e em representação da R, a favor dos mesmos mandatários, emitida em 15.11.2018, requereu em 14.12.2018 (refª 30993341):

“(…)
Entendeu o Tribunal que “não tendo a procuração forense junta aos autos sido outorgada pelos dois gerentes mas tão só por um deles, a ré não está devidamente representada em juízo.
Porém, sendo um dos sócios gerentes autor na presente ação é manifesto que o mesmo não pode representar validamente a sociedade.
Assim sendo, e visto que quem representa a ré está em conflito com a mesma, é aplicável à situação que nos ocupa o nº 2 do artº 25º do NCPC, tornando-se necessária a nomeação de um representante especial”.
Urge, assim, nomear um representante especial ou curador ad litem à ré neste concreto conflito que a opõe a um dos seus gerentes.
E quem deve ser nomeado como representante especial da Ré nesta concreta ação?
É entendimento do sócio gerente A. R. que nada obsta, antes se justifica por uma série de razões, que essa nomeação recaia sobre si próprio.
Em primeiro lugar, porque a Ré não tem outros sócios ou gerentes para além do autor e de si próprio.
Em segundo lugar, porque nos parece natural e adequado que essa nomeação recaia sobre si próprio, uma vez que ele já se encontra nomeado e designado como gerente da Ré e, nessa medida, já representa a Ré, muito embora essa representação devesse ser plural.
Em terceiro lugar, porque é ele a pessoa com mais conhecimento e perceção dos factos que constituem a causa de pedir da ação interposta contra a Ré e, por isso, quem em melhores condições está para a representar e para defender os seus legítimos interesses.
Em quarto lugar, porque, na qualidade de sócio da Ré, tem um interesse indireto no desfecho da ação, daí lhe advindo uma “especial legitimidade representativa”.
Por último, por via desse seu interesse indireto e do especial conhecimento dos factos alegados na ação, porá todo o empenho na defesa dos legítimos interesses da Ré salvaguardando, dessa forma os seus próprios e legítimos interesses, sem que isso constitua ou represente prejuízo para os interesses, legítimos, do autor.

Sobre esta questão (de nomeação de representante especial), pronunciaram-se, entre outos, o Ac. da Relação do Porto (RP20120416909/10.3TTVCT.P1) proferido em 16/04/2012, onde se sumariou o que passamos a transcrever:

I. Sendo a gerência plural e conjunta, para os atos de representação da sociedade, é necessário a assinatura de ambos os gerentes, em conformidade com o disposto nos referidos artsº 252º e 261º do C.S.C.
II. Tal exigência é também necessária para a representação da sociedade em juízo, existindo irregularidade de representação em caso de apresentação de contestação através de procuração emitida por um único gerente.
III. Porém, verificada a irregularidade da representação da Ré, e também a impossibilidade de os representantes assumirem, em conjunto, como impõe o pacto social, as funções de representação, bem como a existência de conflito de interesses entre a ré e um seu representante, incumbe ao juiz, como resulta do disposto nos artsº 21º/2, 40º e 265º do CPC, providenciar, oficiosamente, pela regularização da instância, mormente, nomeando à sociedade um representante especial ou curador ad litem, como forma de assegurar a respetiva representação em juízo, nomeação que pode ocorrer entre os representantes da sociedade ou os sócios, ou através da nomeação de uma terceira entidade.

E, também, o Ac. da Relação do Porto (RP20090715199/07.5TYVNG.P1), com o sumário que transcrevemos:

I. Poderes de administração e poderes de representação são dois aspetos da mesma posição jurídica, refletindo-se nos poderes de representação todo o conteúdo dos poderes de administração atribuídos a cada sócio.
II. A falta do gerente, prevista no art. 253º, nº 3, 1ª parte, do Cod. das Soc. Com., deve ser definitiva; para a falta temporária nada está previsto na lei e os sócios terão de encontrar remédio para a crise, por exemplo, designando temporariamente mais um gerente.
III. Verificada a irregularidade da representação, e também uma impossibilidade de os representantes assumirem, em conjunto, como impõe o pacto social, as funções de representação, incumbe ao juiz, como resulta do disposto nos arts. 21º, nº 2, 40º e 265º, todos do CPC, providenciar, oficiosamente, pela regularização da instância, designadamente, nomeando à sociedade um representante especial ou curador ad litem, como forma de assegurar a respetiva representação em Juízo, nomeação que pode ocorrer entre os representantes da sociedade ou os sócios, ou através da nomeação de uma terceira entidade, v. g. um revisor oficial de contas, o qual deve, se o entender, ratificar ou renovar os atos praticados pela sociedade, no prazo que lhe seja concedido.
Ambos acessíveis através do sítio da internet http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/.
Pelas razões expostas, e também por razões económicas, visto que a sociedade está, há já alguns anos, inativa, entendemos que deverá ser nomeado como representante especial à sociedade Ré, o seu sócio gerente, A. R..
Porém, se … assim não vier a entender, opina o ora requerente, que seria avisado nomear como representante da sociedade, pessoa com conhecimentos técnicos em matéria de contabilidade, designadamente, como sugere o acórdão atrás sumariado, um revisor oficial de contas.”.

Em 18.12.2018 (refª 31028473) expôs ainda:

“No âmbito dos presentes autos foi o ora requerente notificado para se pronunciar quanto à pessoa que há-de ser nomeada como curador ad litem à sociedade R., o que fez por requerimento já junto aos autos.
Todavia, e supervenientemente, foi o ora requerente notificado da douta sentença proferida em ação por ele instaurada com vista à destituição do aqui A. qualidade de gerente da R., ação que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Comp. Gén. de Monção, sob o Proc. nº 486/18.7T8MNC, na qual e a título cautelar foi determinada a suspensão das funções de gerente do aqui A.
Por entender que pode ter relevância para a decisão de mérito a proferir nos presentes autos, vem o requerente juntar cópia da dita sentença – cfr. Doc.1.
Requerendo a Vª Excia. se digne admiti-la e ordenar a sua junção aos autos.
Junta: um documento.”.

O A requereu:

“Vem requerer a Vª Ex.ª se digne nomear um representante especial ou curador ad litem à Ré, como forma de assegurar a respetiva representação em juízo através de Administrador Judicial, Contabilista Certificado ou Revisor Oficial de Contas, conhecido e acreditado em juízo.”.
Foi ouvido o MºPº que “Face ao diferendo entre os dois sócios e á matéria em causa, promovo se nomeie como curador especial um ROC.”.

Em 21.01.2019 decidiu-se:

“Tendo em consideração o estado do processo de suspensão de destituição de sócio gerente intentada pelo sócio A. R. contra os aqui autor e ré, o diferendo entre os dois sócios da ré e a matéria ora em causa, afigura-se-nos ser patente a existência de conflito de interesses entre os aludidos sócios e a ré (cfr. art.º 25º, do NCPC).
Deste modo, e não obstante a suspensão provisória do autor do cargo de gerente, subsiste a necessidade nomear um curador especial da ré.
Nesta conformidade, decide-se nomear curador especial à ré um ROC, conforme doutamente promovido.
Para tal efeito, indique a secção pessoa idónea e devidamente habilitado para o exercício do dito cargo.”.

Sob conclusão de 01.02.2019, com a informação de que para o cargo de curador especial da ré indicava-se o Revisor Oficial de Contas, Dr. V. D., foi proferido despacho, notificado eletronicamente na mesma data:

“Nomeia-se curador especial da ré, o Sr. Dr. V. D., acima identificado, ao abrigo do disposto no art.º 25º, nº 2, do NCPC.
Notifique, sendo ainda o curador ora nomeado para vir informar os autos se ratifica os atos anteriormente praticados pelo sócio gerente da ré, A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.”.

Na notificação do curador consta:
“Assunto: Despacho.
Fica notificado, na qualidade de Curador especial, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho de que se junta cópia, designadamente, da sua nomeação ao abrigo do disposto no art.º 25º, nº 2, do NCPC. Mais fica notificado para vir informar os autos se ratifica os actos anteriormente praticados pelo sócio gerente da ré, A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.
Anexam-se cópias da petição inicial e da contestação.”

Em 04.03.2019 o curador expôs, em requerimento notificado na mesma data:

“(…)




(…).”.
Em 14.03.2019 (refª 31854815) foi requerido:
“PEIXE ..., LDª, Ré na acção supra referenciada notificada do requerimento oferecido pelo curador “ad litem”, vem pronunciar-se nos termos seguintes:
Questão Prévia.
Salvo o devido respeito, entendemos que, atualmente, a sociedade Ré não necessita de curador especial que a represente na presente demanda.
Aquando da propositura da ação a ré Peixe ... era representada, em gerência plural, pelos seus dois únicos sócios gerentes, o autor desta ação e o outro sócio gerente A. R., sendo necessária a intervenção desses dois gerentes para obrigar e vincular a sociedade.
Consabido que o A. desta ação era simultaneamente gerente e representante da ré evidente se tornava patente o conflito de interesses entre eles.
Todavia, posteriormente à propositura desta ação, foi instaurada uma outra, que corre os seus termos no juízo de competência genérica de Monção sob o nº 486/18.7T8MNC, instaurada por A. R. contra o ora autor, e que tem como propósito e pedido a destituição do ora autor como gerente da ora Ré.
Por douta decisão proferida nesses autos, como medida cautelar e provisória, o ora autor foi suspenso das suas funções de gerente da Ré.
Essa sentença já se encontra junta aos presentes autos.
De modo que e por via dela, atualmente, o ora autor já não exerce quaisquer funções de gerência na Ré, uma vez que aquela decisão proferida determinou “a suspensão do sócio A. F., da sua qualidade de gerente da sociedade Peixe ..., Ldª, nela se mantendo como gerente, A. R.”.
A suspensão da gerência de um dos sócios, em procedimento cautelar, não afeta a atividade da sociedade, designadamente, quando outro sócio também exerça a gerência. A suspensão de gerente, quando anteriormente eram dois, não implica qualquer necessidade de designar novo representante especial à sociedade, se se verificar a possibilidade de a sociedade subsistir apenas com um gerente em exercício de funções.
Por isso, se à data da propositura desta ação havia, de facto, um conflito de interesses entre a Ré e quem propôs a ação e, simultaneamente, também a representava, essa circunstância hoje não ocorre porque quem propôs a ação já não representa a Ré, sendo apenas sócio dela.
Por virtude deste facto superveniente, entende-se que, atualmente, desnecessário se torna que a Ré continue representada nesta ação por curador “ad litem”, uma vez que o outro gerente, que não foi suspenso nem destituído, mantém essa qualidade de representante da Ré, quer em juízo, quer fora dele.
Por isso, no nosso entendimento, deverá o Srº curador especial cessar as suas funções como representante da Ré.
Sem prescindir e sobre o requerimento oferecido pelo Srº curador “ad litem”:
O requerimento em causa limita-se a fazer uma resenha histórica e cronológica da constituição e vicissitudes entretanto ocorridas na vida “social” da Ré, aportando aos autos o que, neles, já era sobejamente conhecido.
Cremos que, face ao douto despacho de V. Excia de nomeação de curador especial, não era esta resenha cronológica dos factos que se pretendia por parte do Srº curador nomeado, mas sim, saber se, em sua opinião e no prosseguimento dos interesses da Ré, este ratificava os atos praticados pelo sócio gerente da ré, A. R., nos termos e para os efeitos do disposto no artº 27º, nº 2 do CPC.
Ora, sobre esta questão concreta o requerimento do Srº curador especial é completamente omisso, dele não se depreendendo se ratifica ou não os atos praticados pelo sócio gerente A. R., que é, no fundo, a questão que aqui importa.
Assim, sem prejuízo do alegado e invocado na “questão prévia”, deverá ser notificado o Srº curador especial para dizer se, no interesse da sociedade ré, ratifica ou não os atos praticados pelo sócio gerente A. R..
(…).”.
Em 06.11.2019 foi proferido despacho, notificado na mesma data:
“(…)
Compulsados os autos, verifica-se que o requerimento oferecido pelo curador ad litem nomeado nos autos, na sequência do despacho para o efeito proferido a 01/02/2019, não responde ao que se pretendia, qual seja saber se, em sua opinião e no prosseguimento dos interesses da Ré, aquele ratificava os atos praticados pelo sócio gerente da ré, A. R., nos termos e para os efeitos do disposto no artº 27º, nº 2 do CPC.
Na verdade, sobre esta questão concreta a resposta do curador trazida aos autos em 04/03/2019 completamente omisso, dele não se depreendendo se ratifica ou não os atos praticados pelo sócio gerente A. R., questão esta que se mostra premente resolver para o (eventual) prosseguimento dos autos.
Assim, e antes do mais, determina-se a notificação do curador especial para que, expressamente, se pronuncie se, no interesse da sociedade ré, ratifica ou não os atos praticados pelo sócio gerente A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.”.

O curador foi notificado nestes termos:
“Assunto: Despacho
Fica notificado, na qualidade de Curador, relativamente ao processo supra identificado para, no prazo de dez dias, expressamente, se pronunciar se, no interesse da sociedade ré, ratifica ou não os atos praticados pelo sócio gerente A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.
Junto se anexa cópia despacho proferido.”.

Em 20.11.2019 (refª 2580092) o curador fez juntar declaração:
“(…)

(…).
Previamente à sentença, em 22.11.2019, decidiu-se:
“Requerimento de 20.11.2019 [2580092]:
Visto.
*
Uma vez que o curador especial da Ré manifestou não ratificar os atos anteriormente praticados em nome daquela nos presentes autos, designadamente a outorga da procuração junta aos autos e subsequentes atos praticados pela então mandatária, fica sem efeito todo o processado posterior ao momento da apresentação daquele instrumento – cfr. art.º 27.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.
Notifique.
*
Aproveitando-se, entretanto, o processado anterior, designadamente o despacho que nos termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, julgou confessados os factos articulados pelo Autor, bem como as alegações por este entretanto juntas, passa-se a proferir a subsequente decisão.”.
Tudo notificado na mesma data, na sentença decidiu-se:
“(…)
Na ausência de contestação por parte do Réu, resultam provados todos os factos alegados na petição inicial e, em conformidade, aderindo aos fundamentos ali alegados, a presente ação deve proceder.
*
4. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente procedente e, em consequência, decide condenar da Ré Peixe ..., Ld.ª no pagamento ao Autor A. F. do montante de € 102.549,27, correspondente aos suprimentos, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
(…)”.
Em 04.12.2019, (refª 2597568), por mail, o curador expôs:

1ª PARTE

Nomeação como curador especial e notificação do processo
Em 01/02/2019, o Tribunal entendeu nomear curador especial da empresa Peixe ..., Lda., através de despacho (ref.ª 43515591), V. D., Revisor Oficial de Contas (n.º …) e Contabilista Certificado (n.º …)., ao abrigo do disposto no art.º 25º, n.º 2, do NCPC.
O mesmo despacho notifica o curador para informar os autos se ratifica os atos praticados pelo sócio-gerente da Ré – A. R. – designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos.
Juntamente com o despacho, foi enviada, unicamente, a petição inicial.
Da análise da documentação recebida, não é possível determinar a importância e as consequências da ratificação ou não da dita procuração. No entanto, tal também não é relevante para o que foi pedido, na medida em que a outorga de procuração deve obedecer a regras especificas.

Resposta Pedido de ratificação
Em 28/02/2019, o curador apresenta exposição ao Tribunal onde informa que, não estando cumpridas as regras especificas para a outorga de procuração – nomeadamente quanto à representatividade da sociedade, porque ela se obriga com a intervenção de dois gerentes e a procuração só dispõe da assinatura de um – a mesma não pode ser considerada válida.
O pedido de informação solicitado pelo Tribunal foi considerado especifico, pelo que se entendeu não haver margem para questionar ou por em causa outros aspetos evidenciados na documentação da petição inicial.

Insistência do pedido de ratificação
Em 6/11/2019, o Tribunal volta a requerer ao curador que se pronuncie sobre a mesma procuração e o a resposta segue em 19/11/2019, repetindo as conclusões apresentadas anteriormente: não se ratifica a procuração na medida em que a mesma carece da assinatura de outro gerente, conforme exigido a partir da alteração registada em 30-06-2016.
O Tribunal não questiona qualquer outro aspeto do processo, pelo que o curador entende responder de forma concisa e simples.

Sentença
Em 22/11/2019, o Tribunal notifica da sentença, condenando a sociedade Peixe ..., Lda. ao pagamento/reembolso do valor reclamado pelo sr. A. F., no montante de 102.549,27€.
Do sucedido, parece ser possível deduzir que o único fator necessário para que o Tribunal pudesse decidir estava relacionado com o facto da ratificação ou não da procuração.
Surge a 1ª QUESTÃO: perante as condições específicas de representação desta sociedade, era possível ratificar a procuração? Se sim, como?
E uma 2ª QUESTÃO: se o que interessava era descortinar a validade da procuração, era necessário a nomeação de um curador?
Face ao desfecho abrupto deste processo, o curador solicitou acesso à restante documentação do processo, a qual foi possível obter em 28-11-2019, pessoalmente, nos serviços do Tribunal em Viana do Castelo.

Manifesta falta de conhecimento das consequências da não ratificação
Do exposto até ao momento, importa relevar que eram totalmente desconhecidas as consequências da não ratificação da procuração. No entanto, mesmo que fossem conhecidas essas consequências, o simples ato de validade ou não a procuração não poderia ter outro desfecho.
Mas se fosse conhecida a iminente condenação da sociedade em virtude de não se ter pronunciado aquando da primeira citação, o curador teria certamente questionado o Tribunal sobre quais as opções ao seu dispor para defender os interesses dessa sociedade, ainda que extemporaneamente.

Falta de apresentação de defesa por parte da sociedade perante citação
Do que foi possível concluir da análise da documentação adicional, a sociedade foi notificada da intenção de reembolso dos suprimentos por parte de um dos sócios e não apresentou defesa.
Mais, pode concluir-se também que o Tribunal deu como válidas e suficientes as provas apresentadas para comprovar a notificação.
Uma vez que à data da referida citação, não existia a figura de curador e, portanto, este não defendia os interesses da sociedade e uma vez que à data da nomeação estes factos não foram dados a conhecer, surge a 3ª QUESTÃO: quais os poderes do curador perante esta situação?

Funções de curador
Não obstante ter sido proferida a sentença e uma vez que esta é omissa em relação às funções do curador, entende-se necessário e importante, ainda, apelar a uma atenção especial sobre determinados factos e aspetos do processo em causa no intuito de defender os interesses da sociedade em causa.

Factos objetivos
A Peixe ..., Lda. tem registados na sua contabilidade alegadas entradas de dinheiro proveniente do sócio-gerente A. F..
Estas entradas registam-se no período compreendido entre 30/04/2013 e 30/06/2016.
Essas entradas somavam 153.860,84€ dos quais 51.321,57€ já terão sido devolvidos pela sociedade ao dito sócio em virtude de liquidez espontânea ocorrida em 31/01/2015.

Dúvidas e certezas em relação aos factos apresentados
A documentação constante da petição inicial não é suficiente para concluir da validade dos registos contabilísticos referidos no 8º ponto.
Com base nesta documentação, não é possível concluir se aquilo que a contabilidade considerou suprimentos, são efetivamente suprimentos.
Mais, foram apresentados documentos de suporte claramente comprovadores de má interpretação por parte de quem registou.
Sendo possível solicitar a peritagem imparcial desses documentos que fazem parte da petição inicial, será, certamente, essa a conclusão.
10º
Suportes contabilísticos apresentados
Da análise breve da documentação constante no processo e resumida no quadro a seguir, apuram-se mais dúvidas do que certezas, pelo que importaria esclarecer, nomeadamente, o seguinte:
a) 30.000€ dos ditos suprimentos estão suportados por documentos bancários que indicam que foi debitada uma conta da empresa Peixe ..., Lda. e creditada outra conta da Peixe ..., Lda.;
b) 42.500€ dos ditos suprimentos estão suportados por um talão de depósito que indica um cheque cujo titular não é possível apurar uma vez que não há cópia do mesmo para comprovar que é efetivamente um suprimento;
c) 20.086,57€ dos ditos suprimentos foram registados como tendo sido uma entrega em numerário – para a qual, naturalmente, não há qualquer suporte;
d) 28.000€ dos ditos suprimentos estão suportados por um talão de depósito que indica diferentes cheques cujo(s) titular(es) não é possível apurar uma vez que não há cópia dos mesmos para comprovar que são efetivamente suprimentos;
e) 5.549,27€ dos ditos suprimentos estão registados em 30-06-2017, quando a materialização dos mesmos terá sido, em 2014, 2015 e 2016 – importaria esclarecer as razões que levaram a um registo tão tardio uma vez que nas outras ocasiões tal não ocorreu.
11º
Conclusões
Face ao exposto, obtém-se duas conclusões materialmente antagónicas:
- por um lado, a sociedade não estava devidamente representada aquando da procuração que o Tribunal manda ratificar ou não.
Aliás, tal nunca poderia acontecer na medida em que, para representar devidamente a sociedade, o autor deste processo teria de dar consentimento para que a sociedade se pudesse defender dele próprio.
- por outro lado, a sociedade não tendo tido oportunidade de se defender, não pôde expor as fraquezas evidenciadas na documentação apresentada ao Tribunal pelo sócio, nem solicitar uma peritagem das mesmas para se averiguar da sua real existência e validade.
Não obstante o carácter extemporâneo desta exposição, importa apelar ao princípio da substância sobre a forma e solicitar que estes aspetos sejam tidos em consideração.”.
Em 16.12.2019 expôs-se:
“Peixe ..., Ldª, Ré nos autos supra referenciados, notificada do requerimento apresentado pelo Srº Curador “ad liten” que lhe foi nomeado pelo Tribunal, vem dizer o seguinte:
O requerimento do Srº Curador sobre o qual ora nos pronunciamos foi apresentado após a prolação da douta sentença proferida nestes autos.
Não ignoramos, por isso, que poderá estar esgotado o poder jurisdicional do Juiz.
Ainda assim, pretende a Ré pronunciar-se sobre tal requerimento, por entender que a situação nele relatada pelo Srº Curador poderá, no ponto de vista da Ré, consubstanciar uma nulidade processual, que se vem arguir.

Não obstante, outra nulidade afeta o processo:

I - Entende a Ré que, após a decisão judicial que suspendeu o aqui Autor das suas funções de gerente da Ré, desnecessário se tornava a manutenção das funções do Curador “ad litem”, nomeado à Ré para os termos desta causa.
Na realidade, se à data da propositura da ação existia um evidente conflito de interesses entre a Ré e quem propôs esta ação, que era também, simultaneamente, quem a representava, essa circunstância deixou, supervenientemente, de ocorrer quando o Autor foi suspenso das suas funções de gerente da Ré.
Após esse facto, deixou de ser necessária a intervenção do “curador ad litem”, conforme dispõe o artigo 25º, nº 3 do CPC.
Desse facto foi dado conhecimento nos autos, embora o Tribunal até hoje nunca se tenha pronunciado sobre esse requerimento – cfr. requerimento com a Refª: 31854815, de 14 de março de 2019.
Após a prolação daquela sentença, a Ré passou a ser exclusivamente representada pelo outro sócio gerente, A. R., que não foi suspenso, nem demitido das suas funções de gerente e que, nessa qualidade, outorgou a procuração junta aos autos em representação da Ré.
A ser assim, como entende a Ré que deve ser, deixou de se praticar nos autos um ato processual relevante, (a cessação imediata das funções do Srº curador), que influiu decisivamente no exame e na boa decisão da causa.
Essa omissão/irregularidade produz a nulidade, nos termos do disposto no art.195º do C.P.C., que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
II - Sobre o requerimento do Srº Curador:
Lido tal requerimento reforçamos a convicção de que o Sr. Curador não apreendeu corretamente a questão que lhe era colocada, e verifica-se que, também aqui, o Tribunal omitiu ato que influi na apreciação e na boa decisão da causa.
Só assim se justificando, aliás, a posição adotada pelo Sr. Curador (nomeado pelo Tribunal para defesa dos interesses da Ré).
Se notarmos, desde o primeiro requerimento que ofereceu aos autos, o enfoque e a atenção do Sr. Curador foi exclusivamente dirigida à procuração e à legalidade da mesma, pelo facto de estar apenas assinada por um dos gerentes da sociedade.
E lendo o seu requerimento percebe-se agora o porquê!
É que, aquando da sua nomeação e notificação, segundo ele, é-lhe apenas notificada a cópia da petição inicial (e da procuração, exclusivamente). Todo o restante processado, nomeadamente, o requerimento onde a Ré suscita a falta da sua citação, não lhe foi notificado.
E, por não saber o que efetivamente se discutia nos autos, o Sr. Curador pôs todo o seu enfoque na procuração, analisando tal documento sob o ponto de vista formal e a sua adequação ao pacto social, no que diz respeito à representação da sociedade.
Atente-se no teor deste seu requerimento, onde diz, para além do mais:
“1ª PARTE

(…)
Juntamente com o despacho, foi enviada, unicamente, a petição inicial.
Da análise da documentação recebida, não é possível determinar a importância e as consequências da ratificação ou não da dita procuração.
No entanto, tal também não é relevante para o que foi pedido, na medida em que a outorga de procuração deve obedecer a regras especificas” (sublinhado nosso).

(…)
O pedido de informação solicitado pelo Tribunal foi considerado específico, pelo que se entendeu não haver margem para questionar ou pôr em causa outros aspetos evidenciados na documentação da petição inicial.” (…)
Continuando,
(…)

(…)
Surge a 1ª QUESTÃO: perante as condições específicas de representação dessa sociedade, era possível ratificar a procuração? Se sim, como? (…)
É, mais uma vez, notório que o Sr. Curador não apreendeu o conteúdo e alcance do que lhe era solicitado, por omissão do Tribunal (Secretaria), ao não o notificar de todas as peças do processo, designadamente, do requerimento com a Refª: 30536766, de 20 [9] de outubro de 2018, que era o que efetivamente relevava.
Ao Curador deveria ter sido notificado todo o processado nos autos, e não só a petição inicial.
Essa falta, impediu o Curador, que o Tribunal nomeou oficiosamente, de defender, consciente e esclarecidamente, os interesses da Ré.
O Tribunal (Secretaria) omitiu, mais uma vez, formalidade que impediu o conhecimento esclarecido do objeto dos autos e a sua boa decisão.
A qual consubstancia nulidade processual (art.195º do C.P.C.), que a Ré expressamente invoca, para os devidos e legais efeitos.
Mas,
De nulidade enfermam também os autos, porquanto:
Dispõe o art.27º, nº 2 do C.P.C., parte final, que: “(…); no caso contrário (de não ratificação), fica sem efeito todo o processado posterior ao momento em que a falta se deu ou a irregularidade foi cometida, correndo novamente os prazos para a prática dos atos não ratificados, que podem ser renovados – (sublinhado e negrito são nossos)”.
A Ré não foi notificada do requerimento do Srº Curador, por meio do qual ele não ratificou o processado dos autos, violando o Tribunal, assim, o disposto no art. 27º, nº 2, segunda parte, do C.P.C.
Impedindo, consequentemente, a Ré de renovar o ato (invocação da falta de citação), querendo.
A nulidade por falta de citação, sendo uma nulidade “principal”, é invocável a todo o tempo.
Por sua vez,
Dispõe o art.28º, nº 1 do C.P.C.: “1- Logo que se aperceba de algum dos vícios a que se refere o artigo anterior, deve o juiz, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância.”
Atento o que fica exposto, requer a V. Excia se digne verificar as nulidades ora apontadas e, consequentemente, se digne anular todo o processado posterior à invocação da falta da citação arguida pela Ré.”.
Em 19.12.2019 o A expôs:
“I. Da exposição do Ex.mo Senhor Curador.
1. Como, o mesmo, reconhece nas conclusões, tal exposição é extemporânea, sendo-o, também, anómala.
2. Dispõe o normativo legal, do Art.º 613º, n.º 1, do C.P.C., que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
3. Prescreve o mesmo artigo, nos números seguintes, e os dispositivos dos artigos que se seguem as formas de impugnar as questões sobre que se debruçou o juiz, com procedimento subsequente capaz de por em crise o decidido, através de instâncias superiores.
4. Procura, ainda, arguir algumas nulidades processuais, sendo-o fora de prazo, estando as mesmas sanadas, nos termos do Art.º 199º, do C.P.C..

II. Do último requerimento da Ré.

5. A Ré foi notificada da douta sentença com data de 22/11/2019, considerando-se notificada, em 25/11/2019.
6. Teve conhecimento de todo o processado e dos atos praticados no processo, o que, até, se presume; pois, é acompanhada por Ilustre Mandatária.
7. No entanto, vem, neste último requerimento, - que se deve ter por extemporâneo e anómalo, como a exposição do Ex.mo Senhor Curador -, arguir nulidades processuais, que sendo-o fora de prazo, tais estão sanadas, nos termos do Art.º 199º, do C.P.C..
8. A existirem, tais nulidades, as mesmas deviam ter sido arguidas, no máximo, até aos dez dias posteriores à notificação da sentença proferida nos autos, ou seja, até 05/12/2019.
Pelo exposto,
Deve entender-se que as nulidades processuais arguidas, quer na exposição do Senhor Curador quer no requerimento da Ré, a existirem, quando de tal arguição, as mesmas se encontram sanadas nos termos sobreditos, considerando-se, assim, tais articulados, além de extemporâneos, como é reconhecido e evidente, são totalmente anómalos em processo civil, devendo ser desentranhados com todas as consequências legais, o que se requer a V.ª Ex.ª.”.
A R recorreu em 06.01.2020, juntando procuração emitida em sua representação pelo curador.
Concluiu:
“1ª A Recorrente é uma sociedade comercial, por quotas, representada (à data da entrada da ação e durante o prazo da contestação) por dois gerentes (os seus únicos sócios), sendo, um deles o próprio A. e, o outro, A. R. – Doc.1 junto com a p.i. e art.1º desse articulado;
2ª A Recorrente está inativa (art.5º e 6º da p.i.);
3ª As sociedades comerciais são citadas na pessoa dos seus representantes, considerando-se, ainda, pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou no local onde normalmente funciona a administração;
4º Sendo a representação plural, ainda que cumulativamente, basta que seja citada ou notificada uma delas (art.223º, nº 2 do C.P.C.);
5º A carta para citação da Recorrente foi rececionada por L. G. – A/R junto em 19/07/2018, a fls…, Refª2025674;
6º A dita L. G. é esposa do A., mas não é representante nem trabalhadora da Recorrente;
7º Aliás, como o próprio A. confessa no seu requerimento datado de 12 de nov. de 2018, Refª 30664617 (art.s 21º, 22º e 33º) a citação da Recorrente foi feita na própria pessoa do A.
8º Recebida tal citação o A., como também confessa nesse seu requerimento, não providenciou por entregar a citação ao outro gerente, A. R., mas antes a um Ilustre Advogado, Dr. J. L., que, por sinal, é irmão do A. – cfr. Doc.1 junto com o requerimento da Ré, com a Refª 30748284;
9º É obvio que a Ré/Recorrente não foi citada para os presentes autos;
10º A falta de citação é uma nulidade (principal), invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso;
11º Por isso, e independentemente de quem tenha invocado tal nulidade, dos elementos constantes dos autos, impunha-se que o Tribunal a quo a tivesse apreciado tal questão (falta de citação).
12º A sentença em crise ao não conhecer de questão de que tinha obrigação de conhecer, enferma, por isso, de nulidade (art.615º do C.P.C.);
13º Por ser do conhecimento oficioso e arguível em qualquer altura do processo, sendo cognoscível até ao trânsito em julgado da sentença, a Recorrente, mais uma vez, invoca perante este Venerando Tribunal da Relação a sua falta de citação para os presentes autos.
Sem prescindir,
14º Não obstante a falta de contestação da Ré/Recorrente, entende esta que nunca poderia o Tribunal a quo ter lançado mão do disposto no art. 567º do C.P.C., fazendo desta norma uma errada interpretação e aplicação;
15º A recorrente, não contestou, nem juntou procuração a mandatário judicial, no prazo da contestação, e, como supra se deixou exposto, não se encontra citada, ou, regularmente citada na sua própria pessoa (art. 223º do C.P.C. e 567º, nº 1 do mesmo diploma legal);
16º O disposto no art. 567º do C.P.C. não é de aplicação automática.
17º Ao dispor que: “…tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa..”, aconselha a lei a que o Juiz, antes de fazer operar qualquer cominação para a revelia, apure/verifique (para concluir) se a citação foi realizada, regularmente, e na própria pessoa da Ré;
18º Face aos factos que os autos revelam, designadamente o alegado nos arts. 5 e 6 da p.i., concatenado com o teor do Doc. 1 junto com a p.i., poderia e deveria o Tribunal a quo ter concluído pela falta de citação, como se disse supra, ou, pelo menos, pela irregularidade da sua citação pessoal;
19º Por conseguinte, deve a revelia da Ré/Recorrente, ser considerada inoperante, com as legais consequências;
20º Inoperância que também tem guarida no disposto no art. 568º, al. d) do C.P.C.;
21º Peticiona o A. o reembolso de quantia pecuniária, que quantifica, referente a suprimentos que diz ter realizado à Ré/Recorrente;
22º Os factos relativos aos suprimentos são, unicamente, demonstráveis pela escrituração contabilística da pessoa coletiva; são factos cuja prova carece de documento escrito, e de documento específico, no caso a escrituração contabilística da pessoa coletiva;
23º Os documentos juntos pelo A. com a sua p.i. não tem, salvo o devido respeito por opinião contrária, esse efeito probatório;
24º Antes, pelo contrário, descredibilizam a “tese” arquitetada pelo A. na sua, engenhosa, p.i., vejamos;
Da quantia global que reclama a título de suprimentos (102.549,27€):
- 17.500,00€: para tanto vem junto um cheque (Doc.3), cheque esse pertencente a um terceiro, sacado sob conta titulada por terceiro, sem qualquer comprovativo de o mesmo cheque ter sido depositado em conta bancária titulada pela Ré;
– 30.000,00€: (Doc.4), como facilmente se nota, ao contrário do alegado pelo A., dos talões bancários aí juntos resulta que o montante refletido em cada um deles foi debitado numa conta da Ré e creditado noutra conta bancária também titulada pela Ré, no mesmo banco (…);
– 42.500,00€: (Doc.5) um cheque cujo titular não é possível apurar, nem comprovar se são efetivamente suprimentos;
– 20.086,57€: (Doc.7) registado como tendo sido uma entrega em numerário, para a qual não há naturalmente qualquer suporte para comprovar se são realmente suprimentos, nem qualquer comprovativo de nessa data tal quantia ter integrado o património da Ré;
– 9.000,00€: (Doc.8) registado como tendo sido uma entrega em numerário, para a qual não há naturalmente qualquer suporte, para comprovar se são realmente suprimentos, nem qualquer comprovativo de nessa data tal quantia ter integrado o património da Ré;
– 28.000,00€: (Doc.9) suportados por um talão de depósito que indica diferentes cheques cujo(s) titular(es) não é possível apurar uma vez que não há cópia dos mesmos para comprovar se são efetivamente suprimentos;

Em todo o caso,
25º Ou seja, mesmo que a revelia da Recorrente fosse operante, nos termos e com os efeitos previstos no art.567º, nº 1 do C.P.C., certo é que a confissão aí operada se designa por confissão-semiplena;
26º Mantendo o Tribunal a liberdade para julgar a causa como for de direito;
27º O concreto pedido formulado pelo A. ao Tribunal, exige, por determinação da lei, a invocação da estipulação de um prazo para o reembolso dos suprimentos ou, na sua falta, a sua prévia fixação pelo Tribunal – art. 245º do Cód. das Soc. Comerciais e 777º do Cód. Civil;
28º O Autor não alega a existência de qualquer convenção (estabelecida com a Ré) quanto ao reembolso dos alegados suprimentos, nem quanto ao prazo desse reembolso, nem forma. Nada!
29º Também não alega, nem demonstra, que tenha requerido previamente a sua fixação ao Tribunal;
30º O mesmo se diga, aliás, relativamente à petição de juros moratórios e respetiva condenação, a contar desde a citação e até integral e efetivo pagamento;
31º Já que, em relação ao contrato de suprimento também não funciona qualquer presunção de onerosidade; incumbindo ao credor a alegação e prova dessa convenção de onerosidade;
32º Por tudo isto entende a Ré que o Tribunal a quo deveria ter julgado a petição inepta e, consequentemente, absolvido a Ré da instância;
Todavia,
33º outras irregularidades afetam o processo, as quais, por obstruírem ao conhecimento e boa decisão da causa, consubstanciam nulidade, nos termos do disposto no art. 195º do C.P.C, que se invocam, com as legais consequências;
Desde logo,
34º A representação coletiva que, estatutariamente, era exigida para a Ré/Recorrente, deixou de existir na pendência da presente ação;
35º Por decisão cautelar proferida no processo de jurisdição voluntária, de suspensão e destituição de gerente que corre os seus termos no Juízo de Comércio de Viana do Castelo, sob o nº 486/18.7T8MNC, foi o ora Autor suspenso das funções de gerente da Ré;
36º Desse facto superveniente foi dado conhecimento nos presentes autos e junta a respetiva sentença – cfr. requerimento com a Refª 31028473;
37º Consequentemente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.25º, nº 3 do C.P.C., foi requerida pela Ré, ora Recorrente, a imediata cessação de funções do Sr. Curador ad litem – cfr. requerimento com a Refª: 31854815;
38º Tal requerimento não teve, até à data, pronúncia do Tribunal recorrido;
39º Ao não se pronunciar sobre essa concreta questão que lhe foi formulada, o Tribunal a quo violou, por omissão de aplicação, o disposto no art. 25º, nº 3 do C.P.C., e deixou de praticar ato que impediu a apreciação e boa decisão da causa, o que consubstancia nulidade, que expressamente se invoca, com as legais consequências;
Por outro lado,
40º Por requerimento junto aos autos em 20/11/2019, com a Refª 2580092, veio o Sr. Curador ad litem manifestar a sua não ratificação da procuração junta pela Ré, com os fundamentes que aí regista;
41º A Recorrente não foi notificada desse requerimento;
42º Em consequência dessa omissão a Ré/Recorrente não pode exercer o direito que lhe confere o art.27º, nº 2, parte final, do C.P.C., “correndo-lhe novamente os prazos para a prática dos atos não ratificados, que podem ser renovados”;
43º A omissão dessa notificação, constitui violação ao princípio do contraditório (art.3º do C.P.C.) e ao disposto no art. 27º, nº 2 do C.P.C.;
44º Por sua vez, mal andou também o Tribunal a quo quando, ao notificar o Sr. Curador, não lhe dá conhecimento do requerimento formulado pela Ré, onde suscita a falta da sua citação;
45º Por não lhe ter sido dado integral conhecimento dos autos o Tribunal limitou o conhecimento do Sr. Curador ad litem quanto à matéria em discussão nos autos, e do real sentido e consequências da ratificação, ou não – cfr. requerimento com a Refª: 2597568;
46º As irregularidades apontadas, por impedirem a discussão e boa decisão da causa, consubstanciam nulidades processuais nos termos do disposto no art.195º do C.P.C., que se invocam, para os devidos e legais efeitos;
47º Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos arts.3º; 27º, nº 2; 25º, nº 3; 195º, nº 1; 223º; 567; 568º e 615º, nº 1, al. d); todos do C.P.C., bem como o previsto nos artigos 245º do Cód. das Soc. Comerciais e 777º do Código Civil.
Nestes termos,
E nos melhores de direito que ..., doutamente, suprirão, deve o presente recurso apelação ser julgado procedente com as legais consequências.”.
Em 10.01.2020 foi proferido despacho, notificado em 13.01.2020;
“Requerimentos de 04-12-2019 (E-mail), 16-12-2019 [34329297] e 19-12-2019 [34371946]:
Esgotado que se encontra, efetivamente, o poder jurisdicional deste Tribunal, em face da prolação da respetiva sentença [cfr. art.º 613.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil], resultando ademais que, sendo passível de recurso – o qual resulta, aliás, entretanto interposto –, será no seio deste que deverão ser arguidas quaisquer nulidades, nada a determinar nesta sede.
(…)”.
Não se contra-alegou.
Na oportunidade da admissão do recurso decidiu-se:
“Venerandos Desembargadores:
Vem arguida a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, als. d) do Cód. Proc. Civil.
Cumpre, pois, proferir despacho nos termos do art.º 617.º do citado diploma.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece da invocada nulidade, pois que da mesma consta de forma clara e inequívoca os seus fundamentos quer de facto quer de direito, não se encontrando os mesmos em oposição nem padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
(…)”.
***
Decidindo.
As questões a conhecer sem prejuízo daquelas, cujo conhecimento fique prejudicado pela decisão de anteriores, são, nomeadamente: a nulidade da sentença, a nulidade por falta de citação, as nulidades secundárias, a revelia da R, a insuficiência de prova, a necessidade de fixação de prazo para o reembolso dos suprimentos, a onerosidade dos juros e a litigância de má-fé.
A matéria a considerar é a que objetivamente resulta do relatório e a que circunstancialmente vier a ser necessária invocar no decurso da decisão de tais questões.
*****
Da nulidade da sentença

A recorrente invoca duas vezes o artº 615º, nº 1, alª d) do CPC na vertente de omissão de pronúncia de questões que se devam apreciar.
Em primeiro lugar, entende que face a matéria alegada na petição, a documentos juntos pelo requerimento inicial em que se invocou a nulidade de citação por falta da mesma ou por preterição das formalidades legais e ao alegado pelo A em resposta a esse requerimento, a citação era nula.
No entanto também refere: “Porém, o Tribunal a quo, atenta a não ratificação manifestada (inconscientemente, como dos autos resulta) pelo Sr. Curador ad litem, entendeu não poder apreciar a nulidade invocada, consubstanciada na falta de citação, dando sem efeito todo o processado posterior e proferindo decisão que condenou a Recorrente, de preceito.”.
Ora.
Imediatamente antes da sentença, o tribunal a quo decidiu: “Uma vez que o curador especial da Ré manifestou não ratificar os atos anteriormente praticados em nome daquela nos presentes autos, designadamente a outorga da procuração junta aos autos e subsequentes atos praticados pela então mandatária, fica sem efeito todo o processado posterior ao momento da apresentação daquele instrumento – cfr. art.º 27.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.
(…)
*
Aproveitando-se, entretanto, o processado anterior, designadamente o despacho que nos termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, julgou confessados os factos articulados pelo Autor, bem como as alegações por este entretanto juntas, passa-se a proferir a subsequente decisão.”.

Em 18.10.2018, antes do tal requerimento inicial já tinha sido, pois, proferido despacho:

“A ré, regularmente citada, não apresentou contestação no prazo de que dispunha para o efeito.
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art.º 567º, nº 1, do NCPC, julgo confessados os factos articulados pelo autor.
Cumpra o disposto no nº 2, do referido art.º 567º, do citado diploma legal.”.
E na sentença menciona-se, tabularmente: “Regularmente citado, o Réu não ofereceu articulado de contestação.”.
Ou seja, na perspetiva do tribunal a quo, face à tramitação do processado que admitiu até à nomeação de curador à R e à declaração deste de 20.11.2019 que não ratifica os atos praticados pelo sócio gerente A. R., designadamente, na outorga de procuração forense junta pelo mesmo aos autos, na qualidade de representante da ré”, mais do que não poder apreciar a falta de citação, antes não havia nada que obstasse a que se considerasse a citação válida e eficaz.
Assim, não se incorreu em qualquer omissão mesmo que involuntária perante certa posição da recorrente.
Decidiu-se, foi, num quadro jurídico diverso daquele que a recorrente entende ser correto no que à tange à sua citação (ou falta dela).
Assim, poderá é padecer de mero erro de direito, quiçá a impugnar em sede estrita de recurso como, de resto, a recorrente, depois, também o faz.

Ademais, como se decidiu no acórdão deste tribunal de 24.01.2019 (procº 9370/15.5YIPRT.G1; www.dgsi.pt):

“O art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, inquina de nulidade a sentença quando nela o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deve apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, referindo-se a primeira parte desta previsão legal à nulidade por omissão de pronúncia e a segunda (e última) parte à nulidade por excesso de pronúncia.
Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes, todas as causas de pedir por elas invocados para ancorar esses pedidos e todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que aquele não conheceu) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).”.
E no caso sub judice, como resultará do que ainda iremos abordar, não se pode considerar tal nulidade foi arguida pela recorrente antes da sentença.
Em segundo lugar refere que na hipótese de haver uma revelia absoluta “o Tribunal nunca poderia, face ao direito vigente, designadamente, ao disposto no art. 245º do C.S.C. e art.777º, nº 2 do C.C., ter proferido a sentença condenatória em crise. (…) Ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, por omissão de aplicação, o disposto nos art. 245º, nº 1 do C.S.C. e o art.777º, nº 2 do Código Civil, fazendo enfermar a sentença recorrida de nulidade, nos termos do disposto no art.615º, nº 1, al. d) do C.P.C.”.
Uma vez mais não estamos perante qualquer omissão de pronúncia. O mais que poderá acontecer é o tribunal a quo ter decidido de mérito mediante erro de direito.
Considerando este contexto legal e jurisprudencial tudo o que a este propósito se alegou de forma alguma traduz falta de pronúncia a configurar a nulidade prevista na alª d) do n.º 1 do artº 615º do CPC.
*****
Da nulidade por falta de citação

Perante as vicissitudes que o processado apresenta, bem demonstrado pelo teor do relatório, é pertinente averiguar se efetivamente a recorrente foi citada para os termos da ação e não tendo sido se a respetiva nulidade se encontra sanada.
É consabido: o conhecimento da nulidade no que respeita à falta de citação (artºs 187º e 188º do CPC) é de conhecimento oficioso, logo que o tribunal dela se aperceba, podendo ser arguida, no caso das partes, ou suscitada, no caso daquele, em qualquer estado do processo (artºs 196º, 198º e 200º do CPC); obviamente, se, entretanto, não dever ser considerada sanada, como resulta desses preceitos e ainda do disposto no artº 189º do CPC.
A partir dos despachos de 10.12.2018, 21.01.2019 e 01.02.2019 através dos quais se nomeou curador à recorrente, os efeitos dos procedimentos adotados para o chamar pela primeira vez ao processo e lhe ser dado conhecimento da existência do processo intentado contra a recorrente, secundarizam as consequências das circunstâncias ocorridas com a tentativa inicial da citação da recorrente.
Assentámos nisto apenas para dizer que nesta oportunidade não relevam inteiramente as questões trazidas pelo recurso sobre essas circunstâncias, aliás na linha do alegado no acima transcrito requerimento inicial (29.10.2018) em que se invocou a denominação social da recorrente, através de procuração emitida apenas pelo outro dos seus sócios gerentes.
São questões em grande medida prejudicadas com o reconhecimento pelo tribunal a quo através de tais despachos que o mandato dessa procuração em representação da recorrente era irregular na medida em que estava em presença de uma ação proposta por um sócio gerente da recorrente contra ela, que se obrigava com a intervenção conjunta desse sócio e do sócio que constituiu mandatários para esse requerimento inicial e perante esse conflito de interesses haveria de ser nomeado curador ao abrigo do artº 25º, nº 2 do CPC para a representar.
O que não quer dizer, no entanto, que o tribunal não devia ter reconhecido ainda que o conflito de interesse se evidenciava processualmente desde a propositura da lide e para a citação regular deveria ter sido nomeado à recorrente desde logo curador.
Efetivamente o mesmo sabia segundo a petição inicial que a recorrente estava inativa o que também, presuntivamente, à partida afastava a possibilidade de na sede nominal pudesse existir qualquer empregado (artº 223º, nº 3 do CPC).
Daí que para ser consequente, perante a diligência de citação efetuada via postal para a sede da recorrente e cujo A/R foi devolvido inclusivamente com a assinatura de alguém que não era sócio gerente, devia também desde logo considerar que a recorrente não tinha sido citada nos termos conjugados dos artºs 187º, alº a), 188º, nº 1, alª a), 223º, nº 1 e 246º do CPC (o último na redação então em vigor anterior à redação conferida pelo DL 97/2019, de 26.07), retirando as devidas ilações.
Mas não.
Por seu turno, a nomeação do curador acarretava que só ele poderia representar a recorrente e através desta poderia requerer o que houvesse por conveniente mediante a constituição obrigatória de advogado, conforme dispõem os artºs 40º e 41º do CPC, atento ao valor oferecido à lide na petição inicial (102.549,27€, valor esse que veio a ser fixado à causa na sentença).

Não se ordenou a citação do curador tanto para tomar conhecimento da nomeação como, através dele, a recorrente ser chamada ao processo para se defender nos termos do artº 219º do CPC, na anterior redação:

“Funções da citação e da notificação
1 - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
2 - A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
3 - A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto.
(…)”.

Única forma de suprir a incapacidade da recorrente segundo o artº 27º do CPC, na redação anterior:
“Suprimento da incapacidade judiciária e da irregularidade de representação
1 - A incapacidade judiciária e a irregularidade de representação são sanadas mediante a intervenção ou a citação do representante legítimo ou do curador do incapaz.
2 - Se estes ratificarem os atos anteriormente praticados, o processo segue como se o vício não existisse; no caso contrário, fica sem efeito todo o processado posterior ao momento em que a falta se deu ou a irregularidade foi cometida, correndo novamente os prazos para a prática dos atos não ratificados, que podem ser renovados.
(…)”.

Preceito que deve ser interpretado em conformidade com o disposto no artº 28º do CPC:
“Iniciativa do juiz no suprimento
1 - Logo que se aperceba de algum dos vícios a que se refere o artigo anterior, deve o juiz, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância.
2 - Incumbe ao juiz ordenar a citação do réu em quem o deva representar, ou, se a falta ou irregularidade respeitar ao autor, determinar a notificação de quem o deva representar na causa para, no prazo fixado, ratificar, querendo, no todo ou em parte, o processado anterior, suspendendo-se entretanto a instância.”.
E antes se ordenou, no despacho de 01.02.2019: “Notifique, sendo ainda o curador ora nomeado para vir informar os autos se ratifica os atos anteriormente praticados pelo sócio gerente da ré, A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.”.
Contudo, o requerimento inicial em que se invocou a denominação social da recorrente inclusivamente não pode ser atribuído como processado imputável à recorrente.
É que se trata de uma sociedade de gerência plural e a sua vontade só podia ser manifestada pelo exercício conjunto dos poderes dos gerentes em conformidade com o respetivo pacto social (artº 261º do CSC).
Assim, não se pode dizer igualmente que quem juntou o requerimento representava a recorrente porquanto no caso essa representação só existia se exercida em concurso com a do outro gerente.
Aliás, assim é para esse requerimento como para qualquer outro acima transcrito formulado sob os mesmos pressupostos.
Por isso ainda, não fazia sentido convidar o curador, com poderes de representação conferidos judicialmente, a ratificar atos praticados nessas circunstâncias e até a outorga da procuração que não é também em tais termos imputável à recorrente.
Em qualquer dos casos a vontade do ratificante era incapaz de substituir a vontade de sócio gerente em derrogação do dito pacto social.
Acresce, a notificação ao curador efetuada nessa medida, via postal, tudo indica por registo simples, a convidá-lo a “informar os autos se ratifica os actos anteriormente praticados pelo sócio gerente da ré, A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.” não só erra na menção da contestação como, consultada a plataforma do Citius, com ela foi remetida apenas a petição, o terceiro despacho em que se decidiu a nomeação e o requerimento de 24.10.2018 em que se juntou a dita procuração. Ou seja, executada de modo manifestamente insuficiente para a compreensão do já processado.
Outrossim, a questão de se dever citar e não notificar não é meramente nominal.
A citação subordina-se a regras mais extensas que a simples notificação.
Perante somente a notificação do curador efetuada, sem sequer se observarem as regras da citação como resulta também do artº 250º do CPC, resulta de novo a nulidade prevista no artº 187º, alª a) do CPC.
Chegados aqui cabe perguntar se apesar de tudo isto ocorreu alguma circunstância que permita concluir que a falta de citação se encontra sanada ou foi suprida.
Afigura-se-nos que não.
Teria que ser uma intervenção no processo da recorrente, representada pelo curador, sem arguir a falta de citação para manter o efeito da nulidade e de molde a não se poder “presumir juris e de jure que dela não quer, por que não precisa, prevalecer-se” (CPC anotado, Lebre Freitas e Isabel Alexandre, 3ª ed, I, 369).
Pelo contrário, o que aconteceu foi, o curador, em nome próprio, referindo embora que era nessa qualidade, sem sequer constituir advogado, conforme era exigível nos termos legais já citados, que, em súmula e no essencial, em 04.03.2019, fez constar o que objetivamente já resultava dos autos e, na sequência do despacho de 06.11.2019 ( (…) Assim, e antes do mais, determina-se a notificação do curador especial para que, expressamente, se pronuncie se, no interesse da sociedade ré, ratifica ou não os atos praticados pelo sócio gerente A. R., designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da ré, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 27º, nº 2, do citado diploma legal.), em 20.11.2019, veio referir nos mesmos termos que “não ratifica os atos praticados pelo sócio gerente A. R., designadamente, na outorga de procuração forense junta pelo mesmo aos autos, na qualidade de representante da ré. Conforme resposta enviada em 21 de Fevereiro de 2019, a dita procuração carecia de assinatura do outro gerente uma vez que a sociedade em causa se obriga se obriga com a assinatura conjunta de dois gerentes.).
Sem qualquer notificação de premeio, nomeadamente ao abrigo do artº 41º do CPC, e melhor ponderação, imediatamente proferiu-se a sentença de que se recorre e, previamente, os despachos que a esse título acima se transcreveram.
O que se pode extrair unicamente do tramitado pelo curador até esta sentença é, portanto, uma indefetível falta de informação e de elementos sem os quais não era capaz de ficar ciente daquilo que se encontrava em jogo e que somente a citação efetuada nos seus devidos termos poderia proporcionar: transmissão de informação nomeadamente através de todos os elementos existentes no processo até à nomeação, convite para a defesa nos precisos termos em que devia ser efetuada, tudo para possibilitar com transparência o seu exercício efetivo conforme se menciona na última obra citada a páginas 413, requisito exigido desde logo no artº 219º, nº 3 do CPC.
Por este exposto, por falta da citação da recorrente deve ser declarado nulo tudo o que se processou depois da nomeação do curador (artº 187º, nº 1 do CPC), e, a final, embora por outros motivos, julgar-se-á procedente o recurso e declarada a nulidade do processado em tais termos revogar-se-á a sentença.
Por este motivo não se deixará de referir que o conhecimento de todas as outras questões suscitadas no recurso e acima fixadas como fazendo parte do seu objeto fica prejudicado, inclusivamente relativamente à imputada litigância de má-fé para a qual, para já, inexistem elementos suficientes para se concluir em termos de responsabilização por litigância de má-fé (artºs 542º a 545º do CPC).
*****
*****
Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso e, consequentemente, por falta de citação da recorrente conforme supramencionado, revogam a sentença e anulam tudo o que se processou depois da nomeação do curador incompatível com essa nulidade, devendo, com essa citação, o processo continuar os seus termos.
Custa pela parte vencida a final.
*****
18-06-2020