PROCESSO SUMARISSIMO
REJEIÇÃO DO REQUERIMENTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário

No âmbito de processo sumaríssimo, em todos os casos em que o juiz determine a rejeição do requerimento, por um dos fundamentos consignados no nº1 do artº 395 do C.P.Penal, tal decisão não é susceptível de recurso, independentemente da natureza e do bem ou mal fundado dos argumentos, das razões jurídicas que levaram a essa rejeição.

É uma opção legislativa, atentos os fins de celeridade que enformam essa modalidade processual.
Se a celeridade não pode ser obtida por essa via (quer por ausência de acordo entre os intervenientes processuais, quer por razões de apreciação jurídica de cariz judicial), não existem razões para se permitir o recurso de tal decisão, uma vez que os autos poderão prosseguir os seus termos pela via processual ordinária.

Só será admissível recurso do despacho proferido pelo juiz, em relação ao requerimento apresentado pelo Mº Pº, em processo sumaríssimo quando, dado o teor do aí decidido, se tenha de entender que essa decisão, ao invés de determinar o reenvio do processo para outra forma processual, na realidade o impede, passando a ser a resolução definitiva do processo.

(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam na 3ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

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I–RELATÓRIO


1.– Em 10 de Abril de 2019, no seguimento da apresentação pelo Mº Pº de requerimento para aplicação de pena, em processo sumaríssimo, à arguida C_______, imputando-lhe a prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art.º 231º nº1 do C. Penal, no âmbito de processo sumaríssimo, foi proferida decisão que determinou o seguinte:
Assim, e por entender que a sanção proposta, na sua totalidade, não realiza de forma adequada as finalidades da punição, ordeno o reenvio do processo para outra forma processual, nos termos dos arts. 395º nº1 al. c) e 398º do CPP.

2.– Inconformado, veio o Mº Pº interpor recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que importe o recebimento do requerimento do Ministério Público, in totum, e ordene a sua notificação à arguida, tudo nos termos do art.º 396º do Código de Processo Penal.

3.– O recurso foi admitido.

4.– A arguida não apresentou resposta.

5.– Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

II.–PONTO PRÉVIO.

Pese embora a questão que se passará a apreciar pudesse ser decidida por despacho proferido pela relatora - nos termos do artº 417 nº6 al. b) do C.P. Penal - a verdade é que desse despacho cabe reclamação para a conferência, atento o vertido no nº8 da mesma disposição legal.
Assim, atendendo-se à natureza dos autos e ao lapso de tempo já decorrido desde a prolação da decisão, opta-se por se proceder ao conhecimento da questão da admissibilidade do recurso directamente em conferência, nos termos do artº 420 do C.P. Penal.

III–APRECIANDO.

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO INTERPOSTO

1. Façamos uma breve resenha do desenrolar dos autos:

i. Em 19 de Março de 2019, o Mº Pº apresentou o seguinte requerimento:
O Ministério Público vem, nos termos dos artigos 392º, nº 1, e 394º do Código de Processo Penal, requerer a aplicação de sanções penais em processo especial sumaríssimo à arguida:
C_______das , filha de, nascida a 19.04.1968, natural da freguesia de Algoz, concelho de Silves, Solteira, e residente na rua __;
Porquanto indiciam suficientemente os autos que:
1)-Indivíduos de identidade não concretamente apurada, publicitaram na plataforma informática OLX um anúncio para arrendamento de uma vivenda para férias em Albufeira.
2)-Sucede que, os anunciantes não tinham a disponibilidade desse imóvel e pretendiam apenas apropriar-se das quantias que fossem transferidas pelas pessoas que se mostrassem interessadas no mesmo por conta da falsa promessa do seu arrendamento.
3)-Ao visualizar o mencionado anúncio, e pretendendo arrendar a referida vivenda, R_______, aqui ofendido, estabeleceu contacto com os anunciantes, o que foi feito para os números 91770 e 9150.
4)-Nessa sequência, acordaram que para garantir a reserva do imóvel, o ofendido tinha de proceder ao pagamento, primeiro de € 450,00, correspondente a 30% do valor da renda, depois de mais € 900,00, e posteriormente de mais € 900,00, referindo os anunciantes que estes dois últimos valores eram uma mera formalidade para assegurar o pagamento da renda e que seriam devolvidos na conta do ofendido.
5)-Não desconfiando dos reais intentos dos anunciantes, e acreditando que estava a reservar o arrendamento do imóvel em causa, o ofendido procedeu ao pagamento dos valores solicitados, o que foi feito no dia 19.02.2018 para entidade 11854 e as referências 809107335, 808436666 e 808468006.
6)-O ofendido só se apercebeu que tinha sido enganado quando, após os pagamentos já efectuados, os anunciantes continuavam a pedir mais dinheiro para a regularização do negócio e depois verificou que já tinha sido publicitado outro anúncio em relação ao mesmo imóvel.
7)-A entidade 11854 tem contrato com o Banco BPI e é gerida pela Ldt, correspondendo as referências 809107335, 808436666 e 808468006 a um cartão de crédito pré-pago Viabuy, titulado pela arguida.
8)-Com efeito, os anunciantes, em circunstâncias de tempo e lugar não concretamente apuradas, contactaram a arguida e solicitaram-lhe que, a troco de uma quantia monetária, criasse uma conta cartão para aqueles poderem movimentar quantias provenientes de factos ilícitos contra a património.
9)-Nessa sequência, e acedendo ao pedido que lhe foi feito, a arguida, no dia 20.01.2018 solicitou on line a criação de uma conta cartão, a qual tinha o ID 5776241 e à qual estavam associados dois cartões de crédito pré-pagos Viabuy, tendo a conta sido activada no dia 31.01.2018.
10)-Depois, seguindo as indicações que lhe foram dadas, reteve um dos cartões e o outro enviou para a morada que os indivíduos de identidade não concretamente apurada lhe indicaram.
11)-No dia 19.02.2018, após o ofendido ter transferido para essa conta o valor total de € 2.200,00, que a mesma sabia ter origem em burlas a terceiros, a arguida, seguindo as indicações que lhe foram dadas e como contrapartida da sua actuação, numa ATM sita em Algoz, procedeu ao levantamento da quantia total € 250,00, que gastou em proveito próprio.
12)-A arguida sabia que a conta que abriu se destinava a receber quantias provenientes de factos ilícitos contra o património e, ainda assim, quis e conseguiu agir do modo descrito, tendo-o feito com o propósito de obter para si uma vantagem económica que sabia não lhe ser permitida por lei.
13)-A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Pelo exposto, cometeu a arguida, em autoria material e na forma consumada, um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º, nº 1, do Código Penal.
Prova:
(…)
Estatuto processual da arguida:
(…)
Da aplicação do processo sumaríssimo:
À arguida é imputada a prática de um crime de crime receptação, previsto pelo artigo 231º, nº 1, do Código Penal, o qual é punível com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
a)- Da escolha da pena
Ao tipo legal de crime que a arguida praticou é, assim, aplicável uma pena de prisão ou uma pena de multa, o que implica, previamente, a escolha da espécie da pena.
O artigo 70º do Código Penal, fornece-nos o critério de escolha da pena, de acordo com o qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Por seu turno, o artigo 40º do Código Penal, indica-nos a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) como finalidades das penas e das medidas de segurança.
Resulta de forma clara que o artigo 70.º do Código Penal dá prevalência à pena não privativa da liberdade, sendo a pena detentiva ou privativa da liberdade encarada como a ultima ratio.
Ou seja, o tribunal deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial.
No caso vertente, cabe ponderar que, atenta a natureza do crime em apreço, as necessidades de prevenção geral são altas, tratando de crime cometido com alguma frequência.
As exigências prevenção especial são baixas, uma vez que a arguida aparenta estar socialmente inserida e não regista antecedentes criminais.
Face ao exposto, entendemos as finalidades da punição ainda ficarão suficientemente asseguradas com a aplicação de uma pena de multa.
b)- Da determinação da medida concreta da pena
Importa agora proceder à determinação da medida concreta da pena.
Dispõe o artigo 71º, nº 1, do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena. As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas” (RODRIGUES, Anabela Miranda; “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, página 147 e seguintes).
Do exposto decorre que prevenção geral determinará o mínimo abaixo do qual a intervenção punitiva do Estado seria de todo ineficaz para restabelecer a confiança comunitária na norma, e ao mesmo tempo o máximo, que será o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias; a culpa, como referimos, funcionará sempre como limite máximo inultrapassável da pena, ainda que abaixo do óptimo encontrado quando operando com critérios de prevenção geral; por último, dentro da moldura assim encontrada, funcionará a prevenção especial positiva que determinará o quantum necessário para permitir ao arguido a sua ressocialização.
Para além disso, estabelece ainda o artigo 71º, nº 2, do Código Penal que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência: c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
No que tange ao caso dos autos, temos que o grau de ilicitude do crime praticado pela arguida é médio, atento desde logo às circunstâncias em que os factos foram praticados, ao valor do prejuízo causado e ao benefício obtido.
O dolo da arguida é intenso, uma vez que os factos foram praticados com dolo directo - artigo 14º, nº 1, do Código Penal.
Deste modo, atendendo a estas circunstâncias e ao exposto supra sobre as exigências de prevenção geral e especial suscitadas no caso em apreço, e tendo ainda em conta a pena aplicável ao ilícito típico em apreço (10 a 600 dias de multa), reputamos como justa, adequada e proporcional a fixação de 150 (cento e cinquenta) dias de multa.
c)- Da determinação do quantitativo diário
Quanto à determinação do quantitativo diário este é efectuado atendendo à situação económica e financeira do(a) arguido(a) e aos seus encargos pessoais, podendo oscilar entre € 5,00 e € 500,00 - artigo 47º nº 2, do Código Penal.
Segundo declarou a arguida, a mesma está desempregada; vive em casa própria com o companheiro e um filho menor de idade; o companheiro é empregado de mesa e aufere um vencimento mensal no valor de cerca de € 600,00; tem o bacharelato em sociologia.
Assim, não obstante a pena de multa dever representar algum sacrifício para a arguida, sob pena de serem desvirtuadas as finalidades da punição, neste caso, ponderando a sua situação económica, tem-se por adequado a fixação do quantitativo diário em € 6,00 (seis euros).
d) Da reparação – artigo 394º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal
De acordo com o consignado na Directiva 1/2016 da PGR, “ O Ministério Público tem legitimidade, em processo sumaríssimo, para formular pedido de reparação civil a solicitação de qualquer lesado, de entidade a quem deva representação, assim como nas situações enquadráveis no artº 82ºA do Código de Processo Penal”.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 394º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, o requerimento do Ministério Público para aplicação de sanções penais em processo espacial sumaríssimo “termina com a indicação precisa pelo Ministério Público: a) Das sanções concretamente propostas; b) Da quantia exacta a atribuir a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82.º-A, quando este deva ser aplicado”., esclarecendo o artigo 393, nº 2, do mesmo diploma que “Até ao momento da apresentação do requerimento do Ministério Público referido no artigo anterior, pode o lesado manifestar a intenção de obter a reparação dos danos sofridos, caso em que aquele requerimento deverá conter a indicação a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 394.º”.
Aqui chegados, importa concluir que se o lesado tiver manifestado a intenção de obter a reparação dos danos sofridos, no requerimento o Ministério Público terá de indicar qual a quantia exacta que deve ser atribuída ao lesado a título de reparação.
Nos presentes autos, o lesado R_______ manifestou a fls. 99 e ss o propósito de obter nos presentes autos a reparação dos danos sofridos.
Tal como resulta dos autos, o lesado sofreu pelo menos um prejuízo equivalente ao montante transferido, motivo pelo qual entendemos justo e adequado ser ressarcido dessa quantia.
Deste modo, e nos termos do disposto no artigo 394º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, promove-se que seja atribuído ao lesado R_______, a título de reparação, a quantia de € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), a qual deve ser solidariamente suportada pela arguida.
Pelo exposto, propõe-se que seja aplicada à arguida a seguinte sanção:
- Pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 900,00 (novecentos euros).
Mais se propõe que seja atribuída ao lesado R_______, a título de reparação, a quantia de € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), a qual deve ser paga pela arguida.
Remeta os autos à distribuição, como processo sumaríssimo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 395º e ss do Código de Processo Penal.
Desde já se promove que, caso o requerimento não seja rejeitado, na notificação a efectuar nos termos do disposto no artigo 396º do Código de Processo Penal, a arguida seja advertido de que pode deduzir oposição apenas à sanção proposta, apenas ao pedido de reparação efectuado, ou a ambos (cfr. ponto 2 do capítulo VI da Directiva 1/2016 da PGR).

ii.Sobre tal requerimento recaiu a acima mencionada decisão judicial, com o seguinte integral teor:
Nos presentes autos foi apresentado pelo Ministério Público requerimento para aplicação de pena em processo sumaríssimo à arguida C_______, imputando-se à mesma a prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art.º 231º nº1 do CP.
Em tal requerimento é proposta pelo Ministério Público a aplicação de uma pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e ainda a condenação da arguida no pagamento de 2.250,00 euros a título de reparação ao ofendido nos termos do art. 82º A do CPP.
Ora, nos termos do mencionado art. 82º A do CPP, tal reparação da vítima só deve acontecer em casos especiais e nomeadamente quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, sendo tal um requisito necessário nos termos do nº1 de tal preceito legal.
Com efeito, tal mecanismo de reparação legal não pode ser confundido com um mero pedido de indemnização civil, pedido este que não tem lugar em processo sumaríssimo, conforme expressamente determinado no art. 393º do CPP, referindo o legislador que, caso o lesado manifeste a intenção de obter a reparação dos danos sofridos, poderá o MºPº solicitá-la ao abrigo do mencionado art. 394º nº2 al. b). No entanto, conforme já explicitado supra, o art. 394º nº2 al. b) do CPP refere expressamente que tal reparação só poderá ter lugar nos casos previstos do art. 82ºA do CPP e quando este deve ser aplicado. Ora, o art. 82º A do CPP, por sua vez, explicita os casos em que pode ser aplicado, salientando que tal só pode acontecer em casos especiais e quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, fazendo o legislador aqui questão de diferenciar tal reparação de um mero pedido de indemnização civil.
Ora, compulsados os autos constata-se que, do requerimento formulado pelo MºPº não resultam quaisquer circunstâncias que denotem qualquer exigência especial de protecção do ofendido. Aliás, embora o MºPº requeira a aplicação do disposto no mencionado art. 82º A, nem sequer justifica a razão pela qual solicita a condenação da arguida em tal reparação indemnizatória, não alegando sequer factos que permitem enquadrar o caso dos autos num caso subsumível ao referido dispositivo legal e apenas referindo que a quantia alegadamente devida não foi paga. Ora, tais factos não enquadram a previsão dos já referidos arts. 82º A e 394º nº2 al. b), subsumindo-se, isso sim, a factos que justificam a dedução de um pedido de indemnização civil.
Sendo o pedido de indemnização civil inadmissível em sede de processo sumaríssimo, e entendendo o MºPº que o lesado deve ser ressarcido dos prejuízos tidos com a conduta da arguida, deverá então o MºPº optar por deduzir acusação noutra forma de processo que não a sumaríssima, ao invés de escamotear tal ressarcimento numa reparação ao abrigo do art. 82ºA do CPP, a qual não se aplica, de todo, ao caso dos autos, conforme já explicitado supra.
Assim, e por entender que a sanção proposta na sua totalidade não realiza de forma adequada as finalidades da punição, ordeno o reenvio do processo para outra forma processual, nos termos dos arts. 395º nº1 al. c) e 398º do CPP.
Dando a competente baixa, remeta os autos aos serviços do MP para que ali seja feita a notificação à arguida da acusação e do prazo para requerer a abertura de instrução, caso o MP entenda que o processo deve seguir a forma comum - cfr. art. 398º nº 2, do CPP .
Notifique o MP deste despacho.

iii.É sobre este despacho que recai agora o recurso interposto pelo Mº Pº, que contém as seguintes conclusões:
a)- É o presente recurso interposto do despacho que não recebeu o requerimento do Ministério Público para condenação da arguida em pena de multa em sede de processo sumaríssimo e na respectiva reparação ao lesado, por entender que a pena e a reparação propostas não eram, no seu conjunto, adequadas ao caso concreto,
b)- O presente recurso cinge-se à rejeição da reparação proposta pelo Ministério Público ao lesado, por não ser, tal como consta do despacho agora recorrido, legalmente admissível em processo sumaríssimo, o que impediu os autos de prosseguirem sob a forma de processo sumaríssimo, violando, com tal rejeição, o disposto nos art.ºs 393º, n.º 2, 394º, n.º 2, al.b), e 395º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal.
c)- O despacho judicial que rejeitar o requerimento do Ministério Público para condenação em processo especial sumaríssimo, determinando o reenvio dos autos para tramitação sob forma de processo diverso, não é, em princípio, susceptível de recurso, nos termos do art.º 395º, n.º 4, do Código de Processo Penal, mas tal irrecorribilidade é limitada às situações em que motivo da rejeição se cinge a um dos três enumerados no n.º 1 do mesmo dispositivo, o que não é o caso.
d)- O motivo da rejeição do requerimento do Ministério Público não foi a desadequada dosimetria da pena proposta face às finalidades da punição, situação em que o recurso de tal despacho seria inadmissível face ao quadro legal em vigor (art.º 395º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal).
e)- O que subjaz a tal despacho é a consideração de que o Ministério Público não tem legitimidade para efectuar pedido de reparação, não só porque o ofendido de per si não se enquadra na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como vítima particularmente vulnerável, como também porque o Ministério Público, lançando mão da previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, não justifica, de modo algum, a especial vulnerabilidade de tal lesado.
f)- A questão cerne é, a final, a falta de legitimidade do Ministério Público para efectuar pedido de reparação quando o lesado não pode ser enquadrado na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como merecedor de especial protecção.
g)- Porque a recusa do requerimento do Ministério Público não teve como fundamento a desadequação da pena proposta ante as finalidades da punição, prendendo-se antes a uma questão de admissibilidade do pedido de reparação de lesado não especialmente vulnerável, deve o presente recurso ser admitido, já que situação diversa comportaria uma inadmissível restrição da garantia de recurso, que é norma no ordenamento processual penal vigente.
h)- Ainda que assim não fosse, sendo permitido ao juiz recusar o requerimento do Ministério Público por falta de adequação da pena proposta atentas as finalidades da punição – o que gera a irrecorribilidade de tal despacho de rejeição atento o n.º 4, do art.º 395º do Código Penal, - não pode o juiz sindicar a adequação do valor da reparação indicada pelo Ministério Público, por extrapolar o âmbito da norma, uma vez que a expressão “sanção” utilizada não comporta a reparação ao lesado, que assume características civilistas, o que igualmente sustenta a nossa consideração de que o despacho é recorrível.
i)- São três as situações em que o lesado pode, através da intervenção do Ministério Público, obter a reparação em sede de processo sumaríssimo:
1)- A solicitação do lesado, desde que este manifeste o desejo de ser ressarcido em sede de inquérito;
2)- Por dever de ofício, quando o Ministério Público entenda que o lesado se enquadra, em termos de legitimidade, no disposto no art.º 82º A, do Código de Processo Penal;
3)- Nos casos em que o Ministério Público representa entidades que desempenhem funções de interesse público sem poderes de representação própria em juízo.
j)- A decisão do Tribunal a quo não admite que o normativo contido no art.º 395º, n.º 2, do Código de Processo Penal, seja uma forma de reparação autónoma, quando o lesado não se enquadra na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como merecedor de especial tutela.
k)- Caso o Ministério Público entenda deduzir acusação em processo sumaríssimo, e sabedor de que há um lesado com a conduta criminosa que pretende obter uma reparação, deve formular o pedido de reparação, deduzindo-o nos termos do art.º 394º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, fazendo-o logo após a indicação da pena proposta e por referência a uma quantia exacta (que não exija liquidação posterior, atenta a especial natureza do processo sumaríssimo, que implica a adesão do arguido a uma proposta concreta de pena e reparação).
l)- A Directiva 1/2006, de 12/2, da PGR, que vincula apenas o Ministério Público na sua aplicação, cria o dever para o titular do inquérito de, antes da elaboração do requerimento para aplicação de pena e caso o lesado não tenha manifestado ainda a vontade de ser ressarcido, de notificar este para, em 10 dias, indicar se pretende reparação, caso em que o lesado deve apresentar os elementos necessários à sua quantificação pelo Ministério Público no requerimento que elaborará com os requisitos exigidos pelo art.º 394º do Código de Processo Penal.
m)-No presente caso, findo o inquérito, e uma vez que o ofendido no seu decurso manifestou desejo de ser ressarcido da quantia que foi ilegitimamente apropriada, indicando o concreto valor em dívida, o Ministério Público elaborou requerimento para aplicação de pena em processo sumaríssimo, descreveu a factualidade, fez a devida imputação jurídica, indicou o tipo de pena a aplicar e a sua medida concreta e, justificadamente, remetendo para o disposto no art.º 393º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que por seu turno remete para o art.º 394º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, indicou o valor da reparação adequada ao ofendido.
n)- Porque estão reunidos os legais pressupostos elencados no art.º 394º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, deveria ter sido recebido o requerimento do Ministério Público, o que apenas não sucedeu porque foi feita, na decisão do Tribunal a quo, uma interpretação menos correcta dos art.ºs 393º, n.º 2, 394º, n.º 2, e 395º, n.º 1, al c), todos do Código de Processo Penal, por ser legalmente admissível e não ser admissível a sua rejeição.

iv.O recurso foi admitido pela Mº Juíza “a quo”, pelas seguintes razões:
Nos termos do art.º 395º n.º 4 do Código de Processo Penal, o despacho judicial que rejeitar o requerimento do Ministério Público para condenação em processo especial sumaríssimo, determinando o reenvio dos autos para tramitação sob forma de processo diversa, não é susceptível de recurso, conforme expressamente determinado no n.º 5 do citado normativo.
No caso dos autos, e com os fundamentos aí consignados, entendeu-se, por despacho de fls. 157, reenviar o processo para outra forma processual, por não se concordar com a sanção proposta pelo MºPº na sua totalidade, no requerimento apresentado, enquadrando-se tal rejeição do requerimento do MºPº no disposto art. 395º nº1 al. c) do CPP.
Ora, conforme decorre expressamente do art. 395º nº4 do CPP, tal despacho não é recorrível.
Vem agora o MºPº, a fls. 159 e ss dos autos, interpor recurso do mencionado despacho, fundamentando a recorribilidade do mesmo com base na argumentação de que o motivo da rejeição do requerimento do Ministério Público não é a desadequada dosimetria da pena proposta a aplicar face às finalidades da punição mas sim a consideração de que o Ministério Público não tem legitimidade para efectuar pedido de reparação no presente caso, não só porque o lesado de per si não se enquadra na previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, como vítima particularmente vulnerável, como também porque o Ministério Público, lançando mão da previsão do art.º 82º A, do Código de Processo Penal, não justifica, de modo algum, a especial vulnerabilidade de tal lesado.
Sendo certo que tal é, exactamente, o motivo de fundo pelo qual o requerimento foi rejeitado, não deixa tal facto de se enquadrar na alínea c) do nº1 do mencionado art. 395º, já que o mesmo fala especificamente em sanção proposta e não em pena. Ora, a sanção proposta pelo MºPº no caso concreto envolve a pena criminal e, no caso, a reparação do prejuízo ao lesado.
Vale isto por dizer que, em bom rigor, entendemos que o despacho em crise não é susceptível de recurso.
No entanto, a questão em análise afigura-se de relevância jurídica extrema, inexistindo jurisprudência acerca da mesma.
Acresce que, atenta a posição do MºPº vertida no recurso, a própria recorribilidade do despacho parece ser discutível, não sendo correcto, do nosso ponto de vista, coarctar um direito fundamental quando existem opiniões diversas e bem fundamentadas acerca da própria recorribilidade de um acto. Para além do mais, e por uma questão de honestidade profissional, não poderemos deixar de colocar a hipótese de estarmos errados no que concerne à irrecorribilidade do despacho em causa.
Assim, e considerando igualmente os argumentos defendidos pelo MºPº em sede de recurso e respeitantes à recorribilidade do despacho em causa entendemos, por uma questão de transparência funcional, admitir o recurso efectuado, deixando ao Venerando Tribunal a faculdade de, caso assim o entenda, rejeitar o recurso por inadmissível ou, alternativamente, analisar a interessante questão de fundo que aí é colocada.
Face ao exposto, ao abrigo do disposto nos artºs. 399º e 401º, n.º 1, al. a), 411º, n.º 1, al. a), e n.º 3 e 412º do Código de Processo Penal, e art.º 393º, n.º 1 e n.º 5, a contrario sensu, também do Código de Processo Penal, por tempestivo, admissível, apresentado por quem tem legitimidade e interesse em agir e com respeito pelos requisitos de forma, admito o recurso interposto pelo MºPº a fls. 159 e ss., a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo do processo, de harmonia com as disposições conjugadas dos artºs.406º, nº.1, 407º, nº.1 e 408º, nº3 CPP.
Notifique.
Cumpra-se o disposto no art. 411º nº6 do CPP.

2.–Apreciando.

Estabelece o artº 395 do C.P. Penal o seguinte:
“1– O juiz rejeita o requerimento e reenvia o processo para outra forma que lhe caiba:
a)-Quando for legalmente inadmissível o procedimento;
b)-Quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 311.º;
c)-Quando entender que a sanção proposta é manifestamente insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2– No caso previsto na alínea c) do número anterior, o juiz pode, em alternativa ao reenvio do processo para outra forma, fixar sanção diferente, na sua espécie ou medida, da proposta pelo Ministério Público, com a concordância deste e do arguido.
3– Se o juiz reenviar o processo para outra forma, o requerimento do Ministério Público equivale, em todos os casos, à acusação.
4– Do despacho a que se refere o n.º 1 não há recurso.”

3.– O que daqui decorre afigura-se-nos simples – em todos os casos em que o juiz determine a rejeição do requerimento, por um dos fundamentos consignados no nº1 do dito artigo, tal decisão não é susceptível de recurso.
E não o será, independentemente da natureza e do bem ou mal-fundado dos argumentos, das razões jurídicas que levaram a essa apreciação, a essa rejeição.

4.– No caso concreto, constatamos que o despacho proferido pela Mª juiz “a quo” rejeitou tal requerimento pelas razões que enuncia e que entendeu integrarem-se na al. c) do nº1 do artº 395 do C.P. Penal e ordenou o reenvio do processo para outra forma processual. 
Entende o recorrente que se estaria perante questão que extrapola a proibição de recurso consignada no nº 4 do artº 395, uma vez que o motivo da rejeição do requerimento do Mº Pº não é a desadequada dosimetria da pena proposta a aplicar face às finalidades da punição, mas sim a consideração de que o Ministério Público não tem legitimidade para efectuar pedido de reparação no presente caso.

5.– Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Na verdade, a seguir-se o entendimento propugnado pelo recorrente, o despacho de rejeição seria sempre, essencialmente, recorrível, uma vez que as razões que levaram à mesma, poderão sempre ser alvo de discórdia e de crítica.

6.–Sucede, todavia, como supra já se referiu, que a irrecorribilidade prevista no dito nº 4 não se situa ao nível dos fundamentos da decisão da rejeição.

Na verdade, o que aí se consigna é que, havendo rejeição, determinada por alguma das alíneas do nº1 e independentemente de tal decisão até poder padecer de erro, a mesma não é susceptível de recurso.
É uma opção legislativa, que radica nos fins que se pretendem alcançar através da utilização de processo sumaríssimo e que são, essencialmente, de celeridade processual. Se a mesma não pode ser obtida por essa via (quer por ausência de acordo entre os intervenientes processuais, quer por razões de apreciação jurídica de cariz judicial), não existem razões para se permitir o recurso de tal decisão, uma vez que os autos poderão prosseguir o seu percurso pela via processual ordinária.

7.– Efectivamente, existe já jurisprudência que tem admitido a recorribilidade do despacho de não admissão do requerimento do Mº Pº, mas essa admissibilidade radica, precisamente, na circunstância de as decisões proferidas se situarem fora dos parâmetros fixados, quer no artº 395, quer no artº 398 do C.P. Penal. São casos em que a decisão judicial deixa impossibilitado, sem arrimo legal em que se apoie, o prosseguimento dos autos, por via de processo ordinário.
E daí que se tenha entendido (consideração a que damos o nosso apoio) que só será admissível recurso do despacho proferido pelo juiz, em relação ao requerimento apresentado pelo Mº Pº, em processo sumaríssimo quando, dado o teor do aí decidido, se tenha de entender que essa decisão, ao invés de determinar o reenvio do processo para outra forma processual, na realidade o impede, passando a ser a resolução definitiva do processo (vide, neste sentido, acórdão do TRP, proc. nº 75/18.6PFPRT.P1, de 11-04-2019 e acórdão do TRE, proc.º nº 35/10.5PESTB.E1, de 31-05-2011, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

8.– Como bem sintetiza o acórdão do TRP acima enunciado, a irrecorribilidade estabelecida no art. 395 nº4 do C.P.Penal não é aplicável aos casos em que o despacho põe termo ao procedimento criminal.
Tal não é, seguramente, o caso dos autos, em que o despacho de rejeição – por discutíveis que possam ser os fundamentos em que se arrima – não constitui decisão definitiva, antes determinando o reenvio dos autos para processo ordinário.
E assim sendo, não restam dúvidas que tal decisão se mostra irrecorrível.

9.– A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior, como prescreve o n.º 3 do artigo 414.º do C.P.Penal.
Assim, impõe-se rejeitar o recurso interposto pelo Mº Pº, o que obsta a que se conheça de mérito, nos termos do disposto nos arts. 414 n.º 2, 417 nº6 al. b) e 420 nº1 al. b), todos do C.P.Penal.

III–DECISÃO.

Face ao exposto, rejeita-se o recurso interposto pelo Mº Pº, por inadmissibilidade legal.
Sem tributação.



Lisboa, 24 de Junho de 2020


Assinaturas digitais:

Margarida Almeida – relatora
Ana Paramés