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PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
DUPLA CONTESTAÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
Sumário
1 - Exercido um direito esgota-se o direito de o praticar, o que torna o mesmo irrepetível. 2 - Por isso e tendo o arguido apresentado uma contestação, não pode depois o mesmo arguido, ainda que tempestivamente, apresentar uma segunda contestação. 3 - A tal leva o princípio da preclusão. 4 - Ao que acresce, no caso concreto, o facto de quando apresentada a segunda contestação já ter sido admitida a primeira, tendo-se pois formado caso julgado formal, quanto a tal admissão. 5 - Na contestação só podem arrolar-se testemunhas, peritos e consultores técnicos. 6 - A apresentação da demais prova pelo arguido deve ser feita em Instrução e, depois disso só em julgamento, em sede de prova suplementar e caso necessária. 7 - Já a prova documental pode ser junta durante todo o processo e até ao encerramento da audiência. 8 - Daí que, caso a mesma se anteveja como relevante, possa ser admitida antes do julgamento.
Texto Integral
Decisão Sumária
- Recorrente – A. C. (Arguido) - Recorridos – M.P.; - J. R. (Assistente)
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Por decisão proferida nos autos principais em 23 de Abril de 2 019, decidiu-se não admitir a segunda contestação junta pelo arguido aos autos, determinando-se o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
Com efeito, considerou-se que tendo já o arguido apresentado e sido admitida a primeira contestação, não podia o mesmo apresentar nova contestação com novos meios de prova.
Considera-se que o recurso deve ser rejeitado por decisão sumária do relator, por “manifestamente improcedentes”, o que se fará nos termos do disposto nos arts.º 417º/6, b) e 420º/1, a), C.P.P.
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Do Princípio da Preclusão e da Possibilidade de Ter Dois Atos Processuais para o Mesmo Efeito no Processo
A questão que se põe nos autos é facilmente identificável; pode um arguido ter duas contestações, no mesmo processo?
Sabe-se que em Processo Penal há duas peças processuais fundamentais: a acusação e a contestação.
A primeira, feita por sujeito processual diferente do julgador e submetida ao princípio do acusatório (art.º 32º/5 C.R.P.) tendo o arguido todas as garantias de defesa (art.º 32º/1 C.R.P.) e o direito a uma decisão justa e equitativa (arts.º 6º C.E.D.H. e 20º/4 C.R.P).
Beneficia assim do direito potestativo de contestar a acusação nos termos e prazo previstos no art.º 315º C.P.P., arrolando testemunhas (art.º 315º/1 C.P.P.), podendo em Instrução requerer as provas que entenda necessárias (art.º 287º/2 C.P.P.), juntando documentos até ao encerramento da audiência (art.º 145º C.P.P.) e ainda requerer em julgamento a prova suplementar que julgue necessária à descoberta da verdade material (art.º 340º/1 C.P.P.).
Estas algumas das garantias de defesa de que o arguido beneficia, necessárias a que um processo seja justo e equitativo e com respeito pelas garantias de defesa.
No fundo, acusação e contestação constituem o tema do processo, sendo os factos que constam das mesmas aqueles que devem ser dados como provados ou não provados e as conclusões de direito constantes delas, aquelas que devem ser debatidas na sentença/acórdão.
Mas, esta importância não quer dizer que a apresentação das mesmas não seja sujeita a regras processuais, no sentido de o processo ter um percurso lógico, rápido e coerente.
Ora e desde logo, a contestação deve ser junta no prazo de 20 (vinte) dias, decorridos da notificação (dupla notificação ao arguido e seu Defensor) do despacho que designa dia para julgamento – art.º 315º/1 C.P.P.
Mas e ainda dentro do referido prazo, poderá um arguido apresentar a sua contestação e depois num dia, mais dois argumentos de facto e noutro, mais três de direito? Ou até substituir uma contestação por outra, uma vez ou mais?
Ora, sobre esta questão há sobretudo um argumento lógico: praticado um ato ou usado um direito, esgota-se o poder de o praticar.
Ou, como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/5/2 016, Maria da Graça Santos Silva, em www.dgsi.pt, “Um dos princípios que enforma o nosso direito processual, civil e penal, é o da preclusão. Significa ele, entre o mais, que uma vez praticado determinado ato ele adquire foros de definitivo naquele processado (preclusão intraprocessual ou efeito intraprocessual da preclusão). Este princípio tem um campo de aplicação muito amplo, quer em Processo Civil, quer em Processo Penal e aplica-se nomeadamente a todos os petititórios e contestatários das partes.”
Ou ainda, como se disse no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 24/4/2 017, Fátima Furtado, em www.dgsi.pt, é “a perda de oportunidade de se praticar o ato processual, por o ato já ter sido praticado, já estar consumado.”
Em ambos os casos estava em causa a possibilidade de o M.P. substituir uma acusação, mas como se disse no primeiro Acórdão o conceito é extensível aos atos dos sujeitos processuais.
Veja-se ainda o decidido no Acórdão da Relação de lisboa de 21/2/2 019, Pedro Martins, quanto à substituição de uma réplica em Processo Civil, também com argumentos também aplicáveis em Processo Penal, em em www.dgsi.pt, “Apresentada a réplica e notificada a mesma à Ré, estabiliza-se a instância e com isso precludiu-se a possibilidade de o autor apresentar uma nova réplica.”
Embora em Processo Penal não seja aplicável o princípio da estabilidade da instância, surge-nos de novo a ideia da irrepetibilidade do ato praticado.
Em sentido idêntico e quanto a atos decisórios, no caso também a substituição de uma acusação pelo M.P., se decidiu que o citado princípio da preclusão não permitia essa substituição, mesmo pela via da declaração de nulidade do primeiro ato – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 22/10/2 018, Clarisse Gonçalves, também em www.dgsi.pt.
É que, mal se compreenderia um processo com vários aditamentos ou substituições de contestações, contraditórios entre si e que tornariam um processo numa manta de retalhos, em lugar de um encadeamento lógico de atos.
Ao que acresce, no caso concreto, o facto de a primeira contestação já ter sido admitida por despacho de 29/3/2 019, entrando a segunda contestação só em 5/4/2 019.
O despacho proferido tinha pois a força de caso julgado formal, tornando-se assim intangínvel até porque esgotado, quanto a essa matéria, o poder jurisdicional do Tribunal – art.º 613º/1 e 3), C.P.C. Fica pois e também precludida, qualquer outra decisão por parte do Tribunal.
Como admitir então que a primeira contestação e rol de testemunhas, que foram admitidos (fls. 40 deste Apenso de Recurso), de nada valessem no processo?
Contra, nem se diga que o arguido retirou a primeira contestação, por requerimento de 16/4/2 019 assinado pelo seu Defensor Oficioso.
É que, em tal data já a contestação por si apresentada tinha sido admitida, com isso se formando caso julgado formal. É certo que os sujeitos processuais podem retirar os seus requerimentos, mas obviamente que apenas nos casos em que não foram apreciados recaindo sobre si decisão que tem a força de caso julgado no processo. Depois de proferida esta decisão é óbvio que não pode retirar algo que já foi objeto de apreciação judicial e decisão.
Eventual prejuízo para o arguido deste entendimento não leva ao quebrar destas regras processuais e só pode ser discutido em sede de eventual responsabilização dos seus Defensores.
Com esta decisão não se põem em causa os princípios Constitucionais das garantias de defesa, direito ao contraditório, direito a uma decisão justa e equitativa e o princípio do acesso ao direito.
Com efeito, o arguido teve todos estes direitos.
O mau uso processual dos mesmos é que pode determinar algum decesso do arguido.
E é também óbvio que há regras para exercer os direitos, não podendo estes prevalecer em caso de incumprimento dessas regras, contra lei que já existia à data dos atos incorretamente praticados.
Senão, a disciplina processual do processo de nada serviria, pois sempre se poderiam alegar esses princípios.
Não ocorre pois e também, qualquer inconstitucionalidade.
Não pode pois admitir-se uma segunda contestação, depois de apresentada e admitida uma primeira – sob pena de o processo ser uma completa anarquia. É que a forma também é importante no exercício dos Direitos, de modo a que o processo tenha um encadeamento lógico, de fácil entendimento e rápido. Não será pois de alterar a decisão que não admitiu a segunda contestação do arguido recorrente.
Supletivamente, pedia ainda a recorrente que, mesmo que desentranhada a contestação fosse admitido o respetivo rol e demais prova requerida.
Quanto ao rol, nem se percebe bem qual o alcance do referido no recurso, uma ve que quer na primeira, quer na segunda contestação, o rol de testemunhas apresentado pelo arguido recorrente é o mesmo, quer quanto à acusação, quer quanto ao pedido cível – a testemunha S. S..
Aliás, nem se compreende bem como diz o Il. Defensor do arguido que não contactou com o arguido, quando afinal vem a arrolar a mesma testemunha que a Il. Advogada constituída, na segunda contestação.
E de qualquer forma e tendo em conta o supra decidido, havendo já uma contestação e um rol no processo, não poderia o arguido apresentar novo rol, mas apenas aditar ou substituir testemunhas do anterior – art.º 316º C.P.P.
Este segmento recursório também deve assim, claramente improceder.
Requer ainda o arguido recorrente, na dita segunda contestação, que se oficie à G.N.R. no sentido de ser obtida informação sobre a identidade dos agentes que, no dia 15/7/2 017 se deslocaram ao prédio rústico, para serem inquiridas em sede de julgamento.
Ora, o arguido deve concentrar a sua prova na fase de Instrução (art.º 287º/2 C.P.P.), só se permitindo nos termos do disposto no art.º 315º/1 e 3), C.P.P. a apresentação de rol de testemunhas, peritos e consultores técnicos que devem ser notificados para a audiência, a fim de serem inquiridos.
Tal diligência deveria pois ter sido requerida em sede de Instrução, sem prejuízo de vir a ser requerida e deferida, caso se entenda como útil pera a descoberta da verdade, em sede de prova suplementar e na fase de julgamento (art.º 340º/1 C.P.P.). É que, sobre este tipo de diligências probatórias não realizadas em Instrução e que podem retardar a marcha do processo, só um juízo de necessidade por parte do Tribunal já em sede de julgamento, depois de produzida a prova arrolada e a já constante dos autos, pode determinar a sua produção.
Juízo de necessidade que não pode ser feito neste momento, pelo que também não podia o Senhor Juiz deferir este requerimento, tanto mais que a mesma é requerida com uma contestação que não foi admitida e foi mandada desentranhar.
Improcede pois e também este segmento recursório, por ser “manifestamente improcedente” – sem prejuízo, como se disse, do que vier a ser entendido em termos de prova suplementar e nos termos do disposto no art.º 340º/1 C.P.P., oficiosamente ou caso seja feito novo requerimento neste sentido.
O mesmo se diga, quanto às provas por perícia e inspeção ao local, também constantes da segunda contestação apresentada pelo arguido recorrente. Só em julgamento pode ser feito eventual juízo de necessidade sobre a sua produção, pelo que só então podem ser de novo requeridas e apreciadas ou até determinadas oficiosamente (art.º 340º/1 C.P.P.), sendo que pelo menos também a perícia deveria ter sido requerida em Instrução (art.º 287º/2 C.P.P.). Não terá pois também provimento o recurso do arguido, neste segmento, por a pretensão ser “manifestamente improcedente”. Estas partes ou segmentos do recurso interposto são claramente improcedentes, pelo que quanto a elas será o recurso rejeitado por decisão sumária do relator, proferida nos termos do disposto nos arts.º 417º/6, b) e 420º/1, a), C.P.P.
No que se refere aos docs. 1) a 6), juntos com a segunda contestação.
Os documentos oferecidos podem ter alguma relevância para a decisão da causa e podem ser juntos até ao encerramento da audiência (arts.º 164º e 165º C.P.P.). Se o arguido não procedeu á sua junção em Inquérito ou Instrução, é porque certamente tal lhe não foi possível. E, constando dessa segunda contestação as razões para a junção dos documentos, não deve ser-se demasiado formalista no sentido de exigir requerimento à parte para esta matéria, em função da rejeição da referida contestação e como decorre dos princípios do aproveitamento dos atos processuais ínsito ao disposto no art.º 146º/2 C.P.C. e da gestão processual previsto no art.º 6º C.P.C. ambos aplicáveis via art.º 4º C.P.P. – e em prol da celeridade processual. Assim, neste caso e por desde já se antever relevância na respetiva junção aos autos, procede pois o recurso interposto, também por decisão sumária e agora ao abrigo do disposto no art.º 417º/6, d), C.P.P. – apreciação no mesmo sentido de forma uniforme e reiterada, pelos Tribunais.
A referida 2ª contestação ficará apenas nos autos como justificação da junção dos referidos documentos.
Das Custas
Como o arguido recorrente não decairá totalmente no seu recurso antes procedendo o mesmo parcialmente, não deve o mesmo ser condenado em custas, nos termos do disposto nos arts.º 420º/3 e/ou 513º C.P.P.
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Termos em que,
3 – Decisão
a) se concede parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A. C., por via disso se alterando a decisão recorrida no que se refere aos documentos 1) a 6) oferecidos na segunda contestação de fls. 41/44V.º destes autos de Recurso em Separado, que são agora admitidos, mantendo-se a referida contestação apenas nos autos a título de fundamentação da respetiva junção.
b) Em tudo o mais, rejeita-se o recurso interposto pelo referido arguido, assim se mantendo a decisão recorrida– sem prejuízo de, em sede de julgamento se produzir, oficiosamente ou a requerimento, a prova suplementar tida como necessária.
c) Sem custas, por não haver rejeição total do recurso.
d) Notifique.