EMBARGOS DE EXECUTADO
MÚTUO BANCÁRIO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no artigo 781.º do Código Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade automática de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
II - A norma do artigo 781.º do Código Civil tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada, podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas sem necessidade da interpelação do devedor.
III - O sentido da expressão vencimento imediato não é o do afastamento do regime-‑regra que resulta do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, o qual careceria de ser expresso de forma inequívoca.
IV - Na redação do Código de Processo Civil, dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, o então artigo 804.º, n.º 3 previa expressamente a possibilidade da interpelação ser substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo.
V - Tal hipótese desapareceu na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8.3, situação que se manteve inalterada na redação do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao atual Código de Processo Civil.
VI - No essencial, tal regime mantém-se por força do estipulado no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial, a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.
VII - Não sendo legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas, como a penhora, sem que o crédito exequendo esteja vencido, nos casos em que ocorra diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora, terá o credor de proceder à interpelação extrajudicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.
VIII - Não obstante a inexigibilidade da obrigação exequenda, nos termos em que foi peticionada ao abrigo do artigo 781.º do Código Civil, o título executivo revela-se suficiente para o efeito da exigibilidade do pagamento das prestações vencidas e correspondentes juros, à data da propositura da execução.
IX - O artigo 610.º do CPC não é aplicável sem mais à ação executiva pois esta tem por base um título pelo qual se determinam os fins e os limites da execução.
X - São apenas exigíveis as prestações já vencidas e não pagas à data da propositura da execução e respetivos juros a contar desde essa data, sem prejuízo do disposto nos artigos 711.º, n.º 1, e 850.º do CPC quanto à cumulação sucessiva de execuções ou a renovação da execução relativamente às prestações vencidas posteriormente.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. A Exequente Hefesto STC, S.A. interpôs recurso da sentença proferida em sede de embargos de executado, por apenso à execução que intentou contra o Executado FF…, cujo título executivo constitui um contrato de mútuo bancário com hipoteca.
2. No âmbito dos embargos de executado, o Embargante/Executado ausente, citado editalmente e representado pelo Ministério Público, alegou, em síntese, que:
- Desconhece e não tem que conhecer se o contrato de mútuo que constitui a causa de pedir do título dado à execução foi celebrado pelo Executado, qual o montante mutuado, os prazos estabelecidos, a(s) data(s) de vencimento;
- Estando em causa uma obrigação pecuniária a ser paga em prestações (em que o não pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes – cf. artigo 781.º do Código Civil), a verdade é que a sua exigibilidade está dependente de interpelação do devedor, a qual, por seu turno, não consta do título executivo nem dos seus documentos;
- Não tendo havido interpelação do devedor, a dívida não está vencida, pelo que não é, pelo menos para já, exigível como pretende a Exequente;
- Dessa falta de interpelação resulta a inexigibilidade da obrigação exequenda, fundamento de oposição nos termos dos artigos 731.º e 729.º, alínea e) do CPC;
- Nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
- No presente contrato de mútuo apenas existem dois tipos de prestações: juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artigo 310.º, alíneas d) e e) do Código Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos;
- Consta do requerimento executivo que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir do dia 2 de Janeiro de 2004;
- Assim, a partir desta data venceram-se todas as prestações, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito;
- O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, «nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida», sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artigo 309.º do referido diploma (cf. acórdão do STJ de 4.5.1993, in CJ, Tomo 2, p. 82);
- De tal resulta que a Exequente, a partir do dia 3.1.2004, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil;
- Sem que se tenha verificado qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, o seu crédito deve considerar-se prescrito desde o dia 3.1.2009;
- Não sendo exigíveis as obrigações principais, não deve o executado a obrigação dos respetivos juros.
Termina pedindo a extinção da ação executiva.
3. A Embargada/Exequente apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência dos embargos de executado, com os seguintes fundamentos:
- A execução tem como título executivo uma escritura de contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca, devidamente assinada pelo Executado, que atesta a celebração do aludido contrato por aquele, não tendo sido arguida a falta de autenticidade do documento;
- Decorre do disposto na alínea a) da cláusula nona do documento complementar do contrato que constitui o título executivo da presente execução que: «A presente hipoteca poderá ser executada se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas»;
- Ao contrário da redação do artigo 781.º do Código Civil, o banco mutuante consagrou, através de cláusula contratual, que a falta de pagamento de uma prestação importaria o vencimento imediato de todas, afastando, assim, no âmbito da aplicação do princípio da liberdade contratual, a necessidade de interpelação do mutuário pelo mutuante para efeito de vencimento da totalidade da obrigação;
- Não se limitou, por conseguinte, o banco mutuante a reproduzir os termos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, consagrando, mediante acordo, um vencimento automático da totalidade da obrigação na hipótese de falta de pagamento de uma prestação;
- Pelo que, é exigível, desde 2.1.2004, o montante da totalidade da dívida;
- Ainda que assim não se entenda, ter-se-á vencido a totalidade da dívida com a concretização da citação edital do Executado;
- Tendo o capital vencido, na sua íntegra, em 2.1.2004, não se poderá falar em quotas de amortização de capital, pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 310.º do Código Civil, não estando, por essa via, prescritas quaisquer parcelas de capital, aplicando-se, ao invés, o prazo prescricional de vinte anos, previsto no artigo 309.º do mesmo diploma.
4. Após cumprimento do contraditório, o Tribunal a quo dispensou a audiência prévia e proferiu saneador-sentença a julgar a oposição à execução procedente, com custas a cargo da Embargada.
5. Inconformada com o assim decidido, a Embargada/Exequente interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A) O tribunal a quo julgou inexigível a obrigação exequenda porquanto não se ter verificado a interpelação do devedor para pagamento, e respetivo vencimento da dívida.
B) Sentenciou ainda, em virtude da aplicação das alíneas d) e e) do art. 310º do C.P.C., a prescrição do crédito exequendo desde o dia 03.01.2009.
C) Com a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos aos juros convencionais ou legais ainda que que ilíquidos e às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, o tribunal a quo considerou a dívida exequenda prescrita desde a data supra indicada.
D) Tendo concluído pela procedência dos embargos de executado, e consequentemente, pela extinção da ação executiva.
E) A recorrente, em sede própria, apresentou contestação aos embargos de executado apresentados pelo Ministério Público em representação do executado,
F) Tendo pugnado pelo vencimento da dívida exequenda e respetiva exigibilidade a partir da data da citação edital do executado, que se verificou em 03.05.2017.
G) O tribunal a quo entendeu, porém, que por via da citação do executado, a dívida não se tornou exigível,
H) Ignorando o disposto na alínea b) do nº 2 do art. 610º do C.P.C. na qual se dispõe que: "Se não houver litígio relativamente à existência da obrigação, observa-se o seguinte: Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação",
1) Cuja aplicação determinaria forçosamente o vencimento da obrigação a partir da concretização da citação edital do executado, cf. já decidido pelo STJ, no acórdão de 2006.01.17, Azevedo Ramos, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 05 A3869.
J)  Ao não considerar no direito aplicável ao caso o artigo supra, o tribunal a quo não só violou o preceito legal em questão,
K) Como errou na determinação da norma aplicável ao presente caso.
L)  Pelo que pretende a recorrente, com o presente recurso, ver reconhecido a totalidade do capital em dívida, cf. peticionado no requerimento executivo, acrescido de juros a partir da data da concretização da citação edital do executado que se verificou em 03.05.2017, com o consequente prosseguimento dos autos de execução para liquidação da dívida.»
Propugna, por isso, a Recorrente que a apelação seja julgada procedente e que a execução por si intentada prossiga os seus trâmites.
6. O Embargado/Executado, representado pelo Ministério Público, apresentou alegação de resposta, com as seguintes CONCLUSÕES:
«
Conforme resulta da douta sentença recorrida, por escritura pública outorgada em 28 de Novembro de 2001, refere a exequente — Hefesto STC, SA (por cessão de créditos do Banco Comercial Português) que o BCP mutuou ao executado – FF…, a quantia de oito milhões e seiscentos e oitenta mil escudos - €43.295, 66 (quarenta e três mil, duzentos e noventa e cinco euros e sessenta e seis cêntimos); quantia esta destinada à aquisição de imóvel para a habitação.
2.º
O empréstimo foi concedido pelo prazo de 180 (cento e oitenta) meses e deveria ser amortizado em 180 (cento e oitenta) prestações em mensais e sucessivas de capital e juros à taxa convencionada.

Para garantia do referido mútuo, respectivos juros e demais despesas, constituiu o executado a favor do BCP-exequente uma hipoteca, conforme consta dos documentos juntos aos autos pela exequente.

O executado mutuário deixou de pagar as prestações vencidas a 2 de Janeiro de 2004, e todas as demais prestações a partir de então.

Nos termos das alíneas d) e e) do artº 310º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
14.º
A razão essencial desta prescrição de curto prazo é evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor contra a acumulação da sua divida.
15.º
Pelo que no que respeita a este prazo, já Manuel de Andrade ensinava: "a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar”- Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1972, pág. 452.
16.º
Esta prescrição dizia, por sua vez, Vaz Serra, "destina-se a evitar a ruina do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas" - Prescrição e Caducidade, in BMJ, nº 107, pág. 285.
17.º
No presentes contrato de mútuo apenas existem dois tipos de prestações: juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artº 310º als. d) e e) do C. Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos.
18.º
Consta do requerimento executivo que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir do dia 2 de Janeiro de 2004,
19.º
Assim, a partir desta data venceram-se todas as prestações acordadas, nos termos do artº 781º, do C. Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito.
20.º
O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, "nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida" sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil (cfr. Ac. do STJ). de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82; Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175)
Também, como é afirmado no Ac. do STJ de 27/03/2014 (processo 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) o débito concretizado numa quota de amortização mensal, em prestações mensais e sucessivas referentemente a um montante de capital mutuado enquadra-se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, conforme se retira das considerações explicitadas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, onde expressamente se refere "...na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida (...)... constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra".
21.º
De tal resulta que a exequente a partir do dia 03/01/2004, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artº 306º, nº 1 do C. Civil.
22.º
Pelo que, não se verificando qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição o seu crédito deve considerar-se prescrito desde o dia 03/01/2009.
23.º
Invoca-se, assim, a prescrição do direito de crédito da exequente.
24.º
Não sendo exigíveis as obrigações principais, não deve o executado a obrigação dos respectivos juros.
25.º
Pelo que o executado nada tem (agora) a pagar à exequente.
26.º
A prescrição ora invocada é uma prescrição extintiva e não presuntiva, pelo que o executado nada deve pagar à exequente.»
Termina pedindo a extinção da ação executiva.
7. O recurso de apelação foi admitido por despacho proferido no dia 3.2.2020, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- Da (in)exigibilidade da dívida;
- Da exceção perentória da prescrição.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Os factos considerados provados na sentença recorrida, que passamos a numerar e aos quais acrescentamos os pontos 1, 2, 6, 8 e 9, ao abrigo do artigo do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, são os seguintes:
1 - No dia 13.2.2014, a Exequente propôs ação executiva para o pagamento de quantia certa contra o Executado, de que os presentes embargos constituem apenso.
2 - Consta do requerimento executivo que:
«I) DO CRÉDITO

Em 28 de Novembro de 2001, no exercício da sua actividade creditícia, Banco Comercial Português, S. A., celebrou com o Executado Um Contrato de Compra e Venda e Mútuo com no montante de Esc. 8.680.000$00, contravalor de € 43.295,66 (quarenta e três mil duzentos e noventa e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), por escritura pública lavrada de fls. 80 verso a folhas 83 verso do Livro de Notas nº 269-F, do Décimo Cartório Notarial de Lisboa, conforme resulta da escritura que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como Documento n.º 1 - Título Executivo.

O referido mútuo encontra-se garantido por hipoteca constituída sobre a fracção autónoma designada pela letra "B" correspondente ao rés-do-chão B, destinado a habitação, com arrecadação no sótão, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, números … e …- A, Quinta …, Freguesia de Paio Pires, Concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o número …, e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …º.

Hipoteca que se encontra registada, através da inscrição AP. 11 de 2001/11/13, até ao montante máximo de Esc. 11.386.424$00, contravalor de € 56.795,24 (cinquenta e seis mil setecentos e noventa e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), conforme resulta da certidão de teor da descrição e de todas as inscrições em vigor acessível pelo código PP-…-…-…-… através do site www.predialonline.pt e cuja cópia ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais como Documento nº 2.

No contrato supra mencionado ficou convencionado que o pagamento do referido empréstimo seria efectuado, mediante o pagamento de 180 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se no mês seguinte ao da outorga da escritura.
Não obstante,

O mutuário faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Banco mutuante, não tendo pago as que se venceram a partir de 02 de Janeiro de 2004, apesar de instado para o respectivo pagamento, por múltiplas e diversas vezes.
Ora,

O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida - cfr. artigos 781.º e 817.º do Código Civil.

Acresce que, dispõe a cláusula 4ª do Documento Complementar que integra o Título Executivo que «Em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal ".
Sendo que,

À data do incumprimento, a taxa de juro contratual para o empréstimo em causa era de 3,75%, acrescida de taxa de 4%, resultando na taxa de juro de 7,75%.
Assim,

Tendo o Executado deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato acima referidos, mostram-se em dívida, à data de 13 de Fevereiro de 2014, as seguintes quantias:
- Capital em dívida                   € 39.057,56
- Juros de mora                        € 30.634,50
- Despesas                                € 108,06
O que perfaz o total de             € 69.800,12
10º
Pelo que, à presente data de 13 de Fevereiro de 2014, o valor em dívida relativo aos mencionados contratos de mútuo é de € 69.800,00 (sessenta e nove mil e oitocentos cêntimos).
13º
A este valor, acrescem os juros de mora vincendos desde 14 de Fevereiro de 2014 até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida, conforme mencionado supra, à taxa de 7,75%, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis.
14º
Os créditos peticionados, respectivos juros vencidos e vincendos, despesas e imposto de selo, estão consubstanciados em título executivo, de harmonia com o disposto no art.º 703.º do CPC, logo, o crédito exequendo é certo, líquido exigível, sendo certo que tais créditos gozam, ainda, de garantia real sobre o bem penhorado na presente execução, nos termos previstos nos artigos 686.º e seguintes do Código Civil
3 - Por escritura pública outorgada em 28.11.2001, refere a Exequente – Hefesto STC, S.A. (por cessão de créditos do Banco Comercial Português, S.A. – doravante BCP) que o BCP mutuou ao Executado – FF…, a quantia 43 295, 66 € (quarenta e três mil, duzentos e noventa e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), destinada à aquisição de imóvel para a habitação.
4 - O empréstimo foi concedido pelo prazo de 180 (cento e oitenta) meses e deveria ser amortizado em 180 (cento e oitenta) prestações em mensais e sucessivas de capital e juros à taxa convencionada.
5 - Para garantia do referido mútuo, respetivos juros e demais despesas, constituiu o Executado a favor do BCP-Exequente uma hipoteca, conforme consta dos documentos juntos aos autos pela Exequente.
6 - Constam do documento complementar da escritura referida nos pontos 2 a 5, entre outras cláusulas, as seguintes cláusulas:
«CLÁUSULAS DO CONTRATO DE MÚTUO COM HIPOTECA, no montante de OITO MILHÕES E SEISCENTOS E OITENTA MIL ESCUDOS, celebrado entre "Banco Comercial Português, S.A.", com sede na Praça Dom João I, 28, no Porto, pessoa colectiva número 501525882, adiante designado apenas por Banco, e FF…, adiante designados por MUTUÁRIOS;         
PRIMEIRA: A quantia mutuada é nesta data entregue pelo Banco por crédito da conta de depósito à ordem número … aberta em nome dos MUTUÁRIOS junto do Banco Comercial Português, S.A., ou através de cheque sacado sobre o Banco, à ordem dos MUTUÁRIOS,
SEGUNDA: O empréstimo é concedido pelo prazo de cento e oitenta meses a contar do próximo dia dois, e será amortizado em cento e oitenta prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.   
TERCEIRA: 1. O empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, actualizados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, à taxa resultante da EURIBOR (European InterBank Offer Rate) a noventa dias, que vigore no segundo dia útil anterior ao início do período de contagem de juros, acrescida de um vírgula quatro pontos  percentuais, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior.        
2. Os períodos de contagem de juros serão trimestrais.         
3. Em cada período de contagem de juros a taxa de juro manter-se-á inalterável.
4. A EURIBOR é contada sobre o contra-valor em Euros do capital devido em Escudos.
5. Durante os primeiros três meses o empréstimo vence juros calculados à taxa anual nominal de quatro vírgula noventa e cinco por cento, à qual corresponde a taxa anual efectiva de cinco vírgula zero seis por cento, calculada nos termos do Decreto Lei número Duzentos e Vinte barra Noventa e Quatro de Vinte e Três de Agosto. 
6. Se o indexante referido no número um (EURIBOR) deixar de existir ou, no entender do Banco, perder a sua actual representatividade haverá lugar à sua substituição por iniciativa do Banco, obrigando-se este a escolher para indexante uma outra taxa disponível no mercado e que tenha uma representatividade o mais aproximada possível à actual representatividade da EURIBOR.
QUARTA: 1. Em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal.         
2. O Banco reserva-se o direito de, a todo o tempo e independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste.
(…) NONA : A presente hipoteca poderá ser executada:       
a) se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas;      
b) se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objecto de arresto, execução ou qualquer outro procedimento cautelar ou acção judicial, casos cri que se consideram igualmente vencidas e eis as obrigações que assegura,:
c) se os MUTUÁRIOS utilizarem para fim diverso do declarado, tanto o empréstimo como o imóvel;          
d) se se vencer qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, ou se não for cumprido qualquer dos deveres que para os MUTUÁRIOS decorrem deste contrato.           
(…) DÉCIMA SEGUNDA: O crédito cuja garantia é a hipoteca ora constituída fica afectado, sem qualquer prejuízo para os MUTUÁRIOS, ao cumprimento de "Obrigações Hipotecárias" a emitir pelo Banco, ao abrigo dos Decretos Lei número Cento e Vinte Cinco barra Noventa, de Dezasseis de Abril e Dezassete barra Noventa e Cinco, de Vinte e Sete de Janeiro, e demais legislação aplicável.»
7 - O Executado mutuário deixou de pagar as prestações vencidas a 2.1.2004, e todas as demais prestações a partir de então.
8 - No dia 17.3.2014, foi objeto de penhora a fração autónoma designada pela letra «B», destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão B, pertencendo-lhe uma arrecadação no sótão, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na rua …, n.ºs … e …-A, Quinta …, união das freguesias do Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires, concelho Seixal, descrita na conservatória do registo predial de Seixal com o n.º … «B» e inscrita na respetiva matriz sob o artigo … «B» (processo principal consultado via citius).
9 - Procedeu-se à citação edital do Executado ausente, tendo sido o Ministério Público citado, em sua representação, no dia 12.10.2017.
Inexistem factos considerados não provados na sentença recorrida.
Apreciação do objeto do recurso
Da (in)exigibilidade da dívida
a) A Apelante invoca erro de julgamento no segmento em que o Tribunal recorrido considerou a dívida exequenda inexigível por não ter ocorrido a interpelação do devedor, fundamento de oposição nos termos dos artigos 731.º e 729.º, alínea e), do CPC.
Considera que tal dívida é exigível desde a data da citação edital do Executado, que se terá verificado no dia 3.5.2017, e conclui que o Tribunal a quo ignorou o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 610.º do CPC.
O Apelado argui que ficou consagrado, através de cláusula contratual de teor contrário à redação do artigo 781.º do Código Civil, que a falta de pagamento de uma prestação importaria o vencimento imediato de todas, afastando, assim, no âmbito da aplicação do princípio da liberdade contratual, a necessidade de interpelação do mutuário pelo mutuante para efeito de vencimento da totalidade da obrigação.
Conclui que, com o vencimento automático da totalidade da obrigação mediante o não pagamento da prestação de 2.1.2004, a dívida é exigível desde esta data, o que significa que decorreu desde esse momento, quanto a todas as prestações (e, por consequência, respetivos juros), o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil.
b) Consta da fundamentação da decisão recorrida que:
«Conforme alega o executado, a cujos fundamentos se adere, estando em causa uma obrigação pecuniária a ser paga em prestações, (em que o não pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes - cfr. artigo 781.º do CC), a verdade é que a sua exigibilidade está dependente de interpelação do devedor, interpelação essa que não consta do título executivo nem dos seus documentos. Diz o dispositivo legal, artigo 781.º do CC: "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas".
Deste modo e por se aderir aos fundamentos alegados, transcreve-se o seguinte: «Com efeito, e permitimo-nos transcrever o Ac. da Relação do Porto, de 25.01.2010, disponível in www.trp.pt, pela sua clareza: é entendimento praticamente unânime na doutrina de que, apesar daquela disposição legal descrever a situação como de vencimento antecipado, prevê-se ali, antes, a perda do benefício do prazo por parte do devedor e, assim, se o credor não exigir as prestações restantes, o devedor não fica logo constituído em mora pela totalidade da obrigação: tem de ser interpelado para tal, ou seja, o credor tem de lhe manifestar vontade em se aproveitar daquele benefício. Pelo que "vencimento imediato significa, neste caso, exigibilidade imediata" - A.VARELA in C.C. Anotado, II, em anotação ao referido preceito legal, expendendo o mesmo entendimento in Das Obrigações em Geral, II, 52. No mesmo sentido cfr., ainda, ALMEIDA COSTA in Direito das Obrigações, 866; PESSOA JORGE in Direito das Obrigações, I, 317; LOBO XAVIER in RDES, XXI, 201; MENEZES LEITÃO in Direito das Obrigações, II, 164; e RIBEIRO FARIA, in Obrigações, II, 325. Já GALVÃO TELLES, in Direito das Obrigações, 261, entende que se trata de um caso de vencimento automático antecipado, mas reconhece não ser a solução mais razoável: "razoável seria que o credor ficasse com a faculdade de, se assim o desejasse, reclamar o pagamento imediato, e não que se lhe impusesse o benefício, que ele e poderá não querer, de um vencimento automático". O que mais se evidencia, agora, com a decisão proferida no acórdão uniformizador nº7/2009. Consagra aquela disposição legal, não obstante a sua redacção, a solução da exigibilidade antecipada e não a do vencimento automático antecipado.
Assim, não tendo havido interpelação do devedor a dívida não está vencida, pelo que não é, pelo menos para já, exigível como pretende a exequente. Nem se pode aceitar que por via da citação do executado nos autos a referida dívida se torne exigível pelas razões acima aduzidas. Dessa falta de interpelação resulta a inexigibilidade da obrigação exequenda, fundamento de oposição nos termos dos artigos 731.º e 729.º, al. e) do CPC.
c) A lei conferia força executiva a todos os «documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º» - artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961.
Foi controvertida a questão de saber se os documentos particulares anteriores à entrada em vigor do CPC de 2013 mantinham a força de título executivo que à data da sua celebração a lei lhes conferia.
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 14.10.2015, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do CPC de 2013 a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do citado artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, constante dos artigos 703.º do CPC e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26.6, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
Na situação em apreço, não é colocado em crise que o contrato de mútuo dado à execução constitui título executivo.
O título executivo é pressuposto de carácter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão um grau de certeza que permita a subsequente agressão patrimonial dos bens do devedor.
Constitui, assim, a base da execução, pela qual se determinam os fins e os limites da ação executiva, nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do CPC, relegando para segundo plano a substância da relação creditícia e erigindo como fator determinante aquilo que é formalmente revelado pela simples análise do título (cf. acórdão do TRL de 27.6.2007, p. 5194/2007-7, in www.dgsi.pt).
O título executivo é também condição suficiente da ação executiva, uma vez que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrarem asseguradas, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação.
Na verdade, a ação executiva não constitui o instrumento adequado à definição de direitos, privilegiando-se antes a atividade conducente ao cumprimento coercivo das obrigações em sede de ação declarativa, tramitada sob as vestes de um processo contraditório e de natureza cognitiva, no qual se poderão apreciar os fundamentos e a quantificação do direito de crédito.
Decorre da análise do título dado à execução que estamos perante uma escritura pública de mútuo comercial com hipoteca voluntária (cf. artigos 1142.º e 686.º do Código Civil e 2.º do Código Comercial).
O empréstimo bancário, como espécie do empréstimo mercantil é sempre retribuído (artigo 395.º do Código Comercial). O reconhecimento dos juros como elemento essencial harmoniza-se com o disposto no artigo 362.º do Código Comercial, quando considera o empréstimo bancário como uma operação comercial tendente a realizar lucros sobre o numerário. O reembolso dos fundos deve ser efetuado nos termos previstos no respetivo contrato, podendo consistir numa única entrega ou em várias, distribuídas ao longo do tempo.
No caso, o reembolso foi acordado sob a forma de 180 prestações mensais e sucessivas.
d) No requerimento executivo, a Exequente alega que o Executado deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato à data de 2.1.2004.
Mais argui que a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida, nos termos do artigo 781.º do Código Civil.
Conclui, assim, que, em 13.2.2014, o valor em dívida relativo ao mencionado contrato de mútuo é de 69 800,00 €, assim discriminado:
- Capital em dívida 39 057,56 €
- Juros de mora 30 634,50 €
- Despesas 108,06 €
O artigo 781.º do Código Civil contempla uma causa de perda do benefício do prazo, para além das previstas no antecedente artigo 780.º.
Assim, nas dívidas ou prestações fracionadas, tendo o devedor faltado ao cumprimento de uma prestação, o credor poderá exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade.
Este preceito aplica-se às prestações ditas fracionadas ou repartidas, ou seja, às obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, em sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objeto global está previamente fixado e não depende da duração da relação obrigacional.
Em suma, trata-se de uma hipótese de perda do benefício do prazo em que se concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações e, deste modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vincendas.
Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas.
Este é o entendimento que domina na doutrina, sublinhando-se, porém, em sentido contrário, conquanto crítica, a posição de Galvão Telles (Direito das Obrigações, Coimbra: Almedina, 7.ª ed., p. 271).
Seguindo a lição de Antunes Varela, o que resulta do artigo 781.º do Código Civil é tão‑somente a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações devidas para o futuro, ficando o credor, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido, não resultando qualquer vencimento imediato ex vi legis, começando desde esse momento o devedor a responder pelos danos moratórios.
Vasco Xavier observa que a interpretação que defende o vencimento automático não só representa uma injustificada violência para o devedor, como se não compagina com o disposto no artigo 805.º do Código Civil, nos termos do qual aquele fica constituído em mora após ter sido interpelado para cumprir, exceto se a obrigação tiver prazo certo (RDES, Ano XXI, n.ºs 1, 21, 3 e 4, p. 201).
Seguimos sem hesitações esta tese maioritária.
A ratio do artigo 781.º do Código Civil radica na quebra provocada pelo devedor da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fracionado no tempo.
Estamos perante uma mera faculdade, que o credor pode exercer ou não, em conformidade com a avaliação que faz da situação económica do devedor e dos seus próprios interesses. O credor pode, inclusive, optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.
Na jurisprudência predomina também esta linha de entendimento, salientando-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.1.2006 (p. 05A3869), de 14.11.2006 (p. 06B2911) e de 25.5.2017 (p. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2TRL), os acórdãos do TRL de 15.5.2012 (p. 7169/10.4TBALM-A.L1-7) e de 7.6.2019 (p. 22574/13.6T2SNT-A.L1), o acórdão do TRP de 25.1.2010 (p. 5664/08.4TBVNG.P1) e os acórdãos do TRC de 10.3.2009 (p. 3078/08.5TJCBR.C1) e de 7.6.2016 (p. 783/13.8TBLMG-A.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A norma do artigo 781.º do Código Civil tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada, podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor (neste sentido, acórdãos do STJ de 21.11.2006, p. 06A3420, e do TRC de 4.6.2013, p. 5366/09.4T2AGD-A.C1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt).
A interpretação de cláusulas escritas inseridas em contratos segue os normativos previstos nos artigos 236.º e ss. do Código Civil. Estando em causa contratos de natureza formal, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que expresso imperfeitamente (artigo 238.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Importa, assim, interpretar o sentido da cláusula nona do contrato de mútuo, segundo a qual, «A presente hipoteca poderá ser executada: a) se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas;».
Significará que o vencimento de todas as prestações decorre do incumprimento de alguma das obrigações sem que a credora careça de interpelar o devedor (tese da Apelante)?
Em nosso juízo, o que se encontra plasmado na referida cláusula contratual em nada difere do que ressalta da interpretação dominante do artigo 781.º do Código Civil.
O sentido da expressão vencimento imediato não é o do afastamento do regime-regra que resulta do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, o qual careceria de ser expresso de forma inequívoca.
O vencimento imediato não equivale a vencimento automático de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas, não ficando a credora dispensada de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida.
A ausência de automatismo no vencimento antecipado implica outra consequência.
A interpelação do devedor para cumprir a obrigação de pagamento, que então ganhou novos contornos, deve anteceder a propositura de ação executiva.
A Apelante alega que o Tribunal a quo ignorou o artigo 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC, ao considerar que, por via da citação do Executado, a dívida não se tornou exigível.
Invoca, nesse sentido, a jurisprudência do acórdão do STJ de 17.1.2006, p. 05A3869, www.dgsi.pt.jstj. Seguem o diapasão do acórdão citado pelo Apelante, os acórdãos do TRL de 15.5.2012 (p. 7169/10.4TBALM-A.L1-7) e do TRE de 22.11.2012 (p. 1895/10.5TBCTX-A.E1), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
Em sentido algo diverso, os acórdãos do STJ de 12.7.2018 (p. 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1) e do TRC de 12.12.2017 (p. 10180/15.5T8CBR-A.C1), ambos relativos ao mesmo processo, e o acórdão do TRC de 6.2.2016 (p. 195/13.3TBPCV-A.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt, aceitam que a citação torna exigível a dívida vencida nos termos do artigo 781.º do Código Civil, mas apenas nas execuções ordinárias, em que tal ato precede os atos de agressão do património do devedor.
Na redação do CPC de 1961 conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, o então artigo 804.º, n.º 3, previa expressamente a possibilidade de a interpelação ser substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo - «quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado».
Tal hipótese desapareceu na redação introduzida no artigo 804.º pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8.3, situação que se manteve inalterada na redação decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao atual CPC de 2013.
Comentando essa eliminação, Carlos Lopes do Rego sublinhou que «no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.» (Requisitos da Obrigação Exequenda, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, n.º 7, 2003, Almedina, pp. 70-71).
Realçou, porém, a estrutura do processo previsto nos artigos 812.º-A, n.º 1, alíneas c) e d), e 812.º-B do CPC, introduzida pelo citado Decreto‑Lei n.º 38/2003: «não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra‑judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.» (obra e pp. citadas).
Aderimos sem reservas a esta posição, por não concebermos a agressão do património do devedor sem a sua interpelação prévia.
Senão, vejamos.
O artigo 465.º do CPC de 1961 previa duas formas de processo de execução:
1 - A forma ordinária para as execuções que, independentemente do valor do pedido, se fundassem em qualquer título executivo que não fosse a decisão judicial - n.º 1, alínea a) - ou em decisão judicial condenatória que carecesse de ser liquidada em execução de sentença - n.º 1, alínea b).
2 - A forma sumária para as execuções baseadas em sentença ou decisão judicial, qualquer que fosse o processo em que tivesse sido proferida, sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior.
Com a redação dada ao artigo 465.º pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, o processo comum de execução passou a seguir forma única, ainda que se tenham mantido algumas especificidades decorrentes, entre outros fatores, do título dado à execução.
Assim, preceituava o artigo 812º-A, n.º 1, do CPC, na redação do citado Decreto-Lei n.º 38/2003, que:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, não tem lugar o despacho liminar nas execuções baseadas em:
a) Decisão judicial ou arbitral;
b) Requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória;
c) Documento exarado ou autenticado por notário, ou documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, desde que:
O montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, quando tal fosse necessário ao vencimento da obrigação;
Excedendo o montante da dívida a alçada do tribunal da relação, o exequente mostre ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa;
d) Qualquer título de obrigação pecuniária vencida de montante não superior à alçada do tribunal da relação, desde que a penhora não recaia sobre bem imóvel, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os inclua.
(…) 3 - Nas execuções dispensadas de despacho liminar, o funcionário judicial deve suscitar a intervenção do juiz quando:
a) Duvide da suficiência do título ou da interpelação ou notificação do devedor; (…)» (negrito e sublinhados nossos).
Decorre da análise destes preceitos, designadamente dos excertos que destacámos, a enorme relevância atribuída à interpelação do devedor em momento prévio à realização da penhora.
O artigo 550.º do CPC de 2013 prevê, no seu n.º 1, a reintrodução das formas de processo ordinário ou sumário no processo comum para o pagamento de quantia certa, determinando o n.º 2 do preceito o emprego do processo sumário nas execuções baseadas:
«a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo;
b) Em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória;
c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor;
d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância.» (negrito e sublinhados nossos).
Em consonância com este normativo, fundando-se a presente execução em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca, a execução segue a forma de processo sumário, o que significa que começou pelas providências executivas, antes do ato da citação (cf. factos provados sob os pontos 8 e 9).
Com efeito, no dia 17.3.2014, foi objeto de penhora uma fração autónoma do Executado e no dia 12.10.2017, ou seja, mais de três anos depois, ocorreu a citação do Ministério Público, em representação do Executado ausente.
Ora, não tendo ocorrido in casu a interpelação extrajudicial do devedor antes da propositura da execução (a qual não foi sequer alegada no requerimento executivo, nem posteriormente), para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda nos termos pretendidos pela Exequente/Recorrente.
Salienta-se que o acórdão do STJ de 17.1.2006, citado pela Exequente/Recorrente se reportava a uma execução ordinária, pelo que tinha subjacente uma situação diversa da sub judice.
Rebatemos também o argumento da Exequente/Recorrente no sentido da aplicação ao caso do artigo 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC, segundo o qual, «2 - Se não houver litígio relativamente à existência da obrigação, observa-se o seguinte (…) b) Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação
Com efeito, dispõe o artigo 551.º, n.º 1, do CPC que «São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva
Ora, o artigo 610.º do CPC não é aplicável sem mais à ação executiva pois, como vimos, esta tem por base um título pelo qual se determinam os fins e os limites da execução.
A esta luz, recusando-se à citação do Executado/Embargante a virtualidade substitutiva de uma interpelação prévia, é de concluir pela inexigibilidade da quantia exequenda tal como vem peticionada.
e) Sem embargo, a complexidade da questão não nos permite quedar por aqui, como o fez o Tribunal recorrido.
Se é certo que do contrato de mútuo titulado por escritura pública que serve de título à presente execução não resulta a obrigação exequenda, o que dizer das prestações vencidas e não pagas à data da propositura da execução?
Como vimos, num contrato deste tipo - mútuo bancário em que se acorda o pagamento dos juros e a restituição do capital de forma fracionada, em prestações mensais -, quando se exige a totalidade do capital em dívida e dos juros vencidos e não apenas prestações em dívida (estas sim diretamente resultantes das obrigações assumidas no contrato), o título ou causa de pedir da ação executiva compreende não só o contrato, onde porventura se clausulou a possibilidade do mutuante exigir a totalidade do capital mutuado, como os documentos comprovativos da verificação do evento de funcionamento dessa cláusula, ou da perda do benefício do prazo, ou de se ter operado a resolução do contrato.
Aqui chegados, verificamos que o cerne da questão pode não respeitar apenas à exigibilidade da obrigação mas à própria suficiência do título.
O título executivo é complexo quando corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente naufragar a do outro.
Ora, soçobrado o documento complementar que constitui a interpelação do devedor nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, remanesce o título executivo dado à execução que constitui a escritura pública de mútuo com hipoteca.
Este título executivo, conjugado com o requerimento executivo e a prova do incumprimento de todas as prestações vencidas desde 2.1.2004, serve ainda de base a uma execução para o pagamento de quantia certa em que é exigido o cumprimento de obrigações contratuais.
O artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, preceitua que os devedores se constituem em mora, independentemente de interpelação, logo que vencida e não paga a prestação a prazo certo convencionada.
Compulsada a factualidade provada, constata-se que ficou convencionado que o valor mutuado de 43 295,66 € deveria ser amortizado em cento e oitenta prestações mensais e sucessivas de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, à taxa contratual de 3,75%, acrescida da taxa de 4%, a título de cláusula penal, perfazendo a taxa de juro de 7,75%, à data da propositura da execução.
Ora, o incumprimento do Executado teve início, como ficou demonstrado, com o não pagamento da prestação datada de 21.1.2004.
Assim se conclui que, não obstante a inexigibilidade da obrigação exequenda nos termos em que é peticionada, o título executivo revela-se suficiente para o efeito da exigibilidade do pagamento das prestações vencidas e respetivos juros à data da propositura da execução.
Não aderimos ao entendimento plasmado no acórdão do TRG de 15.12.2016 (p. 2507/13.0TBGMR-B.G1, www.dgsi.pt), na passagem em que, não obstante conclua pela necessidade de interpelação do devedor no âmbito da previsão do artigo 781.º do Código Civil, considera que, em obediência ao disposto no artigo 611.º, n.º 1, do CPC, o Tribunal deve considerar todo e qualquer facto constitutivo, modificativo ou extintivo do direito em análise que se produzir posteriormente à instauração da execução, de modo a incluir as prestações com carácter certo que se forem vencendo após a instauração da execução.
São apenas exigíveis as prestações já vencidas e não pagas à data da propositura da execução e respetivos juros desde essa data, devendo proceder-se à necessária liquidação, sem prejuízo da Exequente, se for caso disso, requerer, ulteriormente, a cumulação sucessiva de execuções ou a renovação da execução relativamente às prestações vencidas posteriormente (cf. artigos 711.º, n.º 1, e 850.º do CPC).
Neste sentido, podem consultar-se os acórdãos do TRL de 17.11.2011 (p. 1156/09.2TBCLD-D.L1) e de 27.6.02018 (p. 22574/13.6T2SNT-A.L1), ambos em www.dgsi.pt.
f) Em face do que precede, conclui-se pela exigibilidade da dívida em termos diversos dos propugnados pela Exequente/Recorrente.
Da exceção perentória da prescrição
a) A Apelante afasta a aplicação ao caso dos prazos de prescrição previstos no artigo 310.º do Código Civil, por considerar que todo o capital mutuado se venceu, na íntegra, em 2.1.2004, ao abrigo do artigo 781.º do referido diploma.
O Apelado sustenta que, no presente contrato de mútuo, apenas existem dois tipos de prestações - juros e capital amortizável com juros -, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos.
Como entende que é a partir de 2.1.2004 que se venceram todas as prestações acordadas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o Ministério Público conclui que a partir daquela data se venceram todas as prestações acordadas.
Mais considera que tal questão não releva para a problemática em causa, porque, neste caso, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida, não sendo de aplicar o prazo de prescrição ordinária de 20 anos previsto no artigo 309.º do referido Código.
Conclui pela prescrição da dívida de capital no dia 3.1.2009, acrescentando que, não sendo exigíveis as obrigações principais, não deve o Executado a obrigação dos correspondentes juros.
Neste âmbito, lê-se na decisão recorrida que:
«Acresce ainda que, nos termos das alíneas d) e e) do artº 310º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. A razão essencial desta prescrição de curto prazo é evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida. Pelo que no que respeita a este prazo, já Manuel de Andrade ensinava: “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar”- Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1972, pág. 452. Esta prescrição dizia, por sua vez, Vaz Serra, “destina-se a evitar a ruina do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas”- Prescrição e Caducidade, in BMJ, nº 107, pág.285. No presentes contrato de mútuo apenas existem dois tipos de prestações: juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artº 310º als. d) e e) do C. Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos. Consta do requerimento executivo que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir do dia 2 de Janeiro de 2004.
Assim, a partir desta data venceram-se todas as prestações acordadas, nos termos do artº 781º, do C. Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito. O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil (cfr. Ac. do STJ de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82; Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175). Também, como é afirmado no Ac. do STJ de 27/03/2014 (processo 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) o débito concretizado numa quota de amortização mensal, em prestações mensais e sucessivas referentemente a um montante de capital mutuado enquadra-se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, conforme se retira das considerações explicitadas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, onde expressamente se refere “...na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida (...)... constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
De tal resulta que a exequente a partir do dia 03/01/2004, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artº 306º, nº 1 do C. Civil. Pelo que, não se verificando qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição o seu crédito deve considerar-se prescrito desde o dia 03/01/2009. Não sendo exigíveis as obrigações principais, não deve o executado a obrigação dos respectivos juros».
b) O artigo 310.º do Código Civil consagra situações especiais de prescrição extintiva de curto prazo (prescrição de cinco anos), cuja razão de ser radica na proteção do devedor, pela acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar se o pagamento lhe pudesse ser exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos (cf. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, p. 107), evitando-se, assim, que o credor retarde a exigência de créditos periodicamente renováveis.
Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, como resulta do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Este preceito abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas frações distintas: uma de capital e outra de juros, em proporção variável, a pagar conjuntamente.
Nos termos do disposto no artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil, verificada a prescrição pelo decurso do prazo prescricional, é conferida ao devedor, seu beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Ora, não oferece dúvidas que a atitude do Banco se enquadra na previsão legal da citada alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
Foi este o entendimento professado pela primeira instância.
Porém, o raciocínio do Tribunal a quo padece de uma incongruência.
Com efeito, julga-se a dívida exequenda inexigível por falta de interpelação nos termos e para os efeitos do artigo 781.º do Código Civil, mas aplica-se a regra do citado artigo 310.º, alínea e), do mesmo Código, como se todas as prestações se tivessem vencido no dia 2.1.2004.
Como é evidente, a prescrição deve aplicar-se in casu a cada uma das prestações mensais de forma autónoma e não a todas, caso em que seria até discutível se o prazo a aplicar não seria antes o da prescrição ordinária de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
A prescrição pode ser interrompida, em conformidade com o disposto nos artigos 323.º a 327.º do Código Civil, sendo certo que, em consequência da interrupção, o tempo decorrido fica inutilizado, começando, em princípio, o prazo integral a correr de novo a partir do ato interruptivo (artigo 326.º do mencionado Código).
A interrupção é determinada por atos que tanto podem resultar de uma iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito (artigo 323.º do Código Civil), como por atos do beneficiário da prescrição, ou seja do devedor (artigo 325.º do referido diploma).
A interrupção da prescrição não se basta com a propositura da ação ou da execução, necessário se tornando a prática de atos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor.
Uma vez que a citação ou a notificação demoram, por vezes, mais tempo do que o devido, se a demora não resultar de causa imputável ao requerente, estatui a norma excecional do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil que o efeito interruptivo se verifica cinco dias após aquelas diligências terem sido requeridas, se entretanto ainda não tiverem sido feitas.
Decorre do exposto que o prazo de prescrição de cinco anos se interrompeu no dia 18.2.2014, ou seja, cinco dias após a propositura da execução, no dia 13.2.2014.
Ficcionando-se, então, para tal efeito, que a citação ficou nesse momento efetuada, verifica-se, por via disso, também uma interrupção duradoura da prescrição, prevista no artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil.
Aqui chegados, urge concluir no mesmo sentido que o Tribunal a quo, quanto à aplicabilidade do prazo de prescrição de cinco anos ao caso em apreço.
Todavia, em sentido divergente, entendemos que tal prazo se aplica a cada uma das prestações que se venceram desde a prestação de 2.1.2004.
O que significa que estão prescritas todas as prestações mensais vencidas desde 2.1.2004 até 2.1.2009, devendo a execução prosseguir apenas para o pagamento das prestações mensais e correspondentes juros convencionais vencidos desde 2.2.2009 até 13.2.2014.
Do sentido da decisão do recurso e das custas
Tendo em consideração a argumentação expendida, verificamos que a apelação deve proceder parcialmente.
Vencidos a Exequente/Recorrente e o Executado/Recorrido, as custas do recurso e dos embargos seriam, em princípio, da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do decaimento, em conformidade com os artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
Porém, como resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do Regulamento das Custas Processuais, o Executado/Recorrido é ausente, sendo representado pelo Ministério Público, pelo que está isento do pagamento das custas.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência,
a) Revogar parcialmente o saneador-sentença recorrido, no que concerne à inexigibilidade da obrigação exequenda e à prescrição da dívida, e
b) Substituí-lo pela decisão de prosseguimento da execução para o pagamento da quantia exequenda correspondente às prestações do contrato de mútuo com hipoteca que se venceram mensalmente desde 2.2.2009 até à data da propositura da execução, em 13.2.2014, acrescidas dos juros de mora convencionados, vencidos e vincendos, sobre cada uma das prestações referidas, devendo a Exequente proceder à liquidação de tal quantia.
Mais se decide condenar a Recorrente/Exequente no pagamento das custas do recurso e dos embargos, na proporção do seu decaimento.
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Lisboa, 21 de maio de 2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira