NULIDADE DE DOAÇÃO
FALSIDADE DO TERMO DE AUTENTICAÇÃO DE PROCURAÇÃO
BOA-FÉ
Sumário


1. A inobservância da formalidade per relationem do art.262º/2 do C. Civil em relação a um ato de doação sujeito à forma do art.947º do C. Civil: em regra desencadeia os efeitos da nulidade da doação para o ato de doação, nos termos do art.220º do C. Civil, e da ineficácia da doação em relação ao doador representado por procurador sem poderes, por estar munido de procuração nula, nos termos do art.268º do C. Civil; excecionalmente, pode ter estes efeitos regra impedidos e paralisados, como se os atos praticados fossem válidos e eficazes, quando tiver ocorrido uma manifesta violação da das regras da boa-fé, por venire contra factum proprium e agressão das exigências de proteção da confiança da contraparte, ao abrigo do instituto do abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil.
2. O subscritor de procuração para doação de imóveis, lavrada em documento particular cujo termo de autenticação é falso, procuração com base na qual foi declarada e aceite a doação em contrato autenticado, excede manifestamente os limites da boa-fé, nas modalidades de venire contra factum proprium e violação das exigências da proteção da confiança, sancionadas pelo abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil, quando:
a) Manifestou pretender doar imóveis determinados para um fim social, desencadeando junto de terceiros e da contraparte donatária, entretanto constituída (uma Associação), os atos de concretização dessa finalidade (constituição de uma Associação, realização de projetos, apresentação de pedidos oficiais de aprovação, ampliação da área de implantação de edifícios com novas aquisições e doações, tomada de posse dos prédios doados e adquiridos).
b) Subscreveu procuração a conferir poderes a procurador para a doação desses imóveis, identificando estes, a entidade beneficiária (em cuja constituição participou e de que era sócio fundador), a forma do ato, sem manifestação de reservas e restrições e com a consciência da invalidade formal do ato (cuja invalidade veio depois invocar).
c) Desencadeou, com a referida outorga da procuração: a celebração da doação pelo seu procurador e a aceitação da doação pela Associação donatária em relação aos prédios indicados e por ato autenticado indicado na procuração; a publicitação dos atos na comunidade; a tomada de posse dos prédios, com as diligências para a implantação da obra de construção do Lar.

Texto Integral


ACÓRDÃO

I- Relatório:

J. M. instaurou contra “Associação C e M. S.”, D. B. e M. R. a ação declarativa de condenação sob a forma de processo, na qual:

1. O autor:
1.1. Pediu:
a) A declaração de falsidade da procuração de 18.03.2014, no seu conjunto, porquanto é falso o termo de autenticação lavrado pela 3ª ré/solicitadora M. R., por nada do que dele consta se ter verificado ou corresponder à verdade.
b) A declaração da invalidade e ineficácia da procuração.
c) A declaração, consequentemente, de invalidade e de ineficácia da doação lavrada com base numa procuração falsa, o que nos termos do art. 268º C. Civil consubstancia representação sem poderes, o que implica a ineficácia do contrato de doação em relação ao A., por configurar uma doação de bens alheios.
d) A restituição da ré Associação ao autor dos bens imóveis identificados no art. 7º da p. i., nos termos do art. 289º C. Civil, ou, se a restituição em espécie não for possível por a ré ter alienado entretanto os bens, o pagamento ao autor do valor correspondente.
e) O cancelamento dos registos de aquisição a favor da ré/Associação em sequência do contrato de doação inválido e ineficaz.
1.2. Alegou: que pretendeu ceder gratuitamente os seus imóveis para as pessoas carenciadas de X (através de comodato, usufruto) e doar dinheiro para a construção, com controlo por si da totalidade do efetuado; que o réu D. B. e os membros da direção da Associação deturparam o seu projeto, forjaram uma procuração falsa, constituíram a Associação e procederam à ilícita e dolosa doação dos seus imóveis em favor da 1ª ré (sem uma cláusula de reversão no contrato de doação dos imóveis) e ainda lhe exigiram 600 000 US Dólares, mesmo depois de descobertos os atos ilícitos e dolosos praticados.
1.3. Defendeu, em síntese:
a) Que a procuração outorgada por si datada de 18 de março de 2014 é falsa, por ser falso o termo de autenticação da mesma, porquanto declara terem-se passado na presença da 3ª ré factos que não se verificaram ou não foram praticados ou não ocorreram.
b) Que a falsidade do “termo de autenticação” lavrado pela solicitadora/3ª ré invalida o texto da declaração negocial denominada “procuração” e, consequentemente, a mesma enquanto procuração, porquanto não foi cumprida a forma legal (formalidade “ad substanciam”), exigida para a validade do negócio jurídico, nos termos dos arts. 262º/2, ex vi do art. 220º C. Civil, ferindo-a de nulidade.
c) Que, sendo nula a procuração em que se atribuem ao D. B. poderes de representação para a celebração do contrato de doação dos imóveis a favor da Associação/ré, aplica-se consequentemente ao ato de doação o regime estabelecido no art. 268º C. Civil para a representação sem poderes, implicando a ineficácia/nulidade do negócio (contrato de doação) em relação ao autor, que nunca quis o mesmo e consequentemente nunca o ratificou.
d) Que a doação operada consubstancia uma doação de bem alheio.
e) Que, sendo o contrato de doação nulo e ineficaz, deve ser restituído, nos termos do art. 289º C. Civil, tudo o que tiver sido prestado, ordenando-se assim a restituição pela 1ª ré dos imóveis ao património do autor e o cancelamento dos registos a favor da Associação/ré.
2. A ré Associação e o réu D. B. contestaram:
2.1. Por exceção:
a) De caducidade, alegando: que o autor teve conhecimento que a escritura de doação e apresentação da respetiva procuração ocorreu no inicio de 2014; que a presente ação foi instaurada no dia 11 de março de 2018; que, nos termos do artigo 298º/2 C. Civil “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”; que o prazo de caducidade começou, assim, com o conhecimento do autor na utilização da procuração e celebração da escritura – início de 2014; que, de acordo com o disposto no art. 287º do C. Civil, a anulabilidade só pode ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, pelo que se conclui que tal prazo de um ano há muito se mostra ultrapassado; que o autor entregou de imediato à ré Associação os imóveis doados, que os aceitou e ficou na sua posse, tendo procedido ao registo a seu favor.
b) De abuso do direito, por o pedido de nulidade da procuração apresentado pelo autor, emitente da mesma, quando o fez de livre vontade e sabendo das suas implicações, conhecendo o seu conteúdo, e ao fim de quatro anos, é manifestamente injustificado, traduz uma ofensa do sentido ético-jurídico, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do mesmo.
2.2. Por impugnação dos factos alegados pelo autor, alegando: que sempre foi intenção e iniciativa do autor proceder à doação à Associação dos prédios que descreveu na petição inicial e ainda 600 000,00 dólares, intenção que se veio a concretizar e formalizar através da doação junta à petição inicial, com exceção do dinheiro, cuja promessa não cumpriu; que o réu D. B. atuou sempre em conformidade com a vontade do Autor, em obediência aos formalismos legais necessários para constituir, aprovar e executar um projeto que fosse de encontro ao manifestado por aquele.
3. A ré M. R. apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelo autor, alegando, no que a si respeita (quanto à apreciação da validade da procuração objeto dos autos, cumprindo aferir da sua conformidade legal, nos termos do Decreto-Lei 76-A/2006, de 29 de março com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 8/2007, de 17 de janeiro): que o próprio autor confessa ter assinado a procuração e tê-la devolvido, conhecendo o seu teor; que, tal como assim e enviou a procuração, assinou e enviou também o termo de autenticação pós-datado, já que tudo lhe foi enviado no mesmo momento e ao mesmo tempo; que o autor pretende aproveitar-se do facto da ora ré ter confiado na sua palavra e ter admitido que assinasse a procuração e o termo de autenticação à distância, para manifestamente retroceder no seu compromisso, resolver os negócios jurídicos validamente celebrados em 2014; que a procuração não está ferida de falsidade, bem sabendo o autor que a assinou, assim como o seu termo de autenticação, sendo a doação a sua vontade manifesta à data dos factos; que o autor teve acesso a todos os documentos arquivados pela ora ré em 2015; que, deve ser considerada válida a procuração outorgada, devidamente assinada pelo autor (procuração e termo de autenticação), prevalecendo a verdade material sobre a formal.
4. Proferiu-se despacho saneador e de fixação de temas de prova.
5. Realizou-se a audiência de julgamento, na qual: o autor exerceu o contraditório quanto às exceções; inquiriram-se as testemunhas; proferiram-se alegações.
6. Foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu os réus dos pedidos contra si formulados.
7. O autor interpôs recurso de apelação, no qual:
7.1. Apresentou as seguintes conclusões:
«I. Os pedidos formulados pelo A., ora Apelante na presente acção, foram os seguintes:
a) Que seja declarada falsa a procuração de 18.3.2014, no seu conjunto, porquanto é falso o termo de autenticação lavrado pela 3ª Ré/solicitadora, M. R., uma vez que nada do que dela consta se verificou ou corresponde à verdade, conforme descrito nos arts. 69 a 84 da p.i. ;
b) Que, em consequência, seja declarada inválida e ineficaz a procuração;
c) Que, assim, seja declarada inválida e ineficaz a doação lavrada com base na procuração falsa, o que nos termos do art. 268º do Código Civil consubstancia representação sem poderes, o que implica a ineficácia do contrato de doação em relação ao A., por configurar uma doação de bens alheios;
d) Que deverá a Ré Associação restituir ao A. os bens imóveis identificados no art.7º da p.i., nos termos do art. 289º CC ou, se a restituição em espécie não for possível, por a Ré ter alienado entretanto os bens, pagar ao A. o valor correspondente;
e) Que sejam cancelados os registos de aquisição a favor da Ré Associação, em sequência do contrato de doação ser inválido e ineficaz.
II. Na sentença recorrida, a Meritíssima Juiz, para julgar a acção improcedente, e absolver os R.R. dos pedidos, entendeu que: “a matéria de facto provada e respectiva motivação permitem concluir que existem elementos suficientes para concluir pela verificação de uma clamorosa ofensa ao princípio da boa-fé e da confiança que justifique a manutenção e produção dos efeitos da procuração e respectivo termo de autenticação e sobretudo do contrato de doação”.
III. Salvo o devido respeito, o Apelante não pode conformar-se com a sentença recorrida, e pede a sua revogação, porquanto: 1.º: a Senhora Juiz não fez correcto enquadramento jurídico dos factos apurados ao direito aplicável, pois devia ter declarado a nulidade da procuração por falsidade da mesma no seu conjunto, derivada da falsidade do termo de autenticação; 2.º: a Senhora Juiz julgou procedente a excepção de abuso de direito, com base em factos irrelevantes e noutros relevantes, cuja reapreciação aqui se pede a V. Exas, por justificarem decisão diversa.
IV. Daí o presente recurso que tem por objecto: para além do referido pedido de declaração de nulidade, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, requerendo-se a V. Exas, quanto à segunda, se dignem proceder à reapreciação da mesma, extraída quer dos documentos, quer dos depoimentos gravados.
Quanto ao pedido de nulidade da procuração falsa, no seu conjunto (fls.15, fls.32 v.º e, finalmente, fls.113 e 114-v.º):
V. A acção deveria ter sido julgada procedente, declarando-se a falsidade da procuração no seu conjunto, porquanto é falso o Termo de Autenticação, lavrado pela 3ª Ré/Solicitadora M. R., pois nada do que dele consta se passou na realidade, conforme resulta dos factos dados como provados nos números 1.12., 1.13. e 1.27. a 1.31. da decisão da matéria de facto e, inequivocamente, dos 1.33 a 1.37, integralmente reproduzidos no corpo das alegações.
VI. Em suma : perante esta matéria de facto dada como provada pelo Tribunal, estamos em face de uma manifesta falsidade da procuração (no seu conjunto), o que determina a nulidade da própria procuração, pois o termo de autenticação não é uma mera formalidade ad probationem, mas antes uma formalidade ad susbstantiam - norma de interesse e ordem pública que visa principalmente fins de certeza e segurança do comércio em geral -, não podendo o regime das nulidades que dela decorre ser afastado pelo eventual abuso de direito (que aliás categoricamente se refuta).
Deveriam pois os pedidos formulados pelo A. na presente acção ter sido julgados procedentes, o que agora se pede a V. Exas.

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QUANTO À EXCEPÇAO:

VII. São os seguintes os pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e bem assim os meios probatórios, que imporiam decisão diversa da matéria de facto impugnada, ou seja, os números 1.50., 1.52. e 1.71. (provados) e 2.1., 2.3. e 2.4. (não provados), integralmente reproduzidos no corpo das alegações.
VIII. Assim, requer-se que, após reapreciação por parte de V. Exas, sejam alterados e dados, respectivamente, por não provados (os primeiros) e por provados (os segundos).
IX. O abuso de direito - que serviu para julgar improcedente a acção, absolvendo os RR dos pedidos - não tem a virtualidade de sanar a falsidade de um termo de autenticação, entendimento que categoricamente se refuta.
X. Acresce que a Senhora Juiz não tinha quaisquer factos para concluir, como fez, pelo abuso direito, ou seja, para entender que o comportamento do ora Apelante criou uma situação objectiva de confiança que levou a um investimento de boa-fé irreversível, com base nessa confiança. Repete-se: não existem tais factos.
XI. O espírito altruísta do A., que nada tinha a ver com os actos e intuitos totalmente divergentes, interesseiros e oportunistas de um conjunto de terceiros (todos autarcas), encontra-se correctamente espelhado na p.i. e registado nos números 1.7 a 1.11, 1.20, 1.21 e 1.23 da matéria de facto provada, e ainda nos números 2.1, 2.3 e 2.4 (cuja reapreciação se pede), todos transcritos nas alegações.
XII. Na verdade, aproveitando-se da generosidade do A., o D. B. e demais autarcas, desvirtuaram a vontade daquele de abrigar pessoas necessitadas na sua casa de família de X, com o seu dinheiro,
XIII. transformando-a na construção de um lar de raiz para a terceira idade, para o qual nunca tinham feito nada -, lançando-se precipitadamente num projecto megalómano (cfr. fls. 24-vº a 25-vº9, envolvendo cinco freguesias, com o custo estimado pelo Réu D. B., em 2016, de dois milhões de Euros (cfr., fls. 28-vº, sexta coluna: “Notícias ...”), empreendimento esse para o qual nada tinham feito antes do aparecimento do A. em cena, e para o qual nada mais fizeram, após serem descobertos em finais de 2015, tendo mesmo abandonado o local, que se encontra coberto de mato.
XIV: Os factos 2.1, 2.3 e 2.4 dados como não provados (acima referidos e reproduzidos) que se pede sejam considerados Provados:
O ponto 2.1: “O A. pretendia acolher gratuitamente pessoas necessitadas apenas da freguesia de X”(bold nosso).
Estes factos, ou seja, que o A. pretendia acolher gratuitamente pessoas necessitadas na sua casa de família e fazer ali as obras necessárias ao seu projecto e com o seu dinheiro, estão já dados como provados nos pontos 1.7, 1.8 e 1.9.
A Senhora Juiz excluiu portanto indevidamente a palavra X neste ponto 2.1 (aliás constante dos arts. 7, 8 e 9 da p.i.).
De acordo com os depoimentos de R. G., M. G., D. B. e de J. M., que se encontram reproduzidos no corpo das alegações, pede-se a V. Exas que o ponto 2.1 seja dado como Provado, complementando os pontos provados 1.7 a 1.9, acrescentando-se a palavra X.
*
O ponto 2.3:“Era intenção do A. controlar o projecto de edificação e escolher o empreiteiro, pagando à medida do andamento dos trabalhos, o que deixou claro à R. G. e ao 2º R./D. B., desde as primeiras conversas…”.
De acordo com os depoimentos de M. G. e D. B., que se encontram reproduzidos no corpo das alegações, o ponto 2.3 deve ser dado como Provado, com resposta restritiva, no sentido de que o A. pretendia fazer as obras na sua casa, com o seu dinheiro, para as pessoas necessitadas de X – o que se pede a V. Exas.
O ponto 2.4:“O A. tinha ainda especial preocupação quanto a duas questões: a do caminho de acesso à propriedade por ser estreito (e não passar nele, por exemplo, uma ambulância) e a do saneamento e salubridade da mesma, entendendo que tais obras ficassem a cargo do município e da Junta de Freguesia – pontos de que fazia questão”.
De acordo com os depoimentos de D. B., M. G. e J. M., que se encontram reproduzidos no corpo das alegações, os factos incluídos no ponto 2.4 devem ser dados como Provados – o que se pede a V. Exas.
É esta a posição do A., expendida na p.i.
XV. Excluídos os factos meramente circunstanciais e os factos irrelevantes (veja-se, por ex., o que consta dos pontos 1.16 a 1.18 e 1.40), impugnam-se todos, pedindo-se a reapreciação dos pontos 1.50, 1.52 e 1.71, de forma a que V. Exas os julguem Não Provados.
XVI. O ponto 1.50. está assim redigido: A Ré limitou-se a aceitar aquela doação feita pelo A., registá-la, tomar posse dos prédios com o consentimento, autorização e conhecimento do A. e público em geral, e praticar os demais actos até ao presente, designadamente, obras de reparação, nivelamento e remoção de terras, anexação de terrenos, apresentação do projecto de construção naqueles prédios.”

A Senhora Juiz, para dar como provados estes factos, baseia-se no seguinte :

a) Nos documentos de fls. 27-vº/28, fls. 159 e 160, fls. 162, fls. 169, fls.172, fls. 193 (acta nº1/2014, de 25.1.2014, da Ré, com anexos de fls. 203 a 243);
b) Nos depoimentos de R. G. (Testemunha), de A. P. (que a Senhora Juiz chama de testemunha e releva como tal, mas é todavia Tesoureiro da Direcção da co-Ré Associação, parte na causa) e finalmente no de D. S. (que a Senhora Juiz igualmente chama de testemunha e valoriza como tal, apesar de ser Secretário da Direcção da Ré Associação, parte na causa).
XVII. A Senhora Juiz errou na apreciação das provas, porquanto, os documentos de fls. 27-vº/28, de fls. 159 e 160, de fls. 162, de fls. 169, de fls. 172, de fls. 193 (com os anexos de fls. 203 a 243): acta nº1/2014, de 25.01.2014), foram apreciados em 15. Do corpo destas alegações, para o qual se remete, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos, bem como os depoimentos de R. G., A. P. e D. S., os quais não permitem concluir pelo “consentimento, autorização e conhecimento” do A., de um projecto, aliás inexistente, para a casa de X do A., pelo que deve ser dado como Não Provado o ponto 1.50.
XVIII. O ponto 1.52 (provado), está assim redigido: “O Autor sempre teve intenção de doar aqueles prédios à Associação, ora Ré, declaração essa do A. que depois foi anunciada publicamente, para quem quis ouvir e para a comunidade em geral, que doava aqueles imóveis à ré e ainda uma avultada quantia de dinheiro para início das obras.”
Este ponto, deverá ser dado como não provado, pois tal é o que resulta do conjunto da prova dos autos, uma vez que a generosidade e altruísmo pretendidos pelo A. destinavam-se a um projecto para a sua casa do .../X, com o seu dinheiro (600.000 Dólares) e não para um projecto megalómano arquitectado pelo D. B. e demais (todos autarcas e por aquele manipulados), para um conjunto de cinco freguesias que nada diziam ao A.
Quanto à “declaração do A. anunciada publicamente para quem quis ouvir”, estando provado que o A. está há 50 anos nos EUA, não vindo a Portugal desde 1998, nunca tendo participado em qualquer reunião ou assembleia conducente a esta situação; e estando provado também que o seu círculo de contactos estava circunscrito à R. G., D. B., A. P. (num telefonema em 2016) e D. S. (num telefonema em finais de 2015), conclui-se que, no início de todo este processo (2013 em diante) só os primos D. B. e R. G. podiam ter tornado público fosse o que fosse. Mas não o A., isolado na América. Acresce a isto que, existindo nos autos artigos publicados no jornal da terra “Notícias ...” (fls. 28-vº, 31 e 31-vº) todos, por sinal, com a fotografia do D. B. (o empreendedor Vereador da CMP), fácil é de concluir, até pelo teor dos mesmos, quem tornou público o quê, junto das populações locais …!
Pede-se a V. Exas que o ponto 1.52 seja dado como Não Provado.
XIX. O ponto 1.71 está assim redigido: “Assim, ambos os documentos (procuração e termo de autenticação), foram minutados com uma data futura (18.03.14) por forma a dar tempo ao autor de os expedir via CORREIOS devidamente assinados para o escritório da ora ré, o que efectivamente sucedeu.”
A Senhora Juiz, em contradição absoluta com os factos dados como provados nos atrás referidos pontos 1.12, 1.13 e 1.27 a 1.37, dá como provada esta matéria.
Além de estarem em contradição flagrante os apontados factos, como se deixou dito, inexiste a favor da tese da Senhora Juiz qualquer suporte na prova produzida em audiência, e menospreza o relatório pericial de fls. 122, o qual conclui ser provável a assinatura do termo de autenticação não ser do punho do ora Apelante (cfr. fls. 128).
Alicerça a sua convicção num conjunto de 103 páginas de documentos (fls. 159 a 243), os quais foram comentados em 19. do corpo destas alegações, o que se dá aqui por reproduzido. E não releva a inexistência de qualquer documento dirigido ao A. comunicando-lhe que fora feita a doação, dado o óbvio intuito de lhe ocultarem os actos delituosos praticados (cfr. depoimento do Réu D. B. nos Min. 18.22 e 18.45, transcrito no corpo das alegações).
Baseia ainda a sua convicção nos depoimentos de R. G., A. P., M. R., V. D. e D. S., que igualmente se dão por reproduzidos em 19. das alegações.
Daqui não podia certamente a Senhora Juiz ter concluído que o A. enviou devidamente assinados, para o escritório da Ré Solicitadora M. R., dois documentos assinados (procuração e termo de autenticação).
Pede-se assim a V. Exas que o ponto 1.71 seja dado como Não Provado.
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XX. Com a prova documental e testemunhal constante dos autos e das gravações, e tendo em conta quanto se pede a V.Exas na reapreciação da prova, não pode concluir-se pela existência do abuso de direito, quando este exige a verificação de certos pressupostos, entre os quais uma situação objectiva de confiança criada pelo ora Apelante que levasse os RR a um investimento de boa-fé, irreversível nessa confiança.
XXI. Com efeito, repete-se, o D. B. e a Direcção da Ré fizeram tábua rasa da generosidade do A. (idéia, prédios e dinheiro), aproveitando-se a seu bel-prazer numa “primavera dos autarcas” decorrida de 18.03 a 28.05.2014, período durante o qual, às escondidas, forjaram a procuração falsa, constituíram a Associação (que o ora Apelante não poderia controlar como pretendia!) e procederam à ilícita e dolosa doação dos imóveis, vindo ainda a exigir-lhe os 600.000 Dólares, como se fossem devidos, mesmo depois de descobertos os actos ilícitos e dolosos praticados (cfr. fls. 27 vº e 28), como dito em 55 da p.i.
XXII. Salvo o devido respeito, não se encontram preenchidos os pressupostos exigidos pelo art. 334º do CC, para consubstanciar a figura do abuso de direito, na modalidade do “venire contra factum proprium”, pelo que deveria ter sido julgada improcedente por não provada a excepção e, consequentemente, julgada procedente por provada a acção, e condenados os RR nos pedidos formulados pelo A.».
7.2. Pediu:
«Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a Vossas Excelências que seja concedido provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, revogada a sentença recorrida, e substituída por outra que julgando a acção procedente, por provada, e condene os RR nos pedidos formulados pelo A., ora Apelante.».
8. Os 1º e 2º réus/recorridos responderam ao recurso de apelação, defendendo a manutenção da sentença proferida com as seguintes conclusões:
«1 – A sentença recorrida apreciou a factualidade provada e não provada, afigurando-se suficiente e adequada para fundamentar a solução de direito encontrada - absolvição dos RR pela procedência do abuso de direito, oportunamente, alias, invocada pelos ora Réus na sua contestação - cfr. articulado 37º e 38º.
2 – A douta sentença em recurso está devidamente fundamentada, alicerçada na prova produzida com análise critica e circunstanciada dos factos, assente na livre convicção do tribunal “a quo” em obediência ao princípio da imediação e legalmente enquadrada, em conformidade, com a regra geral subjacente à proibição de valoração de prova, que pretende assegurar que o julgamento se realiza com rigorosa observação dos princípios da imediação e do contraditório, com todas as garantias de defesa.
3 – As razões invocadas pelo recorrente têm a ver com a interpretação e ilação pessoal que retira dos factos e não com o conteúdo da douta sentença, a qual é inatacável, estando o recorrente, afinal, a impugnar a formação da convicção do tribunal recorrido na valoração da prova produzida e examinada, pondo em causa a livre apreciação da prova.
4 - A versão dos factos acolhida pelo Tribunal “a quo” mostra-se compatível com as regras da experiência comum, pois não se vislumbra que a dinâmica dos factos retratados pela douta sentença não corresponda a algo que, de facto, não possa ter ocorrido ou, dito por outras palavras, que, na perspectiva do padrão do denominado homem comum ou homem médio, surja como um evento inacreditável, inverosímil, completamente desconforme com a realidade da vida.
5 - A sentença recorrida expôs de forma estruturada os motivos que conduziram à tomada de decisão, não sendo lacunosa. Tanto assim é, que o recorrente, no recurso apresentado, tenta rebater os fundamentos subjacentes à tomada de decisão sobre a matéria de facto.
6 - O raciocínio espelhado - na apreciação das provas e na factualidade dada como provada e não provada - na sentença recorrida, ao contrário do alegado, apresenta-se provido de lógica e com uma versão sustentável.
7 - Pode-se, eventualmente, não concordar com o raciocínio seguido, contudo, o mesmo apresenta-se estruturado, coerente e compatível com juízos de experiência comum e não manifestamente ilógico, arbitrário ou insustentável como considerado pelo recorrente.
8 - Não se vislumbra a existência de prova que impusesse decisão diversa da que consta da dos «factos não provados», tendo o tribunal recorrido respeitado, na motivação da sua convicção probatória – até em obediência ao princípio da livre apreciação da prova – o critério da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
9 - Porque assim é, a nossa lei, impõe uma correcta fundamentação da parte fáctica da sentença, de modo a permitir um efectivo controlo da sua motivação, a fundamentação da sentença, na parte atinente à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de “assentada”, em que o tribunal repita as declarações e os depoimentos de toda a prova pessoal produzida. Esse exame tem que ser aferido por critérios de razoabilidade, sendo essencial apenas que permita avaliar inteiramente o processo lógico que serviu de base ao respectivo conteúdo, bastando a fundamentação e motivação necessárias à decisão.
10 - A indicação das passagens dos depoimentos tal qual foram produzidos em audiência, feitas pelo recorrente, não revelam o mérito de constituírem provas concretas que imponham uma decisão diversa da recorrida, os quais, alem do mais, se encontram descontextualizados, visando uma interpretação própria e pessoal – atentemos no depoimento do próprio Autor – cfr. CD 14:22:52 a 15:11:02: depoimento da testemunha R. G. – cfr. CD 15:56:45 a 16:34:19:, não reproduzindo os demais face à bem estruturada fundamentação da douta sentença e por economia de tempo e espaço.
11 - Pode-se, eventualmente, não concordar com o raciocínio seguido, contudo, o mesmo apresenta-se estruturado, coerente e compatível com juízos de experiência comum e não manifestamente ilógico, arbitrário ou insustentável como considerado pelo recorrente.
12 - É abundante a jurisprudência que considera o abuso de direito no enquadramento factual dos factos aqui dados como provados, conforme, alias, a douta sentença em recurso invoca e nós, reiteramos, com a firme convicção que se tem por manifestamente injustificado – caindo até no abuso do direito – o pedido de nulidade de procurações formulado por quem as emitiu, quando o fizeram de livre vontade e sabendo das suas implicações, e vêm invocar uma tal invalidade.
13 - Não merece, assim, qualquer censura a sentença recorrida.»
9. A 3ª ré/recorrida respondeu ao recurso de apelação, mediante a apresentação das seguintes conclusões:
«I. São desprovidos de fundamento todos os argumentos utilizados pelo Apelante porquanto este apenas pretende, com a interposição do presente recurso, protelar o desfecho da ação.
II. Alega o Apelante que, pela matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo ter declarado a procuração falsa no seu conjunto porquanto é falso o termo de autenticação.
III. Salvo melhor opinião, não logramos deste entendimento pois como comprovam os pontos 1.12, 1.13, 1.27, 1.30, 1.31, 1.32, 1.69, 1.70, 1.71 e 1.72 da decisão da matéria de facto, o Apelante assinou os documentos da procuração e do termo de autenticação.
IV. Acresce que o Apelante tinha conhecimento do conteúdo e alcance dos documentos referidos, nunca tendo posto em causa os mesmos e as declarações constantes nos mesmos.
V. Estranhamente, apenas pugna a veracidade do termo de autenticação elaborado pela ora Recorrida, nunca mencionando que a procuração contém exatamente as mesmas informações que aquele documento.
VI. O Apelante, já em 2015, teve acesso à procuração e ao termo de autenticação através do seu mandatário à data, o Sr. Dr. P. F., como provado pela sentença no seu ponto 1.75, 1.20 e 1.21 do mesmo documento, e ainda pelas declarações de parte que o Apelante prestou.
VII. Apesar de presentemente pugnar pela falsidade dos ditos documentos, nada fez quando obteve cópias dos mesmos através do seu mandatário à data, relembre se, em 2015!
VIII. O Apelante já teve acesso a estes documentos, posteriormente à sua assinatura, mais concretamente em meados de 2015, através do seu mandatário à data, Sr. Dr. P. F..
IX. Considerou a sentença consensual “(…) que o A. assinou a procuração a que se reporta o termo de autenticação, tendo-se apurado (cf. elenco do factos provados e respectiva motivação) que igualmente assinou este último termo(…)”, mais considerando que “ (…) a declaração confirmatória constante do termo de autenticação corresponde às declarações constantes da procuração, que autoriza a doação, na qual consta a assinatura do A. e que este não põe em causa”,
X. Estando este facto suportado pelo depoimento da Recorrida, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento.
XI. O Apelante também menciona no ponto 7. do seu recurso que não compreende “(…) invocado juízo de não consideração relativamente ao resultado da perícia científica à assinatura do A., constante do termo de autenticação (…).”.
XII. Como demonstrou a referida perícia, seria provável que a escrita da assinatura aposta no termo de autenticação não fosse do punho do Apelante, mas também demostrou que a assinatura constante na procuração, e que o Apelante admite ter assinado, seria igualmente provável de NÃO ser do seu punho.
XIII. Partilhamos da decisão do Tribunal a quo em não considerar o exame pericial como prova válida, uma vez que não resultava do seu relatório final uma prova cabal e indiscutível.
XIV. A dúvida do Apelante a propósito da factualidade que se deu como provada não é partilhada pela Recorrida e é irrelevante a interpretação subjetiva que faz acerca do que deveria existir quanto à matéria fáctica que sustenta o não provimento da sua pretensão.
XV. Pelo supra exposto, e por assim ter sido provado, deve ser mantida a sentença recorrida no que concerne à manutenção e produção dos efeitos da procuração e do respetivo termo de autenticação.
XVI. Quanto à exceção do abuso de direito, argumenta o Apelante que não se afigura apta a configuração de tal instituto, sustentando tal argumento com o ponto 21. Do recurso.
XVII. Ou seja, segundo aquele, como tal instituto não foi invocado expressamente pelo Réus e como foi de conhecimento oficioso, o Tribunal não poderia ter concluído pela sua existência.
XVIII. A jurisprudência, mais concretamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referente ao Processo n.º 2069/14.1T8PRT.P1.S1, de 12-07-2018, entende que “(…) ainda que se possa entender que o réu a não invocara ao contestar, a partir daqueloutro articulado, é matéria que ficou flagrantemente incluída no leque de questões submetidas pelas partes à apreciação do tribunal – constituídas pelos pedidos formulados, causas de pedir invocadas e exceções deduzidas – e cujo conhecimento era imposto pelo nº 2 do art. 608º.” (sublinhado nosso).
XIX. Pelo supra, deveria o Tribunal a quo conhecer da existência da exceção do abuso de direito, o que sucedeu.
XX. No que ao instituto concerne, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao Processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, de 12-11-2013, considera que, sendo a tutela das expectativas das pessoas uma das funções essenciais do direito, casos há em que “o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que actue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium.”(sublinhado nosso).
XXI. Apesar de o Apelante ressalvar que para se verificar a existência de abuso de direito devem estar preenchidos certos pressupostos, nunca evidencia qualquer elemento probatório que demonstre que, in casu, os mesmos não foram cumpridos.
XXII. O Apelante refere alguns depoimentos como modo de alicerçar o seu argumento, insurgindo contra a credibilidade conferida pelo Tribunal àqueles, visando ainda demonstrar que os mesmos não eram coincidentes, e até contraditórios, com a matéria dada como provada.
XXIII. Contudo descontextualiza as declarações prestadas, focando-se apenas nos extratos que entende serem úteis e que permitem dar provimento ao recurso por si interposto,
XXIV. Não concorda ainda o Apelante com a valoração feita pelo Tribunal relativamente ao depoimento da Recorrida e das demais testemunhas, pelo que logrou obter contradições entre os demais depoimentos, a sentença proferida e os factos dados como provados,
XXV. O que, salvo melhor opinião, não foi alcançado.
XXVI. Apesar das conclusões que o Apelante almejou retirar dos aludidos depoimentos, em nada se contrapõe a correta e sã apreciação da prova levada a cabo pelo douto Tribunal, não merecendo a mesmo qualquer reapreciação e/ou reparo.
XXVII. Termos em que deverá essa Venerada Relação negar provimento ao recurso interposto pelo apelante, assim se fazendo justiça.».
10. Recebido o recurso de apelação, colheram-se os vistos.

II. Questões a decidir:

1. A impugnação à matéria de facto, quanto:
a) Aos factos 1.50, 1.5.2. e 1.71. provados, que o recorrente pediu que se considerassem não provados.
b) Aos factos 2.1., 2.3. e 2.4. não provados, que o recorrente pediu que se considerassem provados.
2. A reapreciação de direito sobre:
a) A validade ou nulidade da procuração para doação, em face da invocada da falsidade do termo de autenticação, em relação à qual o recorrente defende não ser aplicável o abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil, por este não ser aplicável às formalidade ad substanciam e não estarem verificados os pressupostos.
b) As repercussões da nulidade da procuração (se for reconhecida) na doação e seus efeitos.

III. Fundamentação:
1. Matéria de facto:
1.1. Matéria de facto da sentença recorrida:

1.1.1. Matéria de facto provada:

«1.1. O A. nasceu em -.7.1950, na casa da família, no lugar do ..., freguesia de X, concelho de ....
1.2. Na casa de seus pais, avós e bisavós, viveu com os pais e irmãos, frequentou a escola primária da freguesia, a catequese na Igreja da localidade, ali passou a sua infância e juventude, fazendo as suas amizades.
1.3. Em 1971, com 20 anos de idade, menor naquele tempo, autorizado por seus pais, emigrou para os EUA, onde se fixou em definitivo até ao tempo presente, adquirindo a nacionalidade americana em 1977, vivendo actualmente em …, EUA.
1.4. Radicou-se nos EUA, aí tendo organizado a sua vida doméstica, social e profissional, ali trabalhou, casou e reformou-se.
1.5. Desde então veio a Portugal e a ... apenas em 1980, 1981, 1986 ou 1987, 1989 ou 1990 e em 1998, pela última vez, aquando da morte da sua mãe.
1.6. Em ... e no lugar do ..., na mencionada casa de família que veio a herdar, viveram e morreram seus pais, avós e bisavós, encontrando-se sepultados na freguesia de X.
1.7. O A. era, em 28 de Maio de 2014, proprietário de dois imóveis em Portugal – que constituíam a mencionada casa de família – em ..., herdados de seus referidos pais, a saber:
a) prédio urbano composto de casa de habitação, dependência, quinteiro e rossio inculto, situado no lugar de ..., freguesia de X, concelho de ..., com a área d 1.430 metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 89º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 167, aí registado a favor do A., pela inscrição/apresentação nº 3 de 30 de Maio de 1989 – a mencionada casa de família (Docs. 1 e 2, de que se juntam cópias, protestando-se juntar certidões);
b) Prédio rústico composto de terreno de pinhal, situado no lugar de ..., freguesia de X, concelho de ..., com a área de 14.369 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2.091º (correspondente ao artigo 3.423º da antiga matriz), descrito na Conservatória do registo Predial ..., sob o nº 160, registado a favor do A. pela inscrição/apresentação nº 3, de 30 de Maio de 1989 – docs. de fls. 12 a 14 vº..
1.8. O A. a determinada altura teve a ideia de dar um destino social à casa de família, pretendendo acolher gratuitamente pessoas necessitadas.
1.9. O A. tinha ainda a intenção de dispor da quantia de 600.000 US Dólares (Seiscentos mil dólares americanos), para as necessárias obras a realizar nos prédios em ordem ao referido objectivo.
1.10. Em 2013, o A. manifestou essa sua vontade a uma pessoa amiga da freguesia de X (D. R. G.), sua conhecida de infância, a qual, por sua vez, sugeriu contactar outra pessoa da freguesia (D. B., o 2º R.), por ser uma pessoa muita activa e indicada para o efeito, ao que o A. anuiu.
1.11. O A. manifestou desde as primeiras conversas com a R. G. e o R./D. B., a vontade de ser consultado em todas as operações atinentes ao fim em vista, o mesmo tendo dito ao Presidente da Junta de Freguesia na altura (D. S.), entre outros.
1.12. O R. D. B. enviou ao A., no início de 2014, um documento denominado “Procuração”, pedindo a assinatura do A. e que o devolvesse, como fez (Doc.5 junto com a p.i. a fls. 15), e conforme lhe foi pedido, à Solicitadora M. R./3ª Ré, em ..., pessoa que o A. não conhecia.
1.13. O A. assinou tal documento – Procuração - e devolveu-o nos termos descritos em 1.12.
1.14. Simultaneamente, no início de 2014, o R. D. B., juntamente com D. S. e A. P. puseram em marcha diligências para a constituição de uma Associação, designadamente obtendo o número de pessoa colectiva, redigindo os estatutos, escolhendo o local da sede na casa do A., etc.
1.15. O D. B. contratou para o efeito a referida Solicitadora M. R./3ª Ré, tendo constituído a Associação, no Cartório Notarial de Valença, em 28 de Março de 2014, com a denominação de “Associação C e M. S., sendo membros fundadores da mesma D. B., D. S. e A. P. (cf. doc.7 de fls. 15 vº a 22).
1.16. A Associação, tendo como Presidente da Direcção o R. D. B., avançou com um pedido de licenciamento de obras na CM ..., em 2015 (Processo nº 28/15), para construção de uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, para uma capacidade de 64 utentes, no terreno do A. e outros (documentos 8 e 9 juntos com a p.i., fls. 22 vº a 26), tendo sido apresentado na CM projecto de arquitectura e de especialidades e contratado para o efeito um arquitecto.
1.17. Também foram desenvolvidas diligências junto do Instituto de Segurança Social de Viana do Castelo, com vista à aprovação e legalização do projecto de um lar de raiz, e bem assim junto da Unidade de Saúde Pública do Alto Minho, com o mesmo propósito (doc. 10 junto com a p.i., fls. 26 vº e ss) a fim de construir um lar de raiz, começando com 45 quartos (para 64 pessoas), a implantar numa área de 26.745 m2, prevendo mesmo aumentar o projecto para 100, e depois 200 quartos, supostamente com recurso a fundos europeus.
1.18. Lar esse que, para além dos iniciais 45 quartos, salas, refeitórios, cozinha, copas, lavandaria, etc., contaria ainda com ginásio com tanque hidroterapêutico com balneários masculinos e femininos, salas de banho geriátrico, macas banheiros, gabinete de enfermagem, casa das máquinas, lavandaria, biblioteca, duas capelas, pátios ajardinados, entre outras coisas mais.
1.19. O A. é sócio fundador da Associação/Ré – cf. fls. 193 e ss.
1.20. O A., desavindo com o D. B., pretendeu o seu afastamento do projecto, e contratou um advogado de Ponte de Lima, Dr. P. F., para se deslocar a ..., o que aconteceu em finais de 2015.
1.21. Em ..., o Advogado contactou a Câmara Municipal e as Finanças e deslocou-se ao escritório da 3ª Ré Solicitadora M. R., em ..., por haver constatado ter sido esta quem lavrou o contrato de doação, solicitando-lhe cópias do mesmo, e bem assim da procuração com base na qual fizera a doação.
1.22. A assembleia geral da 1ª Ré, agendada para 17 de Março de 2018, inclui na ordem dos trabalhos a alteração da designação social e respectivo logotipo da Associação/Ré – doc. de fls. 32.
1.23. O A. pretendeu o D. B. afastado do projecto de X, o que transmitiu entre outros, à R. G. durante o Verão de 2015.
1.24. Na sequência, o co-réu D. B., Presidente da Direcção da 1ª Ré, dirigiu ao A. as comunicações constantes de fls. 27 vº e 28, de 14/9/2015 e 2/2/2016, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
1.25. A CM aprovou o projecto o que comunicou à ré por ofício de 26.01.2016
1.26. O A. não avançou com qualquer parcela do dinheiro.
1.27. Em data que não consegue precisar, do início de 2014, o A. recebeu, com data de 18 de Março de 2014, do R. D. B., com quem já então mantinha contactos acerca do projecto social do A., um documento dactilografado, expedido pelo correio postal, intitulado de “PROCURAÇÃO” a favor dele D. B., conferindo-lhe:
- “poderes para me representar em escritura pública de doação, Casa Pronta, ou em documentos particulares autenticados, à Associação C e M. S., NIPC ......, com sede no lugar de ..., freguesia de X, concelho de ..., referentes aos bens imóveis sitos na freguesia de X, concelho de ..., inscritos na respectiva matriz sob os artigos 89 urbano e ao artigo 2091 rústico, assinando assim as respectivas escrituras e documentos análogos de doação” (cf. doc. 5, de fls. 15, juno com a p.i.).
1.28. E ainda, entre outros poderes:
- “Podendo assim fazer negócio consigo mesmo”;
- “E ainda para junto das autoridades administrativas, Repartição de Finanças e
Conservatória do Registo Predial, requerer certidões, prestar e efectuar averbamentos e cancelamentos à inscrição e proceder a rectificação de áreas e quaisquer averbamentos, prestar as necessárias declarações complementares, requerendo e assinando tudo o que for necessário aos indicados fins”;
- E para juntos dos Correios, assinar e levantar as respectivas correspondências registadas com ou sem aviso de recepção e outras”.
1.29. O R. D. B. foi o autor do texto da declaração negocial transcrita, elaborada pela co-ré M. R., denominado “procuração, recebido pelo A. no início de 2014 nos EUA.
1.30. O A. assinou este documento em confiança, sabendo que sem a sua assinatura reconhecida no Consulado de Portugal, como já fizera anteriormente ao tratar de assuntos de família, o documento de nada valia, e assim devolveu o mesmo, assinado.
1.31. Assinado o documento o mesmo foi enviado dos EUA, conforme indicação do D. B., para a 3ª Ré/ Solicitadora – que o A. nunca conheceu e com quem nunca falou.
1.32. A 3ª Ré/Solicitadora lavrou, com a mesma data de 18 de Março de 2014, um denominado “Termo de Autenticação” (cf. doc. 17 junto com a p.i., a fls. 32 vº).
1.33. No dito “termo de autenticação” declara-se: que o A., solteiro, maior, morador em ..., compareceu perante ela (3ª Ré), nesse dia, na Rua …, em ....
1.34. Mais declarou a 3ª Ré que verificou a identidade do outorgante pela exibição do Bilhete de Identidade nº ……, válido até 30 de Abril de 2015; e declarou ainda que o A. lhe apresentou para fim de autenticação a procuração que disse ter lido e que exprimia a sua vontade.
1.35. E finalmente declarou: “Li este termo e expliquei o seu conteúdo”.
1.36. O A. desde 1998 que não vem a Portugal.
1.37. O A., encontrando-se então nos EUA, não compareceu naquela indicada data perante a 3ª Ré/Solicitadora, no seu escritório; não lhe declarou que era solteiro, porquanto naquela data era casado; não lhe exibiu o seu BI; não he apresentou a procuração; o A. não lhe declarou tê-la lido e que exprimia a sua vontade negocial.
1.38. A Solicitadora/3ª Ré, de acordo com as instruções do R./D. B., elaborou igualmente um contrato de doação, tendo como objecto a transmissão para a Associação/Ré dos dois imóveis do A. supra identificados. (cf. doc. 22 junto com a p.i., fls. 34 e ss).
1.39. A Associação Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, denominada Associação C e M. S., NIF ......, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, desde 18/06/2014 – cfr. doc. nº1 ora junto.
1.40. A Associação decidiu levar a cabo um projecto de construção de um lar.
1.41. Para o efeito, obteve de várias pessoas doações de imóveis e dinheiro, tendo adquirido e permutado outros prédios.
1.42. Após ter na sua posse e propriedade todos os imóveis em causa, procedeu a rectificações de áreas, nivelamento de terras e demais actos para aprovação do projecto dum lar, o que veio a acontecer.
1.43. Entre doações de imóveis a favor da ora Ré, consta o prédio urbano e rústico pertencentes ao A., através da doação titulada pelo documento de fs. 34 e ss.
1.44. A ora Ré aceitou aquela doação, entrou na casa em questão, procedeu à limpeza e a reparações na mesma, mudou fechaduras, ali fez reuniões e praticou todos os actos que entendeu.
1.45. O Autor de imediato lhe entregou as chaves de casa; de igual modo, tendo o Autor lhe entregue o terreno rústico em causa, a ora Ré procedeu à limpeza do mesmo, anexou ao mesmo outros artigos, executou remoção de terras, plantou árvores e praticou todos os demais actos que entendeu.
1.46. É a Ré que desde a data em que recebeu os imóveis do Autor os possui, com conhecimento do público em geral, sem oposição de quem quer que seja e à vista de toda a gente.
1.47. Sendo certo que se encontra na sua posse pacífica, por si e seus ante-possuidores há mais de 5, 10, 15, 20, 30, 40 anos.
1.48. Após a aceitação daquela doação procedeu ao registo daqueles imóveis em seu nome e respectivos averbamentos na administração tributária, momento a partir do qual pagou os respectivos impostos que incidem sobre aqueles imóveis.
1.49. Usufrui, a Ré, destes imóveis, por si e seus antecessores, de forma pacífica, contínua, ininterrupta, pública, beneficiando de tudo o que aqueles prédios lhe proporcionam, com a plena convicção de ser a sua exclusiva proprietária.
1.50. A Ré limitou-se a aceitar aquela doação feita pelo Autor, registá-la, tomar posse dos prédios com o consentimento, autorização e conhecimento do Autor e público em geral e praticar os demais actos até ao presente, designadamente, obras de reparação, nivelamento e remoção de terras, anexação de terrenos, apresentação do projecto de construção naqueles prédio.
1.51. Tudo isto de forma pacífica, pública e sem oposição de que quer que fosse, nomeadamente do Autor que desde sempre teve conhecimento daqueles actos.
1.52. O Autor sempre teve intenção de doar aqueles prédios à Associação, ora Ré, declaração essa do A. que depois foi anunciada publicamente, para quem quis ouvir e para a comunidade em geral que doava aqueles imóveis à ré e ainda uma avultada quantia de dinheiro para início de obras.
1.53. O A. doou prédios em questão à ora Ré no sentido em que o pretendeu, a fim de constituir um lar para acolher pessoas carenciadas.
1.54. É com o sentido de apoiar na idade sénior, pessoas carenciadas, sem família, doentes ou quem assim o pretender e justificar que a Associação existe e tem o seu principal objectivo, tendo, para o efeito, envolvido a comunidade de quatro freguesias e demais público e cidadãos em geral e as próprias Juntas de Freguesia.
1.55. Foi entregue ao Autor um álbum com fotografias alusivas ao lançamento da primeira pedra e uma medalha comemorativa do mesmo acto que ocorreu em Junho de 2016, neste acto presencialmente representado pela irmã M. G..
1.56. O Réu D. B. limitou-se a desenvolver todos os esforços para cumprir a vontade manifestada pelo Autor, tendo, para o efeito, contactado as entidades competentes para formalização deste projecto e, posteriormente, na posse das informações legais e necessárias, entregue o procedimento burocrático a profissionais competentes, designadamente, solicitador, contabilista, arquitecto, engenheiro…
1.57. O Autor sempre teve conhecimento que a Associação seria constituída, de imediato e após lhe doaria o artigo urbano (casa) e os 600.000 dólares aquando da aprovação do projecto.
1.58. Tanto assim, propôs ao Autor que a Associação fosse designada com o seu nome, face à entrega dos dólares, ao que o Autor contrapôs pretendendo e quis que ficasse o nome dos pais, o que aconteceu.
1.59. O Autor envia a procuração à Solicitadora, conferindo poderes ao D. B. para doar aqueles imóveis à Associação.
1.60. O D. B. assina a escritura de doação dos imóveis, após todo o procedimento, exclusivamente, preparado, formalizado, executado e agendado pela Solicitadora, desconhecendo em absoluto o método e a preparação deste procedimento, inclusive, a forma de obtenção e assinatura da procuração.
1.61. O artigo rústico doado, correspondente a uma “tira de terreno”, tinha a área de 4160m2, tendo sido atribuído o valor de €22.75 e ao artigo urbano doado o valor de €18.740,00.
1.62. No início de 2014, provavelmente entre o mês de Fevereiro e início de Março, D. B., D. S. e o A. P. (órgãos da Associação C e M. S.) e ainda o arquitecto V. D., solicitaram uma reunião com a ré M. R., que decorreu no restaurante Retiro do Peregrino, em X ao final da tarde, informando-a de que estaria a ser constituída uma Associação com o nome de “Associação C e M. S.” com o propósito de construir um lar para a terceira idade.
1.63. Nessa reunião foi-lhe dito também que várias pessoas da terra estariam a doar e vender alguns terrenos àquela Associação para esse efeito, sendo que o nome do autor surgiu aí como um dos “mecenas” que iria doar dois imóveis, razão pela qual a dita Associação teria o nome de seus pais.
1.64. Nesse sentido, e por forma a formalizar as doações pretendidas por aquela Associação, ali representada pelos seus órgãos, solicitaram os bons ofícios da ré para que esta fizesse os documentos necessários para tal propósito, sendo que estariam em causa doações e compra e vendas de alguns imóveis que integrariam o património daquela Associação.
1.65. A ora ré, atendendo ao escopo da Associação (construção de um lar de terceira idade), anuiu ao pedido da Associação, prontificando-se desde logo a efectuar os serviços de solicitadoria necessários sem cobrança de honorários à Associação (recebendo tão só as despesas), numa atitude altruísta para com a sua terra, contribuindo, assim, para uma boa causa social no seu o concelho.
1.66. Foi então que efectuou pro bono inúmeros serviços de solicitadoria para aquela Associação, designadamente de rectificação de áreas, confrontações, documentos particulares autenticados, registos, e diversa documentação para instruir os actos necessários.
1.67. Muitos documentos estavam já elaborados pelos órgãos da Associação, tais como pareceres da segurança social, da autarquia local, da Junta de Freguesia, estatutos, etc, tendo-lhe sido simplesmente facultados para a realização dos serviços a que se comprometera.
1.68. Tendo verificado que o autor, proprietário naquela data de dois imóveis que iriam ser doados à Associação, se encontrava a residir nos EUA, solicitou a competente procuração, porquanto os órgãos da Associação lhe comunicaram que o Sr. J. M. não tencionava deslocar-se a Portugal para o efeito, nem tinha tempo de se deslocar ao Consulado.
1.69. Nesse momento a ora ré, que não conhecia pessoalmente o autor, elaborou por forma a ser enviada ao A. pelo réu D. B. a procuração constante de fls. 15 dos autos e bem assim simultaneamente o termo de autenticação, com informação que enviasse estes documentos assinados e os devolvesse via CORREIOS.
1.70. A Ré M. R., face às especiais circunstâncias de amizade entre o réu D. B. e o autor, e sempre confiando nos órgãos da Associação, e porque informada que o A. não se deslocaria a Portugal para o efeito, em consequência, minutou a procuração e o termo de autenticação.
1.71. Assim, ambos os documentos (procuração e termo de autenticação), foram minutados com uma data futura (18/03/14) por forma a dar tempo ao autor de os expedir via CORREIOS devidamente assinados para o escritório da ora ré, o que efectivamente sucedeu.
1.72. Uma vez recepcionados ambos os documentos já assinados pelo autor, a ora ré aguardou pelo dia 18/3/14 e registou online a autenticação da procuração.
1.73. Depois disto, a ré M. R. tratou da doação pretendida pelo autor, tendo liquidado o devido imposto de selo na Repartição de Finanças e efectuado o pedido de averbamento da titularidade dos imóveis na Repartição de Finanças e apresentado a registo.
1.74. A doação foi lida em voz alta na sede da Junta de Freguesia de X, perante todos os Sócios presentes e devidamente assinada pelos órgãos da Direcção (D. B., que também assinou na qualidade de procurador do autor, D. S. e o A. P.), e os documentos devidamente arquivados e depositados no sistema do Registo Predial on-line conforme a legislação da altura.
1.75. Depois de ter realizado esses actos, e outros atinentes às demais doações e compra e venda de imóveis para a Associação, não mais a ora ré teve qualquer contacto com aquela Associação ao longo de todos os anos volvidos, à excepção de uma vez, no ano de 2015, ter recebido no seu escritório um advogado do autor solicitando-lhe certidão da doação e dos documentos arquivados, o que prontamente foi cumprido pela ora ré.».

1.1.2. Matéria de facto não provada:

«2.1. O A. pretendia acolher gratuitamente pessoas necessitadas apenas da freguesia de X.
2.2. O A. propunha-se mesmo ceder a título gratuito (v.g. comodato ou usufruto) os seus referidos imóveis, para esse fim, de forma a que pudesse reavê-los quer no caso de os beneficiários não prosseguirem a finalidade pretendida, quer ocorrendo a situação de deixar de haver pessoas necessitadas na freguesia.
2.3. Era intenção do A. controlar o projecto de edificação e escolher o empreiteiro, pagando à medida do andamento dos trabalhos, o que deixou claro à R. G. e ao 2º R./D. B., desde as primeiras conversas.
2.4. O A. tinha ainda especial preocupação quanto a duas questões: a do caminho de acesso à propriedade, por ser estreito (e não passar nele, por exemplo, uma ambulância) e a do saneamento e salubridade da mesma, entendendo que tais obras ficassem a cargo do Município e da Junta de Freguesia – pontos de que fazia questão.
2.5. O D. B. insistia, contra a vontade do A., que a casa tomasse o nome de “…”, o qual não tinha qualquer sentido para o A.
2.6. Mais sugeriu o D. B. que, uma vez tendo o A. a intenção de destinar os imóveis ao acolhimento de pessoas necessitadas, onerasse os mesmos, através de hipoteca, para obtenção de financiamento bancário, ao que o A. se recusou terminantemente, dizendo que nunca o faria com os seus bens.
2.7. Foi sem conhecimento do A. e à sua revelia que foi constituída a Associação Ré.
2.8. Foi sem dar conhecimento ao A. que os RR D. B. e a Associação praticaram os actos melhor descritos supra em 1.14. a 1.18 dos factos provados.
2.9. Ou seja, o R. D. B. tomou as rédeas de tudo, tratando o assunto como coisa sua, sem nunca ouvir o A. e contrariando frontalmente a vontade deste de orientar o projecto a desenvolver na sua casa, pondo, ao invés, em marcha a construção de um lar (de raiz), nos terrenos do A., dando para o efeito todos os passos sem seu conhecimento.
2.10. Toda a actividade encetada pelo Réu D. B. e pela Ré Associação não corresponde em nada ao que o A. tinha em mente para a sua casa e para o seu dinheiro (limitado a 600.000 US Dólares), pois, repete-se, apenas pretendia proteger com a sua casa de família, devidamente adaptada, as pessoas da sua freguesia de X.
2.11. O R. D. B. e toda a Direcção da Associação/Ré fizeram tábua rasa da vontade do A., nunca tendo desta forma acedido aos seus múltiplos pedidos, pela simples razão de que pretendiam ocultar ao A. a doação dos imóveis, que fizeram por contrato de 28.05.2014.
2.12. Tendo mesmo a 1ª Ré chegado ao despautério de proibir a entrada da irmã do A. (M. G.) na casa deste, contrariando uma das vontades sagradas do A. que era a da sua família, nomeadamente irmãos, acederem sempre que quisessem à casa de família, como ele próprio, antes e depois do projecto social estar em marcha.
2.13. Foi quando o Dr. P. F. enviou os documentos obtidos ao A. é que este nesse momento tomou conhecimento da falsificação da procuração (ou do termo de autenticação da mesma) e da doação efectuada de forma ilícita e dolosa com base nesta, bem como da constituição da Associação, ao ler os documentos.
2.14. Em Maio de 2016 o Dr. P. F. intimou a Associação/Ré a proceder à restituição dos imóveis ao A, conforme instruções deste.
2.15. Os contactos entre o A. e o R. D. B. forma poucos, resumindo-se a meia dúzia de telefonemas.
2.16. O R. D. B. simulou a sua saída da Direcção da Associação/Ré, que a mais não passou, porquanto na verdade nunca abandonou o leme daquela, promovendo inclusivamente a publicação de artigos no jornal da terra (Notícias ...) com provocações e comentários difamatórios para o A., atentórios da sua honra.
2.17. O A. exigira na verdade e como atrás se disse, desde o início que, caso não fosse cumprida a finalidade da sua vontade, ou caso deixasse de haver pessoas necessitadas na freguesia, fosse qual fosse a forma jurídica da cedência dos imóveis, estes deveriam reverter para o A. ou para quem ele designasse.
2.18. Ao que, com todo o à vontade, o R./D. B. respondeu que “já é assim mesmo na lei portuguesa” (…!)
2.19. O A. assinou a PROCURAÇÃO de fls. 15 sem preocupação do conteúdo.
2.20. Foi só depois de assinada e enviada a PROCURAÇÃO de fls. 15 dos EUA que a 3ª Ré/ Solicitadora lavrou o denominado “Termo de Autenticação” de fls. 33 v, o que correspondeu a instruções do R./D. B..
2.21. O A. não assinou o termo de autenticação de fls. 33 vº, ou que a assinatura constante desse documento como sendo A. não provém do seu próprio punho.
2.22. A Ré M. R. contactou o A. várias vezes telefonicamente por indicação do réu D. B. no sentido de solicitar a procuração que se impunha, dando-lhe ainda indicações que, de seguida, devia ser autenticada pelo Consulado Português na área de residência do autor.
2.23. Foi o A. quem transmitiu à Ré M. R. ser uma pessoa muito ocupada e sem disponibilidade naquela data de se deslocar ao Consulado, solicitando expressamente à ora ré que elaborasse a procuração.
2.24. A Ré M. R. falou telefonicamente com o A. e explicou os termos da procuração e do termo, tendo sido o A. a sugerir este modus operandi.».

1.2. Matéria de facto aditada (art.607º/4, ex vi do art.663º/2 do C. P. Civil), em clarificação do ato de doação provado na sentença recorrida referido em 1.1.1. supra:

A 28 de maio de 2014, por documento particular com a epígrafe “CONTRATO DE DOAÇÃO”, autenticado pela solicitadora M. R., por termo de autenticação da mesma data com a epígrafe “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”: D. B., na qualidade declarada de procurador de J. M., declarou doar à Associação C. e M. S. os prédios sitos na freguesia de X, concelho de ...- o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art.89 e o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o art.2091-, por conta da quota disponível do doador; D. B., D. S. e A. P., em nome da Associação C. e M. S., declararam aceitar a doação (certidão de fls.59 a 61/verso).

2. Apreciação do mérito do recurso:
2.1. Impugnação à matéria de facto:

O recorrente, no objeto do recurso, limitou a sua impugnação aos factos provados em 1.50., 152. e 1.71. e aos factos não provados em 2.1., 2.3. e 2.4., nos termos do art.640º do C. P. Civil, sem impugnar outros factos com os mesmos conexos, o que prejudica a apreciação neste Tribunal da Relação, ou a relevância jurídica da mesma para a reapreciação de direito, nos termos em que se apreciará infra.

A sentença recorrida fundamentou genericamente a decisão dos factos provados e não provados (sem especificar a motivação da prova de cada em particular, nomeadamente dos factos impugnados), fundamentação na qual:

a) Declarou ter dado relevo aos documentos juntos aos autos (quer na fase dos articulados de fls.12 a 15, 17 ss, fls.22 e 23, 26 e 27, 34; quer na fase da audiência, e constantes de fls.159 a 243) e aos depoimentos, que sumariou, da testemunha R. G. (referindo, nomeadamente, que teve o primeiro contacto com a intenção do autor, foi sócia co- fundadora da Associação e falou com o autor durante atos que se seguiram após), da co- ré M. R. (que confirmou, nomeadamente, que enviou a procuração e o termo de autenticação para evitar que o autor fosse ao Consulado, e conforme lhe foi pedido, e que estes documentos que lhe chegaram às mãos estavam ambos assinados, e que a doação foi um ato público onde estiveram mais de 100 pessoas), de A. P. (fundador e tesoureiro da co- ré Associação, que confirmou, designadamente, que o autor tomou conhecimento de todos os atos realizados para a implementação do lar), de V. D. (arquiteto que fez o projeto do lar, que asseverou, designadamente, que tudo foi comunicado ao autor, nomeadamente o projeto em 3 D, que ninguém apareceu a contestar a posse dos imóveis e os projetos eram dados a conhecer ao público e aos sócios), de D. S. (sócio e secretário da Associação, que, designadamente, falou com o autor duas vezes ao telefone quando o D. B. deixou de falar com ele, altura em que nunca colocou em causa a doação ou quis desfazer o negócio e quis apenas que o D. B. saísse da direção e que se resolvessem as condições de acessibilidade e de saneamento para dar os € 600 000, 00).
b) Concluiu: «Concatenada toda esta prova logrou o Tribunal obter convicção para a separação que fez entre os factos que considerou provados, por um lado, e não provados, por outro, principalmente quanto a estes últimos, os provindos da alegação do Autor. Sendo que este conjunto de material probatório que se considerou relevo permitiu ainda atribuir um juízo de não consideração relativamente ao resultado da perícia à assinatura do A. constante do termo de autenticação – fls. 120 e ss, apresentando como Conclusão: ser “provável” que a assinatura aposta em tal documento “não ser do punho” do A., constando de fls. 129 a lista das expressões usadas pela entidade pericial. “A prova de que uma assinatura foi efectuada por determinada pessoa, não se efectua apenas através de exame pericial. Como é sabido, o juiz aprecia livremente as prova segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, para prova deste facto a lei não exige formalidade especial –ACRG de 9711/2017, in www.dgsi.pt.».
Assim, impõe-se apreciar a impugnação apresentada, tendo em conta: os factos impugnados (em todos os seus segmentos e com a sua fundamentação geral) e os factos não impugnados; a prova produzida, quer por força probatória plena, quer por livre apreciação do tribunal (ars.607º/4 e 5 do C. P. Civil; arts.371º e 376º; 366º, 389º e 396º do C. Civil), reapreciada integralmente por este Tribunal da Relação de Guimarães, com exame de todos os documentos e a audição da totalidade dos depoimentos prestados em audiência.

2.1.1. O autor/recorrente pediu a eliminação do elenco dos factos provados do facto 1.50. («1.50. A Ré limitou-se a aceitar aquela doação feita pelo Autor, registá-la, tomar posse dos prédios com o consentimento, autorização e conhecimento do Autor e público em geral e praticar os demais actos até ao presente, designadamente, obras de reparação, nivelamento e remoção de terras, anexação de terrenos, apresentação do projecto de construção naqueles prédio.») e o seu aditamento aos factos não provados, invocando como fundamentos:

a) A inviabilidade dos documentos indicados na sentença recorrida para a prova dos factos: o de fls.27/v e 28 (fotomontagem que, no seu entender, só provaria que a R. G. transmitiu ao D. B. o desagrado do autor na condução do projeto fora da sua vontade, em data posterior a 05.10.2015); o de fls.159 e 160 (por o documento demonstrar apenas que foi dado conhecimento ao autor de um projeto da Associação que não era o dele para a casa de X); o de fls.162 (por o documento apenas demonstrar que o autor escreveu a 11.05.2015 a lamentar não vir a Portugal e que aguardaria que lhe enviassem novo projeto); o de fls.169 (por este ser uma parte desgarrada do documento/fotomontagem); o de fls.172 (ata da qual não resultaria que haja consentido ou autorizado o autor para o projeto que nada tinha a ver com o seu para a casa de .../X); o de fls.193 e anexos de fls.203 a 243 (documentos de 2013 destinados à constituição de uma IPSS, que não são aptos a configurar “o consentimento, autorização e conhecimento”).
b) A insuficiência dos depoimentos das testemunhas para provar os factos, sobretudo o consentimento, a autorização e conhecimento do autor: de R. G. (e relação ao qual transcreveu apenas o relato da conversa inicial entre esta e o autor); de D. S., por este apenas ter sabido da doação através do D. B., tendo apenas falado com o autor após este deixar de falar com o D. B. no final de 2015; de A. P., tesoureiro da 1ª ré, por este apenas ter falado com o autor uma vez e talvez em 2016 e apenas saber tudo através do D. B., por quem foi manipulado; do réu D. B., que não referiu comunicação escrita ao autor de que fora feita a doação.
Reapreciando o facto provado, face à impugnação, aos fundamentos da sentença recorrida e à prova, verifica-se o seguinte.
Por um lado, a aceitação da doação pela 1ª ré: não foi expressamente impugnada pelo recorrente nos fundamentos da impugnação; encontra-se plenamente provada no documento autenticado de fls.34 a 36/v de 28.05.2014, nos termos do art.371º/1 do C. Civil, ex vi do art.377º do C. Civil; decorre também dos factos 1.43. e 1.48., não impugnados pelo recorrente.
Por outro lado, os atos provados como sendo praticados pela 1ª ré sobre os imóveis doados «registá-la, tomar posse dos prédios (…) e praticar os demais actos até ao presente, designadamente, obras de reparação, nivelamento e remoção de terras, anexação de terrenos, apresentação do projecto de construção naqueles prédio»: não foram expressamente impugnados pelo recorrente nos fundamentos da impugnação; tratam-se de atos (após se expurgar a menção conclusiva e indevida de “posse” indicada na sentença) contidos nos atos exercidos e provados nos factos 1.42., 1.44, 1.45., 1.48., não impugnados pelo recorrente.

Por outro lado, a menção que a aceitação de doação pela 1ª ré, o registo da doação e a tomada de posse foi feita «com o consentimento, autorização e conhecimento do Autor», expressamente impugnada neste recurso de apelação:

a) É conexa:
a1) Com as declarações provadas por força probatória plena de documentos da «Procuração» e do «Contrato de Doação» autenticado, em relação às quais não foram invocados e demonstrados factos integrativos de vícios de vontade, nos termos referidos em 2.1.2.-A infra (na al. b) da segunda exposição iniciada por “Por outro lado”), atos nos quais, respetivamente: o autor conferiu poderes ao réu D. B. para o representar no ato de doação dos dois bens imóveis à Associação C e M. S., o que implica que soubesse que a doação de imóveis sem condições ou reservas supunha a disponibilidade dos mesmos pela entidade donatária (por se tratar de facto notório, de conhecimento comum, nomeadamente nos termos do art.412º do C. P. Civil) e que esta entidade aceitaria a doação; o autor, representado pelo seu mandatário, declarou doar os bens imóveis indicados na procuração por conta da sua quota disponível.
a2) Com os factos provados em 1.52. (que foi impugnado mas que virá a ser confirmado em 2.1.2. infra) e o 1.53. (que não foi impugnado) referidos em 2.1.2.- A- infra, sendo que a intenção e a pretensão de doação provadas nestes factos exigem o conhecimento e a autorização do autor para a doação (e para o seu registo) e a tomada da disponibilidade dos prédios provadas no facto 1.50.
a3) Com os factos provados e não impugnados pelo recorrente neste recurso de apelação (e, por isso, não são sujeitos a reapreciação), que supõem conhecimento e autorização da doação e da tomada de disponibilidade plena sobre os bens imóveis doados:
· No facto 1.45. não impugnado julgou-se provado «O Autor de imediato lhe entregou as chaves da casa; de igual modo, tendo o Autor lhe entregue o terreno rústico em causa». Se o autor entregou a chave do prédio urbano e entregou o prédio rústico (facto interpretado como sendo através de alguém a seu encargo, uma vez que reside nos EUA e se provou em 1.5. que não se encontrava em Portugal), o autor conheceu e aceitou necessariamente a disponibilização à donatária dos prédios doados.
· No facto 1.46. não impugnado julgou-se provado «É a Ré que desde que recebeu os imóveis do Autor os possui, com conhecimento do público em geral, sem oposição de quem quer que seja e à vista de toda a gente.». Ainda que deste facto se expurgue a matéria de direito «possui», indevidamente mencionada mas referenciada aos atos concretos provados desde 1.44., a falta de oposição do autor, conjugada com o facto 1.51., permite também concluir que este aceitou os atos praticados.
· No facto 1.51. não impugnado, provado em referencia a todos os atos posteriores à aceitação da doação provada no facto 1.44. e ao exercício de atos sobre os prédios provados desde o facto 1.44., julgou-se provado «Tudo isto de forma pacífica, pública e sem oposição de que quer que fosse, nomeadamente do Autor que desde sempre teve conhecimento daqueles actos.». Ainda que deste facto se expurgue a matéria de direito «pacífica, pública», indevidamente mencionada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, este facto menciona expressamente o conhecimento pelo autor dos atos praticados e provados desde 1.44.
· No facto 1.57. não impugnado julgou-se provado: «O autor sempre teve conhecimento que a Associação seria constituída, de imediato e após lhe doaria o artigo urbano (casa) e os 600.000 dólares aquando da aprovação do projeto.». Este facto julgou provado, de forma expressa, o conhecimento da doação do prédio à Associação constituída, o que implica a consciência da disponibilização do conteúdo doado.
b) Para além e independentemente do decorrente de a) supra, o conhecimento e a autorização do autor para a doação (e seu registo) e para a disponibilização dos prédios estariam provados autonomamente, tendo em conta:
b1) O depoimento relevante e credível de R. G., que, para além de ter sido a primeira pessoa a quem o autor revelou a sua intenção inicial de dispor dos seus prédios em favor dos pobres de X e que após o pôs em contacto com o réu D. B. com vista a poderem conversar sobre o projeto, manteve contactos com o autor, sobretudo por telefone, pelo menos até ao final de 2015, contactos nos quais o autor: revelou-lhe que havia enviado a procuração para a Associação para concretizar a escritura do terreno e da casa; mostrou-lhe a primeira planta da reconstrução da sua casa para os efeitos da instalação do Lar (de que não gostou, tal como a testemunha) e falou-lhe depois que o projeto foi alterado para implantar uma casa mais pequena, de que gostara; disse-lhe que queria que o espigueiro se mantivesse (como aconteceu); manifestou-lhe que queria que o Lar tivesse uma sala com o seu nome (da testemunha), que já poderia ocorrer com o segundo projeto, e que gostaria que o Lar estivesse construído antes da testemunha perfazer os 80 anos, para aí os celebrar.
Através destes contactos e conversas, a testemunha asseverou, ainda: que o autor: sabia que a sua casa fora doada e que a própria testemunha e outras vizinhas da referida casa tinham também doado um bocado das suas bouças para que o projeto se pudesse implementar; soube da festa do lançamento da primeira pedra na casa (onde estivera a sua irmã festa) e teve conhecimento do que lá se passara pelas fotografias que a filha da testemunha lhe enviou, tal por como recebeu um álbum com um medalhão que lhe foi enviado pela Associação para os EUA; soube da constituição da Associação, pois falou-lhe do nome e do logótipo. Todas estas comunicações e conversas do autor relativas à constituição da Associação, à finalidade da procuração por si subscrita, ao projeto de obras para o Lar, revelam conhecimento da doação dos prédios (ainda que não conhecesse o documento concreto outorgado após ter subscrito a procuração, facto este que não foi apurado) e das implicações quanto à disponibilidade do mesmo pela Associação e pela sua direção.
b2) Os depoimentos credíveis de membros da Direção da Associação ré- A. P. e D. S.: que relataram factos colaterais reveladores de conhecimento pelo autor dos passos dados pela Associação/ré e pela sua direção (integrada pelo réu D. B.) quanto à implementação do projeto do Lar e da possibilidade deste aceder livremente a informação sobre o mesmo (relataram: terem acompanhado comunicações por e-mail ao autor quanto à Associação, ao logótipo desta e aos projetos para o lar, que geraram intervenção daquele e a correção das propostas feitas; que a irmã do autor assistiu a reuniões da Direção da Associação, que eram feitas na casa doada, quando na mesma ficou quando visitou a sua terra); que declararam ter conversado pessoalmente com o autor por telefone, já após os desentendimentos entre este e o réu D. B. no final de 2015, altura em que este fez exigências com vista à doação dos 600 000 dólares (condicionando à saída do D. B. e à realização de acessos e saneamento em relação aos prédios), sem nunca colocar em causa a doação dos prédios (cuja concretização já havia sido por si conhecida, pelo menos através do advogado que fez as investigações do estado do prédio e que falou com a testemunha D. S., no final de 2015).
Nestas declarações essenciais: apesar de D. S. ter declarado ainda que o autor lhe manifestou que pretendia que fosse assegurado um espaço para a irmã (que a testemunha considerava contemplado), esta condição e a sua inobservância não foi fundamento da ação e do recurso; apesar de, também, D. S. ter declarado que o autor lhe disse a casa era grande demais (reagindo contra o facto de estar previsto um espaço de capela) e de A. P. ter declarado que o autor lhe disse que queria fazer um abrigo sem acordo com a Segurança Social (sem que previsse qualquer tipo de sustentação para mesmo tempo), não foi alegado na ação e no recurso que as declarações para doação de março de 2014 foram feitas com condições e com instruções específicas concretas quanto a doação a celebrar (finalidade, conteúdo do projeto a implementar, cláusulas que previssem reversões em caso de inobservâncias). Também neste contexto, o facto alegado no art.21º da petição inicial (que o autor assinou o documento em confiança e sem conhecer o destino que ao mesmo seria dado), provado em 1.30., com base presumível na assunção feita pelo autor, em audiência, do facto desfavorável (que assinou o documento em confiança, considerando que o mesmo seria inválido), é um facto vago e irrelevante, sem que tenha sido alegada e demonstrada em audiência a finalidade da entrega do documento da procuração (em relação ao que se pudessem apreciar as consequências dos atos subsequentes).
b3) Os documentos juntos aos autos em audiência pela 1ª ré Associação e pelo 2º réu, a fls.159 ss, revelam que o autor teve conhecimento de atos praticados sobre e em favor dos prédios objeto da doação de maio de 2014 e em vista do projeto aí a implementar através da Associação, atos em relação aos quais não produziu prova de ter apresentado oposição (nem juntou qualquer mail de oposição, nem qualquer prova testemunhal que tivesse ouvido a manifestação da oposição):
· O 2º réu comunicou ao autor, por email, vários atos preparatórios da construção de um Lar no lugar dos seus prédios, através de acordos com a Segurança Social, comunicações que ocorreram antes da doação de maio de 2014: a 10.10.2013 comunicou ao autor a Portaria 5/2012, informando-o que a mesma regulamentava a criação de Lares de terceira idade a aprovar com a Segurança Social, fls.203/2010, 204; na mesma data de 10.10.2013 enviou o autor uma planta do local dos prédios, a fls.211; a 31.10.2013, conforme documento de fls.212 a 214/216, relatou reunião com a Segurança Social em favor do Lar e da Associação (referindo: que se mostrou colaborante para o licenciamento de lar e acolhimento noturno “conforme tínhamos combinado”, referindo-se a acordo com o autor), e propôs-lhe avançar com levantamento topográfico do terreno e elaborar um estudo prévio para se aferir as reais capacidades de local e ter a certeza que não haveria impedimentos; a 29.11.2013, a fls.223, remeteu-lhe um documento com a indicação das áreas necessárias para a construção do Lar; a 05.12.2014, a fls.160, remeteu-lhe o projeto do lar, composto por 15 anexos.
· O 2º réu comunicou ao autor, por email, a prática de atos com vista à constituição da Associação, no âmbito do acordo e com o apoio da Segurança Social: a 31.10.2013, conforme documento de fls.212 a 214/216, informou-o que lhe remetia a proposta de Estatutos da Associação (cuja elaboração foi proposta na reunião com a Segurança Social) e da intenção de realizar depois o registo de Associação, o registo como IPSS e a eleição de corpos gerentes; a 08.11.2013, conforme fls.220 a 221, deu-lhe a conhecer a resposta da Segurança Social de que os Estatutos da Associação já se encontravam em análise; a 14.01.2014, a fls.243, informou-o que já tinham parecer da Segurança Social, que lhe remetia, e que estavam em condições de fazer o registo e de avançar com o processo, que já estavam a registar sócios para os corpos sociais e que lhe enviava a sua ficha para preencher e devolver; a 28.11.2014, a fls.161, comunicou-lhe o logótipo da Associação.
· Em maio e junho de 2015 foi tornado público o lançamento da primeira pedra do Lar da Associação: o 2º réu, através da conta de e-mail da 1ª ré, a 10.05.2015, a fls.162 remeteu ao autor um convite pessoal para o lançamento da 1ª pedra da construção do Lar C e M. S. (rececionada por este a informar que não poderia ir e que aguardava a remessa em breve do novo projeto) e a 19.05.2015 remeteu convite para o mesmo evento aos associados, onde se encontrava o autor (convite que apenas poderia ser feito numa situação em que havia conhecimento pelo autor da doação e dos atos praticados no local, com os quais sempre se confrontaria se acedesse a comparecer no lançamento da 1ª pedra); a 8.6.2015, a fls.164, o autor agradeceu as fotografias do evento de lançamento da primeira pedra do Lar.
· Após comunicações de atividade da Associação e de eleições da direção, remetidas para os sócios, nomeadamente para o autor, em 2017 e em 2018, de fls.166 a 168, o autor não alegou, nem teria demonstrado caso tivesse alegado, que reagiu e que apresentou qualquer candidatura para a direção, que pudesse ter levado a discutir e a resolver as suas oposições às praticas antecedentes da direção.
A realização dos atos mediante o “público em geral”, para além de não ter sido expressamente impugnada, tem expressão também nos assinalados factos provados 1.46., 1.49., 1.51., que não foram objeto de impugnação pelo recorrente.
Desta forma, improcede a impugnação.

2.1.2. O recorrente pediu a eliminação do facto 1.5.2. («1.52. O Autor sempre teve intenção de doar aqueles prédios à Associação, ora Ré, declaração essa do A. que depois foi anunciada publicamente, para quem quis ouvir e para a comunidade em geral que doava aqueles imóveis à ré e ainda uma avultada quantia de dinheiro para início de obras.») e o seu aditamento aos factos não provados, com base no seguinte fundamento:

a) Por resultar da generalidade da prova que a sua generosidade era para um projeto na sua casa de X e com o seu dinheiro e não para um projeto megalómano arquitetado pelo D. B. e demais autarcas por si manipulados e para 5 freguesias que nada lhe diziam.
b) Por resultar da prova que vive nos EUA há 50 anos, que o seu círculo de contactos era restrito à R. G., ao D. B., ao A. P. (num telefonema em 2016) e a D. S. (num telefonema nos finais de 2015), e que apenas os primos R. G. e D. B. poderiam ter anunciado o que quer que fosse; por os documentos do Noticias de … de fls.28/v, 31 e 31/v, em que apenas se via o D. B., permitirem ver quem foi o autor da comunicação.
Importa apreciar se a impugnação, nos termos em que foi apresentada, deve ser apreciada e, em caso afirmativo, em que termos, face ao facto provado e seus fundamentos e à prova.

A. Quanto à intenção de doação:

Por um lado, verifica-se que a intenção de doação provada no facto 1.52. não foi objeto de recurso expresso do autor/recorrente, nem foi acompanhada do cumprimento dos requisitos do art.640º/1-b) e c) e 2-a) do C. P. Civil:

a) Não impugnou a intenção de doar mas apenas a finalidade da doação não constante do facto (entendendo que a sua generosidade era para um projeto na sua casa de X e com o seu dinheiro e não para um projeto megalómano arquitetado pelo D. B. e demais autarcas por si manipulados e para 5 freguesias que nada lhe diziam), sem pedir a correção do facto para que fosse indicada a finalidade por si entendida, em cumprimento do art.640º/1-c) do C. P. Civil (pois cabia-lhe indicar: «c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»).
b) Não indicou os meios de prova com os quais sustentava a impugnação (uma vez que indicou “resultar da generalidade da prova”), em incumprimento do disposto no art.640º/1-b) (pelo qual lhe cabe indicar «b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;») e do art.640º/2-a) do C. Civil (que refere que «2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»).
Ora, o incumprimento de algum dos requisitos do art.640º/1-a) a c) do C. Civil, implica a rejeição do conhecimento recurso nesta parte.

Por outro lado, e em qualquer caso, ainda que assim não fosse, verificar-se-ia:

a) A efetiva intenção e pretensão de doação declaradas foram julgadas provadas pelo Tribunal a quo não apenas no facto impugnado 1.52. mas também no facto 1.53. não impugnado pelo autor (que refere «O Autor doou prédios em questão à ora Ré, no sentido em que o pretendeu, a fim de constituir um lar para acolher pessoas carenciadas.»).
b) As declarações para a doação e de doação provadas fariam presumir a vontade do facto declarado, nos termos dos arts.349º e 351º do C. Civil, uma vez que não foram alegados os factos integrativos de vícios de vontade, para algum dos efeitos previstos nos arts.240º a 257º do C. Civil, nem meios de prova que os sustentassem.
De facto, a declaração do autor de outorga de poderes ao 2º réu para a doação à Associação C. e M. S., através de uma escritura ou documento autenticado, em relação aos prédios da freguesia de X, concelho de ..., inscritos na matriz sob o artigo 89 urbano e artigo 2091 rústico, encontra-se provada plenamente pelo documento denominado “Procuração”, com data de 18.03.2014, constante de fls.15/33 (e original na contracapa), tendo em conta que a assinatura deste documento foi expressamente reconhecida pelo seu autor, nos termos do art.374º/1 do C. Civil, e o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, nos termos do art.376º/1 do C. Civil (sem prejuízo dos efeitos dos arts.262º/2 e 220º do C. Civil, caso se venha a reconhecer a falsidade do documento de autenticação).
Também, a declaração de doação dos prédios da freguesia de X, concelho de ..., inscritos na matriz sob o artigo 89 urbano e artigo 2091 rústico (correspondente ao artigo 4323 da antiga matriz), feita pelo mandatário do autor em favor da Associação C. e M. S., por conta da quota disponível daquele, encontra-se provada plenamente pelo documento denominado “Contrato de Doação”, autenticado por solicitador, de 28.05.2014, constante de fls.34 a 36/verso, nos termos do art.38º do DL nº76-A/2006, de 29 de maio, e co os efeitos do art.371º/1 do C. Civil, ex vi do art.377º do C. Civil, sem prejuízo da possibilidade de ser reconhecida a ineficácia do ato, caso o procurador não tivesse poderes, nos termos do art.268º do C. Civil.
B. Quanto às menções «declaração essa do A. que depois foi anunciada publicamente para quem quis ouvir e para a comunidade em geral que doava aqueles imóveis à ré e ainda uma avultada quantia de dinheiro para o início das obras».
O recorrente insurgiu-se no seu recurso, sobretudo, quanto à sua manifestação pública das declarações de doação dos prédios e da quantia em dinheiro, sobretudo com o fundamento que residia nos EUA e não vinha a Portugal desde 1998 conforme os factos provados, que tinha um pequeno leque de pessoas com quem privava e que nas noticias dos jornais juntas ao processo não se encontrava lá.

Examinando o facto provado, verifica-se que este, apesar de estar imperfeitamente expresso e de não ter qualquer relevância assinalável para a decisão deste recurso:

a) Não refere que o autor fez qualquer anúncio público da doação dos prédios mas que a declaração de doação foi anunciada publicamente. Ora este anúncio público deve referir-se concretamente ao facto provado 1.74., não impugnado (a declaração de doação de 28.05.2014, realizada pelo procurador nomeado pelo autor na procuração de março de 2014, foi lida na Junta de Freguesia para as pessoas presente, matéria esta que havia sido referida por D. S. e por M. R.).
b) Refere a doação de uma «avultada quantia em dinheiro», nos termos que tinham já sido provados de forma concretizada no ponto 1.9.; não sendo claro se a juiz a quo pretendeu referir-se à intenção de doação ou ao anúncio público dessa intenção de doação de dinheiro e sabendo-se que declarações que foram feitas pelo autor, em relação a 600 000 dólares, à sua irmã, a R. G., a A. P., a D. S., para além do réu D. B., de acordo com os depoimentos credíveis por este prestados, deve sanar-se a obscuridade da redação, de forma a que o facto seja claramente assinalado em relação à intenção de doação.
Assim, não procede a impugnação nos termos pedidos.
No entanto, deve-se sanar a obscuridade da redação no facto 1.52., de forma: a corrigir a pontuação, com o aditamento de dois pontos depois da menção de «intenção», com vista a poderem ser enunciadas as duas intenções (de doar os prédios e de doar dinheiro), e de um ponto e vírgula depois da frase completa respeitante à doação dos imóveis; a fazer-se a referência ao facto 1.74. (após a menção do anúncio público da doação dos imóveis) e ao facto 1.9. (após a menção da doação do dinheiro), para concretização dos factos que se refere; a aditar um “de” antes da menção de doação do dinheiro, para ser compreensível a enunciação das doações.
Desta forma, determina-se apenas a sanação da obscuridade do facto 1.52. provado na sentença recorrida, que passará a ter a seguinte redação corrigida: «1.52. O Autor sempre teve intenção: de doar aqueles prédios à Associação, ora Ré, declaração essa do A. que depois foi anunciada publicamente, para quem quis ouvir e para a comunidade em geral que doava aqueles imóveis à ré, nos termos referidos em 1.74. infra; e ainda de uma avultada quantia de dinheiro para início de obras, nos termos de 1.9 supra.».

2.1.3. Facto provado em 1.71.:

O autor/recorrente pediu a eliminação dos factos provados 1.7.1. («1.71. Assim, ambos os documentos (procuração e termo de autenticação), foram minutados com uma data futura (18/03/14) por forma a dar tempo ao autor de os expedir via CORREIOS devidamente assinados para o escritório da ora ré, o que efectivamente sucedeu.»), com base: na sua contradição com os factos provados em 1.12., 1.13., 1.27. a 1.37.; no facto de não ter qualquer suporte na prova produzida (não podendo os documentos de fls.159 a 243 e os depoimentos de R. G., de A. P., de D. S., de V. D. e de M. R. conduzir à prova do facto) e não atender ao relatório pericial de fls.122 ss.
Importa apreciar se o facto impugnado deve ser apreciado e, em caso afirmativo, em que termos.
Por um lado, examinando a impugnação, verifica-se que recorrente, apesar de ter impugnado genericamente o facto 1.71. (respeitante à elaboração das minutas da procuração e do termo da autenticação e da devolução dos mesmos assinados ao escritório da 3º ré), não impugnou substancialmente a matéria respeitante à elaboração da procuração e à sua assinatura, factos estes prévia e expressamente aceites na sua petição inicial.

Por outro lado, os factos provados no facto 1.71. encontram-se também provados noutros factos da sentença recorrida, que o recorrente não impugnou neste recurso de apelação:

a) A matéria da elaboração da procuração e a sua assinatura por si encontra-se provada nos factos 1.29 a 1.31.,1.69., 1.70., 17.2. não impugnados neste recurso.
b) A matéria respeitante à elaboração do termo de autenticação e sua remessa e a assinatura do mesmo estão provados nos factos 1.3.2. a 1.35., 1.69., 1.70., 1.72. não impugnados neste recurso.
Por outro lado, ainda, a assinatura pelo autor ou falta de assinatura pelo autor do termo de autenticação é absolutamente irrelevante para a apreciação de direito, uma vez que os factos 1.32. a 1.37. são suficientes para a integração da falsidade do termo de autenticação, nos termos do art.372º do C. Civil, ex vi do art.376º/1 do C. Civil, por terem sido atestados pela solicitadora ré factos por si não observados e verificados.
Ora, a Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se ocorrer qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provado (1).
De qualquer forma, ainda que assim não fosse, e a impugnação devesse ser apreciada, verificar-se-ia: que o relatório pericial de fls.121 ss concluiu pela improbabilidade da genuinidade das assinaturas, quer em relação à procuração cuja assinatura foi aceite pelo autor, quer em relação ao termo de autenticação não aceite pelo autor, tendo em conta a falta de fluidez e a diferença de alguns carateres destas em relação às assinaturas genuínas de documentos não impugnados; que, todavia, as assinaturas de ambos os documentos de procuração (reconhecida pelo autor) e a do termo de autenticação (não reconhecida pelo autor) são similares entre si (apesar de não serem inteiramente coincidentes com outras não contestadas, nos termos referidos no relatório pericial); que a 3ª ré declarou enviar ao 2º réu, a 26.02.2014, para enviar ao autor, conforme fls.246/v, os dois documentos (procuração e termo de autenticação), com instrução das assinaturas a realizar pelo autor em cada um, o que torna provável a sua remessa, necessária para os atos subsequentes a realizar. Neste contexto, as conclusões do relatório pericial não seriam suficientes para afastar a convicção criada pelo tribunal a quo quanto à remessa do termo de autenticação e à sua assinatura pelo autor.
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação do facto 1.71.

2.1.4. Facto não provado em 2.1.:

O recorrente/autor pediu que o facto 2.1. («2.1. O A. pretendia acolher gratuitamente pessoas necessitadas apenas da freguesia de X.») se julgasse provado em complemento dos factos provados de 1.7 a 1.9, entendendo: que a sua intenção de acolher pessoas necessitadas já se encontrava provada nos factos 1.7 a 1.9.; que, apenas foi excluída a localidade X da matéria de facto provada, quando esta deveria ter sido dada como provada em face dos depoimentos das testemunhas R. G. e M. G. (que confirmaram o facto), tal como os depoimentos de parte do autor e do réu D. B..

Examinando a prova produzida, sobretudo os depoimentos enunciados de R. G. e M. G., conjugados com os próprios depoimentos de parte do autor e do réu D. B., verifica-se que:
a) Inicialmente, de facto, autor manifestou apenas ao réu D. B. e à R. G. a sua vontade de acolher gratuitamente na sua casa as pessoas carenciadas de X, intenção que se admite que tenha manifestado também noutros períodos à sua irmã M. G., face ao depoimento prestado por esta.
b) Todavia, não pode considerar-se que esta intenção inicial se tenha mantido e com caráter de exclusividade ao longo do tempo, por a mesma não ser compatível:
· Com o conteúdo das conversas que prosseguiram entre o autor e o 2º réu, relatados também pelo réu D. B. (que referiu que disse ao autor: que não bastava pretender acolher pobres e de X, porque os pobres precisavam de ser alimentados; que era necessário uma parceria com a Segurança Social; que não se podia restringir o projeto aos pobres de X porque não era sustentável por a Segurança Social exigir que o mesmo protegesse a parte de baixo de ..., não protegida pelo Lar dos Bicos; que o projeto tinha que ser para pobres e ricos, sendo estes a sustentar aqueles. Estas declarações são compreensíveis de acordo com as regras da experiência).
· Com os atos praticados para a constituição da Associação (com pessoas da direção de várias freguesias) e para a construção do Lar, com o conhecimento e participação do autor, referidos em III- 2.1.- 2.1.1. deste e acórdão, para que se remete, ilustrativos do conhecimento: da constituição da Associação de que o autor também foi fundador, constituída por sócios de outras freguesias de ...s distintas de X (conforme se encontra provado também em 1.19. e 1.54.; conforme decorre dos documentos de fls.194 ss e dos depoimentos do ré D. B., de A. P. e de D. S.); do projeto social e arquitetónico do Lar (com abrangência maior do que as necessidades de X, como se presume também pelos factos provados em 1.17. e 1.18); das negociações com a Segurança Social para as referidas constituição da Associação e conceção do projeto do Lar.
· Com o conteúdo das conversas ocorridas com A. P. e D. S. após o desentendimento com o réu D. B. (nas quais não foi assinalado pelo autor a estes membros da Direção da Associação a condição do Lar beneficiar exclusivamente as pessoas de X).
· Com os factos provados da sentença recorrida que não foram impugnados, nomeadamente os factos: 1.57. (que «O Autor sempre teve conhecimento que a Associação seria constituída» e que «de imediato e após lhe doaria o artigo urbano (casa) e os 600.000 dólares aquando da aprovação do projecto.»), facto este no qual não consta qualquer reserva; 1.56. («O Réu D. B. limitou-se a desenvolver todos os esforços para cumprir a vontade manifestada pelo Autor, tendo, para o efeito, contactado as entidades competentes para a formalização deste projecto e, posteriormente (…), entregue o procedimento burocrático a profissionais competentes, designadamente, solicitador, contabilista, arquitecto, engenheiro.»).

Os referidos meios de prova e os factos provados permitem julgar como provada a intenção inicial do autor de beneficiar as pessoas da freguesia de X, intenção desenvolvida após para a aceitação de uma abrangência de maior amplitude populacional, em favor de outras freguesias de ....

Desta forma, procede apenas parcialmente a impugnação, determinando-se:

a) A eliminação do facto 2.1. dos factos não provados.
b) O aditamento ao facto 1.8. da seguinte redação (que se mencionará em românico após o facto que já se encontrava provado e que é transcrito em itálico): «O A. a determinada altura teve a ideia de dar um destino social à casa de família, pretendendo acolher gratuitamente pessoas necessitadas, o que inicialmente pensou fazer em favor das pessoas de X, ideia que depois se foi adaptando para a construção de um lar de idosos, com possibilidade de beneficiar população de outras freguesias de ....».

2.1.5. Facto não provado em 2.3.:

O recorrente/autor pediu que se julgasse provado o facto 2.3. («2.3. Era intenção do A. controlar o projecto de edificação e escolher o empreiteiro, pagando à medida do andamento dos trabalhos, o que deixou claro à R. G. e ao 2º R./D. B., desde as primeiras conversas.»), acrescido de resposta restritiva que o pretendia fazer com o seu dinheiro, para as pessoas necessitadas de X, com base no depoimento da testemunha M. G. e no depoimento do réu D. B..
O presente facto julgado não provado: não tem relevância essencial para a decisão da causa, tal como se encontra alegado (nomeadamente, sem a alegação e a prova de factos que conduzissem à conclusão da inobservância da intenção e vontade); apenas foi referido, quanto à escolha do empreiteiro e ao pagamento à medida da realização das obras, pela sua irmã M. G., manifestação que se admite que lhe tenha sido feito, sem prova, todavia, que correspondesse a exigência essencial para a realização da doação à Associação e que tivesse sido manifestada a esta (R. G., os membros da Direação da Associação ouvidos para além do réu D. B.- A. P. e D. S. nunca ouviram falar do facto).
A restrição cujo aditamento foi pedida em relação ao facto (destinação a X), não pode ser feita, em face da resposta ao facto 2.1. referida em 2.1.4. supra.

Pelo exposto, admite-se:

a) A eliminação do facto 2.3. dos factos não provados.
b) A aditamento ao facto provado 1.11. após (cuja versão inicial que será mencionada em itálico), da seguinte matéria provada restritivamente, a mencionar em românico: «O autor: manifestou desde as primeiras conversas com a R. G. e o R./D. B., a vontade de ser consultado em todas as operações atinentes ao fim em vista, o mesmo tendo dito ao Presidente da Junta de Freguesia na altura (D. S.), entre outros; quis conhecer o projeto de edificação do Lar de idosos, que conheceu; em determinada altura não apurada manifestou à sua irmã que queria que a doação do dinheiro referida em 1.9. fosse feita através de pagamentos da obra de construção do Lar, à medida que esta fosse feita e fosse sendo por si aprovada, após autorização sua e mediante transferência de dinheiro que depositara na conta bancária da referida irmã.».

2.1.6. Facto não provado em 2.4.:

O recorrente/autor pediu que se julgasse provado o facto 2.4. («2.4. O A. tinha ainda especial preocupação quanto a duas questões: a do caminho de acesso à propriedade, por ser estreito (e não passar nele, por exemplo, uma ambulância) e a do saneamento e salubridade da mesma, entendendo que tais obras ficassem a cargo do Município e da Junta de Freguesia – pontos de que fazia questão. »), com base no depoimento de parte do réu D. B. (por si e como Presidente da Associação), nos depoimento e declarações de parte do autor, no depoimento das testemunhas M. G..
Examinando a prova produzida, e apesar da falta de relevância essencial do facto sem a alegação e prova das condições colocadas à doação dos prédios e dos factos reveladores da inobservância das mesmas, verifica-se que efetivamente as exigências do saneamento e da acessibilidade foram colocadas pelo autor ao 2º réu e a D. S. (a este após o final de 2015), de acordo com os depoimentos prestados por estes.

Pelo exposto, determina-se:

a) A eliminação do facto 2.4. dos factos não provados.
b) O aditamento ao facto 1.11., após a redação indicada em 2.1.5. supra (em o final da frase “irmã.” deve ficar substituído por “irmã;“): «tinha preocupação quanto às questões do caminho de acesso à propriedade, por ser estreito (e não passar nele, por exemplo, uma ambulância) e a do saneamento e salubridade da mesma, entendendo que tais obras deveriam ficar a cargo de entidades externas, nomeadamente Município e a Junta de Freguesia, pontos de que fazia questão, pelo menos após o final de 2015.».

2.2. Reapreciação de direito:

2.2.1. A sentença recorrida julgou improcedente a ação, com o fundamento: que a arguição pelo autor da falsidade do termo de autenticação, nos termos do art.372º/2 do C. Civil, para obter os efeitos da falsidade da procuração e da ineficácia da doação, nos termos do art.268º do C. Civil, configurava um claro abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium, violador do princípio da boa-fé, nos termos do art.334º do C. Civil, no enquadramento factual apurado e na respetiva motivação (em que considerou que o autor pretendeu doar os prédios para prosseguir um fim social, assinou a procuração e termo de autenticação elaborados pela 3ª ré; em que os réus e as entidades terceiras tentaram prosseguir os fins do autor até serem travados, num momento em que o projeto já estava aprovado e faltava a doação dos 600 000 dólares que correspondiam à segunda parte do prometido), invocando a fundamentação do Ac. RP de 24.03.2011, disponível em www.dgsi.pt; que o abuso de direito justificavam a manutenção da produção dos efeitos da procuração e do termo de autenticação e do contrato de doação.
O autor recorrente pediu a reapreciação de direito da sentença, invocando: que a procuração é nula, em face da invocada da falsidade do termo de autenticação, decorrente dos factos 1.12., 1.13., 1.27. a 1.37., defendendo que a formalidade ad substanciam do art.262º/2 do C. Civil não poderia ser afastada pelo abuso de direito e que, de qualquer forma, não estariam verificados os pressupostos e abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil (pois a sua generosidade não tinha a ver com atos megalómanos de autarcas, conforme entende depreender-se dos pontos 1.7. a 1.11., 1.20., 1.21. e 1.23.); que a nulidade da procuração deveria repercutir-se na doação e nos seus efeitos.
2.2.2. Impõe-se reapreciar de direito a sentença recorrida, mediante os factos provados e o regime de direito aplicável.
A. A doação de imóveis «só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado», sem prejuízo do disposto em lei especial (art.947º/1 do C. Civil).
A procuração, salvo disposição em contrário, deve revestir «a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar» (art.262º/2 do C. Civil).
As exigências prescritas para a procuração no art.262º/2 do C. Civil, em relação à doação a que se destina com as exigências de forma e substância do art.947º do C. Civil, constituem uma formalidade per relationem, que, como regra, implica que a inobservância cause: a nulidade da procuração, nos termos do art.220º do C. Civil («A declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista por lei»); a ineficácia do negócio celebrado pelo procurador com base nos putativos poderes, embora suscetível de sanação, nos termos do art.268º/1 do C. Civil («O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado») (2).
Todavia, importa equacionar se estes efeitos dos arts. 220º e 268º do C. Civil, aplicáveis em caso de inobservância da forma prescrita para a procuração, podem ser excecionalmente impedidos no caso de violação de regras da boa fé, através do instituto do abuso de direito.
«Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte» (art.227º/1 do C. Civil).
De acordo com Jorge Manuel Coutinho de Abreu «A boa fé significa (…) que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros», concretizando como hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da boa fé, nomeadamente, a «proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; (…) o abuso da nulidade por vícios formais- é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento da contraparte» (3)
Mário Júlio Almeida Costa, referindo-se à boa fé através da responsabilidade pré-contratual refere-se que nesta «tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração.» (4).
Por sua vez, a tutela da confiança assenta em proposições ou pressupostos.
Menezes Cordeiro sumaria os pressupostos tratados pela doutrina e pela jurisprudência nos seguintes termos
«Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim:

1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.

Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.» (5).
Pedro Albuquerque sumaria estes mesmos pressupostos nos seguintes termos: «uma situação de confiança conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que sem ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes ao caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justificação para essa confiança traduzida na presença de elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, originarem uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efectivo, por parte do sujeito protegido, de actividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e uma imputação da confiança à pessoa atingida.» (6).
«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» (art.334º do C. Civil).
Não estando expressamente previstas na norma as consequências do abuso de direito, estas têm sido tratadas pela Doutrina e pela Jurisprudência.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu refere que «o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito» (7).
Menezes Cordeiro defende «O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
— a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
— a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
— um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
— um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.» (8).
Os efeitos da paralisação dos direitos exercidos em abuso de direito, por violação manifesta das regras da boa-fé, podem também ocorrer, de acordo com a maior parte da doutrina e da jurisprudência consolidada, no que se refere às tutelas da invalidade e da ineficácia dos arts.220º e 268º do C. Civil.
Joana Vasconcelos, em relação ao art.220º do C. Civil, refere, sintetizando as posições de invocabilidade do abuso de direito mediante os vícios de falta de forma:
«Um último e incontornável ponto refere-se à paralisação dos efeitos da nulidade por vício de forma invocada por um dos contraentes, que um significativo sector da doutrina, na esteira de MANUEL DE ANDRADE, entende que deverá proceder sempre que haja dolus praeteritus ou venire contra factum proprium da parte que dela pretende prevalecer-se- por ter induzido ao desrespeito da forma legal e/ou criado na contraparte a convicção que jamais suscitaria tal questão. Em todas estas situações, perante a ilicitude da conduta daquele que “atenta contra a boa-fé” (MENEZES CORDEIRO, 2005: 574) as razões determinantes da imposição da forma legal cedem perante a “exigência de justiça material” (HORSTER, 1992:531) e a tutela da confiança da contraparte. Ora, supondo estas “o cumprimento, baseado no tratamento da declaração negocial inválida como se fosse válida”, tudo se passa “como se o acto estivesse formalizado” (HORSTER, 1992: 531; C. A. MOTA PINTO, 2005: 437: 439, CARVALHO FERNANDES, 2007: 297-298, em sentido diverso, prevendo, em caso de abuso, a aplicação de outras regras, maxime dos artigos 483.º e 566.º, de que resultaria a formalização e a consequente validação do negócio, MENEZES CORDEIRO, 2005: 574; PAIS DE VASCONCELOS, 2012: 616 e ss). Trata-se, naturalmente, de solução extrema, a aplicar nos “casos excecionalíssimos” cobertos pelo artigo 334.º (C. A. MOTA PINTO, 2005: 437), porquanto envolve uma «relativização» da forma e das suas regras, a explorar com cuidado (MENEZES CORDEIRO, 2005: 574). Esta também a orientação consolidada da nossa Jurisprudência: v., neste sentido, entre outros, os Acs. STJ de 145.2003, 14.11.2006, 25.05.2009, 11.2.2010, 27.05.2010, 8.6.2010, 1.7.2010, 29.11.2011, 28.2.2012 e 4.6.2013 e RP de 24.1.2013, 2.5.2013, de 28.5.2013 e 4.6.2013» (9).
Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, em referência aos arts. 262º e 268 do C. Civil, referem:
«Concebe-se que, tendo o dominus contribuído para criar a aparência e a correspondente confiança da contraparte, a invocação da ineficácia do negócio constitua um venire contra factum proprium (ou uma Erwirkung, uma surrectio, dos direitos contratuais do terceiro), uma violação do dever de agir segundo a boa fé e, portanto, um abuso do direito, segundo o artigo 334.º. Nessas situações, confiando legitimamente o terceiro na existência de poderes representativos, o dominus não poderá prevalecer-se da falta de poderes. Será ainda de exigir que tenha havido “um investimento” com base nessa confiança (e até, pressuposto aqui normalmente ausente, a sua irreversibilidade, isto é, o facto de não serem ou serem muito dificilmente removíveis os “atos de disposição” de quem confiou). Em todo o caso, trata-se de um recurso com carácter excecional.» (10).
«A título muito excecional, ter-se-á por ilegítimo que o representado se prevaleça da ineficácia do negócio se, pela sua atuação (em todo o caso insuscetível de configurar uma ratificação tácita) ou pela sua prolongada inatividade, deixou que a contraparte confiasse legitimamente na situação (aparente) criada. Como fundamentação oferece-se o instituto do abuso de direito (artigo 334.º), concretizado na proibição de um comportamento contraditório, contrário à boa fé (de algum modo, uma ratificação aparente” em paralelo com a “procuração aparente.”» (11).

B. Importa reapreciar os factos provados, de acordo com o regime de direito aplicável.

Por um lado, numa apreciação dos factos provados de acordo com o regime regra, verifica-se:

a) Que a procuração para doação dos dois imóveis (urbano e rústico): foi feita em documento particular subscrito efetivamente pelo autor; foi autenticada por uma solicitadora, nos termos do art.38º do DL nº76-A/2006, de 29 de março, através de termo de autenticação que se reconhece ser falso, nos termos do art.372º do C. Civil, ex vi do art.377º do C. Civil, uma vez que a mesma atestou factos não correspondentes à verdade, nomeadamente a realização da assinatura pelo autor na sua presença e mediante a sua comprovação. Esta procuração, sendo falso o termo da sua autenticação, e apesar da assinatura ser reconhecida pelo autor, nos termos dos arts.374º e 376º do C. Civil, seria nula por falta de forma para declarar a doação a que se destinava, nos termos dos arts.262º/2, 947º e 220º do C. Civil.
b) Que a invalidade da procuração, com base na qual foi celebrado o contrato de doação autenticado por solicitador, nos termos dos arts.947º e 377º do C. Civil, implicaria que a doação fosse ineficaz em relação ao autor por ter sido declarado por procurador que dispunha de uma procuração nula, sem prejuízo da ratificação pelo representado, nos termos do art.268º do C. Civil.
Por outro lado, numa apreciação do circunstancialismo factual global provado, com vista a apurar se ocorre uma situação de manifesta violação dos limites de boa-fé pelo autor, que possa integrar a previsão excecional do abuso de direito, verifica-se que, apesar das faltas sérias de elaboração cronológica e concatenação lógica dos factos dados como provados na sentença recorrida (indicados de forma repetida, dispersa e fragmentada), pode-se atender ao seguinte sentido e à seguinte ordem lógica dos factos provados (que se revelam pertinentes para proceder à referida apreciação):

a) O autor pretendeu doar os seus dois prédios urbano e rústico e para um fim social na sua comunidade de origem, fim inicialmente pensado para um acolhimento de pessoas carenciadas da freguesia X, finalidade que após se desenvolveu para a criação de um Lar de pessoas idosas, com maior amplitude populacional, em benefício de freguesias de ... (facto 1.8., na versão corrigida de III- 2.1.4. supra; facto 1.52.), lar esse a construir nos prédios a doar a uma Associação (factos 1.57 e 1.58.).
Repare—se, neste âmbito, que não resultou provada uma intenção (por si indefinida na alegação) de cedência gratuita ou de estatuição de uma cláusula de reversão da doação (facto não provado em 2.2. de III-2).
b) Que o autor manifestou a sua intenção inicial referida em a) supra junto do 2º réu, a partir do que foi amadurecida a pretensão e foram realizadas diligências de desenvolvimento e concretização do projeto, encetadas pelo 2º réu, com o conhecimento e participação do autor (factos 1.10, 1.11. na versão de III- 2.1.4. e 2.15. supra, e 1.56. de III-1 supra), tendo sido realizados os seguintes atos:
b1) Contratação de serviços de uma solicitadora, que atuou pro bono (1.15., 1.62. a 1.75. de III-1 supra).
b2) Decisão de constituição de uma Associação com o nome dos pais do autor, realização de diligências para o efeito, Associação com fins beneméritos da qual o autor foi fundador e primeiro sócio e que envolveu público e freguesias de ... (factos 1.8. na redação de III- 2.1.4., de 1.14., 115., 11.6., 1.19., 1.39., 1.54., 1.57, 1.58. de III-1 supra), e atuação da Associação e do réu D. B. como seu Presidente, nomeadamente:
· Com a aquisição geral da propriedade de novos bens para a construção do Lar que a Associação decidiu realizar e regularização de áreas e nivelamento de terras (1.40. a 1.42. de III-1 supra).
· Com a realização de diligências, em concreto, para a concretização da doação dos dois bens imóveis do autor à Associação: com prévio envio ao autor e subscrição por este de uma procuração com expressa menção de se destinar à doação dos seus dois prédios (identificados) à Associação C e M. S., por escritura pública ou documento autenticado, acompanhada de um termo de autenticação (1.12. e 1.13., 1.27. a 1.37., 1.59., 1.70. a 1.72.); com a celebração da doação de dois prédios indicados na procuração, declarada pelo procurador indicado na procuração e aceite pela ré com o conhecimento e aceitação do autor, lida publicamente na Junta de Freguesia de X (1.38., 1.44., 150., 1.52., 1.53., 1.57., 17.3. e 1.74.); com a tomada de conta dos dois prédios doados, entregues pelo autor à primeira ré, nos quais esta fez limpezas, reparações, remoção de terras e plantio de árvores, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (1.43. a 1.51.).
· Com contratação de arquiteto para a construção do lar, a apresentação de um pedido de licenciamento para obras, de um projeto de arquitetura e especialidades na Câmara Municipal de ..., aprovado em janeiro de 2016 (factos 1.16. e 1.25. de III-1 supra) e com a realização de diligências junto da Segurança Social para a legalização de um lar de raiz para 45 quartos (passível de aumentar depois para 100 e para 200) e junto da Unidade de Saúde Pública do Alto Minho (factos 1.17. e 1.18 de III -1 supra).
· Com o lançamento da 1ª pedra da construção do lar, com conhecimento e não oposição do autor (1.55., onde a menção de 2016 deve constar 2015).
c) Que o autor, apesar de pretender doar os bens imóveis para a construção do lar e ter conhecido e participado nos procedimentos com vista ao mesmo referidos em b) supra:
c1) Subscreveu a procuração para doar os seus imóveis mesmo entendendo que esta era inválida por, no seu entender, não ser autenticada no consulado, e remeteu-a para a Associação para os atos subsequentes realizados (facto 1.30. e factos referidos no 2º parágrafo de b2).
c2) Só veio a contestar a procuração e a doação de 2014 nesta ação instaurada em 2018, depois da participação e aceitação dos atos referidos em b) supra e depois de se ter desentendido com o 2º réu nos finais de 2015 (1.21. a 1.23).
A globalidade destas circunstâncias apuradas, no quadro do objeto processual configurado pelo autor, permitem, de acordo com o sentido de decisão do Tribunal a quo na sentença recorrida, considerar ilegítima a arguição pelo autor da invalidade da procuração para doação (por falsidade do seu termo de autenticação) e da ineficácia do ato de doação, por violação dos limites da boa-fé, nas modalidades de venire contra factum proprium e de lesão das expectativas de confiança criada na contraparte e na comunidade de freguesias de … em geral, uma vez: que o ato de doação foi pretendido pelo autor, com uma finalidade altruística de beneficiar pessoas carenciadas, que se foi desenvolvendo no tempo para a criação de um Lar de idosos que beneficiasse pessoas das freguesias de ..., e que foi manifestada a terceiros; que a outorga de procuração para a doação foi aceite e subscrita pelo autor com total identificação dos prédios a doar, da entidade beneficiária e da forma do ato de doação, sem manifestação de reservas e restrições, subscrição que o fez com a consciência da invalidade formal do ato, cuja invalidade veio depois invocar; que o autor, com as suas manifestações de intenção, com a posterior subscrição e entrega da procuração e com os seus atos posteriores, aceitou e participou na criação da Associação donatária (com impacto social na comunidade de ...), estimulou implicitamente outros atos de doações de terceiros a esta Associação para a construção do lar, desencadeou que a Associação praticasse atos privados e públicos para a construção do Lar de idosos, autorizou a celebração do ato de doação dos seus imóveis com base na procuração e a sua aceitação, tal como os atos de tomada de posse sobre os mesmos (posse esta que, a juntar à dos antecessores, foi dada como provada nos factos 1.44. a 1.51., sem impugnação pelo autor, com as características de conteúdo e de duração que, ainda que conclusivas, configurariam ainda uma aquisição pela Associação dos imóveis doados por usucapião, nos termos dos arts.1251º, 1256º, 1258º a 1263º, 1287º, 1289º, 1294º e 1296º do C. Civil).
Assim, não se pode deixar de entender que é manifestamente ilegítimo o direito do autor arguir e obter o reconhecimento: da invalidade da procuração, por a mesma não ser autenticada, por falsidade do termo de autenticação, quando a mesma foi por si efetivamente subscrita e teve consciência que a falta de autenticação geraria a invalidade; da ineficácia da doação dos imóveis, com a subsequente restituição dos bens doados no ato de doação, por falta de poderes válidos do procurador, por si efetivamente mandato em procuração nula por falta de forma, quando pretendeu doar os imóveis, gerou a constituição da donatária/contraparte, a atividade consumada desta de terceiros, a aceitação da doação em ato público e autenticado e a tomada de posse dos prédios.
Desta forma, perdendo o autor o direito de invocar estas tutelas, cujos efeitos ficam impedidos, deve improceder o recurso de apelação e ser confirmada a sentença de improcedência da ação.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o presente recurso de apelação.
*
Custas pelo recorrente.
*
Guimarães, 4 de junho de 2020
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha


1. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e atualizada, p. 298, com argumentos que mantêm inteira valia à luz do regime processual vigente.
2. Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, nota 4-V ao artigo 262º, pág.639.
3. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 2006, págs.55, 59 e 60.
4. Mário Júlio Almeida Costa, in Direito Das Obrigações, Almedina, 12ª Edição Revista e Actualizada, 7ª Reimpressão, 2019, pág.303.
5. António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
6. Pedro Albuquerque, in “Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, Almedina, 2006, pág.90.
7. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in obra citada, pág.76.
8. António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, supra referido.
9. Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, nota 11 ao artigo 220º, pág. 496.
10. Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, in obra citada, nota 4- IX ao art.262º do C. Civil, pág. 641.
11. Raul Guichard, Catarina Brandão Proença e Ana Teresa Ribeiro, in obra citada, nota 4-IX ao art.268º, pág.654.