INVENTÁRIO
PROPRIEDADE DE FARMÁCIA
USUCAPIÃO
Sumário


- Estando provado que uma pessoa, durante mais de trinta anos, deteve o poder de actuar e agir sobre o estabelecimento comercial (no caso, uma farmácia), praticando diversos actos que são próprios e inerentes ao direito de propriedade e estando demonstrado que assim actuava explorando um direito ou negócio que julgava seu, considerando-se dono da farmácia e sendo, por todos, reconhecido como tal, fazendo-o de forma pública e pacífica, impõe-se concluir que o mesmo adquiriu e exerceu a posse correspondente ao direito de propriedade e que adquiriu este direito por usucapião.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

C. A., M. J., I. G. e J. M. vieram instaurar contra N. A. e marido F. C., L. C., Farmácia X, Lda., H. J., Herdeiros Incertos de S. B., Herdeiros Incertos de M. O., M. P. e A. B., a presente acção declarativa, formulando o pedido de que:

(1) os autores C. A., I. G., M. J., J. M., e a Ré N. A., são os únicos herdeiros de C. H.,
(2) C. H. adquiriu por contrato de compra e venda a farmácia identificada no artigo 2.º desta petição,
(3) o mesmo adquiriu também tal farmácia através do instituto jurídico da usucapião, que expressamente a seu favor se invoca,
(4) na hora da morte era sua, e pela sua morte tal farmácia ficou a fazer parte da sua herança, e que esta também a adquiriu por usucapião, devendo por isso ser partilhada no inventário referido no artigo 1.º da petição, juntamente com os seus rendimentos e frutos, bem como todos os rendimentos e frutos da sociedade ré que a explora e a ela referentes,
(5) o dinheiro e créditos, existentes na conta 0-... de 2005, à data de 31 de Julho de 2008, no Banco … de ..., (195.036,21 €), e posteriormente, é (são) propriedade da mesma herança., devendo ser partilhados no mesmo inventário, sendo os réus N. A. e marido F. C., e L. C. condenados solidariamente a entregá-los à herança referida, na pessoa do cabeça de casal, juntamente com a quantia de 110.000,00€, retirada pelo cheque 6585281940 em 1-02-2010, e com a farmácia, todos os seus rendimentos e frutos, e da Sociedade que a explora e a ela relativos, para serem partilhados,
(6) a N. A., ajudada por seu marido e filho L. C., e a Sociedade ré, para enganar e prejudicar os irmãos, com evidente má-fé, ocultou bens da herança, quer a farmácia, seus rendimentos, mesmo na sociedade ré, quer todos os dinheiros referidos em 5, quer o contrato de cessão da posição contratual feita em Outubro 2010 no contrato de locação do imóvel urbano com o artigo matricial n.º ..., feito em 2007, sendo condenados os três, juntamente com a sociedade ré, a devolvê-los á herança na pessoa do cabeça de casal,
(7) todos os direitos e obrigações assumidos no contrato de cessão da posição contratual relativo à locação financeira do prédio urbano da freguesia de ..., artigo matricial ..., celebrado entre a N. A., com a ajuda do marido, como cessionária, e “M. F., Arquitecto e Associados, Lda.”., na qualidade de cedente, que todos os direitos e obrigações derivados de tal cessão, foram contratados e assumidos por ela por conta da herança de C. H. e de seus herdeiros/contitulares, declarando-os transferidos para a herança, ou, subsidiariamente, condenar os locatários/réus a tudo transferir para a herança e herdeiros; declarar transferidos para a herança, ou subsidiariamente condenar a transferir, nomeadamente o prédio urbano n.º ... da freguesia de ..., uma vez adquirido, ou os direitos e obrigações a ele atinentes, segundo as obrigações assumidas, estando para tal os autores sujeitos às eventuais obrigações legais, e comprometendo-se desde já ao seu cumprimento, sendo declarados bens e direitos pertencentes á herança de C. H. e de seus herdeiros, condenando-se os três réus, N. A., marido e filho L. C., a devolvê-los á herança, entregando-os ao cabeça de casal,
(8) a N. A. assim sonegou todos esses bens e direitos da herança, bem como todos os dinheiros e lucros da farmácia e da Sociedade Ré a ela relativos,
(9) a N. A., uma vez entregues os bens e direitos sonegados, perdeu em benefício dos outros herdeiros o direito a qualquer parte dos bens sonegados, a farmácia, lucros do negócio a partir de 1 de Agosto de 2008, e dinheiro existente na conta aberta em 2005, referidos em 5, rendimentos e frutos da farmácia e da Sociedade ré que a explora e tem explorado, e direitos relativos à propriedade do prédio ... – ..., e /ou outros derivados do contrato de cessão referido. (Ficha 431/19900502, CRP...),
(10) a N. A., marido e filho L. C. devem prestar contas aos autores de todo o negócio da farmácia a partir de 1 de Agosto de 2008, e dos dinheiros da conta do BANCO ... aberta em 2005, e da Sociedade Ré relativos á farmácia, condenando-os a tal,
(11) nulos e de nenhum efeito os alegados negócios de trespasse referidos pelas escrituras de 18-12-1956 e 29 de Outubro de 1976, sendo todos os réus neles intervenientes, condenados a reconhecer tal facto, com as legais consequências,
(12) inválido, nulo e ineficaz em relação à herança e herdeiros o contrato de sociedade matriculada com o número ......, referida no documento 30, declarando-se que a quota da N. A. foi preenchida com bens que a ela não pertencia, condenando-se também a Sociedade a devolver a farmácia à herança, bem como todos os rendimentos derivados do negócio da farmácia, e
(13) Condenar os réus N. A., F. C., L. C. e a Sociedade Ré a reconhecer tais factos, sendo também enquanto sócios e/ ou administradores, e condenados a devolver à herança a farmácia e tudo o mais antes referido, na pessoa do cabeça de casal, (farmácia, dinheiros retirados da conta, rendimentos da farmácia, rendimentos relativos a ela quando explorada pela Sociedade, direitos da cessão da posição contratual, prédio urbano artigo ...) e
(14) Condenar-se a N. A., F. C. e L. C. e a Sociedade Ré a pagar aos autores, por si e enquanto herdeiros, indemnização patrimonial, e indemnização por danos não patrimoniais, em quantias a liquidar em execução de sentença.
Para o efeito e em síntese, deduziram a alegação de factos tendentes a demonstrar os pressupostos de facto dos direitos peticionados.

Apenas os Réus N. A., F. C., L. C. e Farmácia X, Lda. apresentaram contestação, impugnando parcialmente os factos articulados pelos Autores.

Em 15.03.2017, no apenso A (habilitação de herdeiros), foi decidido que “decorreu o prazo dos éditos e os citados incertos não compareceram, atento o disposto no artigo 355.º, n.º 2, do C. P. Civil, determino que a causa prossiga, sendo os herdeiros incertos do falecido A. B. representados pelo Ministério Público.”

Realizaram-se as audiências, prévia e final, com observância das formalidades que as respectivas actas documentam.

Foi proferida sentença, na qual de decidiu:

I - Julgar procedente a excepção dilatória de erro na forma do processo e parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
- Absolver os Réus da instância, quanto ao pedido de “Declarar que a N. A., marido e filho L. C. devem prestar contas aos autores de todo o negócio da farmácia a partir de 1 de Agosto de 2008, e dos dinheiros da conta do Banco ... aberta em 2005, e da Sociedade Ré relativos à farmácia, condenando-os a tal.”
- Declarar que os Autores C. A., I. G., M. J., J. M., e a Ré N. A., são os únicos herdeiros de C. H..
- Declarar que, na hora da morte de C. H., este tinha a posse da farmácia e esta continuou nos seus sucessores, que, por presunção, são titulares do respectivo direito de propriedade.
- Declarar nulos os negócios de trespasse referidos pelas escrituras de 18-12-1956 e 29-10-1976.
- Declarar ineficaz em relação à herança e herdeiros o contrato de sociedade matriculada com o número ......, referida no documento 30.
Condeno os Réus N. A., F. C., L. C. e Farmácia X, Lda. a restituir a farmácia à herança aberta por óbito de C. H..
- Absolver os Réus do demais peticionado.

Inconformados com a sentença, dela vieram recorrer os RR e subordinadamente os AA., para o que formulam as seguintes conclusões:

Dos RR

Nulidade da sentença

Considerando que o Tribunal considerou nula por simulada a escritura de 12-12-1956, considerando que dessa nulidade resulta que não houve transferência da propriedade da vendedora para a compradora, considerando que o Tribunal não reconheceu aos autores aquisição originária, considerando ainda, que o Tribunal considerou ainda alienação de coisa alheia (res inter alios acta) uma alienação posterior a ato simulado, conclui-se que a propriedade é ainda hoje pertença dos Réus herdeiros incertos de S. B. e logo que a acção deveria improceder porquanto os autores não provaram o direito a que se arrogam.
Todavia o Tribunal acabou a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
Há uma manifesta contradição entre os fundamentos e a condenação dos Réus contestantes e aqui recorrentes integrando a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a escritura de 12-12-1956 foi considerada nula considerando que apesar disso, há a produção de efeitos possessórios, mais não seja com a inversão de animus de posse ocorrida com a escritura de 06-09-1965 que transferiu a farmácia para M. V., considerando que esta escritura de 06-09-1965 -cf facto provado 10º-tem o valor de um documento autêntico, não arguido de falso e que sobre ela não foi requerida nulidade por simulação nem o Tribunal a declarou nula ex officio e considerando que o mesmo ocorre com as escrituras posteriores relatadas nos factos provados 11º, 12º e 13º, conclui-se que em 29-10-1976 a propriedade da farmácia era da Ré M. P..

Considerando que o Tribunal considerou nula por simulada a escritura de 29-10-1976, considerando que dessa nulidade resulta que não houve transferência da propriedade da vendedora para a compradora, considerando que o Tribunal não reconheceu aos autores aquisição originária, considerando ainda, que o Tribunal considerou ainda alienação de coisa alheia (res inter alios acta) uma alienação posterior a ato simulado, conclui-se que a propriedade é ainda hoje pertença da Ré M. P., e logo, que a acção deveria improceder porquanto os autores não provaram o direito a que se arrogam.
Todavia o Tribunal acabou a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
Há uma manifesta contradição entre os fundamentos e a condenação dos Réus contestantes e aqui recorrentes integrando a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a escritura de 29-10-1976 que anuncia a transferência da propriedade para a Ré N. A., foi considerada nula, considerando que nela em representação da vendedora outorgou o falecido C. H., considerando que mesmo que a propriedade não tenha sido transferida para a Ré N. A., face à invalidade substancial do título, não lhe é negado pelo direito a posse causal e titulada resultante do título.- cf artº 1259º do C.Civil e considerando que o tribunal reconhece que o legislador optou pela corrente subjectivista da posse, conclui-se que em 29-10-1976 se a posse era do C. H. este perdeu a posse e transferiu-a para Ré N. A. e que a propriedade se presume na pessoa da Ré N. A..
Todavia o Tribunal acabou a presumir a propriedade na pessoa do falecido e a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
Há uma manifesta contradição entre os fundamentos e a condenação dos Réus contestantes e aqui recorrentes integrando a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a Ré Farmácia X, Ldª, nada tem a ver com as escrituras e simulações anteriores à sua constituição, considerando que detém a farmácia desde 21 de abril de 2011 – cf facto provado 16, considerando que esta acção visa a restituição da farmácia que esta Ré possui, considerando que só foi citada para esta acção em 10 de julho de 2015, considerando que a sua posse é a actual, titulada, de boa-fé, pacífica, pública, derivada e por isso com direito de aceder na posse do ante possuidor. Considerando que, por isso goza de presunção de propriedade, que não precisa de provar “excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse” – cf artº 1268º, considerando que os autores não demonstraram a propriedade, nem em termos de aquisição originária, nem em termos de direito anterior, esperava-se a conclusão que a posse presumida seria desta Ré, e logo, que a acção deveria improceder porquanto os autores não provaram o direito a que se arrogam.
Todavia o Tribunal acabou a presumir a propriedade na pessoa do falecido, indicando como preceito legal o da presunção do “animus” e a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
Há uma manifesta contradição entre os fundamentos e a condenação dos Réus contestantes e aqui recorrentes integrando a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a sentença considerou que o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto não tem efeitos retroactivos, considerando que também se decidiu que a posse do autor da herança é insusceptível de usucapião porque a Lei lhe negava a possibilidade de adquirir a propriedade, esperava-se que a Lei que não permitia ao falecido ser proprietário de farmácia, quer por via de transmissão, quer por via de aquisição originária, mantivesse o mesmo efeito impeditivo, quando, não se sabendo quem é o proprietário, se recorre a presunção.
Todavia o Tribunal ao presumir a propriedade na pessoa do falecido, indicando como preceito legal o da presunção do “animus” e ao condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores, acaba por presunção a violar a Lei vigente à data do óbito, que não permitia ao falecido não farmacêutico ser proprietário da farmácia.
Há uma manifesta contradição entre os fundamentos e a condenação dos Réus contestantes e aqui recorrentes integrando a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a sentença reconhece que, em vida, C. H. não podia ser proprietário de uma farmácia de oficina, considerando que a sentença reconhece que a Lei Nova não tem efeito retroactivo, considerando que reconheceu a posse ao falecido e que esta continuou nos seus sucessores, considerando ainda que após a abertura da sucessão o acerbo permaneceu ilíquido e indiviso por longos anos, considerando que foi já após a abertura da sucessão que a Nova Lei liberalizou a propriedade das farmácias e considerando que a sentença também não nos diz a data do início da posse do falecido, ficamos sem saber em que momento considera verificada a propriedade presumida!
Poderá entender-se que a presunção opera em vida do falecido e como tal ele era proprietário à data da sua morte. Ou, entendendo-se que a Lei antiga proibia a propriedade, mas não a posse. Os herdeiros sucederam-lhe na posse, mas a herança só adquiriu a propriedade com a Lei Nova, (um caso atípico de atribuição de personalidade jurídica à herança, ou até os próprios herdeiros em nova posse.
Saber-se qual o momento temporal em que os autores adquiriram a propriedade é questão não resolvida e como tal obscura e ambígua na abordagem do direito.
Há assim uma obscuridade que integra a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a douta sentença atribuiu a posse da farmácia à herança, presumindo a propriedade, considerando que só após a morte do falecido e a abertura da sua herança entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31-08, considerando a noção de sucessão é o chamamento de pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam, considerando que na sucessão se aplica a Lei vigente à data do óbito. Considerando que a Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965 tem, na sua Base III normas especiais para a sucessão na propriedade das farmácias, considerando-se que nestas regras – cf BASE III – a farmácia, na partilha, apenas subsistirá se for adjudicada a farmacêutico, considerando que apenas a Ré N. A. estava nessas condições, considerando finalmente, que não foi cumprido pelo cabeça de casal o prazo legal imperativo para a partilha da farmácia, e, tendo a sentença condenado esta Ré na sua restituição à herança, acabamos numa situação ambígua, já que se não consegue discernir se a restituição é meramente jurídica, para ser partilhada e adjudicada à Ré nos termos da lei vigente para a sucessão nas farmácias à data do óbito, ou se, pelo contrário, se trata de uma restituição real e efectiva, com entrega do estabelecimento farmácia, ao cabeça de casal que não é farmacêutico e que por isso a não poderia receber à data do óbito, nem requereu inventário ou intentou acção de arbitramento no prazo legal imperativo, tendo mesmo de se reconhecer já caduco o alvará e logo o direito à partilha da farmácia, enquanto estabelecimento comercial de farmácia.
Há assim uma obscuridade que integra a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que na fundamentação da douta sentença se afirma que os herdeiros poderiam ter beneficiado, querendo, do Decreto-Lei n.º 307/2007 e que para isso bastava que a “aparente titular” (Ré N. A.) transferisse para a herança o seu “aparente direito de propriedade”, considerando que a adjectivação de “aparente” resulta da declaração de simulação que versou sobre a sua escritura de aquisição, considerando que a única consequência que dessa nulidade parece resultar é a ineficácia da alienação “por a non domino” à co-ré sociedade, considerando que se a Ré tivesse cumprido a “obrigação” de transferir para a herança essa alienação seria válida e inconsequente, temos que a farmácia é considerada “coisa alheia” quando se trata de alienação para a Ré sociedade e “coisa própria” se a alienação fosse para a herança.
É por isso obscura e ambígua a forma como a sentença chegou à obrigação dos Réus, e os condenou a restituir a farmácia à herança.
Há assim uma obscuridade que integra a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Considerando que a sentença ponderou a susceptibilidade da posse sobre estabelecimento comercial, considerando que a farmácia é um estabelecimento comercial em cuja universalidade jurídica que a “farmácia” constitui, se integra o alvará e o direito ao arrendamento, considerando que a Lei nova e actual, não tem efeito retroactivo, considerando que a Lei que se há-de aplicar à restituição ordenada é a vigente à data do óbito, considerando que à data do óbito o alvará era pessoal e intransmissível e não pertencia ao falecido, considerando que sem alvará, à data do óbito não podia existir uma farmácia, a condenação de restituição acaba obscura já que não permite descortinar como restituir uma farmácia que não existia sem alvará, um alvará intransmissível e um arrendamento que se extinguiu.
Há assim uma obscuridade que integra a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.

Sobre o processo de decisão

10ª Tendo o Tribunal decidido que a posse oculta não conduz à aquisição, por usucapião, do direito de propriedade e sendo o direito de propriedade perpétuo e imprescritível.
Assumindo ainda o Tribunal que desde 1951-08-10 a farmácia pertencia a S. B., e que é nula a escritura de 1956-12-12 em que esta a transferiu para M. P., teria de reconhecer que a farmácia permaneceu na sua propriedade. E sabendo-se quem é o proprietário, estava afastada a necessidade e possibilidade do uso de presunções.
Não pode reconhecer-se aos autores a propriedade da farmácia, com base em mera presunção resultante de posse, e, logo, em acção intentada também contra “Herdeiros Incertos de S. B.”.
Deveria o Tribunal ter reconhecido que os autores não são titulares do direito a que se arrogam e, logo julgar improcedente a acção, absolvendo todos os Réus de todos os pedidos formulados.
Entre outros mostram-se violados os artigos 298º nº3, 1305º e 1306º do Código Civil.

11ª As escrituras públicas de 1965-09-06 entre M. P. e M. V., de 1968-03-15 entre M. V. e F. J.; de 1971-01-28 entre F. J. e M. R. e de 1974-03-21 entre M. R. e M. P., são documentos autênticos e porque não arguidos de falsos, assumem força probatória plena.
Não foi requerida pelos autores, nem declarada oficiosamente pelo Tribunal, sendo que alguns dos intervenientes nessas escrituras não foram constituídas como partes na presente acção.
Estas escrituras resultam assim válidas e eficazes nos seus efeitos constitutivos.
Tendo o Tribunal reconhecido e declarado nula a escritura de 1976-10-29 entre M. P. e N. A., a propriedade da farmácia permaneceu na titularidade da Ré M. P..
Mutatis mutandis da conclusão anterior, se da declaração de nulidade resulta que a propriedade da farmácia pertence a uma das Rés nestes autos, não pertence aos autores. Sabendo-se quem é o proprietário não se justifica o uso de presunção e a acção deveria ter improcedido.
Deveria o Tribunal ter reconhecido que os autores não são titulares do direito a que se arrogam e, logo julgar improcedente a acção, absolvendo todos os Réus de todos os pedidos formulados.
Entre outros mostram-se violados os artigos 298º nº3, 371 a 376, 1305º e 1306º do Código Civil.

12ª A Ré Farmácia X Lda constituída por escritura de 21 de Abril de 2011, adquiriu a farmácia que lhe foi entregue pela Ré N. A., para preenchimento em espécie da sua quota social.
Não teve qualquer intervenção no processo de inventário que com o n.º 121/11.4TBVNH correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., e até à citação para a presente acção a farmácia não lhe foi reivindicada.
Desde 21 de Abril de 2011 que tem posse actual, pública, pacífica, titulada e por isso de boa fé.
Posse que perdurou por mais de ano e dia, sem qualquer turbação até 10 07 2015, data da citação para esta acção.
A posse reconhecida aos autores é uma posse oculta e uma posse que estes perderam, senão antes, com a posse da Ré Farmácia X Lda em 21 de Abril de 2011.
Pelo que a posse dos autores é inoponível à posse da Ré Farmácia X Lda que só cede perante quem convença na questão da titularidade do direito.
É na posse da Ré Farmácia X Lda que se pode alicerçar a presunção de propriedade e não na posse dos Autores.
Deveria o Tribunal ter reconhecido que os autores não são titulares do direito a que se arrogam inclusive por não demonstrarem melhor posse que a do possuidor actual e, logo, julgar improcedente a acção, absolvendo todos os Réus de todos os pedidos formulados.
Entre outros mostram-se violados os artigos 1263º alíneas a) e b), 1267º nº1 alínea d) e nº2, 1278º e por erro de interpretação o 1268º do Código Civil.

13ª Considerando que C. H. não era farmacêutico e faleceu em dois de fevereiro de 1995,considerando que também nenhum dos autores é farmacêutico, considerando que até 31 de outubro de 2007, data em que entrou em vigor o decreto-lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, nenhum deles poderia ser proprietário de farmácia, tendo em conta que na douta sentença e bem, se considerou que este decreto lei não tem eficácia retroactiva, o falecido nunca poderia ter sido proprietário por imperativo de Lei.
Ao declarar “que, na hora da morte de C. H., este tinha a posse da farmácia e esta continuou nos seus sucessores, que, por presunção, são titulares do respectivo direito de propriedade” a douta sentença entra em contradição de princípios e por presunção afirma a propriedade da farmácia na hora da morte do de cujus, logrando assim afirmar uma propriedade que a Lei expressamente proibia!
A douta sentença, violou o disposto no artº 1º do Decreto Lei 23422 de 29/12/1933 e a Base II nº1 da Lei n.º 2125, de 20 de março de 1965, bem como a letra e o espírito do artigo 12.º do Código Civil.
Não deveria ter reconhecido o direito dos autores e em consequência, impunha-se a absolvição dos Réus de todos os pedidos formulados.

14ª A douta sentença errou na seleção e apreciação da matéria de facto.
Atento o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal definidos no artº 5º e 607º nº4 do Código de processo civil o Tribunal deveria ter considerado todas as soluções plausíveis em direito e nomeadamente, que o que distingue a simulação enquanto interposição fictícia de pessoas, - tese a ónus dos autores – da interposição real de pessoas, que os Réus avançaram como mandato sem representação, em impugnação motivada e por isso – sem ónus probatório – é a existência de um conluio entre os intervenientes na escritura e não o mero conhecimento ou consciência da interposição do terceiro.

Assim deveria o Tribunal ter ponderado, como factos instrumentais:
1º Que desde 1956 o falecido C. H. sabia não preencher os requisitos legais para ser dono de farmácia.

Este facto que até se deverá ver como essencial à alegação de simulação por interposição de pessoa, resulta alegado pelas partes, nomeadamente nos artigos 19º da petição inicial e 7º nº1 da contestação.
Para além de dever ser considerado, deveria ter sido dado como provado, não só porque o desconhecimento da Lei que o proibia lhe não aproveitava, como também por ter sido referido pela generalidade das testemunhas ouvidas, com relevo para os depoimentos de parte de H. J. e M. P..
Declara o primeiro ao esclarecer os preliminares do negócio que teve com o falecido que foi com ele que acordou a venda da farmácia e que logo acordaram que a escritura seria feita para uma farmacêutica que o falecido C. H. iria arranjar porque a Lei não permitia que particulares fossem proprietários de farmácia. – cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.
Declara a segunda que “na altura, o proprietário da farmácia tinha que ser farmacêutico, o senhor C. H., não era farmacêutico e então teve que pôr a farmácia em meu nome, para poder adquiri-la, que ele não podia adquiri-la”. cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.
Resulta ainda da generalidade dos depoimentos testemunhais nomeadamente F. B. registado na gravação entre os pontos 11:26:09 e 11:54:04., A. R. registado na gravação entre os pontos 15:34:08 e 16:20:13, A. P. registado na gravação entre os pontos 16:47:16 e 17:33:21.

2º Que em 1956 a farmacêutica S. B. queria vender a farmácia e por ela receber um preço, sendo-lhe indiferente a pessoa do comprador.

Declarou-o de uma forma clara e expressa o Réu H. J., marido e procurador da vendedora S. B. “porque estava com problemas em lisboa, tinha três farmácias já em lisboa também, Estava com problemas e resolvi vender a de cá.” .. “Ah, sim, sim, pois precisava, porque a minha vida era mais em Lisboa, não é ... Mas havia problemas familiares que me obrigaram a isso também, não é.” cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.
Não nos diz quais eram os problemas, mas o artº 3 do Decreto Lei 23422 de 29/12/1933, vigente à data, estatuía que “Nenhum farmacêutico poderá ser proprietário de mais de uma farmácia aberta ao público”.

3º Recebeu do falecido C. H. o preço e prometeu vender a farmácia a farmacêutico que ele viesse a indicar.

É o que se deduz do depoimento de parte do Réu H. J..
Como também resulta da conformidade ao logo de muitas dezenas de anos com a conformidade abdicativa do direito e a circunstância abusiva que seria a potencial invocação da prescrição da obrigação de restituição do preço. - cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.

4º Seria o C. H. que negociaria com a farmacêutica, por forma a assegurar para ele a gestão e o benefício comercial da farmácia.

No depoimento de parte o Réu H. J. faz uma interessante interpretação que entende ser a única permitida pela Lei à data dos factos. Para ele a propriedade da farmácia dividia-se em duas partes; a “parte comercial” que podia ser transferida para um leigo e a “parte técnica” que apenas podia ser de um farmacêutico.
E assumindo-se como instigador da compra pelo de cujus, disse o mesmo Réu H. J.: “É claro que entretanto, tem que meter uma farmacêutica ou farmacêutico que lhe tome a responsabilidade da farmácia, mas nessa altura a lei permitia que a propriedade fosse de particulares, e ser um profissional de farmácia, não é, claro que era um farmacêutico ou farmacêutica. Quando o senhor C. H. arranjou a farmacêutica, …, se não me falha a memória, claro que a minha mulher deixou de ser a directora técnica da farmácia, e eu, como procurador, vim fazer os documentos de passagem para essa senhora, mas a propriedade nunca deixou de ser do senhor C. H.”…” Era senhor Doutor, a lei obrigava o farmacêutico a ter a farmácia no nome dele, mas. a propriedade propriamente dita, comercial, digamos assim, nunca deixou de ser do senhor C. H.,”

E ainda no entender deste declarante, quiseram vender a farmácia ao falecido mas “apenas a parte comercial”…” Pois, qualquer pessoa que tivesse dinheiro, podia comprar -----farmacêuticas, agora nessa altura, a farmácia tinha que estar obrigatoriamente em nome da farmacêutica porque o que não queria dizer que a farmácia fosse dele, não é.” … “a parte comercial foi vendida única e exclusivamente ao senhor C. H.,”

Era o falecido comprador que tinha de negociar com a farmacêutica (comprá-la) e não ele vendedor. A farmacêutica seria a compradora e o falecido ficava com a “parte comercial” .. “a minha responsabilidade aqui consiste no seguinte, a farmácia, foi pura e simplesmente, a parte comercial, foi pura e simplesmente vendida ao senhor C. H., cujo único proprietário era ele” - cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição

E é confirmado pela Ré M. P. que não refere qualquer contacto seu ou de seu pai com os vendedores, reconhecendo que sempre agiu no interesse e por conta do falecido C. H. - cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.

É o que também resulta da “prática comportamental” do falecido e do dizer de todas as testemunhas quando interpretadas correctamente nos conceitos públicos do “ter” e do “seu” e do “dono” que se não podem confundir com conceitos jurídicos.

5º E negociou a venda com o falecido C. H., convencendo-o a colocar a filha (Ré N. A.) na faculdade de farmácia para lha poder transmitir.

Declarou-o também de uma forma clara e expressa o Réu H. J. “além disso você vai ter uma filha, segundo me consta, vocês vão querer que ela seja professora como a mãe, em lugar de ser professora, você mete-a na faculdade de farmácia, e mais tarde ela toma a responsabilidade da farmácia, fica tudo em casa” … “entusiasmei de tal maneira, olhai comprai a farmácia, e você em professora, formai-a em farmacêutica, e mais tarde quando ela for formada tem a responsabilidade técnica” ... “quando foi que eu insisti com o senhor C. H., senhor C. H., compre a farmácia, que amanhã é um bom emprego de capital, você tem filhos, o mais velho, como já acabei de falar, estava para, segundo a mãe e o pai, a dona N. A. e o senhor C. H. queriam que ela fosse professora que era a profissão da mãe, tudo bem, tudo bem, e eu então entusiasmei-os, comprai a farmácia ... A vossa filha vai para farmácia, tira o curso na escola de farmácia, é de três anos, naquela altura, havia o licenciamento que nessa altura só existia no Porto e eram mais dois anos, não é, de maneira nessa altura já era farmacêutico e já deixava de ser farmacêutico, técnico farmacêutico ...” cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.

E confirmou-o a Ré M. P. ao declarar: “eu fui para lá, porque ele tinha uma filha a estudar farmácia, a tirar o curso ... E foi enquanto ela não acabou é que eu estive, e depois passou para ela, como farmacêutica “.- cf gravação do depoimento antecipado da parte e respectiva transcrição.

E ainda M. E. em depoimento registado entre os pontos 11:19:58 e 12:00:32.e A. P. registado entre os pontos 16:47:16 e 17:33:21

6º A intervenção do farmacêutico não se confinava à mera outorga da escritura, mas impunha-lhe a responsabilidade técnica da farmácia e as responsabilidades do proprietário perante as entidades oficiais e público em geral.

Resulta não só do circunstancialismo legal que impunha que o dono farmacêutico fosse o director técnico, como da generalidade das testemunhas reportar que os compradores se mantiveram na farmácia como directores técnicos. - cf gravações dos depoimentos antecipados da parte e respectiva transcrição

7º Após a escritura de 1976-10-29 o falecido fez colocar uma placa na frontaria do edifício da farmácia com os dizeres “Farmácia X, proprietária e directora técnica doutora N. A.”

Resulta dos depoimentos de R. G. registado entre os pontos 10:51:06 e 11:25:02 e A. X., registado entre os pontos 14:46:11 e 14:52:06., que reporta conversa com o falecido “Olha A. X., já temos uma doutora cá em casa, já vamos dar o nome à farmácia, “Farmácia X”” e “já temos uma farmacêutica, vamos dar o nome à farmácia. E puseram uma pedra lá fora “Farmácia X”
Do documento fotográfico junto na 3ª sessão de julgamento registado entre os pontos 11:19:57 e 11:23:04.
Depoimento de M. E. registado entre os pontos 11:19:58 e 12:00:32.

15ª E mostram-se mal apreciados e como tal devem ser rectificados ou mesmo retirados da lista dos factos provados os seguintes:

Na apreciação da prova o Tribunal não filtrou dos depoimentos apenas os factos, expurgando-os de convicções pessoais conclusivas ou não interpretou o sentido popular de conceitos utilizados pelo direito. Desrespeitou regras de direito probatório, usou de preconceito, apontou regras de lógica e experiência inaceitáveis e acabou com uma fundamentação incipiente quase limitada à mera e irregular indicação dos meios de prova, justificando-se ao invés de fundamentar, como resulta com a utilização do já decidido para fundamentar a premissa do que ainda vai decidir.

1º o facto “16.º - Em escritura de 21 de abril de 2011 a N. A. e marido declararam constituir uma sociedade e nela incorporar a Farmácia X, mas, tendo sido relacionada no inventário referido em 1.º, a farmácia, na partilha, foi adjudicada a todos os herdeiros, mesmo após licitação, onde o maior lanço foi apresentado pelos autores.”

A redacção deste facto induz ao entendimento de que a escritura ocorre após a relação de bens no inventário, quando na realidade ocorreu antes da própria distribuição do inventário.
Os autos do processo de inventário n.º 121/11.4TBVNH (Herança), estão juntos a estes autos, a título devolutivo, para apensação, conforme solicitação na sequência de despacho que pode ser conferido na ata de 13 de junho de 2017.
Mal se compreende assim que o Tribunal se não tenha apercebido que o requerimento inicial daqueles autos é de 24/10/2011, como tal posterior à escritura de 21 de abril de 2011.
A haver uma relação de causa e efeito, temos que foi a escritura que despoletou o inventário e não o contrário!
E também se não compreende que o Tribunal não refira que a verba foi a licitação como verba litigiosa e que afirme que “o maior lanço” foi apresentado pelos autores. Nada nos autos indica que a Ré N. A., ali interessada, tenha licitado a verba!
Como se pode afirmar que houve e estão provados “lanços” quando o que consta da ata se confina a “A verba nº 5 (cinco) – (verba com natureza litigiosa – cfr. despacho de fls. 421 a 448) foi licitada pelos interessados J. M.; C. A.; M. J. e I. G., em comum e partes iguais, por €: 120.010,00 (cento e vinte mil e dez euros)”;

Este facto deve ser corrigido e rectificado pela sua divisão em duas partes sugerindo-se:
Facto 16 - Em escritura de 21 de abril de 2011 a N. A. e marido declararam constituir uma sociedade e nela incorporar a Farmácia X

Facto 16-A - no inventário referido em 1.º, a farmácia foi levada à partilha como bem litigioso, foi adjudicada a todos os herdeiros, após licitação ganha pelos autores.”

2º o facto “ 65.º - 63.º Na conferência de interessados do Inventário em causa a farmácia foi licitada com lanços de todos os herdeiros, sendo que foram os quatro autores, em conjunto, que licitaram no valor mais elevado, embora o douto despacho de forma á partilha a atribuísse a todos os herdeiros, tendo havido reclamação da N. A. que queria ver-se paga da sua parte do valor da farmácia, em tornas.

Este facto constitui uma absurda heresia, considerando a isenção que por todos era esperada!
A fundamentação da convicção confina-se a isto “Atento o teor do documento junto a fls. 163 a 171, sob o artigo 65.º dos factos provados, foi considerada provada a matéria alegada no artigo 63.º da petição, exceptuando a alegação conclusiva “sinal evidente que mesmo no inventário acabou por reconhecer que a farmácia era da herança”.
Onde é que os documentos citados demonstram que “a farmácia foi licitada com lanços de todos os herdeiros”? Se os quatro autores licitaram em conjunto, com o todos está a afirmar-se a prova de que a Ré N. A. licitou. Se o fez nada de mal teria vindo ao mundo. Mas onde está a prova de que o fez?
O processo de inventário está apenso ao inventário. O Tribunal não precisava dos documentos. Tinha a fonte onde beber directamente! Não pode por isso o Tribunal ignorar que:
- a verba nº5 (farmácia) foi relacionada pelo cabeça de casal.
- A aqui Ré N. A. reclamou a sua exclusão.
- A verba foi mantida no inventário como litigiosa e assim levada à conferência para licitação.
- Foi arrematada pelos autores.
- O mandatário dos Autores aformalou a partilha.
- o mandatário da Ré N. A. (a quem tinha sido notificada aquela aformulação) não ofereceu forma à partilha (quiçá por se conformar com a forma apresentada)
- Foi proferido despacho determinativo, que não foi notificado às partes e que determinou que a verba litigiosa fosse adjudicada em comum!
- Elaborado mapa informativo o mandatário da Ré N. A. reclamou desse mapa, que não estava de acordo com a única aformulação que conhecia e pediu em conformidade com a conferência de interessados que o mapa informativo fosse corrigido.
- A secção penitenciou-se do lapso de não notificação, que o Mmo Juiz mandou efectuar e feita esta,
- O mandatário da Ré desistiu expressamente da reclamação que tinha feito contra o mapa informativo.
- Independentemente dessa desistência e da adjudicação da farmácia como bem litigioso em comum pelos interessados, a Ré N. A. continuou credora de tornas.

Não foi a Ré N. A. nem nenhum dos interessados, diga-se, que solicitou que após a licitação, o bem litigioso licitado acabasse numa compropriedade não querida! Foi o Tribunal que assim decidiu e com essa decisão conformaram-se todos os interessados, já que não houve recurso da sentença final.
A referência que os autores fizeram no artº 16 e 63º da petição inicial mereceu dos contestantes o seu artº 141º. Veja-se o que se escreveu na nota de rodapé!
As insinuações, do erro na atribuição da coisa litigiosa em comum no Tribunal de ... acabam afinal por se tratar de um “venire contra factum proprium” já que os autores não recorreram dessa decisão e por parte do Tribunal de Bragança ao reproduzi-la nos factos provados, dando-se inclusive o relevo da repetição nos factos 16 e 65, é, para além de errónea, uma iníqua intromissão no poder soberano do Tribunal de ....

Este facto deve ser eliminado do rol dos factos provados.

3º os factos “17.º, 18º e 19º “ por conclusivos, viciados na sua fundamentação, não suportados na prova e contraditórios com os factos instrumentais da conclusão anterior, para além de suportados em presunção sem qualquer base de suporte
Serve-se o Tribunal de um documento particular muito posterior à escritura e que se reporta a um outro documento que não a escritura que o autor afirma legal! Serve-se dos depoimentos de parte, de onde tão pouco se pode concluir que os intervenientes na escritura se conhecessem antes da data ou tivessem tido qualquer outro contacto. Serve-se de presunção contra a valia e força probatória de documentos autênticos e onde concluiu pela desonestidade e prática criminosa de intervenientes que tão pouco foram ouvidos.
Devem ser eliminados do rol dos factos provados.

4º o facto “24.º - Punha e dispunha em tudo o que dissesse respeito ao negócio e funcionamento da farmácia, negócio que continuava a julgar seu.”

Contém um juízo incompatível com o facto que resulta a nosso ver indiscutível da prova e que é o de o falecido saber que não podia ser o dono e proprietário da farmácia! Aliás mostra-se até incompatível com o facto seguinte do nº25 onde se estatui que “O C. H. …, adquiriu o cartão de ajudante de farmácia, para trabalhar na mesma” Quem se assume como dono da farmácia, não vai adquirir um cartão de ajudante!
E acresce que o contrário sobre a convicção exposta resulta ainda dos depoimentos de M. E. registado para gravação entre os pontos 11:19:58 e 12:00:32 e A. S. registado para gravação entre os pontos 12:18:53 e 12:41:49.
Este facto deve ser corrigido para a seguinte redacção:

- Facto 24 - Punha e dispunha em tudo o que dissesse respeito ao negócio e funcionamento da farmácia.

5º o facto “28.º - Era ele que em tudo mandava, considerando-se o dono da farmácia e sendo, por todos, considerado como tal.”

Mutatis mutandis padece do mesmo vício do anterior. O falecido não se podia considerar a si mesmo como dono, porque sabia não o poder ser, e porque até necessitou de obter um cartão de ajudante. Também não era considerado dono por “todos” desde logo, porque como tal não era considerado, pela Direcção Geral de Saúde, pelo Infarmed, pelas autoridades fiscais, e pelos seus concorrentes, legítimos donos de farmácias.
Acresce-lhe o depoimento contrário de M. E. registado para gravação entre os pontos 11:19:58 e 12:00:32 e A. S. registado para gravação entre os pontos 12:18:53 e 12:41:49.
Este facto deve ser eliminado do rol dos factos provados:

16ª Não há nos autos elementos que permitam aferir que a escritura de 12-12-1956 seja simulada.
O artº 1031º do Código de Seabra visa os contratos celebrados em prejuízo de terceiros e era seu essencial da mentira o “fim de defraudar os direitos de terceiro” e só os prejudicados a poderiam arguir.
Os autores enquanto herdeiros do falecido, único que beneficiava com a mentira não a podiam arguir.
Também se não vislumbra que a escritura se possa ter como um acto contrário à moral pública ou ás obrigações impostas por lei.
A escritura em si mesma não contraria a Lei, antes se conforma com ela.
E se é verdade que à data não estava previsto o mandato sem representação, também é verdade que não estava proibido e dele existia mesmo previsão no contrato comercial de comissão!
Acresce que a verificar-se a nulidade por simulação não pode o Tribunal deixar de operar com o artº 1032º reconhecendo que o direito à farmácia não é dos autores, mas dos vendedores.

A douta sentença ao decidir pela simulação violou o referido artº 1031º do Código Civil vigente à data do contrato e ao não reconhecer que o direito permanecendo na vendedora não era dos autores, violou o artº 1032º do mesmo diploma.

17ª Não há nos autos elementos que permitam aferir que a escritura de Em 29-10-1976 seja simulada.
A propriedade era efectivamente da vendedora que a tinha adquirido em 21-03-1974 de M. R., por escritura pública, sem que a escritura tenha sido arguida de falsa, nem o negócio declarado nulo.
A vendedora quis vender a farmácia porque a isso estava obrigacionalmente obrigada perante o falecido que nela outorgou como seu representante.
A Ré compradora quis adquirir a farmácia, na detenção de seu pai e o seu pai quis ceder-lhe a farmácia na propriedade de M. P..
A existir um conluio entre pai e filha, não visou prejudicar a vendedora, nem o próprio falecido que com ele apenas beneficiou.
Tão pouco há divergência no preço declarado, porquanto o mesmo há-de corresponder ao valor do mandato e não ao da farmácia. A existir será uma doação entre pai e filha formalmente válida e de valor não apurado.
Também ao ser declarada a nulidade, haverá que reconhecer que a farmácia pertencerá à vendedora M. P. e não aos autores, pelo que a acção deveria ter improcedido.
A douta sentença ao decidir pela simulação violou o artº 240º do actual Código Civil e ao não reconhecer que o direito permanecendo na vendedora não era dos autores, violou o artº 289º do mesmo diploma.

18ª Uma farmácia é um estabelecimento comercial. Mas não pode existir uma farmácia sem alvará. Até 30 de outubro de 2007, data muito posterior ao óbito de C. H. o alvará para farmácia de oficina apenas podia ser atribuído a farmacêutico que, por imperativo legal, teria de ser o titular da propriedade do estabelecimento.
O falecido nunca foi farmacêutico pelo que lhe pode ser aplicado o regime normativo da propriedade de farmácia.
Assim, ao falecido sempre faltou capacidade jurídica para ser proprietário de farmácia, pelo que em relação a ele, a farmácia sempre constituiu um objecto fora do comércio.
A farmácia, enquanto estabelecimento comercial não se poderia constituir como universalidade, objecto de direito de propriedade ou outro direito real, em relação ao falecido, mas nada impedia que, sobre ela e em favor do falecido se tenham constituído direitos de natureza obrigacional.

E estas características de restrição ou impedimento em relação à propriedade impediam também o falecido de adquirir a posse da farmácia.
Impediam-lhe a posse à luz do artigo artº 429 “ex vi dos artº 370º, 371º e 372º do código de Seabra.
Impediam-no a natureza pública da obtenção do alvará e a concepção subjectiva da posse que lhe impede o “animus” como elemento intencional, nos termos dos artºs 1251º e 1252º do actual Código Civil. Ao falecido estava vedada a possibilidade de adquirir a posse pela forma tipificada que o artº 1263º estabelece, nomeadamente porque lhe estava vedada a “publicidade” no ato de aquisição.

Donde se concluiu que para um não farmacêutico e até 30 de outubro de 2007, não era possível adquirir a posse de uma farmácia, pelo que o seu poder de facto, juridicamente confinava-se a mera detenção.

Ao não o entender assim a douta sentença violou o artº 429º do Código de Seabra, e os artigos 1251º e 1263º do actual código Civil.

19ª O nº2 do artº 1252º é uma presunção do animus de posse para quem já tem o corpus. Beneficia quem tem a posse actual que por sua vez se presume possuidor no passado.

Mas já não funciona para quem sem ter pela posse adquirido a propriedade, a perdeu porque a cedeu ou por nova e melhor posse. -cf artº 1267º.

E quem perdeu a posse sem ter adquirido a propriedade já não beneficia da presunção de propriedade do artº 1268º.

Se o falecido tivesse sido possuidor, teria perdido a posse pela cedência à Ré N. A., na escritura em que outorgou pelo lado do vendedor em 29-10-1976.

Pelo que a sentença errou ao não interpretar correctamente o disposto nos artigos 1252º, 1257º e 1267º do Código Civil.

20ª A Ré Farmácia X, Lda está nos autos porquanto é ela que desde 21 de Abril de 2011.
O título não se presume, mas demonstrado presume-se a posse – artº 1259º do Código Civil.
E mesmo que o título seja ineficaz que o não é, a possa desta Ré sociedade é titulada, presumida de boa fé, pública, pacífica, só turbada com a presente acção e sobretudo é a actual.

Não tendo os autores provado a propriedade é esta ré que beneficia da presunção de propriedade e não eles, como aliás resulta do artº 1276º do Código Civil.
Ao decidir contra a Ré, a sentença por desatenção violou os artigos 1259º e 1276º do Código Civil.

Termos em que na procedência destas conclusões deve reconhecer-se a razão dos Réus Recorrentes e reconhecendo-se que os Autores não são titulares do direito a que se arrogam, deve revogar-se a sentença da 1ª instância e absolverem-se os Réus de todos os pedidos formulados.

Conclusões dos AA:

1 – A Douta Sentença decidiu:
“Declaro que os AA. C. A., I. G., M. J. , J. M. e a Ré N. A., são os únicos herdeiros de C. H.”.

“ Declaro que, na hora da morte de C. H., este tinha a posse da Farmácia e esta continuou nos seus sucessores, que, por presunção são titulares do respectivo direito de propriedade”.

2 – Analisou a Douta Decisão que, resultaram provados os enunciados do negócio simulado. Por não corresponder à verdade o declarado nas escrituras, por isso nulo; mas que a venda feita por S. B. a C. H. também era nula, o que sempre sucederia pelo facto do objecto do contrato consistiria em coisa não susceptível de constituir objecto de negócios jurídicos em termos gerais, pois a lei, por razões de interesse público reservava então a propriedade de Farmácia e, portanto, a possibilidade legal da respectiva aquisição a quem tivesse a qualidade de farmacêutico.

A Douta Decisão deu como provados factos que demonstram que o C. H. desde o ano de 1956 até que faleceu, 2 de Fevereiro de 1995, sempre teve a posse da farmácia, posse que, se não fosse o atrás referido, teria levado à usucapião. Explicitou os actos de posse, embora não titulada e de má-fé.

3 – Da análise feita conclui a Douta Sentença que:

- O C. H. não podia adquirir por usucapião porque a lei ao pretender que a propriedade da farmácia coincidisse na pessoa do farmacêutico, lhe denegou o direito de adquirir por usucapião.
- Também o legislador de 1867 reservava a usucapião para as coisas que estão em comércio, mas que não foram exceptuadas por lei.
- Também o actual Código, art.1287º, não faculta a aquisição.
Porém a relação sucessória, irrelevante para efeitos de usucapião, subsistiu na herança de C. H. e podia beneficiar do regime jurídico da propriedade de farmácia instituído pelo Dec.L 307/2007, podendo regularizar a situação fictícia em que se encontrava. Porém, tal Dec. Lei não tem efeitos retroactivos, nos termos do art. 12º, 1,2º do C. Civil.
- Mas como o C. H. teve até à hora da morte sempre a posse da Farmácia X, a qual, após o seu decesso continuou nos seus sucessores, gozam estes da presunção da titularidade do direito (art. 1252, nº2 do C.Civil), que lhes é reconhecido e os RR. têm a obrigação de restituir a Farmácia.

4 – Concordam os Autores com a correcção desta último parágrafo, mas entendem que quer o C. H., quer os herdeiros, enquanto contitulares da herança, podiam adquirir a Farmácia por usucapião, fazendo esta parte do acervo da mesma, bem como o C. H. a adquiriu por contrato de compra e venda.

5 – O Douto Acórdão do TRC, proc. nº 160/07.0TBGVA, JTRC, tendo como Relator o Ex.mo Desembargador Artur Dias, com data de 16-03-2010, votado por unanimidade (www.dgs.pt) decidiu claramente:
I – Um estabelecimento comercial pode ser objecto do direito de propriedade, podendo o mesmo ser objecto de posse (art. 1251 do C. Civil) e de usucapião (art. 1287 do C.Civil).
- Seguiu de perto um acórdão TRL de 13/03/2008, várias doutas orientações, Ferrer Correia, Fernando Gravato Morais, entre outros que sustentam que a lei, a doutrina e a jurisprudência romperam com a velha concepção atomística do estabelecimento, e elevaram a empresa à função de bem jurídico autónomo; a lei vê sempre o estabelecimento como organização comercial ou fabril, com as suas virtualidades, experiências, relações com os fornecedores, bancos, segredos de fabrico, reputação, clientes, etc. Se o estabelecimento é transaccionável, é porque é objecto do direito de propriedade.

6 – Também um douto Acórdão do TRC, proc. 665/04.4TBSCD.C1,JTRC, do Ex.mo Desembargador Emídio Costa, de 18.05.2010, votado por unanimidade, diz com clareza:
IV – O D.L nº 307/2007 de 31/8 (que entrou em vigor em 31/10/2007, alterando o regime legal anterior, liberalizou a propriedade das farmácias, não exigindo que o proprietário seja farmacêutico.
V – Suprimindo a Lei Nova um dos fundamentos jurídicos da nulidade é aplicável aos negócios jurídicos anteriormente constituídos (art. 12º, nº 2, 2ª parte) do C. Civil, validando o negócio dissimulado”.

Refere que o DL 307/2007, de 31/8 diz no seu preâmbulo que tem a finalidade de modificar um regime jurídico desadequado e injusto, limitador, afastando as regras que restringem a propriedade a farmacêuticos, segundo as normas e orientações da União Europeia, e nacional, equilibrando o livre acesso à propriedade, mas com restrições, a pessoas singulares e a sociedades comerciais, continuando e reforçando o regime de incompatibilidades em relação à propriedade. A nova lei permite a regularização de uma série de situações fictícias que a Lei antiga proporcionou, mas sempre desde que se sigam os limites impostos pela Nova Lei.
Mas não estabeleceu nenhuma norma de carácter transitório quanto à regularização. Mas a Lei é inovadora, pois preceitua que não farmacêuticos podem ser proprietários, não é interpretativa (artº 13 do C.Civil). Nos termos do art. 12 do C.Civil a Lei só dispõe para o futuro. Diz o Douto Acórdão que é suposto que a lei Nova representa um melhoramento em relação à Lei antiga, responde melhor ao ideal de justiça, daí que esse ideal exija a aplicação da Lei Nova com uma margem tão larga quanto o necessário para que desapareçam as situações que com ela quis evitar.
Segundo o nº2 do art. 12 do C.Civil, se a Nova Lei suprimir um dos fundamentos da nulidade, será aplicada aos negócios jurídicos anteriormente constituídos já que do que verdadeiramente se trata, neste caso, é regular os efeitos da situação jurídica, independentemente dos factos que lhe deram origem (2ª parte do preceito).
Esta é também a opinião dos recorridos, e a que é justa.

7 – O Acórdão do STJ, Proc. 3452/15.OT8VIS-D.C1-S1, 6º Secção, sendo Relator o Conselheiro José Rainho, com data de 17 de Abril de 2018, entende que a posse é pública desde que seja conhecida dos interessados, o anterior possuidor ou titular do direito, que perdeu o domínio de facto. Embora haja um trato ilícito, os AA. foram verdadeiros compradores da farmácia, no caso em concreto o C. H. logo se tornou possuidor e dono, com posse pública, pois o que foi clandestino foi o acordo feito entre o C. H. e as técnicas. A posse nasceu de um trato ilícito e escondido das pessoas em geral, o Estado por exemplo, mas não implicou actos de posse da coisa contra qualquer interessado.
Diz o Douto Acórdão que o exercício da actividade de estabelecimento de farmácia (rectius, a sua abertura ao público) depende da emissão de um alvará; mas isso não põe em causa a publicidade da posse; porque esta é averiguada no confronto dos interessados, no caso concreto S. B., assunto que nada tem a ver ou é prejudicado pelo registo ou pelos fins visados pela publicidade registral.

8 – Segundo o Douto Acórdão e transpondo para o caso dos autos, dado que o C. H. desde 1956 até 1995 e após a sua morte, os seus sucessores, enquanto representantes da herança, sempre foram os reais senhorios do corpus possessório propriamente dito, sempre agindo com o animus possidendi, tratando-se de uma posse não titulada, mas de boa-fé (os factos provados levam à elisão da presunção legal – art.1260, nº 2 do C. Civil – de má fé decorrente da não titulação do acto de trespasse relativamente à pessoa do C. H. e sucessores) e pacífica, certo é que tanto o C. H., como os autores enquanto representantes da herança adquiriram a farmácia por usucapião.
Devendo o estabelecimento ser havido como coisa móvel, segue-se que não só o C. H., como os autores, representantes da herança, adquiriram a farmácia por usucapião dez anos depois de terem iniciado a posse (art. 1298, al. b) do C.Civil).
E termina o Douto Acórdão esta questão dizendo que “efectivamente a usucapião é uma forma originária de aquisição do direito real de gozo, abstraindo por completo de anteriores vicissitudes ou incidências físicas ou jurídicas, incluindo as registrais sobre a coisa usucapida.
É essa também a posição dos autores, no caso desta Douta Sentença recorrida.

9 – Nos números 19 a 37, 40, 44 a 57 e 65, está provada factualidade que torna a pretensão dos RR um autêntico abuso do direito, com particular evidência para a Ré N. A. e marido, ao pretenderem a Farmácia para si.

O Douto Acórdão atrás referido do Ex.mo Desembargador Artur Dias, citando o Prof. Almeida Costa, diz que o abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais. A existência do abuso do direito afere-se a partir dos conceitos de boa-fé, os bons costumes e o fim social e ou económico do direito.
A boa-fé é um estado de espírito de convencimento da licitude de certo comportamento. As pessoas devem ser honestas e leais no exercício dos seus direitos e deveres, não defraudando a legitima confiança e expectativa dos outros.
Mas apresentando-se como uma regra geral, a jurisprudência dos Tribunais vem elaborando hipóteses típicas, da qual se destaca a proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente.
Uma decisão que, por mera hipótese, realizasse o pretendido pelos RR, consagraria como bom o comportamento da Ré N. A. e marido, manifestamente abusivo do direito, quer no processo quer neste recurso, bem como dos outros recorrentes, comportamento referido nos factos dos números citados.

10 – Bem andou, a Douta Decisão a que se opõem os RR, embora não nas questões aqui levantadas pelos autores.
Diz ainda o Ex.mo Conselheiro José Rainho no Acórdão atrás citado, seguindo Menezes Cordeiro, que o abuso do direito constitui matéria de conhecimento oficioso; está sempre em causa uma pura questão de direito, e quanto ao enquadramento jurídico da causa é o tribunal livre de decidir como entender ser devido.
E embora a lei não diga qual a consequência inerente ao exercício abusivo do direito, qualifica-o como ilegítimo. A consequência terá que ser encontrada caso a caso, mas sempre de modo a neutralizar eficazmente a antijuricidade, desse eventual direito, como nos diz o Douto Acórdão, atrás citado, do Ex.mo Senhor Conselheiro José Rainho.
Porém, a Douta Decisão, com final correcto juridicamente e realizando a justiça, fim último, com todo o respeito o dizemos, ao não considerar com efeitos retroactivos o Dec. Lei 307/2007 de 31 de Agosto, ao declarar nulo o negócio dissimulado entre S. B. e C. H., ao não declarar que este podia e adquiriu a farmácia por usucapião, bem como os seus sucessores, com os factos dados como provados citados, não considerando que a N. A. sonegou bens da herança, a farmácia e seus frutos, com as legais consequências, perda do direito, ao negar aquilo que durante anos admitiu, violou a Douta Decisão, interpretando e aplicando incorrectamente o Dec. Lei 307/ 2007 de 31 de Agosto, os artigos 334, 1251,1254,1255,1259 a1262,1263, 1287 a 1289, 1298 e2096, todos do Código Civil.

Pugnam assim pelo provimento a este recurso, com a procedência dos pedidos aqui relacionados.

Houve contra-alegações a ambos os recursos, tendo os AA. nelas apresentado requerimento de ampliação do âmbito do recurso dos RR, concluindo como no recurso subordinado e ainda pugnando pela apreciação da existência de abuso de direito por banda dos RR, face à pretensão destes.

Por ter falecido a Ré M. P. no dia 11 de Maio de 2018, foi requerida e decidida a competente habilitação de herdeiros, tendo-se declarado como únicos e universais herdeiros os seus filhos, J. P. e A. B. e habilitados como sucessores da falecida Ré M. P. para, no lugar desta, com eles, prosseguir a demanda.

Por ter falecido no dia 8 de Novembro de 2018 o co-Autor C. A., foi requerida e decidida (no apenso C) a competente habilitação de herdeiros, tendo-se declarado como únicos e universais herdeiros a co-Autora M. H., sua esposa, e o filho C. E., e habilitados como sucessores do falecido C. A. para, no lugar deste, com eles, prosseguir a demanda.

Por ter falecido no dia 20 de Junho de 2019 o Réu F. C., foi requerida e decidida (apenso D) a competente habilitação de herdeiros e são seus herdeiros, tendo-se declarado como únicos e universais herdeiros cônjuge, Ré N. A., filho, Réu L. C., e filha, I. C., e habilitados para, no lugar deste, com eles, prosseguir a demanda.

Por ter falecido no dia 27 de Julho de 2019 o Réu H. J., foi requerida e decidida (apenso E) a competente habilitação de herdeiros, tendo-se declarado como únicos e universais herdeiros os seus filhos, P. F. e L. V. e habilitados como sucessores do falecido Réu H. J. para, no lugar deste, com eles, prosseguir a demanda.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar:

- Quanto ao recurso dos Réus,

- Da alegada nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº1, al. c) do Código de Processo Civil;

- Da pretendida alteração da matéria de facto, designadamente,
a) Incluir nos factos provados novos factos não considerados pelo tribunal a quo;
b) Rectificar a redacção dos factos provados dos pontos 16º e 24º;
c) Eliminar dos factos provados os dos pontos 17º, 18º, 19º, 28º e 65º;
- Da improcedência da acção e consequente absolvição dos RR. dos pedidos.

_ Quanto ao recurso (subordinado) dos Autores:
- Da total procedência da acção e respectivos pedidos.

III-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a factualidade considerada provada na sentença:

1.º - Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., com o n.º 121/11.4TBVNH, um processo de inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de C. H., falecido em dois de Fevereiro de 1995.

2.º - Na relação de bens foi relacionada, como verba n.º 5, “o direito de propriedade da Farmácia X, situada na Rua … em ..., que tem o alvará n.º 3000, com todos os seus elementos materiais e imateriais”.

3.º - Na reclamação que foi deduzida pela herdeira N. A., foi impugnado que essa farmácia pertença à herança a partilhar e pedido que seja retirada da relação de bens.

4.º - Em douto despacho proferido antes da produção de depoimentos de parte e testemunhas, o Meritíssimo Juiz remeteu os interessados para os meios comuns para que aí discutissem, se o desejassem, a titularidade da dita farmácia, à data do óbito do “de cujus”.

5.º - Essa farmácia situa-se na Rua …, em ..., com o nome “Farmácia X”, e tem o alvará n.º …, de 29 -11-1972, que foi actualizado em 23-05-2000, alvará emitido pelo INFARMED.

6.º - Esta farmácia teve em tempos a denominação de “Farmácia Y” e “Farmácia W”.

7.º - E foi transmitida por trespasse em 1951-08-10, pelo então proprietário, F. B., a favor de S. B., farmacêutica, que a explorou durante alguns anos, com seu marido, H. J., pessoa que passou a trabalhar na farmácia, e também havia negociado a compra, trespasse por escritura feita nessa data no Cartório Notarial de .... (Doc.2 a e 3).

8.º - Foi alterada a denominação do estabelecimento para “Farmácia W”, em data posterior à aquisição, 1951-08-10, passando a ser conhecida como Farmácia W.

9.º - Em escritura pública de trespasse, outorgada em 12-12-1956, no Cartório Notarial de ..., H. J., na qualidade de procurador de S. B., declarou trespassar a Farmácia W a M. P., no acto representada por J. G., seu pai.

10.º - Em escritura pública de 1965-09-06, no Cartório Notarial de ..., M. P. declarou trespassar a mesma farmácia a M. V., farmacêutica, tendo-se procedido ao respectivo averbamento em 1967-11-18.

11.º - Em escritura de 1968-03-15, no Cartório Notarial de ..., D. C., representando M. V. e marido, declarou trespassar o estabelecimento a F. J., farmacêutica.

12.º - Em escritura de 1971-01-28, no Cartório Notarial de ..., F. J. declarou trespassar a mesma farmácia a M. R., farmacêutica, no acto representada por C. H., com averbamento de 1972-11-29.

13.º - Em 1974-03-21, em escritura no Cartório Notarial de ..., C. H., em representação de M. R., declarou trespassar a mesma farmácia a M. P., aí representada por M. T., com averbamento de 04-07-1975.

14.º - Em 1976-10-29, C. H., com procuração de M. P., declarou trespassar a Farmácia W a favor de N. A., filha do dito C. H., com averbamento de 25 de Novembro de 1976.

15.º - Após essa escritura de trespasse, o estabelecimento passou a denominar-se “ Farmácia X”.

16.º - Em escritura de 21 de Abril de 2011 a N. A. e marido declararam constituir uma sociedade e nela incorporar a Farmácia X, mas, tendo sido relacionada no inventário referido em 1.º, a farmácia, na partilha, foi adjudicada a todos os herdeiros, mesmo após licitação, onde o maior lanço foi apresentado pelos autores.

17.º - Quando na escritura publica de trespasse, celebrada em 12-12-1956, no Cartório Notarial de ..., H. J., como procurador de S. B., declarou trespassar a Farmácia W a M. P., na pessoa do procurador J. G., tal declaração, no seu conteúdo, não correspondia à realidade, pois ele e mulher nunca quiseram na realidade vender a farmácia à M. P. nem ela quis comprar-lha, apesar do que declarou, nem entre eles foi estipulado, pago e recebido qualquer preço.

18.º - Todos combinaram, nomeadamente C. H., que não era farmacêutico, e J. G., assim declarar para contornar uma norma legal com essa escritura e alegado negócio, para que o C. H. pudesse exercer o comércio, apresentando perante as entidades oficiais a M. P., farmacêutica, como proprietária da farmácia, quando na realidade ela tinha sido apenas contratada para directora técnica da mesma, a quem o C. H. pagava uma determinada quantia por isso, pois era isso que havia sido combinado entre o vendedor, S. B., a M. P., directora, os procuradores C. H. e J. G., e C. H., que com a S. B. e marido, já tinha combinado o negócio e a eles tinha pago o respectivo preço, factos que todos conheciam, nenhum tendo querido o negócio que aquelas declarações traduziam.

19.º - Com as declarações contidas nas escrituras públicas de 1965-09-06, do Cartório Notarial de ..., de 1968-03-15, 1971-01-28, 21-03-1974 e 1976-10-29, do Cartório Notarial de ..., todos os intervenientes, os alegados vendedores, por si e por seus procuradores, e os alegados compradores, por si ou procuradores, não quiseram vender a farmácia nem comprá-la, não havendo qualquer preço, nem pago nem estipulado, pois todos combinaram fazer tais escrituras para que C. H. pudesse continuar a exercer a actividade, mudando ficticiamente de proprietário, quando na realidade mudava apenas de director técnico.

20.º - Desde que negociou com a D. S. B. e C. H., e até à sua morte, em 02-02-1995, foi o C. H. que, sempre e sem qualquer interrupção, negociou, dirigiu a farmácia e o negócio como bem entendeu.

21.º - Após a escritura de 1976, era ele que pagava as facturas das compras dos remédios que comprava e outras, pagava os vencimentos aos funcionários, pagava a renda relativa ao imóvel onde estava instalada a farmácia e todos os encargos da mesma, sendo o recibo da renda passado em nome de C. H., sendo ele o verdadeiro arrendatário do local onde funcionava.

22.º - Recebia todo o dinheiro apurado com as vendas feitas na farmácia, dinheiro que fazia seu e com o qual fazia o que queria.

23.º - Continuava a contratar e a pagar os ajudantes técnicos e funcionários, comprava e pagava os produtos, pagava a renda e todos os encargos da farmácia.

24.º - Punha e dispunha em tudo o que dissesse respeito ao negócio e funcionamento da farmácia, negócio que continuava a julgar seu.

25.º - O C. H. e os seus filhos C. A. e M. J., adquiriram o cartão de ajudante de farmácia, para trabalharem na mesma.

26.º Encomendava os produtos a comprar, pagava as facturas das compras dos remédios e outras, pagava os vencimentos aos funcionários e uma quantia ao director técnico.

27.º - Só ele recolhia para si o dinheiro das vendas, nunca prestando contas a ninguém.

28.º - Era ele que em tudo mandava, considerando-se o dono da farmácia e sendo, por todos, considerado como tal.

29.º - Depois da morte do C. H., o funcionamento da farmácia continuou como anteriormente.

30.º - A gestão da farmácia era feita pela filha M. J. e pelo filho C. A., ajudantes técnicos, continuando a M. J. no atendimento da farmácia e o C. A. na gestão económica e contabilística.

31.º - Em 15-02-1995, foi aberta no Banco … e Irmão, em ..., a conta número 25038044/01, mais tarde, no Banco ..., o número 8.....000.001, em nome de todos os herdeiros do falecido, entre os quais a N. A..

32.º - Para essa conta eram canalizadas as receitas da farmácia, e daí eram pagos os encargos da mesma.

33.º - Aí também eram feitos movimentos a crédito e a débito de outros proventos e encargos da herança, do casal agrícola que lhe pertencia.

34.º - Em 23 de Fevereiro de 1995 da conta do falecido C. H., que se encontrava aberta, com o número 04741757-02, no Banco … & Irmão, foi entregue a cada um dos herdeiros a quantia de 12.000.000$00.

35.º - Em 25 de Janeiro de 2005, foi aberta a conta n.º 0.....000.001 no BANCO ... de ..., em nome da Farmácia X, embora titulada por todos os herdeiros de C. H.; todos tinham a possibilidade de a movimentar, embora as contas fossem na realidade movimentadas só pelo C. A., sendo conta solidária.

36.º - Essa conta era destinada a fazer os movimentos de entrada e saída da farmácia, de compras e vendas e todos os encargos da farmácia, de modo que a contabilidade estivesse organizada, embora para ela também fossem feitas transferências da conta n.º 8.....000.001, quando era preciso mais dinheiro para o negócio da farmácia.

37.º - Na conta n.º 8.....000.001 continuaram a fazer-se os movimentos relativos às outras receitas e despesas da herança, mas também da farmácia, aí sendo também depositados os lucros da farmácia, sendo depois distribuídos por todos os herdeiros.

38.º - Em 1 de Agosto de 2008, por acordo de todos os herdeiros, L. C., filho da Ré N. A., assumiu a gestão da Farmácia X, quer técnica, quer económica, e, em 13 de Agosto de 2008, foi incluído como titular da conta n.º 0.....000.001.

39.º - Em 31 de Julho de 2008, a conta n.º 0.....000.001 tinha activos em depósitos à ordem a quantia de € 195 036, 21 (cento e noventa e cinco mil trinta e seis euros e vinte e um cêntimos).

40.º - Todas as mobílias que se encontravam na farmácia foram partilhadas e divididas por todos os irmãos.

41.º - Pelo Réu L. C., filho da interessada N. A., foi emitido o cheque n.º 6585281940, a favor desta, sacado sob a conta n.º 0.....000.001, datado de 01-02-2010, no valor de € 110 000, 00, que foi creditado na conta n.º 0927015475900, da Caixa …, Agência de ..., titulada pela interessada N. A..

42.º - A conta da farmácia n.º 0.....000.001 ficou sem dinheiro no final de 2010.

43.º - A Ré N. A., em Outubro de 2010, foi cessionária da posição contratual de locatário de que M. F., Arquitecto e Associados, Lda. era titular num contrato de locação feito entre essa firma e … – Instituição financeira de crédito, S. A., relativo à casa artigo urbano n.º ...; o contrato de locação foi feito em Outubro de 2007 e terminava em 20 de Outubro de 2017, com um valor residual de € 2 492, 58.

44.º - Em 03-03-2009, foi entregue a cada um dos herdeiros a quantia de € 80 000, 00 (oitenta mil euros) de lucros da farmácia.

45.º - Em 18 de Janeiro de 1999, foram distribuídos por cada um dos herdeiros dois milhões de escudos; em 15 de Janeiro de 2001, a quantia de dois milhões de escudos; em 14 de Janeiro de 2002, a quantia de 2.004.820$50, também para cada um; em 14 de Maio de 2003, cada um recebeu a quantia de 15.000 euros e, em Fevereiro de 2004, a quantia de 20.000 euros.

46.º - Em 31-12-/2007, na conta n.º 8.....000.001, existia o saldo de € 1 978, 20, à ordem, e € 434 543, 09, de saldo depositado a prazo.

47.º - Em 31-12-2008, na mesma conta, existia o saldo de € 11 802, 52, à ordem, e € 503 636,35, de saldo depositado a prazo.

48.º - Em 31-12-2009, na mesma conta, existia o saldo de € 5 25, 45, à ordem, e € 108 537, 60, de saldo depositado a prazo, e € 31 513, 57 respeitantes a fundos de tesouraria.

49.º - A conta 0.....000.001 foi aberta por conselho de um contabilista, e era destinada fazer todos os movimentos de entrada e saída da Farmácia X, de compra e vendas e todos os encargos da dita farmácia.

50.º - Na conta n.º 8.....000.001 eram depositados lucros da Farmácia X, e mesmo após a abertura da conta n.º 0.....000.001, continuaram a ser feitos depósitos desses lucros, sendo depois distribuídos por todos.

51.º - Os movimentos bancários respeitantes à distribuição de lucros acima referidos eram feitos geralmente pelo cabeça-de-casal.

52.º - Assim, e designadamente:
- No dia 03-03-2009, dessa conta n.º 8.....000.001, foi transferida a quantia de € 80 000, 00 para uma conta da interessada N. A. e outras quantias de € 80 000, 00 para cada um dos seus irmãos, restantes interessados;
- No dia 13-05-2003, pelo Cabeça-de-casal foi ordenada a realização de transferências bancárias, a partir da conta n.º 8.....000.001, no valor de € 15 000, 00, cada uma, a favor de cada um dos interessados;
- No dia 19-02-2004, pelo Cabeça-de-casal foi ordenada a realização de transferências bancárias, a partir da conta n.º 8.....000.001, no valor de € 20 000, 00, cada uma, a favor de cada um dos interessados;
- No dia 18-01-1999, foram realizadas transferências bancárias, a partir da conta n.º 8.....000.001, no valor de Esc. 2 000 000, 00 (€ 9 975, 96), cada uma, a favor de cada um dos interessados;
- No dia 15-01-2001, foram realizadas transferências bancárias, a partir da conta n.º 8.....000.001, no valor de Esc. 2 000 000, 00 (€ 9 975, 96), cada uma, a favor de cada um dos interessados;

53.º - Pelo Cabeça-de-casal, foi emitido o cheque n.º 0784299940, sacado sobre a conta n.º 0.....000.001, datado de 06-02-2006, no valor de € 60 000, 00, o qual foi creditado na conta n.º 8.....000.001.

54.º - Pelo Cabeça-de-casal, foi emitido o cheque n.º 1134176817, sacado sobre a conta n.º 0.....000.001, datado de 14-05-2007, no valor de € 150 000, 00, o qual foi creditado na conta n.º 8.....000.001.

55.º - Pelo Cabeça-de-casal, foi emitido o cheque n.º 4953260873, sacado sobre a conta n.º 0.....000.001, datado de 11-04-2008, no valor de € 50 000, 00, o qual foi creditado na conta 8.....000.001.

56.º - Pelo Cabeça-de-casal, foi emitido o cheque n.º 7353260935, sacado sob a conta n.º 0.....000.001, datado de 18-08-2008, no valor € 50 000, 00, o qual foi creditado na conta n.º 8.....000.001.

57.º - No dia 31 de Março de 2010, a conta referida n.º 0.....000.001 apresentava um saldo positivo de € 94 011, 63.

58.º - No dia 30 de Abril de 2010, a conta n.º 0.....000.001, apresentava um saldo positivo de €105 679, 35.

59.º - No dia 31 de Maio de 2010, a conta n.º 0.....000.001, apresentava um saldo positivo de € 116 633, 92.

60.º - No dia 30 de Julho de 2010, a conta n.º 0.....000.001, apresentava um saldo positivo de € 9 519, 49.

61.º - No dia 31 de Agosto de 2010, a conta n.º 0.....000.001 apresentava um saldo positivo de € 7 788, 46.

62.º - No dia 29 de Setembro de 2010, a conta n.º 0.....000.001 apresentava um saldo positivo de € 1 245, 25.

63.º - No dia 28 de Outubro de 2010, a conta n.º 0.....000.001 apresentava um saldo positivo de € 2 759, 74.

64.º - No dia 30 de Novembro de 2010, a conta n.º 0.....000.001 apresentava um saldo de € 0, 00.

65.º - 63.º Na conferência de interessados do Inventário em causa a farmácia foi licitada com lanços de todos os herdeiros, sendo que foram os quatro autores, em conjunto, que licitaram no valor mais elevado, embora o douto despacho de forma á partilha a atribuísse a todos os herdeiros, tendo havido reclamação da N. A. que queria ver-se paga da sua parte do valor da farmácia, em tornas.

66.º - Os autores são herdeiros de C. H..

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) do CPC

Os Recorrentes nas suas conclusões 1ª a 5ª, consideram que a sentença é nula, porquanto há uma manifesta contradição entre os fundamentos e a condenação dos Réus contestantes e aqui recorrentes integrando a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C.
Vejamos.

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018 in www.dgsi.pt).
O vício decorrente da existência de oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando existe uma contradição lógica entre o raciocínio desenvolvido na fundamentação e a decisão tomada.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 12.2.2008 (in www.dgsi.pt)trata-se de um vício intelectual, caraterizado pela ilogicidade entre as premissas e a conclusão do silogismo judiciário. (...) Esta [nulidade] só ocorre se o julgador, ao arrepio da lógica de raciocínio, extrai uma conclusão impertinente, por, numa perspetiva discursiva coerente, se impor uma ilação diversa, sem que, contudo, tal tenha a ver com a adoção de determinada corrente doutrinária ou jurisprudencial ou com a aceitação de um facto como bastante para justificar uma decisão de direito.
Todavia, “se ocorrer apenas falta de idoneidade dos fundamentos para alcançar a decisão final, o que ocorre é um erro de julgamento, que não um vício de limite. Ou seja, se o julgador faz errada subsunção dos factos ao direito não se verifica a nulidade”.
Como escreve Lebre de Freitas, (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670) entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial.”

No caso dos autos, os recorrentes consideram que a sentença é nula por existir contradição entre os fundamentos e a condenação daqueles, alegando par o efeito que:

- Considerando que o Tribunal considerou nula por simulada a escritura de 12-12-1956, considerando que dessa nulidade resulta que não houve transferência da propriedade da vendedora para a compradora, considerando que o Tribunal não reconheceu aos autores aquisição originária, considerando ainda, que o Tribunal considerou ainda alienação de coisa alheia (res inter alios acta) uma alienação posterior a ato simulado, conclui-se que a propriedade é ainda hoje pertença dos Réus herdeiros incertos de S. B. e logo que a acção deveria improceder porquanto os autores não provaram o direito a que se arrogam.
Todavia o Tribunal acabou a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
- Considerando que a escritura de 12-12-1956 foi considerada nula considerando que apesar disso, há a produção de efeitos possessórios, mais não seja com a inversão de animus de posse ocorrida com a escritura de 06-09-1965 que transferiu a farmácia para M. V., considerando que esta escritura de 06-09-1965 -cf facto provado 10º-tem o valor de um documento autêntico, não arguido de falso e que sobre ela não foi requerida nulidade por simulação nem o Tribunal a declarou nula ex officio e considerando que o mesmo ocorre com as escrituras posteriores relatadas nos factos provados 11º, 12º e 13º, conclui-se que em 29-10-1976 a propriedade da farmácia era da Ré M. P..
- Considerando que o Tribunal considerou nula por simulada a escritura de 29-10-1976, considerando que dessa nulidade resulta que não houve transferência da propriedade da vendedora para a compradora, considerando que o Tribunal não reconheceu aos autores aquisição originária, considerando ainda, que o Tribunal considerou ainda alienação de coisa alheia (res inter alios acta) uma alienação posterior a ato simulado, conclui-se que a propriedade é ainda hoje pertença da Ré M. P., e logo, que a acção deveria improceder porquanto os autores não provaram o direito a que se arrogam.
- Todavia o Tribunal acabou a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
- Considerando que a escritura de 29-10-1976 que anuncia a transferência da propriedade para a Ré N. A., foi considerada nula, considerando que nela em representação da vendedora outorgou o falecido C. H., considerando que mesmo que a propriedade não tenha sido transferida para a Ré N. A., face à invalidade substancial do título, não lhe é negado pelo direito a posse causal e titulada resultante do título.- cf artº 1259º do C.Civil e considerando que o tribunal reconhece que o legislador optou pela corrente subjectivista da posse, conclui-se que em 29-10-1976 se a posse era do C. H. este perdeu a posse e transferiu-a para Ré N. A. e que a propriedade se presume na pessoa da Ré N. A..
- Todavia o Tribunal acabou a presumir a propriedade na pessoa do falecido e a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
- Considerando que a Ré Farmácia X, Ldª, nada tem a ver com as escrituras e simulações anteriores à sua constituição, considerando que detém a farmácia desde 21 de abril de 2011 – cf facto provado 16, considerando que esta acção visa a restituição da farmácia que esta Ré possui, considerando que só foi citada para esta acção em 10 de julho de 2015, considerando que a sua posse é a actual, titulada, de boa-fé, pacífica, pública, derivada e por isso com direito de aceder na posse do ante possuidor. Considerando que, por isso goza de presunção de propriedade, que não precisa de provar “excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse” – cf artº 1268º, considerando que os autores não demonstraram a propriedade, nem em termos de aquisição originária, nem em termos de direito anterior, esperava-se a conclusão que a posse presumida seria desta Ré, e logo, que a acção deveria improceder porquanto os autores não provaram o direito a que se arrogam.
- Todavia o Tribunal acabou a presumir a propriedade na pessoa do falecido, indicando como preceito legal o da presunção do “animus” e a condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores.
- Considerando que a sentença considerou que o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto não tem efeitos retroactivos, considerando que também se decidiu que a posse do autor da herança é insusceptível de usucapião porque a Lei lhe negava a possibilidade de adquirir a propriedade, esperava-se que a Lei que não permitia ao falecido ser proprietário de farmácia, quer por via de transmissão, quer por via de aquisição originária, mantivesse o mesmo efeito impeditivo, quando, não se sabendo quem é o proprietário, se recorre a presunção.
- Todavia o Tribunal ao presumir a propriedade na pessoa do falecido, indicando como preceito legal o da presunção do “animus” e ao condenar os Réus na restituição da farmácia aos autores, acaba por presunção a violar a Lei vigente à data do óbito, que não permitia ao falecido não farmacêutico ser proprietário da farmácia.
Sendo estes os fundamentos invocados pelos recorrentes para fundamentar a alegada contradição entre os fundamentos e a condenação dos RR. e tendo em conta o regime jurídico das causas de nulidade da sentença que supra se enunciou, conclui-se que as situações invocadas nunca poderiam integrar uma nulidade de sentença, mas apenas uma situação de erro de julgamento.
Com efeito, a sentença pronunciou-se sobre as questões que tinha que decidir, em conformidade com os fundamentos invocados na petição inicial e na contestação e pedidos da acção, nomeadamente, na consideração dos factos provados sob os pontos 7º a 30º, deles extraindo a conclusão do reconhecimento de que C. H. tinha a posse da farmácia em discussão nos autos e que essa posse continuou nos seus sucessores, que, por presunção, são titulares do respectivo direito de propriedade, condenando os RR., ora recorrentes, a restituir essa farmácia à herança aberta por óbito do referido C. H..
Da leitura da sentença decorre que não existe qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão. Há uma absoluta coerência lógica entre o raciocínio desenvolvido e a conclusão a que se chegou.
Em síntese, a sentença considera que estão provados factos de onde se pode extrair a conclusão de que os AA. são, por presunção, titulares do direito relativo à aludida farmácia e, por isso, condena os RR a restitui-la à herança supra referida.
Trata-se de um correcto e lógico silogismo judiciário.
Não existindo contradição lógica entre a fundamentação e a decisão, conclui-se que as nulidades invocadas não se verificam.

Os Recorrentes nas suas conclusões 6ª a 9ª, consideram ainda que a sentença é nula, por haver uma obscuridade que integra a nulidade do artº 615º nº1 alínea c) do C.P.C., alegando o seguinte:

- Considerando que a sentença reconhece que, em vida, C. H. não podia ser proprietário de uma farmácia de oficina, considerando que a sentença reconhece que a Lei Nova não tem efeito retroactivo, considerando que reconheceu a posse ao falecido e que esta continuou nos seus sucessores, considerando ainda que após a abertura da sucessão o acerbo permaneceu ilíquido e indiviso por longos anos, considerando que foi já após a abertura da sucessão que a Nova Lei liberalizou a propriedade das farmácias e considerando que a sentença também não nos diz a data do início da posse do falecido, ficamos sem saber em que momento considera verificada a propriedade presumida!
- Poderá entender-se que a presunção opera em vida do falecido e como tal ele era proprietário à data da sua morte. Ou, entendendo-se que a Lei antiga proibia a propriedade, mas não a posse. Os herdeiros sucederam-lhe na posse, mas a herança só adquiriu a propriedade com a Lei Nova, (um caso atípico de atribuição de personalidade jurídica à herança, ou até os próprios herdeiros em nova posse.
Saber-se qual o momento temporal em que os autores adquiriram a propriedade é questão não resolvida e como tal obscura e ambígua na abordagem do direito.
-Considerando que a douta sentença atribuiu a posse da farmácia à herança, presumindo a propriedade, considerando que só após a morte do falecido e a abertura da sua herança entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31-08, considerando a noção de sucessão é o chamamento de pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam, considerando que na sucessão se aplica a Lei vigente à data do óbito. Considerando que a Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965 tem, na sua Base III normas especiais para a sucessão na propriedade das farmácias , considerando-se que nestas regras – cf BASE III – a farmácia, na partilha, apenas subsistirá se for adjudicada a farmacêutico, considerando que apenas a Ré N. A. estava nessas condições, considerando finalmente, que não foi cumprido pelo cabeça de casal o prazo legal imperativo para a partilha da farmácia, e, tendo a sentença condenado esta Ré na sua restituição à herança, acabamos numa situação ambígua, já que se não consegue discernir se a restituição é meramente jurídica, para ser partilhada e adjudicada à Ré nos termos da lei vigente para a sucessão nas farmácias à data do óbito, ou se, pelo contrário, se trata de uma restituição real e efectiva, com entrega do estabelecimento farmácia, ao cabeça de casal que não é farmacêutico e que por isso a não poderia receber à data do óbito, nem requereu inventário ou intentou acção de arbitramento no prazo legal imperativo, tendo mesmo de se reconhecer já caduco o alvará e logo o direito à partilha da farmácia, enquanto estabelecimento comercial de farmácia.
- Considerando que na fundamentação da douta sentença se afirma que os herdeiros poderiam ter beneficiado, querendo, do Decreto-Lei n.º 307/2007 e que para isso bastava que a “aparente titular” (Ré N. A.) transferisse para a herança o seu “aparente direito de propriedade”, considerando que a adjectivação de “aparente” resulta da declaração de simulação que versou sobre a sua escritura de aquisição, considerando que a única consequência que dessa nulidade parece resultar é a ineficácia da alienação “por a non domino” à co-ré sociedade, considerando que se a Ré tivesse cumprido a “obrigação” de transferir para a herança essa alienação seria válida e inconsequente, temos que a farmácia é considerada “coisa alheia” quando se trata de alienação para a Ré sociedade e “coisa própria” se a alienação fosse para a herança.
- É por isso obscura e ambígua a forma como a sentença chegou à obrigação dos Réus, e os condenou a restituir a farmácia à herança.
- Considerando que a sentença ponderou a susceptibilidade da posse sobre estabelecimento comercial, considerando que a farmácia é um estabelecimento comercial em cuja universalidade jurídica que a “farmácia” constitui, se integra o alvará e o direito ao arrendamento, considerando que a Lei nova e actual, não tem efeito retroactivo, considerando que a Lei que se há-de aplicar à restituição ordenada é a vigente à data do óbito, considerando que à data do óbito o alvará era pessoal e intransmissível e não pertencia ao falecido, considerando que sem alvará, à data do óbito não podia existir uma farmácia, a condenação de restituição acaba obscura já que não permite descortinar como restituir uma farmácia que não existia sem alvará, um alvará intransmissível e um arrendamento que se extinguiu.
A este respeito, há que atentar que do ponto 18º dos Factos Provados da Sentença, resulta que “Todos combinaram, nomeadamente C. H., que não era farmacêutico, e J. G., assim declarar para contornar uma norma legal com essa escritura e alegado negócio, para que o C. H. pudesse exercer o comércio, apresentando perante as entidades oficiais a M. P., farmacêutica, como proprietária da farmácia, quando na realidade ela tinha sido apenas contratada para directora técnica da mesma, a quem o C. H. pagava uma determinada quantia para isso, pois era isso que havia sido combinado entre o vendedor S. B., a M. P., directora, os procuradores C. H. e J. G., e C. H., que com a S. B. e marido, já havia combinado o negócio e a eles tinha pago o respectivo preço, factos que todos conheciam...”.
Por sua vez, o nº 20 dos Factos Provados diz-nos expressamente que “Desde que negociou com a D. S. B. e C. H., e até à sua morte. Em 02-02-1995, foi C. H. que, sempre e sem qualquer interrupção, negociou, dirigiu a farmácia e o negócio como bem entendeu.”
E os números seguintes dos Factos Provados, 21 a 28, especificam todos os actos praticados pelo C. H., e as circunstâncias e modo como eram praticados, à imagem de proprietário.
Esses factos provados não nos deixam dúvidas que desde 1956 até 1995 o C. H. teve o domínio total da farmácia e comportava-se como proprietário, reconhecendo a Sentença que a lei em vida deste não permitia que fosse proprietário da farmácia.
Por outro lado, a Sentença considerou que a Lei Nova (DL nº 307/2007) não tem efeito retroactivo. Mais considerou que, desde 1956 até 1995, o C. H. teve o poder sobre a farmácia, manifestado por actuar de forma como se fosse proprietário. E que adquirida a posse pelo C. H., pela sua morte transmitiu-se para os seus sucessores, que por presunção são titulares do direito de propriedade.
Nessa sequência, a sentença recorrida reconheceu quais os únicos herdeiros de C. H., seus filhos e que estes, como representantes da herança são contitulares da farmácia, por fazer parte do acervo da mesma herança, devendo ser restituída à herança, na pessoa do Cabeça-casal para ser partilhada.
Finalmente, a propósito do alegado na conclusão 8ª, tal como realçam os recorridos, a Sentença (…)” não diz que a “adjectivação de “aparente” resulta da declaração de simulação que versou sobre a escritura de aquisição”, nem que a “única consequência que dessa nulidade pareceu resultar é a ineficácia da alienação por a non domino” à co.ré Sociedade”, nem “ que se a Ré tivesse cumprido a “obrigação” de transferir para a herança essa alienação seria válida e inconsequente”. O que a decisão recorrida diz é que a Ré N. A., aparente titular do direito de propriedade poderia ter transferido para a herança esse seu aparente direito, face à entrada em vigor da chamada Nova Lei relativa à propriedade das farmácias, e acabar com a situação fictícia apurada nos autos.
Por último, importa notar que as considerações tecidas pelos Recorrentes na conclusão 9ª, não têm razão de ser ante a fundamentação factual e jurídica da sentença.
De todo o exposto se conclui que a sentença recorrida é clara em toda a sua fundamentação, inexistindo nela qualquer ambiguidade ou obscuridade.
Assim sendo, improcedem as apontadas nulidades.

*
Da pretendida alteração da matéria de facto

Pretendem os Réus/Recorrentes que sejam

a) Incluídos nos factos provados novos factos não considerados pelo tribunal a quo;
b) Rectificar a redacção dos factos provados dos pontos 16º e 24º;
c) Eliminar dos factos provados os dos pontos 17º, 18º, 19º, 28º e 65º;

Cabe aqui apreciar se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova e assim na decisão sobre a matéria de facto.

Cumpre começar por analisar se os recorrentes cumpriram os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especificam na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.

A apreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (veja-se nestes sentido, Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol., pg. 201).
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo o juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de
indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).
Na verdade, o art. 607º, nº 4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]

Revertendo para o caso vertente, verifica-se que os recorrentes, nas suas alegações e motivação do recurso, consideram que deveriam ser incluídos no rol de factos provados os seguintes factos, como instrumentais:

- 1º Que desde 1956 o falecido C. H. sabia não preencher os requisitos legais para ser dono de farmácia.

- 2º Que em 1956 a farmacêutica S. B. queria vender a farmácia e por ela receber um preço, sendo-lhe indiferente a pessoa do comprador.

- 3º Recebeu do falecido C. H. o preço e prometeu vender a farmácia a farmacêutico que ele viesse a indicar.

- 4º Seria o C. H. que negociaria com a farmacêutica, por forma a assegurar para ele a gestão e o benefício comercial da farmácia.

5º E negociou a venda com o falecido C. H., convencendo-o a colocar a filha (Ré N. A.) na faculdade de farmácia para lha poder transmitir.

6º A intervenção do farmacêutico não se confinava à mera outorga da escritura, mas impunha-lhe a responsabilidade técnica da farmácia e as responsabilidades do proprietário perante as entidades oficiais e público em geral.

- 7º Após a escritura de 1976-10-29 o falecido fez colocar uma placa na frontaria do edifício da farmácia com os dizeres “Farmácia X, proprietária e directora técnica doutora N. A.”

De acordo com o art. 5º, nº1, do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

O tribunal só pode, assim, conhecer dos factos alegados pelas partes, com a excepção resultante do previsto no art. 5º, nº 2, do CPC, que nos diz que “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda do considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”

Os factos que resultam da discussão da causa, como decorre da formulação do nº 2 do art. 5º do Código de Processo Civil - “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz” - a), b) e c), são factos, passe a expressão, que só foram “descobertos”, que chegaram ao conhecimento do Tribunal na fase instrutória da causa.
O juiz pode servir-se dos factos principais, que foram alegados pelas partes, e, para lá destes, os notórios, o que dir-se-ia constitui a regra. Já assim não sucede quanto aos factos acessórios.
“Estes factos (probatórios e acessórios) são factos instrumentais, que como tais não têm de ser alegados pelas partes nem de ser incluídos na base instrutória, podendo surgir no decorrer da instrução da causa. O juiz tem, portanto, de os considerar, independentemente da alegação das partes” – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª edição, pág.15 e 16.
Na noção de Castro Mendes (Direito Processual Civil, p. 208), factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes e, para Teixeira de Sousa (Introdução ao Processo Civil, p. 52), são aqueles que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais.
Numa distinção clara, Lopes do Rego (Comentário ao Código de Processo Civil, p. 201) escreve que “factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material”, enquanto que “factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu”.
Mantém-se actual a consideração de que são “São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência” – Acórdão este Supremo Tribunal de Justiça, de 18.5.2004 – Proc. 1570/04.
Revertendo ao caso, considerando a causa de pedir e pedidos dos presentes autos, afigura-se-nos claro que a factualidade que os Recorrentes/RR. pretendem ver considerada como provada não assume relevância para a prova dos factos essenciais, integradores da causa de pedir. Como tal, não devem ser incluídos nos factos provados.
Em todo o caso, fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, concretamente, além do mais, nos depoimentos de parte de parte de H. J. e de M. P. quanto ao facto nº1, no depoimento de parte do referido Réu quanto ao facto nº 2 e 3, no depoimento de parte desses RR. relativamente ao facto nº 4, nos depoimentos de parte desses RR. (além do depoimento de duas testemunhas) quanto ao facto nº 5, e do depoimento de parte de ambos os aludidos RR. quanto ao facto nº 6, os Recorrentes não indicam na motivação nem nas conclusões as passagens da gravação relevantes relativas aos referidos depoimentos de parte.
Ora, a indicação das passagens da gravação relevantes relativas aos depoimentos de parte, é essencial e exigível legalmente para fundamentar a pretendida alteração factual, de harmonia com o citado art. 640º, nº1, do CPC.
Esta forma de impugnação não cumpre as exigências formais da alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC.
A este respeito e concordando-se aqui inteiramente com o seu sentido, o citado Ac. da Relação do Porto, sustenta que (…)”A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.

Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.

Na verdade, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento. O que se pretende que a parte faça?
Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar”.

No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 20.12.2017, no processo nº 299/13.2TTVRL.C1.S2, citado pelo recorrido, sustenta que:
“1 - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
2 - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”

Deste modo, não tendo os recorrentes observado o disposto no art. 640º, nº 1 e 2 do CPC, sempre seria de rejeitar o recurso, na parte relativa à impugnação da aludida matéria de facto.

Da pretendida eliminação dos factos provados sob os pontos 17, 18, 19, 28 e 65

Alegam os RR. que os factos dos pontos 17, 18 e 19 são conclusivos, viciados na sua fundamentação, não suportados na prova e contraditórios com os factos instrumentais da conclusão anterior, para além de suportados em presunção sem qualquer base de suporte; que o Tribunal se serviu de um documento particular muito posterior à escritura e que se reporta a um outro documento que não a escritura que o autor afirma legal! Serve-se dos depoimentos de parte, de onde tão pouco se pode concluir que os intervenientes na escritura se conhecessem antes da data ou tivessem tido qualquer outro contacto. Serve-se de presunção contra a valia e força probatória de documentos autênticos e onde concluiu pela desonestidade e prática criminosa de intervenientes que tão pouco foram ouvidos.
Concluem que tais factos devem ser eliminados do rol dos factos provados.

Ora, os factos 17, 18 e 19 têm a seguinte redacção:

- “17.º - Quando na escritura publica de trespasse, celebrada em 12-12-1956, no Cartório Notarial de ..., H. J., como procurador de S. B., declarou trespassar a Farmácia W a M. P., na pessoa do procurador J. G., tal declaração, no seu conteúdo, não correspondia à realidade, pois ele e mulher nunca quiseram na realidade vender a farmácia à M. P. nem ela quis comprar-lha, apesar do que declarou, nem entre eles foi estipulado, pago e recebido qualquer preço.

- 18.º - Todos combinaram, nomeadamente C. H., que não era farmacêutico, e J. G., assim declarar para contornar uma norma legal com essa escritura e alegado negócio, para que o C. H. pudesse exercer o comércio, apresentando perante as entidades oficiais a M. P., farmacêutica, como proprietária da farmácia, quando na realidade ela tinha sido apenas contratada para directora técnica da mesma, a quem o C. H. pagava uma determinada quantia por isso, pois era isso que havia sido combinado entre o vendedor, S. B., a M. P., directora, os procuradores C. H. e J. G., e C. H., que com a S. B. e marido, já tinha combinado o negócio e a eles tinha pago o respectivo preço, factos que todos conheciam, nenhum tendo querido o negócio que aquelas declarações traduziam.

- 19.º - Com as declarações contidas nas escrituras públicas de 1965-09-06, do Cartório Notarial de ..., de 1968-03-15, 1971-01-28, 21-03-1974 e 1976-10-29, do Cartório Notarial de ..., todos os intervenientes, os alegados vendedores, por si e por seus procuradores, e os alegados compradores, por si ou procuradores, não quiseram vender a farmácia nem comprá-la, não havendo qualquer preço, nem pago nem estipulado, pois todos combinaram fazer tais escrituras para que C. H. pudesse continuar a exercer a actividade, mudando ficticiamente de proprietário, quando na realidade mudava apenas de director técnico.”
Diversamente do alegado pelos RR., tais factos não são conclusivos e revelam-se até essenciais ao desfecho da acção.

Vejamos a fundamentação que deles fez o tribunal a quo:

- “Porque nos pareceram fidedignos, o documento junto a fls. 80 e verso e as declarações prestadas pelos intervenientes na escritura de trespasse realizada em 1956-12-12, os Réus H. J. e M. P. (cfr. autos apensos de Produção Antecipada de Prova), que asseveraram que a farmácia tinha sido vendida a C. H. e a escritura de trespasse apenas se destinara a contornar a exigência legal que fazia coincidir na pessoa do farmacêutico a propriedade da farmácia, não suscitando, pois, as suas declarações qualquer dúvida razoável, considerou-se provada – mas, quantum satis, desconsiderando a matéria conclusiva e repetitiva e, também, a alegação probatória irrelevante que consta do artigo 22.º da petição –, sob os artigos 17.º e 18.º dos factos provados, a matéria alegada nos artigos 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e parte do 23.º (“a quem pagava uma determinada quantia por isso”) da petição.
Por falta de prova inequívoca, quanto à designação por que passou a ser conhecida a farmácia e por conter matéria conclusiva, não se considerou provada, salvo a referida, a matéria alegada no artigo 23.º da petição.
Consabido que a simuladora adquirente da farmácia, M. P., segundo os negócios, não era, efectivamente, nem nunca foi, proprietária da farmácia (cfr. as declarações por si prestadas nos autos apensos de Produção Antecipada de Prova), afigurou-se-nos verdadeira a alegação dos Autores, quando, no artigo 24.º da petição, alegaram que com as declarações contidas na escritura de 1965-09-06, os intervenientes, nomeadamente, a putativa compradora, M. V., que não contestou a alegação, não quiseram vender a farmácia nem comprá-la, porquanto apenas foram realizadas para o efeito de C. H. pudesse continuar a exercer a actividade, mudando ficticiamente de proprietário, quando na realidade mudava apenas de director técnico.
E, pelas mesmas regras da lógica e máximas da experiência da vida, nos pareceu credível a similar alegação, relativamente aos intervenientes nas escrituras de 1968-03-15, 1971-01-28 e 21-03-1974, onde sucessivamente, intervieram, ocupando o lugar de compradoras (mais tarde vendedoras), F. J., M. R. e M. P..
Apenas a última adquirente, N. A., filha do falecido C. H., contestou a simulação da escritura em que interveio e, prestando declarações de parte – em contrário das declarações da suposta vendedora, M. P., que esclareceu nunca ter sido proprietária da farmácia, nem ter havido pagamento algum – afirmou ter acompanhado o seu falecido pai, quando este foi à residência da vendedora, M. P., para efectuar o pagamento do trespasse, e até assistiu ao pagamento que, por si, o seu pai efectuou, em dinheiro, do preço de 10 000$00 (dez mil escudos) constante da escritura. Claro, não acreditamos em palavra nenhuma da Ré N. A., cujas declarações, por um lado, são desinteressadamente infirmadas pelas da Ré M. P., e subestimam o encadeamento lógico e histórico das transacções antecedentes e, por outro, trazem aos autos o incredível facto de, no ano de 1976, uma farmácia ter sido vendida pelo preço de 10 000$00 (dez mil escudos), ou seja, tão-só o equivalente a duas vezes e meia o valor do salário mínimo nacional (cfr. Decreto-Lei n.º 292/75, de 16 de Junho, que fixou o salário mínimo nacional em 4 000$00, a partir de 1 de Junho de 1975). De resto, se a farmácia não tivesse relação alguma com a herança, se efectivamente pertencesse à Ré N. A., então, não se compreenderia que, como veremos, esta tivesse aceitado que os lucros da mesma fossem repartidos, durante anos, pelos co-herdeiros, seus irmãos!
Daí que, sob o artigo 19.º dos factos provados, se tenha considerado provada a matéria alegada no artigo 24.º da petição, com excepção do alegado e impossível fim de “manter a propriedade da farmácia nas mãos do C. H.”, desconsiderando-se a matéria de direito ou conclusiva, explicativa e repetitiva, irrelevante e desnecessária, constante dos artigos 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º e 30.º, primeiro parágrafo, da petição.”
Ora, resulta de tal fundamentação que o tribunal fez uma análise crítica das provas documentais e depoimentos referidos, concatenando-as, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, extraindo também dos factos as presunções impostas por regras de experiência, fazendo-o de forma clara, inexistindo qualquer vício nessa fundamentação. De tal modo que, analisada essa prova, somos chegados à mesma conclusão a que chegou o tribunal a quo quanto à verificação dos factos em apreço.
Assim sendo, devem ser mantidos como provados os factos dos pontos 17º, 18º e 19º.
Relativamente ao facto provado sob o ponto 28.º - “Era ele que em tudo mandava, considerando-se o dono da farmácia e sendo, por todos, considerado como tal.”- pretendem os RR que o mesmo seja eliminado.
Alegam os RR. que o falecido não se podia considerar a si mesmo como dono, porque sabia não o poder ser, e porque até necessitou de obter um cartão de ajudante. Também não era considerado dono por “todos” desde logo, porque como tal não era considerado, pela Direcção Geral de Saúde, pelo Infarmed, pelas autoridades fiscais, e pelos seus concorrentes, legítimos donos de farmácias.
Acresce-lhe o depoimento contrário de M. E. registado para gravação entre os pontos 11:19:58 e 12:00:32 e A. S. registado para gravação entre os pontos 12:18:53 e 12:41:49.

Ora, o tribunal a quo fundou tal facto nos seguintes termos:

- “As testemunhas R. F., F. B., A. X., A. A., A. R., F. G., A. P., S. A. e J. M., viveram e trabalharam na vila de ..., conheceram a pessoa e vida do C. H., a sua relação com os filhos e a farmácia e, depondo com atitude e modos de quem fala por forma séria e imparcial1, revelaram ser verdadeira a alegação constante dos artigos 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, parte (cuja assertividade foi admitida pro acordo – cfr. ponto 20 do artigo 7 da contestação), 35.º, 37.º, parte, e 38.º, parte (“Depois da morte do C. H., o funcionamento da farmácia continuou como anteriormente”)) da petição (cuja assertividade, no que respeita ao pagamento das rendas, é coadjuvada pelo teor dos documentos juntos a fls. 81 a 83 verso), na parte considerada provada, sob os artigos 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º e 29.º dos factos provados, esclarecendo-se que, desconsiderando a conclusiva, repetitiva e irrelevante, a matéria que destes artigos não consta não obteve prova inequívoca (por exemplo, a alegação de que “o director técnico era uma personagem ausente, que praticamente só no papel existia. Nunca a N. A. exerceu a actividade da farmacêutica em .... Vez alguma praticou qualquer acto que levasse alguém, e o público em geral, a pensar que a farmácia era sua; nunca se considerou dona da farmácia em causa” – na verdade, as testemunhas J. H., delegado da Associação Nacional de Farmácias, e J. C., distribuidor de produtos farmacêuticos, aludiram a episódios em que a Ré N. A. se apresentava como representante da farmácia, comparecia a reuniões e reclamava da qualidade dos produtos.”
Esta fundamentação mostra-se tecnicamente irrepreensível, observando as regras impostas pelo art. 607º, nº 4, do CPC.
Perante esta fundamentação sobre o referido facto, os RR. não vieram questionar a convicção do tribunal, tendo-se apenas limitado a indicar dois depoimentos em sentido contrário de duas testemunhas, mas não explicam o porquê destes depoimentos se deverem sobrepor aos constantes da fundamentação da sentença e deviam tê-lo feito, face à imposição do art. 640º do CPC.
Acresce que a referência genérica de feita pelos RR. de que “o falecido não se podia considerar a si mesmo como dono, porque sabia não o poder ser, e porque até necessitou de obter um cartão de ajudante. Também não era considerado dono por “todos” desde logo, porque como tal não era considerado, pela Direcção Geral de Saúde, pelo Infarmed, pelas autoridades fiscais, e pelos seus concorrentes, legítimos donos de farmácias”, não cumpre com as exigências legais de impugnação da matéria de facto, previstas no citado art. 640º, nº 1 e 2, do CPC.
Deste modo, deve manter-se como provado o facto em apreço, improcedendo nesta parte a pretensão do Recorrentes.

Finalmente, pretendem os RR. que seja eliminado o facto “65º - 63”, a saber:

- 65.º - 63.º Na conferência de interessados do Inventário em causa a farmácia foi licitada com lanços de todos os herdeiros, sendo que foram os quatro autores, em conjunto, que licitaram no valor mais elevado, embora o douto despacho de forma á partilha a atribuísse a todos os herdeiros, tendo havido reclamação da N. A. que queria ver-se paga da sua parte do valor da farmácia, em tornas.

Para o efeito, alegam que este facto constitui uma absurda heresia, considerando a isenção que por todos era esperada!
A fundamentação da convicção confina-se a isto “Atento o teor do documento junto a fls. 163 a 171, sob o artigo 65.º dos factos provados, foi considerada provada a matéria alegada no artigo 63.º da petição, exceptuando a alegação conclusiva “sinal evidente que mesmo no inventário acabou por reconhecer que a farmácia era da herança”.
Onde é que os documentos citados demonstram que “a farmácia foi licitada com lanços de todos os herdeiros”? Se os quatro autores licitaram em conjunto, com o todos está a afirmar-se a prova de que a Ré N. A. licitou. Se o fez nada de mal teria vindo ao mundo. Mas onde está a prova de que o fez?

O processo de inventário está apenso ao inventário. O Tribunal não precisava dos documentos. Tinha a fonte onde beber directamente! Não pode por isso o Tribunal ignorar que:

- a verba nº5 (farmácia) foi relacionada pelo cabeça de casal.
- A aqui Ré N. A. reclamou a sua exclusão.
- A verba foi mantida no inventário como litigiosa e assim levada à conferência para licitação.
- Foi arrematada pelos autores.
- O mandatário dos Autores aformalou a partilha.
- o mandatário da Ré N. A. (a quem tinha sido notificada aquela aformulação) não ofereceu forma à partilha (quiçá por se conformar com a forma apresentada)
- Foi proferido despacho determinativo, que não foi notificado às partes e que determinou que a verba litigiosa fosse adjudicada em comum!
- Elaborado mapa informativo o mandatário da Ré N. A. reclamou desse mapa, que não estava de acordo com a única aformulação que conhecia e pediu em conformidade com a conferência de interessados que o mapa informativo fosse corrigido.
- A secção penitenciou-se do lapso de não notificação, que o Mmo Juiz mandou efectuar e feita esta,
- O mandatário da Ré desistiu expressamente da reclamação que tinha feito contra o mapa informativo.
- Independentemente dessa desistência e da adjudicação da farmácia como bem litigioso em comum pelos interessados, a Ré N. A. continuou credora de tornas.
Não foi a Ré N. A. nem nenhum dos interessados, diga-se, que solicitou que após a licitação, o bem litigioso licitado acabasse numa compropriedade não querida! Foi o Tribunal que assim decidiu e com essa decisão conformaram-se todos os interessados, já que não houve recurso da sentença final.
A referência que os autores fizeram no artº 16 e 63º da petição inicial mereceu dos contestantes o seu artº 141º. Veja-se o que se escreveu na nota de rodapé!
As insinuações, do erro na atribuição da coisa litigiosa em comum no Tribunal de ... acabam afinal por se tratar de um “venire contra factum proprium” já que os autores não recorreram dessa decisão e por parte do Tribunal de Bragança ao reproduzi-la nos factos provados, dando-se inclusive o relevo da repetição nos factos 16 e 65, é, para além de errónea, uma iníqua intromissão no poder soberano do Tribunal de ....
Vejamos.
O tribunal a quo fundou a prova de tal facto no teor dos documentos juntos a fls. 163 a 171, os quais consistem numa cópia da acta de conferência de interessados realizada no processo de inventário apenso, cópia do despacho sobre a forma à partilha, cópia do mapa informativo e cópia do requerimento aí apresentado pela aqui Ré N. A..
Dessa acta resulta, expressamente, que a verba correspondente à farmácia aqui em questão (verba nº5, com natureza litigiosa) foi licitada pelos interessados aqui AA., em comum e partes iguais, por 120.010,00, não resultando de forma expressa que a Recorrente tivesse também licitado nessa verba.
Todavia, também resulta da acta que, por acordo dos interessados, ficou estipulado que as licitações que iriam ter lugar e que incidissem sobre bens móveis, seriam feitas por cada licitação mínima de €10,00 e sobre os imóveis, seriam feitas por cada licitação mínima de €100,00.
Ora, considerando o valor da verba relativa à farmácia constante da relação de bens 20.000 Euros (cfr. fls. 22 e ss, do referido proc.de inventário – 121/11.4TBVNH) e o valor por que a final foi licitada em conjunto por todos os aqui AA. (120.010,00 Euros - cfr. fls. 497 e ss do referido processo de inventário), dizem-nos as regras da experiência comum que para se ter chegado a esse valor final, com muita probabilidade, para não dizer certeza, ocorreram licitações da restante herdeira, a aqui Ré N. A., posto que não é verosímil que os aqui AA. tivessem, num só lanço, licitado naquele valor final, já que o fizeram em conjunto. Podemos assim presumir, de acordo com o disposto no art. 349º e 351º do Código Civil, que a referida Ré também licitou, ofereceu lanços, nessa verba.
Assim sendo, bem julgou o tribunal a quo ao considerar o facto em apreço como provado, porque bem fundamentado nos documentos referidos, devendo o mesmo assim ser mantido, nos seus precisos termos.

Da pretendida rectificação da redacção dos factos provados dos pontos 16º e 24º

O facto “16.º tem a seguinte redacção:

- Em escritura de 21 de abril de 2011 a N. A. e marido declararam constituir uma sociedade e nela incorporar a Farmácia X, mas, tendo sido relacionada no inventário referido em 1.º, a farmácia, na partilha, foi adjudicada a todos os herdeiros, mesmo após licitação, onde o maior lanço foi apresentado pelos autores.”

Pugnam os RR. que este facto deve ser corrigido e rectificado pela sua divisão em duas partes sugerindo-se:

- “Facto 16 - Em escritura de 21 de abril de 2011 a N. A. e marido declararam constituir uma sociedade e nela incorporar a Farmácia X.”

- “Facto 16-A - no inventário referido em 1.º, a farmácia foi levada à partilha como bem litigioso, foi adjudicada a todos os herdeiros, após licitação ganha pelos autores.”

Alegam para o efeito os Recorrentes que a redacção deste facto induz ao entendimento de que a escritura ocorre após a relação de bens no inventário, quando na realidade ocorreu antes da própria distribuição do inventário.
Os autos do processo de inventário n.º 121/11.4TBVNH (Herança), estão juntos a estes autos, a título devolutivo, para apensação, conforme solicitação na sequência de despacho que pode ser conferido na ata de 13 de junho de 2017.
Mal se compreende assim que o Tribunal se não tenha apercebido que o requerimento inicial daqueles autos é de 24/10/2011, como tal posterior à escritura de 21 de abril de 2011.
A haver uma relação de causa e efeito, temos que foi a escritura que despoletou o inventário e não o contrário!
E também se não compreende que o Tribunal não refira que a verba foi a licitação como verba litigiosa e que afirme que “o maior lanço” foi apresentado pelos autores. Nada nos autos indica que a Ré N. A., ali interessada, tenha licitado a verba!
Como se pode afirmar que houve e estão provados “lanços” quando o que consta da ata se confina a “A verba nº 5 (cinco) – (verba com natureza litigiosa – cfr. despacho de fls. 421 a 448) foi licitada pelos interessados J. M.; C. A.; M. J. e I. G., em comum e partes iguais, por €: 120.010,00 (cento e vinte mil e dez euros)”;

Este facto deve ser corrigido e rectificado pela sua divisão em duas partes sugerindo-se:
- Facto 16 - Em escritura de 21 de abril de 2011 a N. A. e marido declararam constituir uma sociedade e nela incorporar a Farmácia X

- Facto 16-A - no inventário referido em 1.º, a farmácia foi levada à partilha como bem litigioso, foi adjudicada a todos os herdeiros, após licitação ganha pelos autores.”

Ora, o facto em questão corresponde à matéria alegada pelos AA. no art. 16º da petição inicial e resulta provado face ao teor do documento junto aos autos a fls. 127 a 130, bem como do teor dos autos de inventário, concretamente, de fls. 497 a 510.
Se é certo que os autos de inventário contêm de forma mais detalhada, o que terá ocorrido em sede de conferência de interessados, designadamente, quanto a licitações, e também a data da entrada em juízo desse processo, entendemos que o facto em causa, não é desmentido pelos pormenores apontados aqui pelos Recorrentes, pelo que, estando o mesmo demonstrado documentalmente como vem alegado, deve assim ser mantido.

Pugnam ainda os RR. que deve ser rectificado o facto do ponto 24, a saber:

- “24.º - Punha e dispunha em tudo o que dissesse respeito ao negócio e funcionamento da farmácia, negócio que continuava a julgar seu.”
Alegam para o efeito que tal facto contém um juízo incompatível com o facto que resulta a nosso ver indiscutível da prova e que é o de o falecido saber que não podia ser o dono e proprietário da farmácia; que se mostra até incompatível com o facto seguinte do nº25 onde se estatui que “O C. H. …, adquiriu o cartão de ajudante de farmácia, para trabalhar na mesma” Quem se assume como dono da farmácia, não vai adquirir um cartão de ajudante!
E acresce que o contrário sobre a convicção exposta resulta ainda dos depoimentos de M. E. registado para gravação entre os pontos 11:19:58 e 12:00:32 e A. S. registado para gravação entre os pontos 12:18:53 e 12:41:49.

Pretendem a sua rectificação, com a seguinte redacção:

- Facto 24 - Punha e dispunha em tudo o que dissesse respeito ao negócio e funcionamento da farmácia.

Salvo o devido respeito, não se vislumbra de tal facto qualquer incompatibilidade com o facto provado sob o ponto 25º, que diz que “O C. H. e os seus filhos C. A. e M. J., adquiriram o cartão de ajudante de farmácia, para trabalharem na mesma”. A aquisição desse cartão habilitava-os a de modo formal ou oficial poderem exercer funções ao balcão da farmácia. Este facto do ponto 25º por si só nada acrescenta, nada retira e em nada colide com a questão essencial de saber quem era o real dono da farmácia.
Por sua vez, o facto 28º em apreciação não colide ou contraria qualquer outro julgado provado.
A fundamentação deste facto feita pelo tribunal a quo, está incluída ou é comum à fundamentação do facto 28º supra apreciado, pelo que reproduzimos aqui as considerações aí efectuadas à bondade dessa fundamentação.
Sucede que, mais uma vez, os Recorrentes, à semelhança do que fizeram a propósito da impugnação do facto 28º, não vieram questionar a convicção do tribunal, tendo-se apenas limitado a indicar dois depoimentos em sentido contrário de duas testemunhas, mas não explicam o porquê destes depoimentos se deverem sobrepor aos constantes da fundamentação da sentença e deviam tê-lo feito, face à imposição do art. 640º do CPC.
Assim sendo, é de rejeitar esta a pretensão dos Recorrentes, mantendo-se nos seus termos o facto em apreço.
Por todo o exposto, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
*

Aqui chegados, perante a factualidade supra exposta, apreciaremos a fundamentação jurídica da sentença, face às questões suscitadas nos recursos.

Alegam os Recorrentes/RR. que:

- Considerando que C. H. não era farmacêutico e faleceu em dois de fevereiro de 1995, considerando que também nenhum dos autores é farmacêutico, considerando que até 31 de outubro de 2007, data em que entrou em vigor o decreto-lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, nenhum deles poderia ser proprietário de farmácia, tendo em conta que na douta sentença e bem, se considerou que este decreto lei não tem eficácia retroactiva, o falecido nunca poderia ter sido proprietário por imperativo de Lei.
- Ao declarar “que, na hora da morte de C. H., este tinha a posse da farmácia e esta continuou nos seus sucessores, que, por presunção, são titulares do respectivo direito de propriedade” a douta sentença entra em contradição de princípios e por presunção afirma a propriedade da farmácia na hora da morte do de cujus, logrando assim afirmar uma propriedade que a Lei expressamente proibia.
- A douta sentença, violou o disposto no artº 1º do Decreto Lei 23422 de 29/12/1933 e a Base II nº1 da Lei n.º 2125, de 20 de março de 1965, bem como a letra e o espírito do artigo 12.º do Código Civil.
- Não deveria ter reconhecido o direito dos autores e em consequência, impunha-se a absolvição dos Réus de todos os pedidos formulados.

Por sua vez, os Recorrentes AA. alegam que:

- Quer o C. H., quer os herdeiros, enquanto contitulares da herança, podiam adquirir a Farmácia por usucapião, fazendo esta parte do acervo da mesma, bem como o C. H. a adquiriu por contrato de compra e venda.
- Dado que o C. H. desde 1956 até 1995 e após a sua morte, os seus sucessores, enquanto representantes da herança, sempre foram os reais senhorios do corpus possessório propriamente dito, sempre agindo com o animus possidendi, tratando-se de uma posse não titulada, mas de boa-fé (os factos provados levam à elisão da presunção legal – art.1260, nº 2 do C. Civil – de má fé decorrente da não titulação do acto de trespasse relativamente à pessoa do C. H. e sucessores) e pacífica, certo é que tanto o C. H., como os autores enquanto representantes da herança adquiriram a farmácia por usucapião.
Devendo o estabelecimento ser havido como coisa móvel, segue-se que não só o C. H., como os autores, representantes da herança, adquiriram a farmácia por usucapião dez anos depois de terem iniciado a posse (art. 1298, al. b) do C.Civil).

3 – Da análise feita conclui a Douta Sentença que:

- O C. H. não podia adquirir por usucapião porque a lei ao pretender que a propriedade da farmácia coincidisse na pessoa do farmacêutico, lhe denegou o direito de adquirir por usucapião.
- Também o legislador de 1867 reservava a usucapião para as coisas que estão em comércio, mas que não foram exceptuadas por lei.
- Também o actual Código, art.1287º, não faculta a aquisição.

Porém a relação sucessória, irrelevante para efeitos de usucapião, subsistiu na herança de C. H. e podia beneficiar do regime jurídico da propriedade de farmácia instituído pelo Dec.L 307/2007, podendo regularizar a situação fictícia em que se encontrava. Porém, tal Dec. Lei não tem efeitos retroactivos, nos termos do art. 12º, 1,2º do C. Civil.
- Mas como o C. H. teve até à hora da morte sempre a posse da Farmácia X, a qual, após o seu decesso continuou nos seus sucessores, gozam estes da presunção da titularidade do direito (art. 1252º, nº2 do C.Civil), que lhes é reconhecido e os RR. têm a obrigação de restituir a Farmácia.

Do teor da sentença resulta em síntese que:

- O C. H. não podia adquirir por usucapião porque a lei ao pretender que a propriedade da farmácia coincidisse na pessoa do farmacêutico, lhe denegou o direito de adquirir por usucapião.
- Também o legislador de 1867 reservava a usucapião para as coisas que estão em comércio, mas que não foram exceptuadas por lei.
- Também o actual Código, art.1287º, não faculta a aquisição.

Porém a relação sucessória, irrelevante para efeitos de usucapião, subsistiu na herança de C. H. e podia beneficiar do regime jurídico da propriedade de farmácia instituído pelo Dec.L 307/2007, podendo regularizar a situação fictícia em que se encontrava. Porém, tal Dec. Lei não tem efeitos retroactivos, nos termos do art. 12º, 1,2º do C. Civil.
- Mas como o C. H. teve até à hora da morte sempre a posse da Farmácia X, a qual, após o seu decesso continuou nos seus sucessores, gozam estes da presunção da titularidade do direito (art. 1252, nº2 do C.Civil), que lhes é reconhecido e os RR. têm a obrigação de restituir a Farmácia.

Vejamos.

Dos factos apurados sob os pontos 6º a 19º, resulta de forma clara que os negócios de trespasse a que se reportam as escrituras públicas referidas no ponto 19º são nulos, porque simulados, não produzindo qualquer efeito, em conformidade com os fundamentos jurídicos apontados na sentença recorrida.
De harmonia com o disposto no art. 1287º do Código Civi, a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade ou de outros direitos reais pressupõe a posse do direito durante um determinado lapso de tempo, que varia em função das características da posse, consoante este seja ou não titulada e registada, de boa-fé ou má-fé.
A posse para ser susceptível de gerar a aquisição do direito por usucapião tem que ser posse pública e pacífica, na medida em que, face ao disposto no art. 1297º, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública. A posse deve ser também efectiva, traduzida no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, nos termos do art. 1251º do CC., e não uma detenção ou posse precária (cfr art. 1253º do CC).
Exige, assim, a lei que a posse encerre em si o chamado corpus – poder de facto sobre a coisa e o animus possidendi – o elemento psicológico, traduzido na intenção de o agente actuar como titular do direito real correspondente aos actos praticados (cfr Pires de Lima e A. Varela, in Cód. Civil Anot., Vol III, pag. 2 e ss).
Não há dúvida que o estabelecimento comercial, no caso, uma farmácia, é susceptível de posse, não tendo isso sequer sido questionado nos autos, pelo que, também poderá, por consequência, ser adquirido por usucapião.
Impõe-se saber se o C. H. exerceu a posse do direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial e se essa posse foi exercida pelo período temporal que a lei exige para a aquisição do direito por usucapião e assim ficou a fazer parte da sua herança, com a morte daquele.

No caso vertente, atenta a matéria de facto provada, é evidente que o referido C. H. exerceu o poder de facto que corresponde ao corpus da posse do direito de propriedade da farmácia objecto dos autos, dada a natureza e multiplicidade dos actos praticados pelo mesmo, espelhados nos pontos 17º a 28º dos factos provados e, após a sua morte, esses actos foram continuados e prosseguidos pelos filhos que em vida do pai já aí trabalhavam e, após a morte daquele, assim continuaram, reflectidos nos pontos 29º a 30º. De tais factos podemos concluir com segurança que o referido C. H., de forma exclusiva e desde o ano de 1956, ano em que adquiriu informal e dissimuladamente (ou seja, por negócio real e dissimulado, ante a escritura pública de trespasse referida no ponto 9º) a farmácia à sua proprietária de então e lhe pagou o respectivo preço, e, assim, passou a deter o poder de actuar e agir sobre esse estabelecimento, praticando actos que são próprios e inerentes ao direito de propriedade.
Com efeito, resultou provado que desde que negociou com a D. S. B. e C. H., e até à sua morte, em 02-02-1995, foi o C. H. que, sempre e sem qualquer interrupção, negociou, dirigiu a farmácia e o negócio como bem entendeu; que após a escritura de 1976, era ele que pagava as facturas das compras dos remédios que comprava e outras, pagava os vencimentos aos funcionários, pagava a renda relativa ao imóvel onde estava instalada a farmácia e todos os encargos da mesma, sendo o recibo da renda passado em nome de C. H., sendo ele o verdadeiro arrendatário do local onde funcionava; que recebia todo o dinheiro apurado com as vendas feitas na farmácia, dinheiro que fazia seu e com o qual fazia o que queria; que continuava a contratar e a pagar os ajudantes técnicos e funcionários, comprava e pagava os produtos, pagava a renda e todos os encargos da farmácia; que punha e dispunha em tudo o que dissesse respeito ao negócio e funcionamento da farmácia, negócio que continuava a julgar seu; que encomendava os produtos a comprar, pagava as facturas das compras dos remédios e outras, pagava os vencimentos aos funcionários e uma quantia ao director técnico; que só ele recolhia para si o dinheiro das vendas, nunca prestando contas a ninguém; era ele que em tudo mandava, considerando-se o dono da farmácia e sendo, por todos, considerado como tal; que depois da morte do C. H., o funcionamento da farmácia continuou como anteriormente e que a gestão da farmácia era feita pela filha M. J. e pelo filho C. A., ajudantes técnicos, continuando a M. J. no atendimento da farmácia e o C. A. na gestão económica e contabilística.
Dessa factualidade resulta, também, que o referido C. H. praticava todos esses actos com a convicção de exercer e explorar um direito sobre coisa sua, por isso, com a convicção de ser o dono ou proprietário da farmácia.
Assim, quer por via da tradição material da farmácia que, por via desse negócio dissimulado, lhe foi efectuada pelos anteriores possuidores (cfr. al. b) do art. 1263º), quer por vida do disposto na al. a) do referido artigo – prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, o C. H. adquiriu a posse, desde o aludido ano de 1956.
Não colhem aqui os argumentos da sentença, nem os dos Recorrentes/RR. que no caso dos autos não pode haver aquisição do direito por usucapião, na medida em que o animus não poderia aqui existir em virtude de, à data e até ao ano de 2007, não existir a possibilidade legal de o C. H. ser proprietário da farmácia.
O que é aqui relevante é saber se os concretos actos de posse exercidos pelo falecido C. H. relativamente à farmácia integram a noção legal de posse e se, em função disso, esta tem a virtualidade de conduzir à aquisição do direito propriedade sobre tal bem, por usucapião.
Ora, essa pessoa sabia que, em termos formais e legais, não poderia figurar como proprietário da farmácia, como decorre do ponto 18º dos factos provados. No entanto, isso não obsta a que o referido C. H. não se considerasse e não agisse como proprietário, como de facto se considerou e agiu.

Neste sentido, numa situação semelhante à dos autos, o Ac. da RC de 17.10.2017, in dgsi.pt, sumariou que “II– Assim, estando provado que o Réu, durante mais de quarenta anos, deteve o poder de actuar e agir sobre o estabelecimento comercial (no caso, uma farmácia), praticando uma multiplicidade de actos que são próprios e inerentes ao direito de propriedade – era ele o titular do alvará de funcionamento da farmácia; era ele que explorava e geria a farmácia como se fosse sua, adquirindo e revendendo os produtos e fazendo seus os lucros obtidos; era ele que contratava e pagava aos funcionários do estabelecimento; era ele que pagava os respectivos impostos, taxas e licenças; era ele que mandava efectuar e pagava as obras necessárias, tendo, aliás, mudado o estabelecimento para outro local; era ele que se apresentava como titular da farmácia junto de diversas entidades que com ele se relacionavam; era ele que celebrava e pagava os contratos de seguro – e estando provado que actuava dessa forma com a convicção de exercer e explorar um direito sobre coisa sua e de ser o dono/proprietário da farmácia, impõe-se concluir que o mesmo adquiriu e exerceu a posse correspondente ao direito de propriedade e que, estando em causa uma posse pública e pacífica, adquiriu esse direito por usucapião.”

Acresce que, in casu, a referida posse é pública, já que foi exercida de modo a ser conhecida pelos interessados, pacífica, porque adquirida sem violência, e exercida de forma continuada, nos termos dos art. 1261º e 1262ºdo CC, a qual é suscpetível de facultar ao possuidor a aquisição do direito por usucapião (cfr. artigo 1287º), na medida em que assim veio sendo praticada há várias dezenas de anos.
Por isso, mostra-se inútil saber se o estabelecimento comercial deve ser considerado como coisa móvel ou imóvel (matéria relevante face à diferença de prazos da usucapião consoante se trate de coisas imóveis ou de móveis), assim como se a posse é titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, dado que a posse do referido C. H. durou quase 40 anos, pelo que, na hipótese do prazo legal longo, sempre teria decorrido o prazo necessário para a aquisição do direito por usucapião.
Deste modo, impõe-se a procedência dos pedidos formulados pelos AA., sob o nº 3 e 4 da petição inicial.
Decorre também do exposto que o facto de a Ré N. A. ter entrado com a farmácia no preenchimento da sua quota na sociedade que, em 21 de Abril de 2011, constituiu com o seu marido, o Réu F. C., constitui alienação de coisa alheia (res inter alios acta), sendo, como tal, puramente ineficaz relativamente ao verdadeiro titular (Cfr., por todos, Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 4.ªa edição, volume II, pág. 189).
Daí que deva proceder, parcialmente, ou seja, quanto à declaração da ineficácia, o pedido dos Autores formulado sob o nº 12 da petição inicial, nos termos da sentença recorrida.
No que tange aos pedidos formulados sob os números 8 e 9 – relativo à alegada sonegação de bens da herança por parte da Ré N. A., diz-nos o artigo 2019.º, n.º 1, do Código Civil que “O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis”.

No caso vertente, não resulta provado que a existência da farmácia tivesse sido ocultada dolosamente, pois todos os herdeiros sabiam da sua existência. O mesmo se nos oferece dizer dos seus rendimentos, na medida em que todos os herdeiros figuram como titulares da conta da farmácia, pelo que poderiam ou estariam em condições de conhecer e verificar os respectivos movimentos.
Relativamente aos alegados rendimentos auferidos pela sociedade ré, por efeito de incorporação da farmácia no seu giro, não está demonstrado, pelo menos por ora, que esses hipotéticos rendimentos tenham sido produzidos e ocultados.
Assim sendo, nesta parte, deve improceder a pretensão dos AA.

Do abuso de direito

Alegam os AA. que nos números 19 a 37, 40, 44 a 57 e 65, está provada factualidade que torna a pretensão dos RR/Recorrentes, um autêntico abuso do direito, com particular evidência para a Ré N. A. e marido, ao pretenderem a Farmácia para si.
O artº. 334º do CC prescreve “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito“.
Adoptou-se nesse preceito do C.C. a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites“ (cfr. A. Varela, RLJ, ano 114, pág. 74-75).
Ora, salvo melhor opinião, nem dos referidos factos, nem dos demais apurados nos autos resultam verificados os pressupostos legais do instituto do abuso de direito.
Com efeito, desde logo, os RR. não se apresentam nos autos a exercer um qualquer direito (substantivo) de que sejam ou se arroguem titulares e não formulam qualquer pedido reconvencional, para se poder equacionar a hipótese de que, ao exercê-lo, estariam a abusar dele.
Consequentemente, deve improceder nesta parte a pretensão dos AA.
De todo o exposto e em conclusão, devem improceder totalmente as conclusões do recurso dos RR. e proceder parcialmente, mas por diferente fundamento, o recurso subordinado.
*
Sumário:

- Estando provado que uma pessoa, durante mais de trinta anos, deteve o poder de actuar e agir sobre o estabelecimento comercial (no caso, uma farmácia), praticando diversos actos que são próprios e inerentes ao direito de propriedade e estando demonstrado que assim actuava explorando um direito ou negócio que julgava seu, considerando-se dono da farmácia e sendo, por todos, reconhecido como tal, fazendo-o de forma pública e pacífica, impõe-se concluir que o mesmo adquiriu e exerceu a posse correspondente ao direito de propriedade e que adquiriu este direito por usucapião.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação:

A) Julgar total improcedente o recurso dos Réus;
B) Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado dos AA. e, em consequência,
I – Declara-se que C. H. adquiriu a propriedade da farmácia identificada no ponto 2º dos factos provados, por usucapião;
II – Declara-se que na hora da morte essa farmácia era assim sua, e pela sua morte a mesma ficou a fazer parte da sua herança, devendo por isso ser partilhada no inventário referido no artigo 1.º da petição, juntamente com os seus rendimentos e frutos, bem como todos os rendimentos e frutos da sociedade ré que a explora e a ela referentes.
C) No mais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas do recurso principal pelos RR/Recorrentes;
Custas do recurso subordinado pelos nele Recorrentes e Recorridos, na proporção de ¼ e ¾, respectivamente.
TRG, Guimarães, 4.06.2020

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Conceição Bucho