USUFRUTO
EXTINÇÃO
DIREITO DE USO E HABITAÇÃO
Sumário

I – A lei processual reporta-se a dois aspetos distintos do erro de facto causal de emenda da partilha: o erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, e qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.
II – O direito de usufruto inclui, para além das faculdades de uso e fruição, as faculdades de alienação ou oneração do direito de usufruto, administração, a qual inclui o poder de transformação da coisa, e reivindicação.
III – Os direitos de uso e habitação incluem as faculdades de uso, fruição, administração e transformação da coisa.
IV – No entanto, o seu exercício encontra-se limitado ao necessário para a satisfação das necessidades pessoais do titular do direito e de um conjunto de sujeitos, legalmente fixado.
V – Esta restrição permite distinguir os direitos de uso e habitação de outros direitos reais de gozo, máxime do direito de usufruto, no âmbito do qual o gozo da coisa é pleno e não se encontra restringido a qualquer tipo de necessidades especificas do usufrutuário ou família.
VI – A alínea c), do nº 1, do art. 1476º, do CCIVIL, prevê a extinção do usufruto em caso de efetivo não exercício do direito real, de forma continuada, pelo prazo de 20 anos.
VII – Este regime tem como finalidade afastar o prolongamento de restrições injustificadas ao direito de propriedade às quais não corresponda um aproveitamento efetivo da coisa, protegendo não apenas os interesses particulares do proprietário, como também o interesse público no máximo aproveitamento das coisas.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MG…, residente na Rua …, n.º …, Relva, …-… Ponta Delgada, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra LA…, residente no Lar de Idosos …, sito na Rua …, s/n, …-… Rabo de Peixe, pedindo que seja declarada a caducidade do direito de usufruto da ré por não uso e habitação por prazo superior a um ano.
Foi proferida sentença que absolveu a ré do pedido contra a mesma formulado.
Inconformada, veio a autora apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[2]:
1 – Em processo de partilha judicial foi adjudicada à Ré na qualidade de cônjuge sobrevivo, o direito de habitação da casa de morada de família e ao uso do respetivo recheio.
2 – Por lapso de terminologia ficou a constar do texto da partilha a atribuição do direito de uso e habitação a Ré como sendo de usufruto, quando na realidade o que foi atribuído foi tão só o direito ao uso e habitação do imóvel, aliás, consta da matéria de facto provada com a inerente limitação do direito de usufruto ao seu uso e habitação pela Ré, facto que da mesma não mereceu qualquer contestação.
3 – Assim sendo, o não uso da casa por prazo superior a um ano fez caducar o direito ao exercício do uso e habitação do imóvel dos autos,
4 – O que, a não se entender, assim sempre configuraria um verdadeiro abuso do direito porque não só a Ré não habita nem permite que a A. como proprietária que é da nua propriedade possa tomar posse do mesmo.
5 – Ao não o entender desse modo a douta sentença proferida violou, entre outros, o disposto no art. 2103.º-A, números 1 e 2 e 334.º todos do Código Civil.
Termos em que deve a sentença proferida ser substituída por outra que condene a Ré no pedido por ser de Direito e de Justiça.
A ré não contra-alegou.
Colhidos os vistos[3], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[4]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MG…, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Extinção do direito de usufruto da ré, por não-uso.             
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. Por partilha judicial nos autos de Inventário n.º …/…TBRGR que correu termos pelo ….º Juízo deste tribunal por óbito de SD…, progenitor da autora, foi adjudicado a esta a nua propriedade do prédio urbano de casa destinada a habitação sita na Rua …, n.º …, freguesia da Conceição, concelho da Ribeira Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial desta cidade sob o n.º … da freguesia da Conceição e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o art. ….
2. O prédio referido no ponto anterior foi igualmente adjudicado em usufruto à Ré, para seu uso e habitação.
3. A Ré não habita o imóvel pelo menos desde 11 de Setembro de 2015, altura em que passou a viver no Lar de Idosos …, em Rabo de Peixe.
4. A casa encontra-se fechada desde então.
5. As silvas e ervas daninhas grassam pelo quintal.
6. Os tijolos do exterior estão a soltar-se e os das paredes a cair.
7. O portão está com ferrugem.
8. A casa está cheia de paranhos e a criar humidades pelo não uso.
9. A luz e a água estão cortadas.
10. A janela da cozinha já tem um vidro partido
2.3. O DIREITO
Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada[5], importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso.          
1.) EXTINÇÃO DO DIREITO DE USUFRUTO DA RÉ, POR NÃO-USO.
A apelante alega que “embora da partilha tenha ficado a constar erradamente o termo usufruto quando é certo que aquilo que as partes quiseram efetivamente conferir foi o direito ao uso e habitação do imóvel, tal como aliás consta do n.º 2 da matéria de facto provada, ou seja, o prédio foi adjudicado em usufruto à Ré para seu uso e habitação, e não para qualquer outro ato de disposição ou oneração da universalidade do gozo da coisa como conferido pelo direito de usufruto”.
Alega ainda que “estando os poderes conferidos à Ré confinados ao uso e habitação do imóvel que foi casa de morada de família sem dúvida de âmbito mais restrito que o do usufruto, a terminologia empregue de usufruto deveu-se a erro por não corresponder à realidade dos factos, mas apenas e só ao seu uso e habitação, tal como aliás resulta do n.º 2 dos factos provados. Assim, e sem necessidade de maiores alongamentos deve entender-se a referência ao direito de usufruto como querendo no caso referir-se tão só ao direito de uso e habitação do imóvel, facto não só dado como provado, como nem sequer objeto de contestação por parte da Ré”.
Vejamos a questão, mas analisemos previamente a evolução do quadro legislativo relativo aos pressupostos de emenda da partilha (desde o ano de 2000).
A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes – art. 1386º, nº 1, do CPCivil (norma revogada pela Lei nº 29/2009, de 29-06, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, em vigor a partir de 18-01-2010).
Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença – art. 1387º, nº 1, do CPCivil (norma revogada pela Lei nº 29/2009, de 29-06, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, em vigor a partir de 18-01-2010).
A ação destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário – art. 1386º, nº 1, do CPCivil (norma revogada pela Lei nº 29/2009, de 29-06, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, em vigor a partir de 18-01-2010).
A partilha, ainda que a decisão se tenha tornado definitiva, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes – art. 70º, nº 1, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 26/2013, de 5-03-2013 (norma revogada pelo art. 10º, da Lei nº 117/2019, de 13-09, a partir de 01-01-2020).
Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à decisão – art. 71º, nº 1, do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 26/2013, de 5-03-2013 (norma revogada pelo art. 10º, da Lei nº 117/2019, de 13-09, a partir de 01-01-2020).
Ainda que a decisão homologatória tenha transitado em julgado, a partilha pode ser emendada no próprio inventário por acordo de todos os interessados, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes – art. 1126º, nº 1, do NCPCivil (norma introduzida pela Lei nº 117/2019 de 13 de setembro, em vigor a partir de 01-01-2020).
Na falta de acordo quanto à emenda, o interessado requer fundamentadamente, no próprio processo, que a ela se proceda, no prazo máximo de um ano a contar da cognoscibilidade do erro, desde que esta seja posterior à decisão, aplicando-se à tramitação o disposto quanto aos incidentes da instância – art. 1126º, nº 2, do NCPCivil (norma introduzida pela Lei nº 117/2019 de 13 de setembro, em vigor a partir de 01-01-2020).
A lei processual reporta-se a dois aspetos distintos do erro de facto causal de emenda da partilha:
a) O erro de facto na descrição ou qualificação dos bens;
b) Qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes[6].
Como erro de facto na descrição considera-se toda a descrição que não corresponda à verdade, designadamente a descrição dum prédio urbano por rústico, um móvel por um imóvel ou, dentro de cada uma destas categorias, quando tenha sido descrito como de três andares um prédio de um andar único ou uma quinta por um terreno centeeiro, ou vícios ocultos da coisa ou falta de conteúdo ou extensão[7].
De maneira que erro suscetível de viciar a vontade das partes é uma fórmula muito ampla, abrange uma generalidade de erros, designadamente os casos de se atribuírem valores superiores ou inferiores aos bens da herança, na hipótese de se não terem averbado na descrição os novos valores constantes duma segunda avaliação e aos quais se não atendeu ou nos casos de desconhecimento completo da extensão, natureza, características e valor dos bens da herança partilhada na convicção errada de equilíbrio de valores, na composição de cada um dos quinhões adjudicados[8].
Também o erro de direito é causal da emenda da partilha. Tal erro, para relevar, há de recair sobre a vontade dos interessados por forma a viciá-la, induzindo-os em engano e de modo a influenciar a manifestação dos que intervieram no inventário e vêm a ser vítimas desse erro. Erro de direito suscetível de viciar a vontade das partes pode consistir no convencimento de que determinados bens pertencem a uma herança quando, julgado o inventário por sentença, vem a reconhecer-se que, efetivamente, dela não fazem parte[9].
A lei autonomiza no art. 1386.º do Código de Processo Civil, o erro de facto que incida sobre a descrição (v.g., a descrição por erro de um prédio urbano como rústico) ou a qualificação (v.g., a qualificação por erro como bem em propriedade plena de um prédio usufruído ou sobre o qual incida um mero direito de superfície) dos bens partilhados de qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes. E daí, que haja quem sustente que os primeiros erros operam por si mesmos, sendo possível a emenda da partilha, mesmo na falta de acordo dos partilhantes, sem se provar quaisquer outros requisitos[10].
Quer o erro seja de facto e incida sobre outros elementos que não a descrição ou a qualificação dos bens partilhados, quer seja um erro de direito, desde que tal erro seja suscetível de viciar a vontade das partes, devendo aplicar-se então, integralmente o disposto nos arts. 247.º e seguintes do Código Civil, para efeitos de apuramento da relevância do erro[11].
A emenda da partilha judicial por erro terá lugar mesmo que tenha transitado em julgado a sentença homologatória da partilha (1.ª parte do n.º 1 do art. 1386.º e n.º 1 do art. 1387.º, do CPCiv) e quer haja acordo de todos os interessados na partilha ou dos seus representantes (art. 1386.º, do CPCiv) quer não haja tal acordo (art. 1387.º, do CPCiv), só que, neste último caso, tal emenda tem de ser pedida em ação judicial própria proposta pelo lesado dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença[12].
A atribuição da casa de morada de família e seu recheio é feita «no momento da partilha» e esta só através deste processo e não de uma ação comum pode ter lugar[13].
Trata-se de um direito de preferência (atribuição preferencial) que, como resulta do preceito, deve ser exercido no momento crucial da partilha com vista à continuidade do convívio familiar ou manutenção do lar conjugal[14].
As duas atribuições patrimoniais que o cônjuge sobrevivo, ao efetuar-se a partilha, tem o direito de avocar a si incidem sobre o direito de habitação relativamente à casa de morada de família (direito cujo perfil se encontra realçado no nº 2 do art. 1484º) e o direito de uso sobre o recheio dessa casa[15].
O despacho determinativo da partilha deve ser notificado aos interessados, sob pena de nulidade, «quer porque, por definição, pode causar-lhes prejuízo»[16].
Ora, reportando-nos aos autos, se “na partilha tivesse ficado a constar erradamente o termo usufruto quando o que queriam efetivamente conferir era o direito ao uso e habitação do imóvel”, deveriam os herdeiros ao serem notificados do despacho determinativo da partilha, ter requerido a respetiva emenda, por erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou, por qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes, como estatuído no revogado art. 1386º, nº 1, do CPCivil (e aplicável ao caso).
Não o tendo feito, isto é, não requerendo a emenda da partilha, não pode vir agora a apelante invocar que “a terminologia empregue de usufruto se deveu a erro por não corresponder à realidade dos factos”.
Se tivesse requerido a emenda da partilha, por neste ter ficado a constar o termo usufruto por erro, e sendo tal retificado para direito de uso e habitação, poderia registar tal direito.
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – art. 7º, do CRPredial.
Devidamente analisado, são duas as presunções neste preceito estabelecidas:
a) de que o direito existe tal como o registo o revela;
b) a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular[17].
Ora, o que consta da certidão da Conservatória do Registo Predial, é que pela inscrição F-1 (Ap. 01 e 02/2005.11.14), se mostra registado usufruto a favor da ré, sobre o prédio urbano da casa destinada a habitação sita na Rua …, n.º …, freguesia da Conceição, concelho da Ribeira Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial desta cidade sob o n.º … da freguesia da Conceição e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o art. ….
Assim, mostra-se irrelevante que tivessem querido conferir o direito ao uso e habitação, pois o que se mostra registado é o direito de usufruto.
Perante a tal inscrição, o facto jurídico que se mostra registado é o direito de usufruto, e não o direito de uso e habitação conferido no âmbito de uma partilha judicial[18].
Acresce dizer, por outro lado, que o direito de usufruto não se confunde com o direito de uso e habitação.
Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância – art. 1439º, do CCivil.
Se descontarmos a duração – temporária – do usufruto e os limites negativos da forma e da substância, a delimitação positiva do usufruto oferece semelhança com a propriedade (art. 1305º)[19].
O direito de gozar plenamente da coisa inclui as faculdades de uso e fruição da coisa (art. 1446º), sem limitação do seu exercício em função do fim (contrariamente ao que sucede, nomeadamente, nos direitos de uso e habitação, em que as faculdades de uso e fruição da coisa ou de uso da casa de morada de família, respetivamente, são limitados pelas necessidades do seu titular e da sua família, nos termos do art. 1484º)[20].
O direito de usufruto inclui ainda, para além das faculdades de uso e fruição, as faculdades de alienação ou oneração do direito de usufruto, administração, a qual inclui o poder de transformação da coisa, e reivindicação[21].
O tipo legal do usufruto compreende, assim, o gozo da coisa, todo o uso, toda a fruição e ainda a transformação que não atinja os limites negativos do respeito pela forma e substância da coisa[22].
O direito de uso consiste na facultade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família -  art.º 1484.º, n.º 1, do CCivil.
Os direitos de uso e habitação incluem as faculdades de uso, fruição, administração e transformação da coisa. No entanto, o seu exercício encontra-se limitado ao necessário para a satisfação das necessidades pessoais do titular do direito e das pessoas que se encontram elencadas no art. 1487º. A restrição do gozo da coisa às necessidades pessoais de um conjunto de sujeitos, legalmente fixado, constitui uma limitação à elevada indeterminação do conteúdo das faculdades de uso e fruição. A apontada restrição permite distinguir os direitos de uso e habitação de outros direitos reais de gozo, máxime do direito de usufruto (no âmbito do qual o gozo da coisa é pleno e não se encontra restringido a qualquer tipo de necessidades especificas do usufrutuário ou família)[23].
O cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respetivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver -  art.º 2103.º, n.º 1, do CCivil.
Nesta norma é reconhecido o direito do cônjuge sobrevivo a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família. Este direito é regulado pelos artigos 1484º a 1490º e, sendo um direito real limitado incidente sobre coisa alheia, compreende o direito de se servir da coisa – neste caso, a habitação – na medida das necessidades do titular e da respetiva família[24].
Os direitos constituídos ao abrigo desta norma serão direitos reais de gozo sobre coisa alheia se o imóvel onde se situa a casa de morada da família e o respetivo recheio virem a ser adjudicados a um outro herdeiro que não o cônjuge sobrevivo[25].
A restrição do gozo da coisa às necessidades pessoais de um conjunto de sujeitos, legalmente fixado, permite distinguir os direitos de uso e habitação de outros direitos reais de gozo, máxime do direito de usufruto no âmbito do qual o gozo da coisa é pleno e não se encontra restringido a qualquer tipo de necessidades específicas do usufrutuário ou família.
Assim sendo, analisemos se o usufruto constituído a favor da apelada/ré, se extinguiu pelo seu não exercício.
O usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário – art. 1443º, do CCivil.
O usufruto extingue-se pelo seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo – art. 1476º, nº 1, al. c), do CCivil.
Está provado que:
- O prédio referido no ponto anterior foi igualmente adjudicado em usufruto à Ré, para seu uso e habitação – facto provado nº 2.
- A Ré não habita o imóvel pelo menos desde 11 de Setembro de 2015, altura em que passou a viver no Lar de Idosos …, em Rabo de Peixe – facto provado nº 3.
A alínea c) do nº 1 (art. 1476º) prevê a extinção do usufruto em caso de efetivo não exercício do direito real, de forma continuada, pelo prazo de 20 anos. Este regime tem como finalidade afastar o prolongamento de restrições injustificadas ao direito de propriedade às quais não corresponda um aproveitamento efetivo da coisa, protegendo não apenas os interesses particulares do proprietário, como também o interesse público no máximo aproveitamento das coisas[26].
Estando provado que a apelada não habita o imóvel desde 2015-09-11, o usufruto ainda não se extinguiu pelo seu não exercício durante 20 anos, pois o mesmo ainda não decorreu tal prazo (como estatuído na alínea c), do nº 1, do art. 1476º, do CCivil).
Não tendo decorrido o prazo de extinção do usufruto, à apelante somente lhe resta fazer uso das possibilidades previstas no art. 1482º, do CCivil, para tutelar o seu interesse na conservação do imóvel, no caso de mau uso por parte do usufrutuário.
Concluindo, não tendo a apelada deixado de habitar o imóvel há mais de 20 anos, o usufruto ainda não se extinguiu pelo seu não exercício.
Destarte, improcedendo as conclusões da apelante, há que confirmar a sentença proferida pelo tribunal a quo.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[27].
                           
Lisboa, 2020-05-21
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
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[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[3] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[4] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[5] Quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria – art. 663º, nº 6, do CPCivil.
[6] LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume II, 1990, p. 548.
[7] LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume II, 1990, p. 548.
[8] LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume II, 1990, p. 550.
[9] LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume II, 1990, pp. 551.
[10] CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, volume II, p. 372 (nota 1197).
[11] CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, volume II, p. 372/73 (nota 1198).
[12] CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, volume II, p. 373 (nota 1199).
[13] LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume II, 5ª edição, p. 399.
[14] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume VI, p. 168.
[15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume VI, p. 168.
[16] LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, volume II, 5ª edição, p. 503.
[17] CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, p. 123.
[18] Estão sujeitos a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão – art. 2º, nº 1, al. a), do CRPredial.
[19] JOSÉ ALBERTO VIEIRA, Direitos Reais, p. 746.
[20] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, volume II, p. 297.
[21] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, volume II, p. 297.
[22] JOSÉ ALBERTO VIEIRA, Direitos Reais, p. 748.
[23] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, volume II, p. 360.
[24] CRISTINA ARAÚJO DIAS, Código Civil Anotado, Direito das Sucessões, Livro V, p. 129.
[25] CRISTINA ARAÚJO DIAS, Código Civil Anotado, Direito das Sucessões, Livro V, p. 129.
[26] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição p. 297.
[27] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.