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INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
FUNÇÃO
DESTITUIÇÃO
PROMITENTE-COMPRADOR
LOCAÇÃO
CONSUMIDOR
Sumário
1 – Em processo de insolvência, se for reclamada a verificação e graduação de créditos mediante a formulação de pedidos subsidiários, o reconhecimento pelo Administrador da Insolvência de um dos pedidos que não seja impugnado quanto à exclusão do outro pedido, estabiliza e consolida o pedido formulado e a discutir nos autos, atento o disposto no nº3 do artigo 130º do CIRE. 2 – A opção pelo não cumprimento ou pela execução de negócios em curso pelo Administrador da Insolvência, conferida pelo nº1 do artigo 102º do CIRE é uma função exclusiva deste, ordenada às finalidades do processo de insolvência de satisfação dos credores e de maximização da massa insolvente. 3 – A opção pelo não cumprimento, quando não observe os interesses da coletividade de credores, não gera ineficácia dessa opção mas antes, e se reunidos os respetivos pressupostos, justa causa de destituição e/ou responsabilidade do Administrador da Insolvência. 4 – Não reveste a qualidade de consumidor à luz dos AUJ nº 4/2014 e 4/2019, o promitente comprador que destina as frações prometidas comprar a locação, assim as destinando a finalidade lucrativa.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
Edasfer – Sociedade de Construções, Lda foi declarada insolvente por sentença de 17/12/2015, transitada em julgado.
Foi reclamada a verificação e graduação de créditos sobre a insolvente, nos termos e prazo estabelecidos para o efeito, entre os quais:
J….e M… reclamaram um crédito sobre a insolvência de € 405.000,00, garantido por direito de retenção, alegando a existência de duas promessas de permuta e compra e venda celebradas com a insolvente a entrega de dois lotes de terreno para construção (descrições 8224 e 8225 da CRP Cascais) e o pagamento de € 179.725,00, entregues ao BES, bem como a tradição das quatro frações prometidas.
O Sr. Administrador da Insolvência apresentou a lista prevista no art. 129º do CIRE, na qual reconheceu aos ora recorridos um crédito de € 405.000,00, garantido por direito de retenção sobre o 1º Dto., o 2º Esq., o 3º Dto. e o 3º Esq., do lote 10 (descrição 8224 da CRP de Cascais).
Banco de Investimento Imobiliário, SA impugnou, nos termos previstos no artigo 130.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, o reconhecimento dos créditos de vários credores, entre os quais os créditos reconhecidos aos credores referidos, impugnando o montante e natureza dos créditos, que pede sejam retificados e reconhecidos como condicionados à opção de cumprimento ou não dos contratos promessa pelo Sr. Administrador. Alega, em síntese, que, quanto a três das frações do lote 10, não são beneficiários de promessa de transmissão ou constituição de direito real e que, quanto à fração prometida vender, não há prova do pagamento alegado, nem da tradição da coisa. Defende que não existiu incumprimento definitivo e que, tendo as frações sido arrendadas, os credores não revestem a qualidade de consumidores, pelo que, sem prejuízo, os créditos reclamados não gozam de direito de retenção.
Os credores J…e M…s responderam à impugnação, pedindo seja a mesma considerada improcedente por não provada e alegando, em síntese, serem beneficiários de promessa de transmissão, dados os contratos celebrados em 28/10/04, tendo pago a titulo de sinal a totalidade do preço, por entrega de dois terrenos e mediante pagamento ao BES e à insolvente, terem-lhes sido entregues os quatro apartamentos, que arrendaram, que tudo fizeram para que a ora insolvente celebrasse os contratos prometidos, tendo sido por culpa desta que os mesmos não foram celebrados, estando na posse das frações prometidas vender.
Realizou-se tentativa de conciliação nos termos do disposto no art. 136.º n.º 1 do CIRE, na qual, relativamente ao crédito em causa, os credores mantiveram as respetivas posições, prosseguindo os autos para conhecimento da impugnação deduzida relativamente ao respetivo crédito.
Foram proferidos despacho saneador e despacho de identificação do objeto do litigio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento e veio a ser proferida sentença que, relativamente ao crédito reclamado por J..e M.., decidiu:
“A) Julga-se verificado, para além dos já verificados em 07.10,2018, a fls. 283-287:
1.como crédito garantido, o crédito de J..[1] e A.., relativamente às fracções autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 8224 e inscrito na matriz sob o n.º 16211, correspondente ao 1º dt., 2 esq., 3º dt. e 3º esq., no montante correspondente a 389,725,00 (correspondente aos montantes considerados como equivalentes ao valor do lote de terreno entregue para pagamento – € 71.000,00 pelo 1º andar direito, € 73.000,00 pelo 2º andar esquerdo, € 71.000,00 pelo 3º andar direito e ao montante entregue a título de sinal - € 179.725,00 - pelo 3º andar esquerdo) que goza de direito de retenção, nos termos do disposto no artigo 755º, n.º 1, al. f), do Código Civil;
(…),
B) Gradua os créditos, atenta a natureza dos bens apreendidos nos seguintes termos:
1. Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos e relacionados no auto de apreensão:
. em primeiro lugar, os créditos privilegiados por IMI, se quanto a estes for devido e no montante em que o forem;
. em segundo lugar os créditos garantidos por hipoteca, assim relacionados pelo Senhor AI, (com excepção das fracções autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 8224 e inscrito na matriz sob o n.º 16211, correspondente ao 1º dt., 2 esq., 3º dt. e 3º esq., em que preferem à hipoteca os créditos dos credores J..[2] e A…, no montante correspondente a 389,725,00, correspondente aos montantes entregues a título de sinal (– € 71.000,00 pelo 1º andar direito, € 73.000,00 pelo 2º andar esquerdo, € 71.000,00 pelo 3º andar direito e € 179.725,00 pelo 3º andar esquerdo);
. em terceiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional, assim relacionados pelo Senhor AI;
. em quarto lugar os créditos comuns, assim relacionados pelo Senhor AI.
2. Pelo produto da venda dos móveis apreendidos e relacionados no auto de apreensão:
. em primeiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional, assim relacionados pelo Senhor AI;
. em segundo lugar os créditos comuns, assim relacionados pelo Senhor AI.”
Inconformado apelou o credor Banco de Investimento Imobiliário, SA pedindo seja dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
1. Os recorridos apresentaram a sua reclamação de créditos, no valor de € 405.000,00 de corrente de existência de eventual contrato de promessa de compra e venda de um conjunto de frações;
2. Pelos mesmos, é invocada a existência de um direito de retenção sobre as frações do 1º andar direito, 2º andar esquerdo, 3º andar direito e 3º andar esquerdo do prédio urbano sito no Outeiro de Polima e usualmente designado, nos presentes autos, como lote 10;
3. Acontece que o ora Recorrente usufrui de garantias hipotecárias sobre os lotes de que se arrogam os Recorridos;
4. Com fundamento numa errada interpretação da matéria de facto – porquanto foi produzida prova documental e testemunhal que confirmou a pretensão do Recorrente – a douta sentença do tribunal a quo julgou verificados os pressupostos cumulativos do direito de retenção, procedendo, consequentemente, à graduação dos créditos dos Recorridos em lugar que não lhes compete;
5. O Tribunal de 1ª instância foi célere em afirmar que a sua convicção se formou devido à ausência de impugnação quanto aos documentos – entenda-se contratos – juntos pelos Recorridos;
6. O Recorrente não pode deixar de demonstrar a sua perplexão com tal afirmação dado que o próprio articulado de impugnação da lista de credores/créditos reconhecidos comporta vários artigos que expressamente impugnam o teor e alcance jurídico dos contratos;
7. Em conformidade, entende o Tribunal a quo que o depoimento das testemunhas foi claro, objetivo, sem contradições internas/externas e credível logrando convencer o Tribunal das circunstâncias em que foram celebrados os contratos.
8. Renegou, no entanto, o facto de se encontrar perante pessoas com evidentes interesses sobre os negócios em causa o que, por si só, seria de abalar a credibilidade das mesmas.
9. Foi dado como facto provado a celebração de um contrato de compra e venda referente ao lote 10 tendo, consequentemente, a insolvente entregue como garantia aos Recorridos duas letras no valor de € 475.000,00 (ponto 11 da matéria de facto dada como provada);
10. Igualmente, encontra-se provada a existência de um contrato promessa de permuta (ponto 5 da matéria de facto dada como provada) que respeita aos imóveis anteriormente identificados e reiteram que os recorridos prometeram entregar os terrenos (lotes 10 e 11) à Insolvente mediante a entrega das frações a edificar.
11. Fi ainda estipulado que o contrato promessa de permuta apenas se convolaria em contrato promessa de compra e venda se os atos notariais viessem a impor a formalização em contratos diversos (Cfr, ponto 8 da matéria provada).
12. Contudo, nos autos constam para o efeito, um contrato de compra e venda celebrado em data anterior ao contrato promessa de permuta e que viria a incidir sobre os mesmos terrenos!
13. Ademais, as testemunhas dos Recorridos auxiliaram na demonstração do ensejo em criar a ilusão da transmissão da propriedade dos terrenos dos Recorridos para a Insolvente com a única finalidade de obter financiamento bancário e os licenciamentos necessários para a realização da obra.
14. Face ao testemunho carreado para os autos deverão os factos elencados nos pontos 5, 8 e 11 dos “factos provados” passar a integrar a “matéria de facto não provada” de acordo com as seguintes premissas:
» A insolvente prometeu vender e os recorridos prometeram comprar as frações a edificar correspondentes aos primeiro andar direito, segundo andar esquerdo e terceiro andar direito do lote de terreno n.º 10;
» Os recorridos entregaram à insolvente, a título de sinal, qualquer valor como promessa de compra das frações, a edificar, correspondentes aos primeiro andar direito, segundo andar esquerdo e terceiro andar direito do lote de terreno n.º 10.
15. Com a finalidade de manter a imagem da existência de um contrato promessa de compra e venda os Recorridos referem que interpelaram a Insolvente para proceder ao agendamento de data para celebração do contrato prometido e, acrescentam, que tiveram despesas para conclusão das obras nas frações indicadas, conforme resulta escrito nos pontos 12 e 18 da matéria de facto dada como provada;
16. Não obstante, não logram juntar aos autos qualquer missiva que justifique a mencionada interpelação;
17. Do mesmo modo, não juntaram documentos, nem invocaram factos que permitissem, pelo menos, enquadrar temporalmente e contextualizar a existência de alguma comunicação;
18. Por outro lado, a realização de obras de conclusão de um apartamento implicam a contratação de mão-de-obra.
19. Para além de todas estas despesas serem passíveis de corroborar mediante apresentação de faturas, era ainda possível solicitar a algum dos trabalhadores que apresentasse o seu testemunho em Tribunal, o que não ocorreu;
20. Inclusive, a testemunha MI ...confirma que nunca interpelaram a insolvente e que compreendiam os atrasos habituais das obras em curso, conforme resulta do seu testemunho.
21. Como tal, face à completa ausência de prova os pontos 12 e 18 que entendeu o Tribunal a quo encontrarem-se provados, deverão ser removidos, passando a integrar a matéria de facto não provada.
22. Por último, e ainda que existisse um contrato promessa, os Recorridos atuam unicamente para prossecução de fins económicos e não, como exige o complexo normativo que retrata o direito de retenção, como meros consumidores.
23. Tal facto surge comprovado pela testemunha MI ...que confirma a existência de outros imóveis cuja atuação é semelhante;
24. Ademais, verifique-se que só nos lotes em apreço os Recorridos procedem ao arrendamento de sete frações!
25. Não se limitam a criar rendimento para fazer face às despesas familiares. Existe um verdadeiro intuito de obter lucro!
26. Assim, face à relevância para a boa decisão da causa deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada para os seguintes termos:
» 18. Para tanto a Insolvente, a 20/06/2009 e 20/10/2009, entregou as frações terceiros esquerdo, terceiro direito, segundo esquerdo, primeiro direito do lote 10 aos agora Credores, para que estes pudessem explorar, para proveito económico, como têm vindo a fazer desde essa data usando e fruindo das quatro frações.
E na sequencia do ponto 19 elencar um ponto 20 sobre esta matéria:
» 20. Os Credores impugnados dedicam-se de forma constante, organizada e tendente ao lucro à exploração imobiliária, nela se integrando os arrendamentos existentes sobre as frações no supra ponto 19.
*
Contra-alegaram os credores J…e M..A.., apresentando as seguintes conclusões:
1-No âmbito do processo de insolvência da Edasfer, Lda, os Recorridos reclamaram créditos no montante de € 405.000,00, decorrentes de celebração de dois contratos;
2)-Um contrato designado por contrato promessa de permuta, relativo ao prédio designado por lote 10 (lote de terreno para construção) e a três frações futuras, a que corresponderiam o 1º andar direito, 2º andar esquerdo e 3º andar direito, do prédio a edificar naquele lote;
3)-Outro contrato, de 26/10/2008, de promessa de compra e venda relativa à fração a que corresponderia o 3º andar esquerdo do prédio edificado (ainda não concluído) no designado lote 10.
4)-Por necessidade de titular o referido lote 10, em nome da Insolvente Edasfer, Lda, por razões que se prendiam com a construção, licenciamentos e financiamento, o contrato promessa de permuta celebrado em data anterior a 27 de Outubro de 2004, foi formalizado e convolado em promessa de compra e venda em 27 de Outubro de 2004 .
5)-No cumprimento desse contrato promessa convolado, os Recorridos transmitiram à Insolvente, por escritura pública, a propriedade do identificado lote 10, pelo preço de € 215.000,00, que esta prometeu pagar (vide contrato promessa designado de permuta), com a entrega de 3 frações identificadas no ponto 2 destas conclusões.
6)-Também na data da escritura, a Insolvente entregou a título de garantia, aos Recorridos, uma letra no montante de € 475.000,00, com vencimento a 21 meses daquela data - 27/10/2004 - para o caso de incumprir a sua promessa, isto é, de entregar as 3 frações de que havia recebido o preço.
7)-Tais letras nunca foram acionadas pelos Recorridos, nem na data do vencimento (21 meses após 27/10/2004, nem até à data do julgamento (21/11/2018), pelo que também o não podem mais ser, no âmbito da lei que regula as obrigações cartulares.
8)-E não foram acionadas, porque a Insolvente não incumpriu a sua promessa de venda das referidas frações.
9)-A Insolvente entregou aquelas 3 frações aos Recorridos em 20/06/2009, para que pudessem requisitar água, luz, gás e das mesmas usufruir como entendessem.
10)-Só não tendo formalizado o contrato prometido, por não ter a licença de utilização e consequente propriedade horizontal, conforme resulta da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento e dada como matéria provada.
11)-Também relativamente à fração correspondentes ao 3º andar esquerdo do lote 10 e após ter recebido o sinal de € 179.725,00 em 26/11/2008, conforme resulta dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal, a Insolvente entregou aos Recorridos em 20/10/2009, a referida fração para que pedissem água, luz e gás e dela usufruíssem como entendessem.
12)-Os Recorridos concluíram as obras necessárias à utilização de todas as frações e deram de arrendamento as mesmas, para obtenção de um rendimento pessoal e familiar, motivo pelo qual, aliás, haviam celebrado os contratos promessa com a Insolvente, como resulta do depoimento testemunhal de AF ... e MI ..., que afirma não ter sido intenção dos Recorridos a obtenção de mais valias, sobre aquelas frações, conforme sempre lhe havia sido transmitido pelo Sr. Iglésias, mas sim a obtenção de um rendimento pessoal.
13-Ora, verificando-se como se verificou, a tradição da coisa e a posse dos 4 apartamentos aos Recorridos, bem como os restantes requisitos constantes dos artigos 754º e 755º do CC, foi reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência o crédito dos Recorridos de € 405.000,00, como crédito garantido por direito de retenção sobre os identificados apartamentos – 4 frações.
14-Instado a pronunciar-se sobre o cumprimento dos contratos, declarou o Sr. Administrador que os pretendia cumprir.
15-Contudo, após requerimento (fora de qualquer procedimento legal) do Recorrente, veio o Sr. Administrador a dar “o dito por não dito” e assim considerar que aguardaria por decisão do tribunal para o seu cumprimento ou não cumprimento.
16-Motivo pelo qual se procedeu ao Julgamento que produziu a sentença ora recorrida.
17-Assim, deverá toda a matéria de facto dada como provada ser integralmente mantida.
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O recurso foi admitido por despacho de 28/03/2019 (ref.ª 118478854).
Em 17/09/2019 foi proferido por este Tribunal acórdão, nos termos do qual se decidiu alterar a matéria de facto (nos termos indicados no acórdão) e tendo-se concluído pela existência de um contrato promessa de três frações do lote 10 entre os credores J..e A…. e a insolvente, e não resultando da matéria de facto apurada que tais contratos, tal como o relativo ao 3º esq., tenham sido resolvidos, sendo negócios em curso à data da declaração de insolvência, foi considerado existir uma questão prejudicial e em consequência foi determinado “ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para que aí seja expressa a opção do Administrador de Insolvência entre a execução ou recusa de cumprimento dos contratos promessa referentes ao 1º Dtº, 2º esq, 3º Dtº e 3º esq do U-16211/110506 (Lote 10) e, na sequência de tal opção, se aferir da subsistência da sentença recorrida relativamente ao crédito reclamado pelo credor Reclamante 2, sua garantia e graduação e, consequentemente, da eventual necessidade de renovação da instância de recurso.”
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Os autos baixaram à 1ª instância e, por despacho de 24/10/19 foi determinada a notificação do Sr. Administrador da Insolvência “para informar se opta pela execução ou recusa de cumprimento dos contratos promessa referentes ao 1º Dt., 2º Esq, 3º Dt., e 3º Esq. do prédio U-16211/110506 (lote 10).
Após requerida e concedida prorrogação do prazo, o Sr. Administrador veio, por requerimento de 16/01/2020, “pronunciar-se no sentido de recusar o cumprimento dos CPCV em causa nos presentes autos, nos termos do artigo 102º nº1 do CIRE.”
Notificados para o efeito:
- os recorridos J…e A… requereram a renovação da instância e requereram ainda “ao venerando Tribunal da Relação, que:
2.1. - Considere sem fundamento a opção do senhor Administrador, de não cumprimento dos contratos de promessa celebrados pela insolvente com os recorridos, quer com o outorgado em 2004, relativamente aos 1º dtº, 2ºesq. e 3 dtº e com o preço totalmente pago desde essa data, quer com o outorgado em 2008 relativamente ao 3º esqº., com o sinal entregue de 179,725,00€, todos do prédio identificado, e todos na posse dos Recorridos desde 2009, que os terminaram e os passaram a utilizar, arrendando as 4 frações desde a data da tradição dos mesmos. Ou,
2.2. - Na hipótese de sufragar a opção de incumprimento dos contratos pelo senhor administrador de insolvência, seja confirmado de acordo com os factos dados como provados, o crédito dos recorridos de 394.725,00€ (sinais entregues) garantido por direito de retenção quanto às 4 frações e o direito à restituição em dobro dos referidos sinais e respetiva graduação, antes dos créditos hipotecários, confirmando-se assim a sentença recorrida.”
- o recorrente Banco de Investimento Imobiliário, SA veio requerer a renovação da instância de recurso;
Mediante requerimentos devidamente notificados.
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Em 13/02/2020, o tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão:
“Atenta a decisão tomada pelo Sr. AI de recusa de cumprimento dos contractos-promessa de compra e venda relativamente ao 1º Dt., 2º Esq, 3º Dt., e 3º Esq. do prédio U-16211/110506 (lote 10) e em cumprimento do determinado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, entende-se ser de manter a decisão recorrida.
Notifique.”
Ordenando, subsequentemente, a subida dos autos a este tribunal.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso concreto estamos ainda no âmbito do recurso original interposto, cuja instância foi renovada após esclarecida questão considerada prejudicial ao prosseguimento do conhecimento das questões já identificadas e que se mantêm.
Na verdade, tendo sido mantida a decisão inicial, a renovação da instância recursiva coloca-nos no exato ponto que já havia sido atingido, em termos de decisão do recurso, havendo, pois, que retomar a mesma de acordo com a posição agora assumida pelo administrador da insolvência e pelo Tribunal recorrido.
Assim, tal como identificado no aresto de 17/09/2019, as questões a resolver eram:
- do erro na decisão de facto;
- da existência de contrato promessa de compra e venda;
- da existência de crédito decorrente desse contrato;
- da garantia desse crédito.
Das questões identificadas, foram já conhecidas, a impugnação quanto à decisão sobre a matéria de facto, ou erro na decisão de facto, e a existência de contrato promessa de compra e venda, a qual teve resposta positiva e levou à decisão de baixa à 1ª instância, importando, pois, retomar ora o conhecimento das questões identificadas.
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3. Fundamentação de facto:
Mostram-se assentes os seguintes factos (já incluindo o resultado da decisão relativa à impugnação da matéria de facto constante do acórdão de 17/09/2019):
1. Por sentença proferida em 17.12.2015, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de Edasfer – Sociedade de Construções, Lda.
2. Mostram-se apreendidos nos autos, entre outros:
1- fracção autónoma do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 8224 e inscrito na matriz sob o n.º 16211, correspondente ao 2º dt.;
2- fracções autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 8224 e inscrito na matriz sob o n.º 16211, correspondente ao 1º dt., 2 esq., e 3º esq.
3. Foram reclamados e reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência créditos a P… no montante de € 62.123,84 (sessenta e dois mil cento e vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos) garantidos por direito de retenção, referente a contrato-promessa de compra e venda celebrado entre esta e a agora insolvente sobre imóvel acima identificado em 2.1.
4. Foram reclamados e reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência créditos a J… e M.. no montante de € 405.000,00 (quatrocentos e cinco mil euros) garantidos por direito de retenção, referente a contrato-promessa de compra e venda celebrado entre esta e a agora insolvente sobre imóvel acima identificado em 2.2.
5. J… e M… celebraram com a insolvente um contrato denominado Contrato Promessa de Permuta, cujo reconhecimento notarial das respectivas assinaturas está datado de 28.10.2004, nos termos do qual estes prometeram entregar à agora insolvente dois lotes de terreno, com projectos de construção aprovados para dois prédios com 8 fracções cada um, designados por lotes 10 e 11, descritos na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob os números 8224 e 8225 e inscritos na matriz sob os artigos 16211 e 16212, da freguesia de São Domingos de Rana e, em contrapartida da entrega dos referidos lotes de terreno, avaliados em € 215.000,00, cada, a agora insolvente prometeu entregar aos primeiros seis fracções autónomas, sendo 3 em cada um dos prédios a construir, assim identificadas:
- Lote 10, prédio 8224, as fracções C, F e G, correspondentes ao 1º Dt, 2º Esq e 3º Dt., a que atribuíram os valores de € 71.000,00, € 73.000,00 e € 71.000,00, respectivamente
- Lote 11, prédio 8225, as fracções D, F e G, correspondentes ao 1º Esq,, 2º Esq. e 3º Dt., respectivamente, com os valores de € 71.000,00, € 71.000,00 e € 73.000,00.
6. Ficou acordado na cláusula sexta desse contrato que pela escritura do contrato prometido os credores transmitiriam à agora insolvente a propriedade dos lotes de terreno, identificados no considerando 1, do contrato e que como como garantia do cumprimento do disposto na cláusula terceira do contrato e em substituição dos bens imóveis ali referidos, em caso de incumprimento, a agora insolvente aceita a favor dos agora credores reclamantes duas letras com o valor de € 475.000,00 cada… com vencimento a vinte e um meses da data do presente contrato.
8[3]. Ficou, ainda, acordado, na cláusula décima do mesmo, que os contraentes comprometem-se a manter integralmente o acervo dos deveres e obrigações decorrentes do presente contrato, caso a concretização dos actos notariais necessários à respectiva formalização imponha a sua conversão num ou noutros contractos de natureza diversa e, verificando-se a contingência referida no ponto anterior e apenas nessa eventualidade ambas as partes acordam que o presente contrato possa valer como contrato promessa de compra e venda, em que os ora credores reclamantes prometem vender os identificados lotes de terreno 10 e 11 à agora insolvente pelo preço de € 215.000,00 euros cada que os promete comprar e esta promete vender àqueles as fracções autónomas também já identificadas pelos preço constantes da cláusula terceira.
9. Ficou, também, acordado, na cláusula décima primeira do mesmo, que Se nos termos da cláusula anterior se verificar a necessidade de outorgar escritura de compra e venda dos lotes 10 e 11 a favor da agora insolvente em data anterior à conclusão da edificação dos prédios cujas fracções autónomas são prometidas aos agora credores reclamantes dará a agora insolvente na data da referida escritura quitação total àqueles do valor das fracções (430.000,00 euros).
10. Como a agora insolvente necessitava de ter registados em seu nome os prédios/terrenos que lhe foram prometidos em permuta pelos agora credores J…[4] e A… (Lotes de terreno 10 e 11), por razões atinentes à construção, como seja licenciamentos e outros, estes transmitiram à agora insolvente a propriedade dos aludidos terrenos através de escritura de compra e venda celebrada em 27.10.2004, pelo preço global de € 409.030,00, que declararam já ter recebido.
11. Com a assinatura da respectiva escritura de compra e venda, a agora insolvente deu aos primeiros como garantia o aceite de duas letras com o valor de € 475.000.00.
12. Por vicissitudes várias relacionadas com dificuldades económicas da agora insolvente, esta não executou a construção dos prédios nos prazos fixados e após diversas insistências dos credores reclamantes para a outorga das escrituras de compra e venda das fracções objecto dos contrato supra referido, estes vieram a deparar-se com o facto de sobre as referidas fracções existirem registos de hipoteca a favor do BES (Lote 11) e do BII (Lote 10).
13. Relativamente ao Lote 11 foi obtida a Licença de Utilização emitida pela Câmara Municipal de Cascais, por se ter conseguido finalizar as obras e o BES exigiu para libertar das hipotecas as referidas fracções do Lote 11, a quantia de € 179.725,00.
14. O agora insolvente propôs, então, aos agora credores que estes adquirissem por € 195.000,00 a fracção correspondente ao 3º Esq., que ainda se encontrava por vender no Lote 10 para libertar da hipoteca as referidas fracções e celebrar a escritura de compra e venda.
15. Os agora credores celebraram com a agora insolvente contrato-promessa de compra e venda da aludida fracção pelo preço de € 195.000,00, tendo declarado ter entregado naquele acto à agora insolvente a quantia de € 190.000,00, sendo os restantes € 5.000,00 a entregar no momento de celebração da escritura de compra e venda, e tendo, na realidade entregado a quantia de € 179.725,00 ao BES por conta da insolvente, para que este último cancelasse as hipotecas.
15-A. Tendo na sequência de tal facto os agora credores adquirido as frações do Lote 11, que vêm trazendo arrendadas.
16. Relativamente à transmissão das três fracções prometidas no Lote 10, resultantes da permuta celebrada em 28.10.2004, no montante de € 215.000,00 e mais a fracção vender no lote 10 prometida vender no montante de € 195.000,00 a insolvente não obteve a Licença de Utilização/Habitação para transmissão da propriedade como não finalizou as obras no referido prédio.
17. Os agora credores viram-se na necessidade de a suas expensas terminar as obras das aludidas fracções.
18. Em 20.06.2009 e 20.10.2009 entregou as fracções 3º Esq., 3º Dt., 2º Esq. e 1º Dt., do Lote 10 aos agora credores para que estes as pudessem terminar e passar a utilizar, como têm vindo a fazer desde essa data, arrendando as 4 fracções.
19. Tendo os credores J…[5] e A…s dado as mesmas em arrendamento e terceiros.
20. P… celebrou com a agora insolvente, em 27.07.2007 um contrato denominado Contrato Promessa de Compra e Venda relativo à fracção autónoma correspondente ao 2º andar direito do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob os números 000 e inscrito na matriz sob os artigos 00000 da freguesia de São Domingos de Rana, pelo preço total de € 176.303,00.
21. Com a assinatura do contrato a agora credora entregou à agora insolvente a quantia de € 30.000,00, a título de sinal, ficando acordado que pagaria o restante preço no acto de assinatura da escritura de compra e venda.
22. Ficou ainda acordado que a agora insolvente entregaria à promitente compradora todos os documentos relativos à futura fracção autónoma objecto do contrato que se mostrassem necessários à instrução do pedido de empréstimo para compra e para a celebração da escritura de compra e venda, o que nunca aconteceu.
23. Não conseguindo marcar a escritura de compra e venda a agora credora instaurou contra a agora insolvente acção declarativa no Tribunal Judicial de Cascais, que correu termos sob o n.º 5947/12.9TBCSC, para resolução do contrato promessa de compra e venda e para ser ressarcida da quantia entregue a título de sinal, em dobro, tendo sido procedente a acção e, consequentemente, declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda e condenada a insolvente a pagar à agora credora a quantia de € 60.000,00, a título de sinal em dobro, acrescidos de juros de mora, desde 11.09.2012, até integral pagamento, cfr. sentença proferida em 16.04.2013, já transitada em julgado.
24. Posteriormente, instaurou a agora credora contra a agora insolvente acção executiva para pagamento de quantia certa, no montante de € 62.123.84, a qual correu termos sob o n.º 5619/13.7TBCSC, sem que tenha aí obtido pagamento, tendo o processo sido extinto ao abrigo do disposto no artigo 750º, n.º 2 e n.º 4, do artigo 749º do CPC.
Factos não provados:
- Com a assinatura do contrato promessa de compra e venda entre os agora credores J..[6] e A… e a agora insolvente, relativa ao 3º andar Esq. do Lote 10, estes entregaram à agora insolvente a quantia de € 15.275,00 (diferença entre os 190.000,00 de que a agora insolvente deu quitação e os € 179.725,00 entregue ao BES por conta da insolvente).
- Com a assinatura do contrato promessa de compra e venda entre a agora credora P.. e a agora insolvente, a última entregou a fracção à credora.
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Face ao processado dos autos e na sequência do Acórdão de 17/09/19, há ainda que relevar o seguinte facto, com base no requerimento ref.ª 34556693, de 16/01/2020:
25 – Mediante declaração expressa em requerimento apresentado em 16/01/2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Sr. Administrador da Insolvência recusou o cumprimento dos contratos promessa relativos ao 1º, Dto., 2ºEsq., 3º Dto. E 3º Esq. do Lote 10 (descrição 0000 da CRP Cascais).
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4.2. Fundamentação de direito
4.1. Apreciação do crédito reclamado decorrente do contrato promessa de compra e venda
Retomando, no douto acórdão de 17/09/19, foi decidido: «Nessa conformidade a promessa de permuta com a realização da venda dos lotes para construção prometidos permutar converteu-se numa promessa de compra e venda das fracções inicialmente prometidas permutar. Por outro lado, ainda que a promessa de permuta fosse posterior a sua invalidade não seria total subsistindo enquanto promessa de compra e venda das fracções autónomas nela referidas, face ao disposto no art.°293° do CCiv. Donde se conclui, como na sentença recorrida pela existência entre o Credor Reclamante 2 e a Insolvente de um contrato promessa de compra e venda das referidas fracções do lote 10. Não resultando da matéria de facto apurada que quer esse contrato promessa quer o contrato promessa relativo ao 3º Esq. tenham sido resolvidos, estamos na presença de negócios em curso à data da declaração de insolvência, impondo-se, antes de mais, que o Administrador da Insolvência decida, nos termos dos artigos 102° e 106° do CIRE, pela sua execução ou pela recusa do seu cumprimento. Sendo essa questão prejudicial relativamente à existência do crédito reclamado e da sua invocada garantia.»
É, pois, este o ponto em que importa retomar o conhecimento do recurso, já definido que o contrato promessa de permuta se transformou em contrato promessa de venda das frações ids. do lote 10 e a celebração (não questionada) de um contrato promessa de compra e venda relativo ao 3º Esq. do mesmo lote 10.
Apurou-se que os ora recorridos procederam à entrega:
- de dois lotes de terreno para construção, no valor de € 215.000,00; - pontos 8, 9 e 10 da matéria de facto apurada;
- de € 174.725,00 ao BES por conta da insolvente – pontos 13, 14 e 15 da matéria de facto provada;
- e que, da assim prometida venda vieram a ser celebrados contratos definitivos relativamente a três frações do prédio construído no lote 11 – facto 15-A.
Assente que, quer num, quer noutro caso, tratamos de contratos promessa de compra e venda, um por conversão, o outro assim originalmente celebrado, aplica-se o disposto no art. 441º do Código Civil, a todas as entregas efetuadas pelos promitentes compradores ou seja, aplica-se a presunção prevista naquele preceito - «No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.»
Temos, assim, entregas de € 215.000,00, referentes ao valor do Lote 10 – relativamente ao qual não chegaram a ser celebrados os contratos prometidos – e o pagamento, por conta da insolvente, de € 174.725,00, ou seja, os montantes considerados pelo tribunal recorrido, correspondentes aos créditos reclamados, deduzidos da quantia de € 15.275,00 que não se apurou terem sido entregues à insolvente relativamente ao contrato promessa do 3º Esq. do lote 10.
Na sua reclamação de créditos os ora recorridos haviam formulado um pedido subsidiário. Terminaram a sua reclamação referindo “Na eventualidade de não vir a ser reconhecido direito de retenção sobre as identificadas frações aos ora reclamantes, sempre seria de considerar que a insolvente incumpriu o contrato relativamente às mesmas, e que teria que devolver o dobro dos valores recebidos, ou seja, 810.000,00 €.” Pediram, a final, o reconhecimento de € 405.000,00.
No requerimento de renovação da instância do presente recurso formularam o seguinte requerimento: “Na hipótese de sufragar a opção de incumprimento dos contratos pelo senhor administrador de insolvência, seja confirmado de acordo com os factos dados como provados, o crédito dos recorridos de 394.725,00€ (sinais entregues) garantido por direito de retenção quanto às 4 frações e o direito à restituição em dobro dos referidos sinais e respetiva graduação, antes dos créditos hipotecários, confirmando-se assim a sentença recorrida.”
Sem entrar, neste momento, nos fundamentos deste pedido, há que frisar que, face a à reclamação de créditos apresentada, o Administrador da Insolvência reconheceu o valor peticionado e como peticionado, ou seja, € 405.000,00 com direito de retenção.
Os então reclamantes e ora recorridos não impugnaram a relação prevista no art. 129º do CIRE, pelo que o pedido formulado se consolidou no pedido de verificação e graduação de € 405.000,00.
É certo que o reconhecimento do crédito foi impugnado pelo banco recorrente. Mas o que foi impugnado foi o reconhecimento de € 405.000,00, com direito de retenção, e não qualquer outro pedido formulado, pelo que, em relação ao pedido subsidiário, a impugnação deduzida não afastou o cominatório previsto no art. 130º nº3 do CIRE, que se deu em pleno.
Nos termos do disposto no n.º3 do art. 130º do CIRE, «Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.»
Ou seja, se determinada reclamação não for impugnada, fica estabilizada, ficando prejudicados pedidos que não tenham sido contemplados na relação prevista no artigo 129º do CIRE.
Vale isto por dizer que, não se tendo o Administrador da Insolvência pronunciado sobre o pedido subsidiário (claramente por ter reconhecido o crédito conforme o pedido principal), e não tendo o credor reclamante respetivo (ou outro que se legitimasse) impugnado essa “exclusão”[7], o que poderia ter sido feito através do pedido de “condicionalidade” do crédito reclamado subsidiariamente, ficou arredada a possibilidade de conhecimento deste pedido relativo à restituição do sinal em dobro (independentemente da verificação dos respetivos pressupostos substantivos, matéria a que tornaremos adiante noutra perspetiva).
Tudo o que se passou a discutir nos autos desde então, foram os pressupostos do reconhecimento da quantia reclamada e reconhecida pelo administrador da insolvência de € 405.000,00 e se a mesma (devolução em singelo) goza de direito de retenção e nunca o pedido de reconhecimento de crédito correspondente ao sinal em dobro (€ 810.000,00 sem direito de retenção), como resulta da relação prevista no artigo 129º do CIRE, da impugnação da referida lista apresentada pelo recorrente, da resposta à impugnação apresentada pelos recorridos (e muito claramente do respetivo artigo 20[8]), da enunciação do objeto do litigio e da fixação dos temas de prova, da prova produzida e da sentença recorrida.
Ou seja, o que os recorridos pedem na renovação da instância de recurso, recurso no qual não interpuseram recurso subordinado (art. 633º do CPC) nem ampliaram no momento próprio (636º do CPC), é uma questão nova.
Os recursos, por natureza meios de impugnação de decisões judiciais, apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.
Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”[9]
Ou, e seguindo o acórdão STJ de 07/07/16[10], “como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação,…”.
No mesmo sentido se escreveu no Ac. TRC de 08/11/2011[11], que “IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. V – Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.”
Assim, o requerido apenas pode ser entendido como uma alegação de direito dirigida a um dos pressupostos do direito que está a ser discutido, e que será conhecido no momento próprio.
Não pode, aliás, deixar de se sublinhar que os recorridos pedem, exatamente no requerimento referido, a confirmação da sentença recorrida – que lhes reconheceu e graduou um crédito no valor dos sinais prestados em singelo, com direito de retenção – o que sempre seria incompatível com qualquer pretensão de reconhecimento de crédito relativo ao mesmo sinal, mas em dobro.
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4.2. Natureza (garantia) do crédito reclamado
O direito de retenção do crédito do beneficiário de promessa de compra e venda que obteve a tradição da coisa prometida vender encontra-se previsto no art. 755º nº1, al. f) do Código Civil.
O direito de retenção consiste na “faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.”
O direito de retenção é atribuído, “nos termos da cláusula geral do art. 754.º CC, quando se verifiquem três pressupostos cumulativos: a) o crédito a garantir resulta de despesas feitas por causa da coisa retida ou por danos por ela causados (debitum cum re junctum); b) a coisa tem de ser detida licitamente (art. 756.º, a) CC); c) o devedor da entrega da coisa é simultaneamente credor daquele a quem ela é devida.
O direito de retenção, nos termos do disposto no art. 759º nº2 do CC prevalece sobre a hipoteca num equilíbrio que a doutrina civilista, na versão original do art. 755º, considerou assegurado, mas que a introdução da alínea f) (Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de novembro, consagrando, no local sistematicamente certo o direito de retenção que o Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de julho veio conferir ao promitente comprador no nº3 do art. 442º do CC), veio perturbar[12].
Prescreve o art. 755º nº1, al. f) do CC: «1. Gozam ainda do direito de retenção: (…) f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º»
E o artigo 442º do CC, sob a epígrafe “Sinal”, prescreve, por sua vez: «1 - Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível. 2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago. 3 - Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º 4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.»
Na conjugação dos dois preceitos (exigida pela al. f) do nº1 do art. 755º do CC), temos assim, como pressupostos do direito de retenção, os seguintes:
- ser beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de um direito real;
- a tradição da coisa objeto da promessa;
- o incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente não faltoso.
Como já ficou estabelecido no douto Acórdão de 17/09/19 e no passo anterior deste, temos verificado que os recorrentes eram beneficiários de promessa de transmissão de direito real e que entregaram um lote de terreno para construção e quantia a terceiro, por conta do promitente vendedor, que se presumem sinal.
No tocante ao pressuposto tradição da coisa, ficou provado (factos nºs 18 e 19) que, em 20.06.2009 e 20.10.2009, a insolvente entregou as frações 3º Esq., 3º Dt., 2º Esq. e 1º Dt., do Lote 10 aos agora credores para que estes as pudessem terminar e passar a utilizar, como têm vindo a fazer desde essa data, arrendando as 4 frações a terceiros.
Como se escreveu no Ac. STJ de 10/01/2019 (Relator Tomé Gomes), a “tradição consiste na cedência da coisa prometida alienar de modo a proporcionar ao beneficiário da promessa o uso e/ou a fruição da mesma, com a amplitude que seja concretamente acordada, podendo reconduzir-se a uma mera detenção por parte daquele beneficiário, configurável, em princípio, com um atípico direito pessoal de gozo ou até mesmo, em casos mais raros, a uma cedência de posse em nome próprio, operando-se uma entrega antecipada da coisa em relação ao contrato prometido.
(…) a tradição ou entrega da coisa prometida alienar, quando, como no presente caso, se trate de prédio urbano, pode manifestar-se através de diversificados modos de comportamento que revelem, à luz da sua significação social, segundo as regras da experiência, uma situação resultante de um elemento negativo traduzido no abandono da coisa pelo seu anterior detentor em correspondência com um elemento positivo consistente na apprehensio da mesma pelo novo detentor.
Nesse tipo de casos, tem sido considerada como tradição simbólica da coisa, por exemplo, a entrega das chaves de um prédio urbano, o que não significa, no entanto, que deva ainda assim ser entendido todo e qualquer ato de entrega de chaves, importando atentar no respetivo contexto, nomeadamente negocial.”
Como podemos verificar da fundamentação da decisão recorrida, foi exatamente este o sentido seguido, que subscrevemos: ficou demonstrado que a insolvente entregou aos ora recorridos e promitentes-compradores as frações autónomas prometidas vender para que finalizassem as obras necessárias, o que estes fizeram, como o demonstra o facto de terem procedido ao respetivo arrendamento a terceiros.
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Passando à verificação do incumprimento definitivo, o Tribunal recorrido entendeu estar demonstrado pela posição assumida pelo Senhor Administrador da Insolvência, ou seja, pressupôs não ter existido incumprimento definitivo anterior à declaração de insolvência, questão que, aliás, como veremos, não foi sequer colocada em 1ª instância.
Há, singelamente, duas possibilidades para o beneficiário de contrato promessa sem eficácia real e que tenha obtido tradição da coisa quando o promitente vendedor é declarado insolvente sem que o contrato promessa chegue a ser outorgado: ou o contrato foi definitivamente incumprido antes da declaração de insolvência, caso em que as consequência serão as que resultam da lei civil, ou o contrato é um negócio em curso e aplicam-se-lhe as regras previstas nos artigos 102º e ss. do CIRE[13].
A situação em análise nos autos é, e sempre foi, a segunda, mas, uma vez que a questão voltou a ser colocada nos autos, e porque na verdade, caso houvesse ocorrido incumprimento definitivo prévio à declaração de insolvência, verificados os requisitos do art. 442º, os recorridos teriam direito à indemnização ali prevista (nos limites da reclamação de créditos formulada) com direito de retenção, sem mais, analisaremos brevemente a questão.
O incumprimento de um contrato, nos termos gerais, pode assumir as modalidades de não cumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso – arts. 798º e ss. do Código Civil.
O nº2 do art. 442º do Código Civil, onde se prevê o direito do promitente comprador à restituição do sinal que prestou em dobro, quando tenha havido tradição da coisa, em caso de não cumprimento do contrato por parte do outro contraente constitui a previsão de reparação do dano, sendo, porém, que a sua aplicação apenas tem lugar em caso de incumprimento definitivo e não no caso de simples mora[14].
Apurou-se que (ponto 12 da matéria de facto provada), por vicissitudes várias relacionadas com dificuldades económicas da agora insolvente, esta não executou a construção dos prédios nos prazos fixados e após diversas insistências dos credores reclamantes para a outorga das escrituras de compra e venda das frações objeto dos contratos supra referidos, estes vieram a deparar-se com o facto de sobre as referidas frações existirem registos de hipoteca a favor do BES (Lote 11) e do BII (Lote 10).
Não foi fixado no contrato, qualquer prazo certo e inultrapassável (factos nºs 5, 6, 8, 9 e 15).
E percorrendo as alegações produzidas nos autos rapidamente se conclui que não foi alegado mais que esta factualidade:
- art. 5º da reclamação de créditos: “Por vicissitudes várias, a insolvente não executou a construção dos prédios nos prazos fixados e após diversas insistências dos reclamantes, que agendaram e notificaram a insolvente para a outorga das competentes escrituras de transmissão de titularidade das frações prometidas, depararam-se com as referidas frações oneradas com hipotecas, sendo as do lote 11 a favor do BES e as do Lote 10 a favor de outra instituição de crédito.”
- arts. 15 e 16 da resposta à impugnação:
“15-Os promitentes compradores tudo fizeram para que a promitente vendedora das frações, a ora insolvente, celebrasse o contrato prometido quanto às referidas frações, tendo interpelado a mesma através de cartas, conversas, reuniões, etc., não tendo a mesma outorgado o referido contrato por sua exclusiva culpa, dado ter onerado o prédio a favor da ora Impugnante e não ter capacidade para celebrar o contrato com as frações livres de ónus ou encargos.
16-Verificando-se assim que apenas por culpa da devedora não foi possível celebrar o contrato prometido, livre de ónus ou encargos, com a competente licença de utilização e a necessária constituição de propriedade horizontal, deixando-se impugnados os artigos 41 e 42, por não terem qualquer correspondência com a verdade.”
Os recorridos, nas contra-alegações apresentadas ao recurso interposto pela recorrente, deixaram escrito, a propósito da impugnação da matéria de facto:
“Como garantia da entrega do lote de terreno nº 10 e do nº 11, sem ter recebido o preço do mesmo (correspondente ao valor que atribuíram às futuras frações do lote 10 (1ºDt.º; 2ºEsq.º; e 3º Dt.º) – 215.000,00€ e do lote 11 (1º Esq.º; 2º Esq.º e 3º Dt.º), a Insolvente entregou como garantia do cumprimento da promessa, duas letras de € 475.000,00€, cada, com vencimento a 21 meses da data do contrato (vide ponto 6 da matéria de facto provada), em caso de incumprimento pela Insolvente da sua prestação no negócio.
Ora, como decorre da matéria provada, não existiu incumprimento por parte da Insolvente, mas atrasos que foram sendo justificados e tanto assim, que as frações prometidas vender no lote 11, foram efetivamente escrituradas de acordo com o contrato promessa designado de permuta, em 2008 e as frações prometidas do lote 10, foram entregues aos Recorridos em 20/06/2009 – 1º Dt.º; 2ºEsq.; e 3ºDt.º, bem como o 3º Esq.º, cujo contrato promessa havia sido celebrado em 26/11/2008, tendo sido entregue em 20/10/2009, para que os Recorridos delas usufruíssem, como verdadeiros proprietários.
O que sempre fizeram desde aquela data, à vista de todos!
Concluindo-se, assim, que não existiu qualquer incumprimento que desse origem ao acionamento das letras de garantia, pois todas as frações prometidas foram entregues aos Recorridos.”
Matéria que, aliás, levaram às conclusões 6 a 10.
Rapidamente, e em termos genéricos, o incumprimento definitivo do contrato pode resultar[15]:
a) da ultrapassagem de prazo fixo, essencial e absoluto;
b) da recusa de cumprimento declarada de forma categórica;
c) da conversão de mora em incumprimento definitivo por via dos mecanismos previstos no art. 808º do Código Civil, ou seja, ultrapassagem do prazo suplementar razoável fixado na interpelação admonitória feita pelo credor da prestação em falta; ou pela perda objetiva de interesse, por parte deste, na celebração do contrato prometido em consequência da mora do faltoso.
No nosso caso, e analisando a eventual perspetiva de incumprimento definitivo antes da declaração de insolvência: não foi convencionado um termo essencial, não foi apurada qualquer recusa categórica de cumprimento, não temos sequer factos que nos permitam concluir pela simples mora, não há qualquer indício de interpelação admonitória, nada permitindo concluir pela perda de interesse dos recorridos, pelo que podemos afastar sumariamente o cenário de incumprimento definitivo do contrato promessa antes da declaração da insolvência. A falta de elementos como a licença de utilização ou a constituição de propriedade horizontal apenas impossibilitavam o cumprimento enquanto não existissem, e sempre haveria que somar a tal factualidade uma perda de interesse dos recorridos que, claramente, não ocorreu até ao momento (como se pode ver do primeiro requerimento formulado com a renovação de instância de recurso).
Assim, e como já havia sido concluído pelo tribunal recorrido e por este tribunal no Acórdão de 17/09/19, tratava-se de negócio em curso à data da declaração de insolvência, havendo que aplicar o regime dos arts. 102º e ss. do CIRE.
E já no processo de insolvência é que se vem a dar o incumprimento definitivo, mediante uma recusa de cumprimento por parte do Sr. Administrador da Insolvência formulada nos termos do disposto no art. 106º nº2 do CIRE[16].
Os recorridos vieram, no requerimento de renovação da instância de recurso, requerer a este tribunal que “Considere sem fundamento a opção do senhor administrador, de não cumprimento dos contratos de promessa celebrados pela insolvente com os recorridos, quer com o outorgado em 2004, relativamente aos 1º Dtº, 2ºEsq. e 3 Dtº e com o preço totalmente pago desde essa data, quer com o outorgado em 2008 relativamente ao 3º Esqº., com o sinal entregue de 179,725,00€, todos do prédio identificado, e todos na posse dos recorridos desde 2009, que os terminaram e os passaram a utilizar, arrendando as 4 frações desde a data da tradição dos mesmos”
Este requerimento, como o anteriormente analisado, autonomamente considerado, constitui uma questão nova que aqui não pode ser conhecida pelas razões já suficientemente enumeradas.
No entanto, entendido como alegação de direito que coloca em crise um dos requisitos do reconhecimento dos créditos dos requeridos como garantido por direito de retenção, o incumprimento definitivo, pode e deve ser conhecida, já que o tribunal analisa todas as questões que interessam à decisão do recurso interposto, conformado pelas conclusões formuladas pelas partes. E está em causa, precisamente, a determinação do carater garantido por direito de retenção do crédito reconhecidos pelos recorridos, que pressupõe o incumprimento definitivo que, como vimos, só se deu ou se completou, conforme a tese que adotemos, com esta recusa pelo Sr. Administrador da Insolvência.
Estabelece o artigo 102º do CIRE, sob a epígrafe “Princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos”: 1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento. 2 - A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento. 3 - Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência, e sem prejuízo do direito à separação da coisa, se for o caso: a) Nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou; b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não tenha sido ainda realizada pela outra parte; c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada; d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo incumprimento: i) Apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos da alínea b); ii) É abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito, por aplicação da alínea c); iii) Constitui crédito sobre a insolvência; e) Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas nas alíneas c) e d) com a aludida na alínea b), até à concorrência dos respectivos montantes. 4 - A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável.»
Como ensinam João Labareda e Carvalho Fernandes[17] são três os requisitos de aplicação do preceito: i) a natureza bilateral do contrato[18]; ii) o não cumprimento total de ambas as partes; e iii) a inexistência de regime diferente para os negócios especialmente regulados nos artigos seguintes.
Os dois primeiros requisitos não levantam qualquer problema no caso presente, uma vez que o contrato promessa é um contrato bilateral e, neste, o sinal não corresponde à prestação devida pelo promitente comprador por força desse contrato, e, mesmo quando o sinal entregue pelo promitente comprador corresponda a uma antecipação do preço da compra e venda e seja qualificável como contraprestação, “ele não é uma contraprestação devida por força do contrato-promessa e é só este o contrato em curso à data da declaração de insolvência, sobre cujo destino incide a decisão do administrador.”[19]. Os deveres principais neste contrato são deveres de prestação de facto jurídico.
O artigo 106º nº1contém um desvio em relação a este (autoproclamado[20]) princípio geral, que literalmente não abrange o nosso caso concreto: o Administrador da Insolvência, quando o insolvente seja o promitente vendedor, não tem o direito de opção pelo não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda com eficácia real se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
Começaremos por caraterizar esta opção do Administrador da Insolvência, quando pode ser tomada, opção que vem sendo qualificada como um direito potestativo[21] e que tem como limitação um exercício abusivo, caraterizado no nº4 do artigo 102º, acima citado - a opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável.
Recordando que, nos termos do nº1 do art. 1º do CIRE, o processo de insolvência tem por finalidade a satisfação dos credores, é claro que este direito de escolha ou de opção do administrador é um direito absolutamente enquadrado no conjunto de funções típicas do Administrador da Insolvência “enquanto representante da massa insolvente e defensor dos seus interesses e enquanto “órgão funcional” da insolvência, ou seja, enquanto órgão dotado de funções adequadas à realização prática dos valores tutelados pelo Direito da Insolvência.”[22]
Daí que já tenha sido classificado como poder-dever[23] “porquanto a exercitação por parte do AI, da opção de cumprimento ou não cumprimento dos contratos que lhe confere o artigo 102º, nº1 do CIRE não está dependente da sua vontade exclusiva, mas antes se encontra vinculada aos superiores interesses da massa insolvente, os quais deverão ser ponderados antes da tomada de qualquer decisão, veja-se em abono desta asserção o que dispõe o nº4 daquele mesmo normativo ao penalizar aquele considerando que «A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais pela massa insolvente for manifestamente improvável.», de onde se poder extrair que se estará, igualmente, perante um comportamento abusivo quando a recusa de cumprimento acarretar para a massa insolvente um prejuízo considerável.”
Trata-se de uma função que integra o núcleo das funções do Administrador da Insolvência (e que não corresponde à emissão de uma opinião por este) e que não demanda suprimento ou aprovação da Comissão de Credores ou da Assembleia de Credores. No que aqui releva, é ordenada aos melhores interesses de satisfação de todos os credores, ou seja, de maximização da massa insolvente, e nunca à proteção de um credor ou interveniente específico sem consideração pelos demais, seja o contraente in bonis seja qualquer outro[24]. No caso de tais interesses não serem respeitados, poderemos estar perante justa causa de destituição (56º do CIRE) ou ter reunidos os pressupostos de responsabilização do administrador da insolvência (59º do CIRE), mas não haverá qualquer cominação de ineficácia para uma declaração de incumprimento, mediante simples requerimento, para esta declaração, que corresponde a uma atribuição exclusiva do Administrador da Insolvência e que não poderá ser suprida por qualquer outro órgão da insolvência, nomeadamente o juiz do processo (ou de recurso).
Note-se, aliás, que do nº2 do art. 102º resulta a atribuição, ao silêncio do Administrador da Insolvência após fixação de prazo razoável pelo contraente in bonis, do valor de recusa e que nos termos do nº4 do art. 105º, o carater abusivo é atribuído à opção pelo cumprimento (quando o cumprimento por parte da massa seja manifestamente improvável) e não à opção pelo não cumprimento.
A verificação dos melhores interesses da massa insolvente é sempre concreta e reporta-se à situação verificada – no caso dos autos, por exemplo, estabilizado que os credores recorridos nunca poderão ter direito à verificação de um crédito superior a € 389,725,00 – porque foi esse o montante reconhecido em sentença e com o qual os credores se conformaram, sendo que o presente recurso apenas punha em crise a existência de contrato promessa em relação a três frações e que o crédito beneficie de direito de retenção – é tendo em conta esse valor como resultante do incumprimento que deve ser ponderado o interesse da generalidade dos credores, que, claramente passa pela maximização da massa insolvente. Quer isto dizer que a opção do administrador não poderia, no caso concreto, passar por qualquer avaliação tendente a apurar o valor dos lotes de terreno entregues à data do incumprimento porque pura e simplesmente essa era uma opção que aos credores recorridos cabia exercer e que nunca exerceram, nunca tendo reclamado a verificação de crédito nesses termos.
Sintetizando, quer se entenda este poder como discricionário, sujeito a critério, ou como poder dever, a opção pela execução ou incumprimento de contratos em curso conferida pelo art. 102º nº1 do CIRE ao Administrador da Insolvência, é uma função exclusiva do mesmo.
Não se tratando de opção pelo cumprimento, a não observância, no seu exercício, dos interesses da coletividade de credores, poderão levar à sua destituição (verificados os respetivos pressupostos) ou à responsabilização do Administrador da Insolvência e não à ineficácia da opção exercida.
E é assim mesmo se estivermos ante uma situação diversa da dos autos, um contrato promessa com eficácia real e tradição da coisa, caso em que, se o administrador, não podendo optar pelo incumprimento (art. 106º nº1 do CIRE) o faz, poderá gerar outras consequências (será um incumprimento ilícito), mas não a ineficácia da declaração.
O facto de anteriormente ter sido exercida, nos autos, opção expressa pelo cumprimento, em nada contribui para a resolução desta questão, porquanto anteriormente a essa declaração expressa já havia sido exercida opção tácita pelo não cumprimento, com o reconhecimento do crédito nos termos reclamados[25] e, posteriormente àquela declaração, o tribunal ordenou novamente ao Administrador da Insolvência que se pronunciasse, ordem essa que formou caso julgado formal e desembocou na situação que, até ao cumprimento da decisão do Acórdão de 17/09/19, era uma declaração não definitiva (feita depender da decisão a tomar pelo tribunal quanto à natureza do contrato).
E assim, aqui chegados, apenas resta averiguar se o crédito reconhecido aos credores recorridos, de € 389,725,00, goza de direito de retenção, devendo, quanto às frações objeto, ser graduado no lugar em que o foi prevalecendo sobre o crédito hipotecário.
Tratando-se de um negócio jurídico em curso para o aludido efeito, há que observar a jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014:
“No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755.º, n.º 1, al. f) do Código Civil.”[26]
Assim, o beneficiário da promessa, com tradição da coisa, goza do direito de retenção:
- se o administrador tiver recusado o seu cumprimento;
- se o promitente comprador tiver actuado no contrato na qualidade de consumidor.
E no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2019 de 12 de fevereiro de 2019 veio a ser uniformizado no seguinte sentido: “Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”[27].
Constatou-se a necessidade de clarificar o conceito de consumidor a seguir na aplicação da doutrina do AUJ nº 4/2014, identificando duas tendências subsequentes ao referido Acórdão Uniformizador, as decisões que adotaram um conceito restrito de consumidor, e as decisões que adotaram um conceito amplo de consumidor[28].
O AUJ nº 4/2019 optou pelo conceito restrito de consumidor excluindo deste “estatuto” para o efeito, as compras para revenda e a afetação a atividade profissional ou lucrativa, reservando-o apenas para o uso particular.
Apesar de não terem força obrigatória geral nem natureza vinculativa para os outros tribunais, os acórdãos de uniformização constituem um precedente qualificado, de carácter persuasivo, a merecer especial ponderação, que se julgou suficiente para assegurar a desejável unidade da jurisprudência. Os tribunais só devem afastar-se da jurisprudência uniformizada quando disponham de argumentação nova e convincente que ponha em causa a doutrina fixada, não sendo suficiente a discordância – cfr. Ac. STJ de 01/10/19 e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pgs. 464 a 466).
Já na fundamentação do AUJ nº 4/2019 se identificava a finalidade de locação como uma finalidade afastada do conceito de consumidor (amplo ou restrito)[29].
A jurisprudência tem vindo a apurar o conceito, num percurso que adivinhamos ainda longo, mas do qual já é possível retirar algumas diretrizes:
- em princípio, ficam abrangidas pela noção de consumidor apenas as pessoas particulares (cfr. Acs. STJ de 17/12/19 (Raimundo Queirós), de 29/10/19 (Pinto de Almeida), de 27/11/19 (Ana Paula Boularot) e de 17/10/19 (José Rainho);
- “De fora do conceito de “consumidor” ficam os promitentes-compradores que pretendem adquirir o bem para revenda, para o exercício de uma actividade profissional, ou lucrativa, como a locação” – Ac. STJ de 17/12/19 (Raimundo Queirós);
- na prometida compra de duas frações, uma destinada a arrendamento e outra a residência permanente do legal representante da sociedade, tais finalidades não são identificáveis com o conceito restrito de consumidor – Ac. STJ de 17/12/19 (Raimundo Queirós), idem quanto a residência permanente do administrador Ac. STJ de 17/10/19 (José Rainho);
- afetação da fração por sociedade comercial à sua actividade social e profissional, com escopo lucrativo não integra o conceito de consumidor - Ac. STJ de 29/10/19 (Pinto de Almeida);
- cedência do uso para remunerar trabalhador, evidencia forte conexão entre a aquisição da fracção e a actividade da empresa, não podendo, por isso, dizer-se que a fracção se destinou a uso não profissional ou alheio ao exercício da actividade comercial da recorrente – Ac. STJ de 29/10/19 (Pinto de Almeida);
- a pretensão de utilizar as fracções, objecto dos contratos-promessa, no mercado de arrendamento, não se integra no conceito de consumidor – Ac. STJ de 27/11/19 (Ana Paula Boularot);
- Recorrente que apenas provou ter o imóvel prometido vender arrendado há cinco anos – é um facto que traduz a finalidade da aquisição do imóvel não para uso próprio (habitação), mas para uma finalidade lucrativa, como seja a locação, não demonstrando a qualidade de consumidor ara os efeitos do AUJ 4/2019 - Ac. STJ de 01/10/19 (Raimundo Queirós);
- não é qualificável como consumidor o promitente-comprador de um prédio destinado à construção de um edifício para a indústria – Ac. STJ de 01/10/19 (José Rainho);
- são consumidores os promitentes compradores que tomam as suas refeições, pernoitam e recebem amigos na moradia prometida vender – Ac. STJ de 09/04/2019, posterior à prolação do AUJ 4/2019, mas anterior à publicação (Graça Amaral);
- a não demonstração do uso e fruição dos imóveis nos termos alegados (e o apuramento de arrendamento de uma das fracções, inviabiliza a possibilidade de ver reconhecido o direito de retenção sobre os referidos imóveis por não estar demonstrada a qualidade de consumidor – Ac. STJ de 02/04/19, posterior à prolação do AUJ 4/2019, mas anterior à publicação (Graça Amaral).
Como vimos o arrendamento é visto, quase sem exceção, como enquadrando atividade lucrativa, não sendo exigido o exercício profissional, arredando os promitentes que destinem as frações prometidas vender a esta finalidade, da qualidade de consumidores para os efeitos do AUJ nº 4/2019.
No caso dos autos apurou-se (factos nº 13, 14, 15, 15-A, 18 e 19) que os recorridos celebraram, relativamente a sete frações nos dois lotes de terreno, contratos promessa de compra e venda. Destes celebraram contrato definitivo relativamente a três frações, que arrendaram a terceiros. As outras quatro frações do lote 10 relativamente às quais não foram celebrados os contratos prometidos, estão, todas elas, arrendadas a terceiros. Temos, assim, sete frações destinadas ao arrendamento, o que consubstancia a demonstração de que as frações prometidas vender se destinavam à finalidade, lucrativa, de locação.
Aqui chegados resta concluir que, efetivamente, à luz dos AUJ nº 4/2014 e 4/2019, não ficou demonstrada a qualidade de consumidores dos recorridos, pelo que o crédito reconhecido aos mesmos deve ser graduado como crédito comum.
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A presente apelação procede, assim, parcialmente, cabendo alterar a decisão proferida apenas nos segmentos relativos à classificação e graduação do crédito reconhecido aos recorridos.
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Apelante e apelados, porque ambos vencidos, suportarão na proporção de 50% as custas do presente recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil.
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando nos seguintes termos os pontos A) 1. E B) 1. da decisão recorrida: a) Quanto ao aponto A) 1., da decisão:
A) Julga-se verificado, para além dos já verificados em 07.10.2018, a fls. 283-287:
1. Como crédito comum, o crédito de J… e A…, no montante correspondente a 389,725,00; b) Quanto ao ponto B) 1. Da decisão:
B) Gradua os créditos, atenta a natureza dos bens apreendidos nos seguintes termos: 1. Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos e relacionados no auto de apreensão:
· em primeiro lugar, os créditos privilegiados por IMI, se quanto a estes for devido e no montante em que o forem;
· em segundo lugar os créditos garantidos por hipoteca, assim relacionados pelo Senhor AI;
· em terceiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional, assim relacionados pelo Senhor AI;
· em quarto lugar os créditos comuns, assim relacionados pelo Senhor AI, a par com os créditos comuns reconhecidos aos credores J.. e A.., no montante correspondente a 389,725,00.
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Custas na presente instância recursiva por recorrente e recorridos, na proporção de 50%.
Notifique.
Lisboa, 2 de junho de 2020
Fátima Reis Silva
Vera Antunes
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] Correção de claro lapso de escrita na indicação do nome do credor. [2] Idem. [3] Não existe nº7 no elenco da matéria de facto provada. [4] Correção de claro lapso de escrita na indicação do nome do credor. [5] Correção de lapso de escrita na indicação do nome próprio do credor. [6] Correção de claro lapso de escrita na indicação do nome próprio do credor. [7] Sendo o Código de Processo Civil aplicável, nos termos do disposto no art. 17º nº1 do CIRE, não parece vedada a formulação de pedidos alternativos ou subsidiários, desde que o pedido se possa analisar numa reclamação de créditos para os efeitos previstos no artigo 128º do CIRE. Mas, na verdade, porque estamos a verificar e graduar créditos, a partir do momento da apresentação da relação do art. 129º, é necessário fazer uma opção e agir em conformidade com a mesma, dada a natureza da verificação e graduação de créditos em insolvência e do carater vinculado da sentença a proferir. Essa opção pode ser exercida mediante a impugnação ou não impugnação da lista, dados os efeitos que a lei associa a tais atitudes. [8] Onde os recorridos alegaram: “20-Quanto ao valor do crédito peticionado de € 405.000,00, o mesmo corresponde exatamente aos valores pagos como sinal pelos ora respondentes à Insolvente, pelos 4 andares/frações, ou seja:
- € 71.000,00 pelo 1º andar direito, em 28/10/2004;
- € 73.000,00 pelo 2º andar esquerdo, em 28/10/2004; - € 71.000,00 pelo 3º andar direito, em 28/10/2004;
- € 190.000,00 pelo 3º andar esquerdo, em 26/11/2008.
Como resulta claro e linear da sua reclamação de créditos, não se entendendo sequer o alegado no artigo 57º da Impugnação.” [9] Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pg. 119. [10] Disponível em www.dgsi.pt. [11] Também disponível em www.dgsi.pt. [12] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela em Código Civil Anotado, 1º Vol., 4ª edição, Coimbra Editora, pg. 778 que referem mesmo ser a solução, além de “juridicamente condenável”, “susceptível de redundar em prejuízo das pessoas em cujo benefício foi estabelecida”. [13] Neste sentido, entre outros, vejam-se os Acs. STJ de 11/09/18, de 09/04/19 e de 02/04/2019 (Graça Amaral), de 10/11/19 (Olindo Geraldes), de 27/04/17 (Pinto de Almeida) e de 29/07/16 (Júlio Gomes), todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/. [14] Neste sentido e entre outros:
- Calvão da Silva in Sinal e Contrato Promessa, 119, Galvão Teles in Direito das Obrigações, 7ª ed., 129, Antunes Varela in RLJ 119, 216 e Menezes Leitão in Direito das Obrigações, I, 239;
- Acs. STJ de 20/01/05, 17/02/05, 29/11/06, 22/03/07, 05/07/07, 22/01/08, 07/02/08, 15/05708, 16/04/09, 20/05710, 27/01/11 e 28/06/11, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj.nsf/. [15] Seguimos de perto o Ac. STJ de 23/09/10 disponível in www.dgsi.pt/jstj.nsf/. [16] Independentemente da qualificação desta recusa como constitutiva ou declarativa, já que para o caso presente não releva. Ver, sobre a distinção e enumerando as teses e autores que as defendem, Gisela César em Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso, 2017, 2ª edição, Almedina, pgs. 92 a 99. [17] Em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2ª edição, Quid Juris, pg. 484. [18] Há autores que defendem a aplicação analógica a negócios unilaterais, como Oliveira Ascensão em Insolvência: Efeitos sobre os negócios em curso, Themis, Edição especial, Novo direito da insolvência, 2005, pgs. 111 e 112, mas essa não é matéria que releve na presente sede, pelo que dela não nos ocuparemos. [19] Citamos Maria de Lurdes Pereira, em “O sinalagma na insolvência”, V Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina, novembro de 2019, pg. 51. [20] Neste ponto a doutrina é praticamente unânime, pese embora a epígrafe do preceito, o art. 102º nº1 não tem, exatamente, o estatuto de uma regra geral - Cfr. João Labareda e Carvalho Fernandes, local citado na nota 17, pg. 484, Maria de Lurdes Pereira, local citado na nota 20, pgs. 36 a 38, Gisela César, em Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso, 2017, 2ª edição, Almedina, pg. 80, Rosário Epifânio em Manual de Direito da Insolvência, 2013, 5ª edição, Almedina, pg. 177, Ana Prata, Jorge Morais Cavalho e Rui Simões em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2013, Almedina, pgs. 291 a 293, Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, abril de 2018, pg. 226 e os autores por este citados. [21] Duas “faculdades potestativas e alternativas”, nas palavras de João Labareda e Carvalho Fernandes, local citado na nota 18, pg. 484, “potestativo (mas) não é um direito de exercício livre ou acriterioso, devendo o administrador optar, em cada caso, pela solução que melhor servir as finalidades do processo de insolvência, como enunciado por Catarina Serra e Nuno Pinto de Oliveira em Insolvência e contrato-promessa: os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa com eficácia obrigacional, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2010/ano-70-vol-iiv-2010/doutrina/nuno-manuel-pinto-oliveira-e-catarina-serra-insolvencia-e-contrato-de-promessa/, e Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, abril de 2018, pg. 227, uma opção “discricionária”, com a restrição do nº4 do art. 102º no dizer de Ana Prata, Jorge Morais Cavalho e Rui Simões em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2013, Almedina, pg. 293, poder potestativo conforme Ac. STJ de 11/09/12 (Salazar Casanova), uma alternativa a exercer potestativamente, de acordo com o Ac. STJ de 14/06/2011 (Fonseca Ramos), entre outros. [22] Catarina Serra, em “Licões…”, pg. 227. [23] Cfr. Ac. STJ de 17/04/18, relatado por Ana Paula Boularot. [24] Neste sentido Gisela César em “Os efeitos da insolvência…”, pg. 93 e arestos citados na nota 263 da mesma página. [25] Neste sentido, de que o reconhecimento não condicional pelo administrador da insolvência, na relação prevista no art. 129º, dos créditos reclamados resultantes do incumprimento de negócio em curso se deve ter por recusa de cumprimento ver Catarina Serra, Lições, pg. 227 e nota 328 e, entre outros, os Acs. STJ de 01/10/19 (José Rainho), 29/10/19 e 27/11/19 (Pinto de Almeida) e de 12/11/19 (Catarina Serra). [26] Disponível em https://dre.pt/home/-/dre/25343713/details/maximized [27] Disponível em https://dre.pt/home/-/dre/123473735/details/maximized [28] Tendo sido identificados como adotando o conceito restrito os Acs. STJ de 18/09/18, 13/07/17, 11/05/17 e de 17/11/15 e os Acs. TRC de 08/09/15 e TRG de 25/05/16 e de 23/11/17. [29] Pode ler-se no texto (sublinhados nossos):
“2 — Do ponto de vista do controlo valorativo da opção técnica que se adote, chegar-se-á às seguintes conclusões:
I — Aplicando um conceito restrito de “consumidor”, o corte valorativo será estabelecido entre, por um lado, o promitente-comprador que destina o bem a uso particular (não profissional), que corresponde dominantemente ao sujeito que pretende adquirir habitação; e do outro lado todos os demais, ou seja, os promitentes-compradores de bens destinados a revenda, a uso comercial ou a qualquer outra finalidade lucrativa ou profissional. Apenas ao primeiro tipo de contratantes seria reconhecido o direito de retenção.
II — Aplicando um conceito amplo de “consumidor”, colocar-se-ão de um lado tanto os promitentes -compradores que destinem o bem a um fim particular (maxime habitação), como os que o destinem a um fim profissional (em sentido amplo), exceto aqueles que pretendem adquirir o bem para revenda ou para o destinarem a locação. Apenas a esta última categoria de promitentes-compradores não seria reconhecido o direito de retenção.
3 — Balanço:
O conceito amplo de consumidor, quando aplicado em concreto, não é isento de dificuldades interpretativas, pois para efeitos de exclusão do direito de retenção nem sempre será fácil saber quando é que o bem prometido comprar se destina a revenda ou a locação, e em que momento essa intenção deve ser aferida.
Por outro lado, incluir no conceito de consumidor todos os promitentes-compradores com exceção dos que adquirem para revenda ou para locação, corresponde a uma delimitação do conceito que revela discriminação de um tipo de atividade em face de outras atividades económicas.
De um ponto de vista da identidade valorativa das soluções jurídicas, não se compreenderá muito bem a razão pela qual o promitente-comprador que pretenda destinar o imóvel prometido comprar ao mercado do arrendamento ou do alojamento de turistas, fazendo disso a sua atividade económica, não possa beneficiar do direito de retenção, mas qualquer outro que destine o imóvel a uma diferente atividade profissional já beneficie desse direito.
Adotar um conceito de consumidor tão amplo que coincida com o de qualquer promitente-comprador que não destine o bem a revenda ou locação seria consagrar, por esta via interpretativa, um âmbito de aplicação do direito de retenção quase tão abrangente como aquele que não foi acolhido pelo Acórdão n.º 4/2014.”