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ACÇÃO EXECUTIVA
LIVRANÇA
CUMULAÇÃO SUCESSIVA
TERCEIRO DEVEDOR
AVALISTA
Sumário
1 – A legitimidade processual para a acção executiva é aferida, atento o estatuído no artigo 53º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em função da literalidade do título (será parte legítima quem nele figura como credor e devedor), pelo que deve ser apurada por confronto entre o título executivo e as partes na causa. 2 – O processo executivo está sujeito, tal como o declarativo, ao princípio da estabilidade da instância (artigo 260º do Código de Processo Civil), mas nele podem também ocorrer modificações subjectivas pela intervenção de novas partes, quer do lado activo, quer do lado passivo, tal como, por exemplo, nas situações previstas nos artigos 53º, n.º 3, 745º, n.ºs 2 e 3 e 786º, n.º 1, a) e b) do Código de Processo Civil. 3 – O princípio da economia processual subjacente ao regime jurídico da cumulação sucessiva de execuções e, bem assim, a possibilidade conferida ao exequente de demandar ou não inicialmente o devedor principal juntamente com o terceiro titular dos bens dados em garantia real da dívida, permitem reconhecer um princípio de disponibilidade do credor na conformação subjectiva da instância, tanto inicial como superveniente, a justificar a admissibilidade da intervenção de quem figure no título como devedor. 4 – Em execução intentada contra uma executada, devedora principal, em que foi alcançado acordo de pagamento, com prestação de nova garantia constituída por livrança em branco subscrita pela executada primitiva e avalizada por terceiro, uma vez verificado o incumprimento do acordo e renovada a instância, pode aquela prosseguir não apenas contra a executada inicial, mas também contra o avalista, não demandado inicialmente, sendo dado à execução novo título executivo que os obriga a ambos. 5 – Relevante é que o terceiro conste do novo título executivo, sendo que a sua intervenção origina uma cumulação e um litisconsórcio sucessivo, cuja admissão é justificada pelo princípio da economia processual.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO BANCO BIC PORTUGUÊS, S. A. apresentou requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra B[ HELEN …… ] com base em título executivo constituído por uma livrança, no valor de € 9 878,07, subscrita e entregue pela executada, em garantia do contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros celebrado, em 8 de Agosto de 2011, entre o BPN Crédito – Instituição Financeira de Créditos, S. A., que veio a ceder o seu crédito ao BPN – Banco Português de Negócios, S. A. (anterior denominação do exequente) e a executada, tendo esta autorizado o primeiro a preencher a livrança em caso de incumprimento, o que veio a suceder, originando o preenchimento de acordo com o pacto (cf. Ref. Elect. 2173936).
Em 28 de Setembro de 2015 e 12 de Janeiro de 2016 foram lavrados autos de penhora que incidiu sobre o veículo automóvel com a matrícula 97-EB-14 e um terço do vencimento auferido pela executada junto da entidade empregadora BCM Bricolage, S. A. (cf. Ref. Elect. 4333350 e 5383528).
Em 15 de Fevereiro de 2016, o exequente e a executada dirigiram aos autos um requerimento através do qual a segunda se reconheceu devedora da quantia de € 10 354,06, tendo as partes celebrado um acordo de pagamento desta quantia em prestações, ficando os valores acordados caucionados por livrança em branco, subscrita pela executada e avalizada por C [ Mário ….. ] , destinada a garantir o cumprimento do acordo, com entrega de autorização de preenchimento, assinada por ambos, podendo o exequente preencher a livrança pela quantia relativa aos valores devidos, com o limite de € 10 354,06, acrescido de juros, despesas e demais encargos (cf. Ref. Elect. 5759693).
Em 16 de Agosto de 2016, o agente de execução proferiu decisão que julgou extinta a execução, por acordo entre as partes, nos termos do disposto no art. 849º, n.º 1, f) e 806º do Código de Processo Civil[1](cf. Ref. Elect. 7754720).
Em 6 de Novembro de 2019, o exequente requereu, nos termos do art. 808º, n.º 1 do CPC, o prosseguimento da execução, em virtude do incumprimento do acordo celebrado (cf. Ref. Elect. 15742511) e, simultaneamente, remeteu aos autos um novo requerimento executivo que dirigiu contra C, apresentando como título executivo a livrança subscrita pela executada B e avalizada por C, com o valor inscrito de € 5 994,20, vencida em 21 de Outubro de 2019, requerendo que a presente acção executiva prosseguisse igualmente contra o avalista, até efectivo e integral pagamento (cf. Ref. Elect. 15743178).
Em 13 de Novembro de 2019 o agente de execução proferiu decisão de renovação da execução, nos termos dos art.ºs 810º e 850º, n.º 4 do CPC (cf. Ref. Elect. 15791284).
Em 2 de Dezembro de 2019 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 122502003): “Referência n.º 15743178 (06/11/2019): O artigo 711.º do CPC admite que se requeira apenas contra o executado inicial, e não contra terceiros, a execução de título diferente daquele que baseou a execução primeiramente instaurada (desde que se não verifiquem as circunstâncias impeditivas previstas no n.º 1 do artigo 709.º do mesmo código). As hipóteses de modificação subjectiva da instância executiva estão expressamente previstas na lei, como são os casos contemplados, por exemplo, no artigo 54.º, n.º 3, e no artigo 741.º do CPC, sendo de indeferir todas aquelas que não sejam claramente admitidas pelo legislador. Pelo exposto, indefiro o requerido. Custas do incidente, pelo requerente (artigo 7.º, n.º 4, do RCP.”
Em 6 de Janeiro de 2020, o exequente interpôs o presente recurso relativamente à decisão proferida em 2 de Dezembro de 2019, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
A. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido, em 02.12.2019, que indeferiu o pedido de cumulação sucessiva nos termos do artigo 711º do Código de Processo Civil por considerar que este "...admite que se requeira apenas contra o executado inicial, e não contra terceiros, a execução de título diferente daquele que baseou a execução primeiramente instaurada (desde que se não verifiquem as circunstâncias impeditivas previstas no nº 1 do artigo 709º do mesmo Código) ".
B. O principal objectivo da acção executiva traduz-se na satisfação do interesse do credor.
C. O instituto da cumulação sucessiva vai de encontro com as funções dos princípios da celeridade e da economia processual que, entre outros, regem o Código de Processo Civil.
D. Se nos termos do artigo 53º, n.º 1 do CPC existe a possibilidade de serem cumuladas execuções contra devedores litisconsortes, ainda que fundadas em títulos diferentes, por maioria de razão, os terceiros que ao longo do processo se tornem devedores, devem ser tomado como partes.
E. Com a cumulação requerida pelo Recorrente não são violados quaisquer direitos ou mecanismos que a lei prevê para defesa dos interesses dos Executados e outros credores ou terceiros.
F. O artigo 711.º do Código de Processo Civil, não excluiu a possibilidade de cumular a execução de outro título contra um terceiro, que no decurso da acção se tornasse devedor do crédito em execução.
G. Tão pouco o exclui o n.º 1 do artigo 709º do Código de Processo Civil.
H. Assim, nada obsta a que, também contra esses mesmos terceiros, possa ser requerida a cumulação sucessiva.
Pugna pela procedência do recurso e revogação do despacho recorrido.
A executada/recorrida não deduziu contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do exequente/recorrente há que apreciar da admissibilidade da cumulação sucessiva com intervenção de novo executado, para além do inicialmente demandado.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A presente execução para pagamento de quantia certa iniciou-se tendo por título executivo a livrança subscrita pela executada em garantia do contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros celebrado, em 8 de Agosto de 2011, contrato que aquela incumpriu, na sequência do que o exequente preencheu a livrança pelo valor em dívida (€ 9 878,07).
Já no âmbito da execução, as partes acertaram entre si um acordo em que a executada se reconheceu devedora da quantia de € 10 354,06 (para além de outros valores, tais como os relativos a despesas incorridas pelo exequente), obrigando-se a pagar este montante em 72 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, no valor de € 170,00 cada uma.
Nesse acordo ficou ainda estipulado que os valores em dívida são caucionados por livrança em branco, subscrita pela executada e avalizada por C, destinada a garantir o cumprimento do acordo, tendo sido entregue a livrança e o acordo de preenchimento assinado por ambos.
Incumprido o acordo, a instância executiva foi renovada e, simultaneamente, o exequente apresentou requerimento executivo pretendendo fazer dirigir a execução também contra o avalista desta segunda livrança.
Sendo evidente que esta nova livrança subscrita pela executada constitui título executivo passível de originar uma cumulação sucessiva contra a executada inicial, o que importa aferir é se é possível ao exequente executar tal título também contra o avalista, originando uma nova execução contra um novo executado.
Sob a epígrafe “Cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes”, o art. 709º, n.º 1 do CPC estatui do seguinte modo: “É permitido ao credor, ou a vários credores litisconsortes, cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, ou contra vários devedores litisconsortes, salvo quando: a) Ocorrer incompetência absoluta do tribunal para alguma das execuções; b) As execuções tiverem fins diferentes; c) A alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art 37º; d) A execução da decisão judicial corra nos próprios autos.”
Por sua vez, o art.º 711º, n.º 1, sob a epígrafe “Cumulação sucessiva” dispõe: “Enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não se verifique qualquer das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
Nada obstava a que o exequente pudesse lançar mão da livrança subscrita pela executada e avalizada por C, ambos obrigados, demandando conjuntamente a primeira como devedora e o segundo, como terceiro na qualidade de avalista, em litisconsórcio inicial voluntário passivo, nos termos do art. 709º, n.º 1 do CPC.
O busílis da questão reside, porém, neste caso, em determinar se, em sede de renovação da instância executiva, e face à existência deste novo título, pode o exequente demandar o avalista, originando desse modo um litisconsórcio sucessivo.
Atento o estatuído no art. 53º, n.º 1 do CPC, têm legitimidade para a acção executiva, como exequente e executado, respectivamente, quem no título figura como credor e devedor.
Daqui decorre que a regra geral da legitimidade para a acção executiva diverge da que vigora para a acção declarativa (cf. art. 30º do CPC), porquanto se atende à literalidade do título executivo, seja este uma sentença, um contrato, um título de crédito ou outro. A legitimidade singular executiva afere-se por confronto entre o título executivo e as partes na causa – cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 278; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, pág. 109.
Assim, será terceiro em relação à execução quem não figure no título como credor ou devedor, nem seja representante de alguma das partes, tal como aquele que, embora obrigado no título conjuntamente com o executado, não tenha sido demandado na execução.
Não obstante a literalidade do título executivo, são admitidas algumas situações excepcionais de indeterminação do credor em face do título, que integram aquilo que o Prof. Miguel Teixeira de Sousa designa por legitimidade aberta.
Tal sucede quando a indeterminação do credor deriva das características do próprio facto jurídico ou título material de aquisição do direito à prestação, como quando se esteja perante título ao portador (cf. art. 53º, n.º 2 do CPC), no contrato a favor de terceiro e no contrato para pessoa a nomear (cf. art.ºs 443º, n.º 1 e 452º, n.º 1 do Código Civil) e quanto ao credor do pagamento da sua parte em indemnização dos titulares de interesses difusos violados não individualmente identificados (art. 22º, n.º 2 da Lei 83/95, de 31 de Agosto).
A regra da literalidade sofre ainda desvios decorrentes da sucessão no direito ou na obrigação, como se extrai do art. 54º do CPC.
O credor e devedor com legitimidade para a acção executiva tanto podem ser singulares, como plurais, em conjunção ou em solidariedade, assim como o devedor pode ser um devedor principal ou um devedor em garantia (por exemplo, fiador ou avalista).
No caso do avalista, devedor principal tal como decorre do art. 32º, I da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças[2] estabelecida pela Convenção internacional assinada em Genebra em 7 de Junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23 721, de 29 de Março de 1934, e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação, no suplemento do “Diário do Governo”, n.º 144, de 21 de Junho de 1934, está em causa uma responsabilidade solidária, que, sendo materialmente autónoma, não é subsidiária da obrigação do avalizado, pelo que não goza do benefício de excussão prévia (cf. art. 47º, I e II da LULL).
Tendo presente estes normativos legais, tem sido entendido que, devendo a execução ser instaurada apenas contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, não podendo ser executado quem não figure no título executivo, por regra, não será admissível a intervenção principal provocada de um terceiro que não figura no título executivo, para se associar a um executado, quer este figure ou não como devedor no título executivo.
Na acção declarativa encontra-se a figura do litisconsórcio sucessivo quando, por força da dedução de um incidente de intervenção de terceiro, este passe a ocupar na acção proposta a posição de autor ou de réu, ao lado da parte primitiva – cf. art.ºs 311º e seguintes e 316º e seguintes do CPC.
Ora, admitir que a presente execução prossiga também contra alguém que não foi demandado inicialmente, implica aceitar, para esse efeito, ser possível a respectiva intervenção principal passiva.
Mas a questão é: poderão estes incidentes de intervenção de terceiros ter lugar na acção executiva?
A este propósito refere J. Lebre de Freitas:
“O problema só se põe em relação à intervenção principal (baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação), pois, quanto aos restantes incidentes, o objectivo da intervenção só se pode realizar em processo declarativo. A sua admissibilidade, em geral, só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a ação executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que só se compadece com o fim (art. 10-4) e os limites (art. 10-5) da ação executiva quando uma norma excecional o preveja.” – cf. A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, pág. 162; no sentido da inadmissibilidade da intervenção principal na acção executiva, mas apreciando uma situação em que o terceiro não figura no título executivo, cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-09-2012, relator Rui Vouga, processo n.º 2505/11.9TBALM-B.L1-1.
Certo é, porém, que também no contexto das acções executivas podem ocorrer modificações subjectivas da instância pela intervenção de novas partes, quer do lado activo, quer do lado passivo.
No que diz respeito ao litisconsórcio voluntário passivo sucessivo, a lei admite-o expressamente em quatro casos:
1) quando o exequente demande apenas o proprietário dos bens onerados pode, mais tarde, demandar o devedor, caso os bens que garantem o cumprimento da obrigação se venham a revelar insuficientes – cf. art.º 54.º, n.º 3 do CPC;
2) tendo instaurado a acção apenas contra o devedor principal, constatada a insuficiência do património deste, o exequente pode demandar o devedor subsidiário – cf. art. 745º, n.º 3 do CPC;
3) instaurada execução contra o devedor subsidiário, que invoque o benefício da excussão, o exequente pode demandar o devedor principal – cf. art. 745º, n.º 2 do CPC;
4) instaurada a execução contra o devedor obrigado no título e citado o cônjuge, a requerimento do exequente, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art. 741º do CPC, quando a dívida for considerada comum, a execução prossegue também contra este, daqui resultando a formação, no próprio processo pendente, dum outro título executivo (cf. art. 741º, n.º 5 do CPC).
Sobre a admissibilidade do incidente em processo executivo, J. Lebre de Freitas reconhece-a, desde logo, quando “o exequente careça de chamar a intervir determinada pessoa para assegurar a legitimidade duma parte nos termos do art 261º. Convidado o exequente, nos termos do art. 726-4, a requerer a intervenção, proferido despacho de indeferimento liminar nos termos do art. 726-5, rejeitada oficiosamente a execução nos termos do art. 734, ou julgada procedente a oposição à execução, o exequente pode requerer o chamamento da pessoa em falta, tal como o poderá requerer espontaneamente.”.
Acrescentando que no âmbito do litisconsórcio voluntário, a admissibilidade geral do incidente é discutível, reconduzindo a sua verificação aos quatro casos acima enunciados e constatando que “os dois primeiros casos têm de comum a responsabilidade subsidiária dos chamados subsequentemente à intervenção principal. Mas o terceiro, em que a relação de subsidiariedade é inversa, permite defender que o incidente de intervenção principal é, em geral, admissível na modalidade de intervenção passiva provocada pelo exequente, em nome da economia processual.” – cf. op. cit., pp. 162-164.
Rui Pinto identifica ainda como situações de intervenção de outros terceiros, os que agem em oposição de direito ou posse incompatível com a penhora (art.ºs 342º e 343º do CPC) ou em concurso de crédito suportado por garantia real (art.ºs 786º, n.º 1, b) do CPC).
E dá conta da divisão na doutrina quanto à admissibilidade da intervenção de terceiros, aludindo à posição do Prof. Teixeira de Sousa que, depois de restringir a intervenção acessória aos apensos declarativos, admite a intervenção principal provocada para sanar a preterição de litisconsórcio necessário (cf. art. 261º, n.º 1 e 316º, n.º 1 do CPC) e para fazer intervir um litisconsorte voluntário (por exemplo, o executado provocar a intervenção de um seu co-devedor solidário, no prazo da oposição à execução – cf. art. 316º, n.º 3 do CPC), assim como aceita a intervenção principal espontânea, tanto em composição de litisconsórcio necessário, como por parte de litisconsorte voluntário, referindo, quanto a este que «nada parece obstar à intervenção de um terceiro para vir ocupar a posição de co-exequente ou de co-executado, a ter lugar a todo o tempo (cf. art. 313º nº 1)» – cf. Rui Pinto, op. cit., pp. 303-305.
Quanto àquela que é a sua posição, Rui Pinto refere que o princípio da estabilidade da instância (cf. art. 260º do CPC) rege também a acção executiva, daí que a jurisprudência tenha enveredado pela não admissibilidade de o executado fazer intervir outros sujeitos, posto que cabe ao credor delimitar o impulso processual e, por outro lado, não o pode fazer o exequente, pela necessidade de protecção do executado, sendo, assim, excepcionais as modificações subjectivas e objectivas da instância executiva, não incluindo nas primeiras as previstas nos art.ºs 311º e seguintes do CPC, que cumprem funções declarativas.
Conclui, como o Prof. Teixeira de Sousa, que a intervenção principal como exequente ou como executado se cinge, em regra, a sujeitos que constam do título executivo mas que tais intervenções serão outras que não as autorizadas pela ressalva do art. 260º do CPC, logo excluídas pela excepcionalidade dessa ressalva, o que o leva a defender a regra da inadmissibilidade de intervenções atípicas de terceiros.
Apesar dessa conclusão, Rui Pinto não deixa de assinalar que o princípio da economia processual pode justificar a admissibilidade de intervenção de terceiros excepcional ou atípica, pois que seria um desperdício processual impor ao credor a instauração de uma nova acção para poder demandar outro devedor que não indicou no requerimento executivo, assim como os art.ºs 54º, n.º 2 e 711º, n.º 1 do CPC, permitiriam identificar um princípio de disponibilidade do credor na conformação subjectiva da instância, tanto inicial como superveniente.
De todo o modo, discorda desta intervenção justificada por tais princípios, pois que a sua admissão exigiria sempre a observância do contraditório por parte do executado originário, o que conduzira a um prolongamento dispendioso da actuação processual - cf. Rui Pinto, op. cit., pp. 307-309.
Note-se que o art. 711º, n.º 1 do CPC prevê a possibilidade de o exequente, enquanto a execução não for declarada extinta, requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não se verifique nenhum dos requisitos negativos, previstos no art. 709º, n.º 1 do CPC, que impedem a cumulação.
Trata-se de um regime jurídico que se fundamenta no princípio da economia processual, pois que evita a necessidade de interposição de uma nova acção executiva para que se execute um outro título, no pressuposto, é certo, de que nele figurem as mesmas pessoas como credor e devedor.
No entanto, têm sido admitidas diversas situações em que o exequente pode requerer a cumulação sucessiva de execuções com especificidades não inteiramente coincidentes com o que decorre do art. 711º, n.º 1 do CPC.
Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-05-2013, relatora Teresa Albuquerque, processo n.º 1413/09.8TBVFX-A.L1-2, admitiu-se que, tendo sido celebrado, no âmbito de uma execução, um acordo de pagamento em prestações da dívida exequenda, no qual um terceiro assumiu a qualidade de fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, o exequente, se o acordo não for cumprido, pode requerer o prosseguimento da execução não só contra o devedor inicial, como também contra o fiador, o que se fundamentou do seguinte modo:
“Do nosso ponto de vista, e devendo admitir-se que as intervenções de terceiros tipificadamente consentidas na execução não correspondem propriamente às intervenções de terceiros que estão previstas para o processo declarativo - pois que não podem ter por objectivo, como têm nesse processo, «o de convencer outrem do direito de alguma das partes» - nem por isso deixam de ser intervenções de terceiros, no sentido de que a sua intervenção se verifica depois de iniciada a execução.
Afigurando-se-nos que, no que respeita ao chamamento de um terceiro pelo exequente depois desse momento - que é o que está em causa na situação dos autos - nada poderá obstar a tal procedimento, desde que esse sujeito conste do título executivo – e ainda que este título se configure como novo, relativamente ao inicialmente dado à execução - pois que aí o âmbito subjectivo da execução não deixa de ser o «pré-definido pelo título executivo», não deixando o sujeito assim demandado de apresentar legitimidade por força dos arts 55º ss, e não como resultado do próprio procedimento de intervenção.
Donde se segue que na situação que originou o presente recurso não nos impressiona que a execução que se iniciou apenas contra um devedor na base de um determinado título executivo, passe a prosseguir contra esse devedor e um seu fiador em função de um novo título executivo que a ambos abranja, dando lugar a uma cumulação e a um litisconsórcio sucessivo com a intervenção provocada pelo exequente do fiador.
Opinião contrária sacrificaria, sem que se vejam motivos para tal, o princípio da economia processual.”
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2013, relatora Maria Domingas Simões, processo n.º 525/09.2 TBTND-A.C1 reconheceu-se a possibilidade de, nas acções executivas, poderem ocorrer modificações subjectivas da instância pela intervenção de novas partes, quer do lado activo, quer do lado passivo e, perante a verificação na pendência da execução da assunção da dívida (exequenda) por terceiro, que intervém nos autos permitindo a penhora de bens próprios para garantir o pagamento da quantia exequenda, podia o exequente fazer prosseguir os autos também contra este novo obrigado, ao lado do devedor originário, sem necessidade de contra ele instaurar processo autónomo, por aplicação analógica do disposto no n.º 5 do art.º 828.º do CPC de 1961 (art. 745º, n.º 5 do CPC de 2013), com a seguinte fundamentação:
“A assunção de dívida opera uma mudança na pessoa do devedor mas não altera, nem o conteúdo, nem a identidade da obrigação, que continua a ser uma e a mesma, apenas se junta mais um obrigado, podendo o credor exigir o cumprimento a qualquer um deles e podendo satisfazer o seu crédito à custa do património de ambos. E por assim ser, apesar da diversidade de títulos […], porque a obrigação emergente do referido acordo não é uma obrigação nova, a intervenção do -este sim, novo- obrigado, inscreve-se na figura do litisconsórcio voluntário sucessivo.
Flui do exposto que o embargante surge aqui como novo obrigado, traduzindo a assunção de dívida a prestação de uma garantia adicional (em sentido lato ou impróprio) a favor do exequente, como permitido pelo art.º 883.º, garantia reforçada pela penhora dos bens, cuja efectivação desde logo autorizou (vide n.º 1 do mesmo preceito).
Deste modo, razão não se vê para não permitir que a execução prossiga contra este obrigado, que interveio na execução de forma voluntária e como devedor solidário, situação análoga à prevista na al. a) do n.º 3 do art.º 828.º do CPC, a demandar o mesmo tratamento”
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1-06-2010, relator Moreira do Carmo, processo n.º 2640/05.2TBACB-C.C1, considerou-se que, tendo as partes requerido a suspensão da execução, com base num plano de pagamento, pela executada, da quantia exequenda, que foi garantido pelos seus sócios-gerentes, que renunciaram ao benefício da excussão prévia, podia o exequente, verificado o incumprimento, fazer seguir a execução contra os novos garantes, estando em causa a formação de um novo título executivo em consequência de posição processual desenvolvida no processo principal pelo devedor do executado, nascendo na própria execução uma nova execução, com executados diferentes, com base em títulos executivos diferentes, nada obstando ao seu prosseguimento porque os novos garantes se tornaram por força da garantia parte na acção executiva:
“Relembre-se que ocorreu um acordo de pagamento a prestações da dívida exequenda (art. 882º, do CPC). No mesmo, exequente e executada consolidaram a dívida, tendo a mesma sido garantida pelos sócios gerentes da executada D (…) e por sua mulher M (…), os quais renunciaram ao benefício da excussão prévia.
Por outro lado, como garantia do crédito exequendo vale a penhora já feita na execução, salvo convenção em contrário (art. 883º, nº 1, do CPC), mas podendo, ainda, as partes convencionarem outras garantias adicionais, ou substituir a resultante da penhora (seu nº 2).
Foi o que as partes fizeram, tendo acordado uma garantia adicional, em que ampliaram a garantia patrimonial, que passou a abarcar o património dos sócios-gerentes da executada/devedora.
Estas garantias podem ser as mais diversas. Podem ser garantias pessoais (ex: fiança subsidiária ou fiança solidária, como ocorrerá neste último caso nos termos dos arts. 640º, a), do CC ou 101º, do CSC), reais (ex: hipoteca constituída pelo devedor ou terceiro), aparentes (assim denominadas, pois têm uma mera eficácia obrigacional, só produzindo efeitos entre o devedor e o credor, nada acrescentando à garantia geral do credor comum, sendo ineficazes em relação aos demais credores –[…] servindo de exemplo o acordo fiduciário ou o cheque de garantia) ou indirectas (assim chamadas, pois apesar de não tradicionalmente enquadradas como garantias de cumprimento das obrigações, poderem ser usadas com essa finalidade de garantia do crédito […] - servindo de exemplo a assunção cumulativa de dívida, nos termos do art. 595º, nº 2, 2ª parte, do CC).
Não interessa agora tomar posição a saber se a garantia prestada pelos sócios-gerentes foi uma fiança, ou uma assunção de dívida, ou outra semelhante, mas sim realçar que, de acordo com a permissão legal, os mesmos constituíram uma garantia adicional a favor da exequente.
Podendo, por isso, ser executados para satisfação do crédito exequendo.
Se a lei, nos casos que anteriormente expusemos, possibilita a execução, no próprio processo, por maioria de razão se deve entender para o terceiro que voluntária e negocialmente se tornou devedor. É que ele, ao garantir a dívida do executado, torna-se parte na acção executiva, cumulando-se a execução contra o executado com o novo título executivo.”
A situação sub judice configura, precisamente, um caso de acordo global com fixação de um plano de pagamentos, em que as partes primitivas (exequente e executada) consolidaram a dívida, fixaram o montante actualizado da quantia exequenda, tendo a devedora assumido o seu pagamento, através de prestações mensais e sucessivas, ressalvando o exequente a possibilidade de requerer a renovação da execução, caso ocorra a falta de pagamento de qualquer uma das prestações, nos termos do art. 808º do CPC.
Mais do que isso, as partes acordaram em garantir o cumprimento deste acordo mediante a prestação de uma garantia adicional, ou seja, pela entrega de uma livrança em branco, subscrita pela executada e avalizada por Mário Rui Gaiola, tendo estes assinado e entregue a livrança e o acordo de preenchimento, autorizando o exequente a preenchê-la, quanto aos elementos em falta (data de vencimento, local de pagamento, valor a pagar, sendo este correspondente aos valores devidos, até ao limite de € 10 354,06, acrescido dos respectivos juros, despesas e encargos).
Ora, em consonância com o atrás expendido, reconhecendo que a legitimidade para a execução se afere no confronto com o título executivo e que nenhuma execução pode prosseguir contra quem não figure no título (cf. art. 735º, n.º 2 do CPC), há que ter presente, por um lado, que a cumulação sucessiva deve basear-se num outro título (fundada em título diferente – cf. art. 709º, n.º 1 do CPC), como é o caso, e que nesse título o terceiro figura como obrigado (avalista).
Acresce que, nos termos do art. 807º, n.º 2 do CPC, está expressamente consagrada a possibilidade de as partes, alcançado o acordo de pagamento em prestações, convencionarem outras garantias adicionais, o que sucedeu no caso concreto com a prestação pelo terceiro de uma garantia pessoal especial, como é o aval, que é distinto da fiança, sendo uma garantia materialmente autónoma (cf. art. 32º, 2º parágrafo, primeira parte da LULL) e formalmente dependente (cf. art. 32º, 2º parágrafo, segunda parte da LULL) da obrigação avalizada.
Note-se que enquanto garantia pessoal o aval aduz um novo sujeito a uma ligação objectiva prévia, sendo que a sua natureza objectiva nada tem que ver com o nexo pessoal entre o avalista e o avalizado; é uma garantia de pagamento de uma obrigação que objectivamente emerge do título.
Daqui decorre que, não sendo de admitir, por princípio, a intervenção de terceiros na execução fora das situações acima assinaladas, há que relevar que, no caso concreto, se trata de terceiro que consta do novo título executivo apresentado (sendo que para efeitos de dedução do pedido de cumulação sucessiva a novidade do título se impõe).
Relevante é ainda a circunstância de a legitimidade para a acção executiva, admitindo a intervenção do terceiro, continuar a ser definida pelo título executivo, nos termos do art. 53º, n.º 1 do CPC, não advindo de qualquer incidente processual de intervenção.
Ademais, o conteúdo e identidade da obrigação exequenda subsistem idênticos, pois que a origem do crédito continua a radicar no contrato de financiamento celebrado pela executada, para cuja garantia de cumprimento esta subscreveu uma livrança em branco, a que agora se junta uma nova garantia, através da subscrição de outra livrança, a que se aduziu o aval prestado pelo terceiro.
Tendo o terceiro intervindo na execução de forma voluntária, prestando uma garantia que o torna solidariamente responsável pelo cumprimento da obrigação exequenda, acrescentando o seu património à garantia desse cumprimento, seria redutor e estritamente formalista impedir o prosseguimento da execução quanto a este novo obrigado apenas pela circunstância de a execução se ter iniciado contra o primitivo devedor, com base num título diverso, quando à luz do novo título está comprovada a sua legitimidade para a execução.
Aliás, tal entendimento inutilizaria, ao menos em parte, a função das garantias adicionais que o art. 807º, n.º 2 do CPC permite que as partes convencionem no âmbito do acordo de pagamento em prestações, configurando a possibilidade do seu incumprimento, pois que a inadmissibilidade da demanda dos novos garantes na execução renovada levaria a que houvesse de ser promovida nova instância executiva, o que violaria manifestamente o princípio da economia processual, subjacente ao próprio regime jurídico da cumulação sucessiva.
Também não impressiona o argumento contrário aduzido por Rui Pinto, no sentido de que a intervenção de mais um devedor implica o exercício do contraditório, sujeitando o executado primitivo a um prolongamento da actuação processual, porquanto o dispêndio económico a ter lugar não se afigura superior àquele que teria o executado com a demanda em nova acção executiva quando figure, como é o caso, no novo título executivo, juntamente com o terceiro. Pelo contrário, o aproveitamento da instância pendente permitirá, certamente, uma mais célere pronúncia quanto aos pressupostos da cumulação e da responsabilidade do terceiro, até pela circunstância de nela já ter ocorrido a citação do executado inicial.
Por fim, cumpre apenas referir que não se aferem quaisquer outras circunstâncias impeditivas da cumulação sucessiva em referência, pois que o tipo de acção executiva é o mesmo para o pedido inicial e para o cumulado, as duas obrigações são líquidas e o tribunal é competente internacionalmente e em razão da matéria e da hierarquia para a apreciação de um e outro dos pedidos – cf. art.ºs 711º e 709º do CPC.
Procede, assim, a apelação impondo-se, em conformidade, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine o prosseguimento da execução também contra o avalista, C , em função da livrança apresentada em garantia do acordo de pagamento em prestações.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O apelante obteve provimento quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo da executada/apelada.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em conformidade, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da execução também contra o avalista C.
Custas a cargo da apelada.
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Lisboa, 2 de Junho de 2020[3] Micaela Sousa Cristina Silva Maximiano Maria Amélia Ribeiro
_______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Adiante designada pela sigla LULL. [3] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.