NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Sumário

- Se um determinado arguido que, ao prestar T.I.R., indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que, logo aquando da prestação do T.I.R., indica como morada uma rua e/ou um número de polícia inexistentes ou, por identidade de razão, fornece uma morada sem recetáculo onde o distribuidor postal possa colocar a correspondência.
- Em qualquer dessas situações é estritamente imputável ao arguido a falha detetada, sendo consabidos quer o valor reforçado atribuído, atualmente, ao ato de prestação do T.I.R., quer o valor assumidamente relevante atribuído pela nossa lei processual penal aos procedimentos presuntivos de notificação por via postal (decorrentes, desde logo, da prestação do T.I.R.).

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO
Nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 135/18.3GFLLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local Criminal de Loulé - Juiz 3), o Exmº Juiz proferiu decisão em que considerou notificado o arguido do despacho que recebeu a acusação e designou datas para a realização da audiência de discussão e julgamento.
E isso, no entendimento do Exmº Juiz, porquanto ao arguido foi enviada carta registada simples, com prova de depósito, para a morada indicada no T.I.R., apesar de tal carta ter vindo devolvida com indicação de “não haver recetáculo”.
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Inconformado, recorreu o arguido (……), extraindo da respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
“1. O arguido prestou T.I.R., tendo fornecido a sua morada para efeitos de notificação por carta registada simples com prova de depósito.
2. Foi remetida carta simples com prova de depósito para a morada que consta do T.I.R., com a notificação do despacho que recebe a acusação e designa a data da audiência de julgamento.
3. Veio aquela devolvida, com a declaração do distribuidor postal de "não haver recetáculo".
4. Após promoção do Ministério Publico, veio o Tribunal a quo a proferir o seguinte despacho: "considero o arguido regularmente notificado, uma vez que o expediente foi remetido para a morada por si indicada aquando da prestação do T.l.R.".
5. Todavia, o artigo 113°, nº 1, aI. c), e nº 3, do C.P.P., estipula que a carta deve ser remetida para a morada do T.I.R. e depositada na caixa do correio do notificando.
6. Exige ainda que o distribuidor do serviço postal lavre declaração de onde conste a data e se confirme o local exato do depósito da carta.
7. Nestes termos, a lei considera um arguido regulamente notificado quando:
I. tendo prestado T.I.R. validamente, indicou a morada para onde pode ser notificado por via postal simples;
II. ter a carta sido depositada no recetáculo postal.
8. Ora, nos presentes autos verifica-se o primeiro pressuposto, ou seja, T.I.R. validamente prestado, mas não se verifica o segundo pressuposto. Ou seja, a carta não foi efetivamente depositada na caixa do correio do arguido.
9. Como tal, o despacho ora posto em crise viola o disposto no artigo 113º do Código de Processo Penal.
10. Sendo de concluir que o arguido não se mostra regularmente notificado do despacho que recebe a acusação e designa a data para a audiência de julgamento.
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e considerado procedente e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por decisão que declare o arguido não notificado do despacho que recebe a acusação e designa a data para a audiência de julgamento”.
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O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões (em transcrição):
“1. Por douto despacho judicial de 29.10.2019, com a referência 11472368, após promoção do Ministério Público, o Mmº Juiz a quo determinou o seguinte: “considero o arguido regularmente notificado, uma vez que o expediente foi remetido para a morada por si indicada aquando da prestação do T.I.R.”.
2. É deste douto despacho que o recorrente não se conforma, interpondo o presente recurso, no qual, em síntese, alega a invalidade da notificação do recorrente do despacho que designa data para julgamento, por a carta não ter sido, efetivamente, depositada na caixa de correio da morada do T.I.R., em virtude de não existir recetáculo, pelo que o douto despacho recorrido que considera o arguido regularmente notificado viola o disposto no artigo 113º, nº 1, al. c), e nº 3, do CPP.
3. De salientar que, compulsados os autos, verifica-se que o arguido prestou validamente T.I.R., indicando a sua morada, para efeitos de notificação por via postal simples com prova de depósito, ficando ciente dos seus direitos e deveres; o arguido, desde que prestou T.I.R., nunca informou o Tribunal a quo sobre a alteração de qualquer morada; a carta contendo o despacho que designa data para julgamento foi remetida para a morada indicada pelo recorrente no T.I.R.; não obstante ter sido devolvida a carta ao Tribunal, em virtude de se ter apurado pelos CTT não haver recetáculo, o Tribunal considerou, e bem, regularmente notificado o recorrente, podendo o mesmo ser validamente julgado na ausência.
4. O douto despacho recorrido cumpriu escrupulosamente o disposto nos artigos 113º, nºs 1, al. c), 2, 3 e 4, e 196º e 333º do CPP.
5. Sem muitas considerações, por desnecessárias, face à simplicidade da questão ora colocada em crise, apraz mencionar que a jurisprudência portuguesa, que apreciou a questão, tem maioritariamente considerado regularmente notificados nas moradas do T.I.R. os arguidos que se ausentem da respetiva morada sem previamente informar os autos, como estavam obrigados (a mudança de morada), bem como aqueles que, no momento da prestação de T.I.R., fornecem a morada com o nome de uma rua inexistente, ou que não disponham de caixa de correio ou recetáculo onde possa ser depositada a respetiva carta de notificação. Neste caso, os arguidos são validamente julgados na ausência.
6. São exemplo desses acórdãos os seguintes: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2015, Proc. 3/03.3IELSB.L1-9, relator Abrunhosa de Carvalho; e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.05.2014, Proc. 346/10.0GBLSA.C1, relator Jorge Dias - ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida”.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1 - Delimitação do objeto do recurso.
Tendo em conta as conclusões enunciadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é apenas uma a questão suscitada no recurso: saber se foi (ou não) válida e regular a notificação feita ao arguido do despacho que recebeu a acusação e designou datas para a realização da audiência de discussão e julgamento.
2 - O despacho recorrido.
O despacho revidendo é do seguinte teor:
“Considero o arguido regularmente notificado, uma vez que o expediente foi remetido para a morada por si indicada aquando da prestação do T.l.R.”.
3 - Elementos relevantes para a decisão.
Compulsados os autos, e com interesse para a decisão a proferir, verificam-se os seguintes factos (ou circunstâncias processuais):
1º - O recorrente prestou nos presentes autos, oportunamente, o competente “Termo de Identidade e Residência”, ao abrigo do disposto no artigo 196º do C. P. Penal, tendo fornecido, para efeitos de notificação por via postal simples com prova de depósito, a seguinte morada: “……………………..”.
2º - Aquando da prestação e da assinatura do “Termo de Identidade e Residência” (doravante T.I.R.), o recorrente ficou ciente dos seus direitos e deveres enquanto arguido e, ainda, que tal medida de coação só se extinguiria com a extinção da pena, caso fosse condenado, ou com o arquivamento dos autos, em caso de absolvição.
3º - Ao abrigo do disposto nos artigos 113º, nºs 1, al. c), e 3, e 196º, ambos do C. P. Penal, foi remetida, para a referida morada (indicada pelo recorrente e constante do T.I.R.), uma carta registada simples, contendo o despacho que recebeu a acusação e designou datas para a realização da audiência de discussão e julgamento (audiência que foi agendada para dias e horas concretos do mês de novembro de 2019).
4º - Essa notificação foi efetuada em 15 de abril 2019.
5º - No entanto, a carta em causa foi devolvida aos autos, em 17 de abril de 2019, por impossibilidade de depositar a mesma, tendo sido lavrada, pelo distribuidor postal, a menção de “não haver recetáculo”.
6º - O recorrente, desde que prestou T.I.R. nos presentes autos, nunca mais veio ao processo prestar qualquer informação sobre a alteração da morada que indicou no T.I.R., ou sobre qualquer incorreção dessa morada, ou, ainda, sobre a inexistência de “recetáculo” próprio para receber o respetivo “correio”.
7º - Perante a devolução aos autos da carta em questão, com a menção de “não haver recetáculo”, o Exmº Magistrado do Ministério Público promoveu que se considerasse regularmente notificado o recorrente do despacho que recebeu a acusação e designou datas para a realização da audiência de discussão e julgamento.
8º - O Exmº Juiz deferiu essa promoção do Ministério Público, proferindo o despacho objeto do presente recurso (despacho acima transcrito).
4 - Apreciação do mérito do recurso.
O arguido, na motivação do recurso, alega (em resumo) que não teve efetivo conhecimento do teor do despacho que recebeu a acusação e que designou datas para a realização da audiência de discussão e julgamento, porquanto a carta enviada pelo tribunal para lhe dar conhecimento desse despacho não foi “depositada”, tendo, isso sim, sido devolvida ao tribunal (ao remetente) com a indicação de não existir “recetáculo”.
Cumpre apreciar e decidir.
Com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, entendemos que a devolução do expediente de notificação, com a indicação da impossibilidade de ser depositado na morada indicada no T.I.R. por inexistência de recetáculo, não impede, por um lado, que se considere o arguido validamente notificado, nem, por outro lado, justificava a adoção de outras diligências com vista a diferente modo de notificação do arguido.
Com efeito, e desde logo, não ocorre qualquer desconformidade entre a morada indicada no T.I.R. e a morada para a qual foi remetida a notificação ao arguido.
Depois, e a nosso ver, devem ter-se por regularmente notificados, nas moradas dos T.I.Rs. respetivos, os arguidos que se ausentem da sua morada sem previamente informarem os autos, bem como os arguidos que, no momento da prestação dos T.I.Rs., forneçam uma morada com o nome de uma rua inexistente, ou ainda, como acontece na presente situação, que indiquem uma morada que não disponha de “caixa de correio” (ou “recetáculo) - na qual possam ser depositadas as cartas de notificação aos mesmos dirigidas -.
Ou seja, foi inteiramente válida a notificação do ora recorrente, que prestou T.I.R. e que indicou uma morada, tendo a carta de notificação sido remetida para essa morada e não tendo tal carta sido depositada por não haver “recetáculo” na morada em causa.
Por outras palavras: a notificação do arguido/recorrente foi regular e validamente efetuada, apesar de o depósito da carta não ter ocorrido (cfr., neste mesmo sentido, além dos dois acórdãos citados na resposta ao recurso apresentada pelo Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância - Ac. do T.R.L., de 04-06-2015, sendo relator Abrunhosa de Carvalho, e Ac. do T.R.C., de 14-05-2014, do qual foi relator Jorge Dias -, ainda os seguintes dois acórdãos, ambos deste T.R.E.: Ac. datado de 05-06-2018, sendo relator Clemente Lima, e Ac. datado de 04-12-2018, sendo relator José Proença da Costa, todos eles disponíveis in www.dgsi.pt).
Na verdade, e sem grandes delongas (dada a simplicidade da questão em apreciação), se um determinado arguido que, ao prestar T.I.R., indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que, logo aquando da prestação do T.I.R., indica como morada uma rua e/ou um número de polícia inexistentes ou, por identidade de razão, fornece uma morada sem recetáculo onde o distribuidor postal possa colocar a correspondência.
Em qualquer dessas situações, e em nosso entender, é estritamente imputável ao arguido a falha detetada, sendo consabidos quer o valor reforçado atribuído, atualmente, ao ato de prestação do T.I.R., quer o valor assumidamente relevante atribuído pela nossa lei processual penal aos procedimentos presuntivos de notificação por via postal (decorrentes, desde logo, da prestação do T.I.R.).
Isto é, não pode deixar de considerar-se que a inexistência de “recetáculo” (de “caixa de correio”) na morada indicada pelo arguido deve, exclusivamente, ser imputada ao próprio arguido, que forneceu tal morada no momento da prestação do T.I.R.
Assim sendo, bem andou o Exmº Juiz ao proferir a decisão sub judice, na qual considerou o arguido notificado do despacho que recebeu a acusação e que designou as datas para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Por tudo o predito, o presente recurso é totalmente de improceder, sendo de manter a decisão recorrida.
III - DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido, mantendo-se o decidido em primeira instância.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 10 de março de 2020

João Manuel Monteiro Amaro
Laura Goulart Maurício