DECISÃO POR MERO DESPACHO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
REENVIO DO PROCESSO
Sumário

- Se o arguido for notificado da eventualidade da decisão do recurso por si interposto ser proferida por mero despacho e para vir aos autos, no prazo de 10 dias, dizer se se opõe à decisão por esse formalismo, entendendo-se que nada tem a opor, caso nada diga, é, com o descrito procedimento, conferido ao arguido o ensejo de se opor, com as consequências inerentes, à decisão do recurso por despacho.
- Por isso, se o arguido não manifesta oposição à decisão por despacho, quando notificado para o efeito, fá-lo por sua própria opção.
- De resto, a oposição a que se refere o nº 2 do art. 64ºdo RGCO é um acto completamente livre da parte do arguido e não carece sequer de ser fundamentada ou justificada.
- Nestas condições, o silêncio mantido pelo arguido, na sequência da notificação a que nos vimos referindo, é apto a legitimar a decisão do recurso por mero despacho, com a inevitável preterição da audiência de julgamento e da produção da prova testemunhal por ele oferecida, e tal conclusão não ofende as garantias de defesa do arguido, pois este teve sempre na sua disponibilidade o instrumento processual adequado a «forçar» o Tribunal à realização da audiência, mas não o usou.
- Consequentemente, a prolação de decisão sobre o mérito do recurso, independentemente de audiência de julgamento e produção de prova pessoal, não é geradora de nulidade processual.
- A falta de averiguação, pelo Tribunal «a quo», dos factos considerados em sede de fundamentação jurídica, que não foram incluídos na matéria provada ou não provada configura uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
- Não sendo de aplicar ao caso a jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 1/2015, nada obsta a que os autos sejam objecto do reenvio previsto no nº 3 do art. 426º do CPP, com vista à averiguação dos factos que foram objecto de consideração na fundamentação jurídica.

Texto Integral

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No Processo de Contra-Ordenação nº 151/DAJ/2014 da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA), foi proferida por esta entidade, em 22/4/2018, decisão final, que condenou PMBP, na coima de € 10.000, suspensa parcialmente na sua execução em 50.%, pelo período de 1 ano, sujeita à condição do Recorrente não violar a sanção acessória a que foi condenado, consubstanciada na obrigação de proceder à reposição da situação no estado anterior à prática da contra-ordenação no prazo de 90 dias, pela prática de 1 contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas do art. 20.º, n.º 1, als. b) e d), 37.º, n.º 3, al. a), do DL n.º 166/2008, de 22/08 e arts. 22.º, n.º 4, al. a) e 39.º, da Lei n.º 50/2006.
O arguido impugnou judicialmente, nos termos do art. 59º do Regime Geral das Contra-ordenações (doravante RGCO), aprovado pelo DL nº 433/82 de 27/10 e sucessivamente alterado, a decisão administrativa que o condenou.
Na fase de impugnação judicial, os autos foram distribuídos ao Juízo de Competência Genérica de Nisa do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre e, em 14/12/2018, foi proferida sentença pela Exª Juiz desse Tribunal, em que decidiu:
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão administrativa recorrida.
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. No dia 17.12.2014, pelas 10h30, no Sítio da ……, freguesia de …………….., concelho de Castelo de Vide, a que correspondem as coordenadas geográficas ………………………, o Recorrente executou obras de ampliação da habitação aí existente e construiu uma piscina.
2. A execução das obras de ampliação da habitação e a construção da piscina tiveram lugar em solos classificados como REN, especificamente em área de elevado risco de erosão hídrica do solo.
3. O Recorrente obteve a emissão de parecer desfavorável da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo para a execução das obras de ampliação da habitação referidas em 1).
4. O Recorrente ao proceder do modo referido em L, deveria ter acompanhado os procedimentos administrativos conducentes à obtenção das necessárias autorizações ou licenças e, bem assim, ter-se assegurado, por si ou por intermédio de outrem, que a execução das obras que pretendia levar a cabo na sua propriedade não se encontravam interditas, obtendo, deste modo, as respectivas autorizações e licenças, o que contudo não o fez, embora pudesse e devesse tê-lo feito.
5. O Recorrente não se assegurou que a execução das obras aludidas em 1. não se encontravam a ser executadas de acordo com as respectivas autorizações e licenças, o que podia e devia ter feito.
6. Ao agir da forma supra descrita, o Recorrente não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.
Da referida sentença o arguido veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
1 - Por despacho 13.09.2018} foi o recorrente notificado do seguinte:
"Face aos elementos já constantes dos autos (e relevantes para aferir das conclusões formuladas pelo Recorrente no seu recurso), nomeadamente os autos de inquirição das testemunhas ouvidas, afigura-se ao Tribunal ser possível proferir decisão conscienciosa do recurso interposto, por despacho, em conformidade com o disposto no art. 64° n°:4 do D.L. nº 433/82.
Notifique, consignando que, não sendo manifestada oposição pelo Ministério Público ou pelo Recorrente, no prazo de 10 dias, o presente recurso será decidido por despacho".
2- O ora recorrente, que tinha indicado prova testemunhal no seu recurso, não respondeu à notificação efectuada.
3- A nominação constante do despacho acima referido é ilegal, porque, nos casos em que o arguido tenha indicado testemunhas com vista à sua inquirição no recurso de impugnação judicial - como é o caso dos autos-, o seu silêncio, em resposta a um despacho daquela natureza, não pode ser entendido como anuência à prolação de decisão por simples despacho, sob pena de se violar as garantias de defesa do recorrente, impossibilitando-o de ter acesso à realização da audiência de discussão e julgamento, com a necessária produção de prova.
4- Assim decidiu o Acórdão da Relação de Évora, de 24.10.2017, disponível em www.dgsi.pt com sumário citado em sede de "Questão Prévia»,
5- A preterição da realização da audiência de discussão e julgamento consubstancia uma nulidade insanável que se encontra prevista no art. 120° n° 2 d) do CPP, nulidade essa que importa a revogação do decidido em sentença.
6- No recurso de impugnação judicial interposto, a fls. 12 do mesmo, sob o titulo "C) Inconstitucionalidade da decisão", invocou-se a inconstitucionalidade material da decisão administrativa por violação do princípio de igualdade previsto no art. 20° da CRP. E, nas conclusões 15 a. 1 7, o recorrente sustentou que a infracção em causa passou a ser contra-ordenação leve.
7- Sobre estas matérias da inconstitucionalidade e da natureza da infracção a decisão sob recurso é absolutamente omissa, não se tendo pronunciado expressamente sobre as mesmas, o que faz incorrer a decisão sob recurso na nulidade de omissão de pronúncia que agora se invoca nos termos do ari.379°. n.º l. c) do CPPenal.
8- Na douta sentença recorrida o tribunal confirma que a decisão administrativa ora em análise não indica, no elenco dos factos dados como provados que a infracção foi praticada a titulo de negligência, e aceita que era essa era a sede própria para o fazer.
9- Todavia, considera que esta insuficiência da matéria de facto não conduz à nulidade da decisão, fundada no que considera a menor exigibilidade da fundamentação que caracteriza as decisões administrativas.
10- Ora, a imputação subjectiva da infracção ao agente pressupõe a alegação de factos indispensáveis à materialização da contra-ordenação e aptos à determinação da medida da sanção; dai que a sua ausência tenha que gerar a nulidade suscitada, tal como se refere no art. 58º, nº l. c) 2ª parte, do RGCO que o Tribunal violou.
11- Alegou-se, em sede de recurso, que a factualidade provada é completamente omissa quanto à identificação das construções afectadas pelo alegado ilícito, o que a torna nula.
12- A douta sentença recorrida, perseguindo o seu entendimento de que a uma decisão administrativa tudo se tolera, vem dizer que, pese embora tal matéria não conste da factualidade provada, ela consta dos documentos que instruiram o processo contra-ordenacional, pelo que não existe qualquer nulidade de fundamentação.
13- Entende o recorrente que não é a ele que lhe cabe ir buscar, nem nas entrelinhas, nem na abundância do acervo documental existente no processo, os factos que a entidade administrativa considera provados.
14· Essa é uma tarefa do decisor administrativo e se a incumprir. como foi o caso, sujeita-se à nulidade decorrente da falta matéria de facto provada por violação do art. 58º n° 1 c) do ROCO que a douta sentença recorrida aqui claramente violou.
15- Alegou O recorrente que a entidade administrativa não apurou o beneficio económico retirado pelo recorrente da infracção e que esse elemento é essencial para determinar a medida da coima, nos termos do art. 18° do RGCO. A sua ausência determina, pois, a nulidade da decisão.
16- O Tribunal reconheceu que, nos termos daquele dispositivo legal, a determinação da medida da coima faz-se em função da situação económica do agente, e que, sempre que possível, a coima não deverá exceder o beneficio económico que o agente retirou da. prática da contra-ordenação. Mais reconheceu que, nos autos, não se apurou esse benéfico económico.
17- Apesar disso, entendeu que essa omissão não acarreta qualquer nulidade.
18- Cremos que o Tribunal, ao decidir assim violou o art, 18° do RGCO, ocorrendo a omissão prevista no art. 58° n° 1 c) 2ª parte do mesmo regime (falta de fundamentação), o que determina a revogação da decisão recorrida.
19- Dando razão ao Recorrente, na interpretação que este defende no seu recurso, o Tribunal declarou que, face ao disposto no artigo 36°, n° 9 do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra de São Mamede, aplicável ex vi anexo I subalínea ii), alínea g) da Portaria n° 135612008 de 28 de Novembro e, bem assim, da subalínea v) da alínea g) da Portaria nº 1356/2008, é permitido que uma determinada área de construção de habitação, após ampliação, exceda os 250 m2, nos casos em que a área de implantação existente exceda já os 250 m2, senão, nesse caso, o limite máximo da área de implantação o equivalente a 10% da área de construção existente.
20· Todavia, entendeu que, apesar de a área existente (real) permitir ao recorrente, face àqueles normativos, a ampliação, nos termos pretendidos, para efeitos de aplicação da lei só se pode considerar a área de implantação da edificação que conste na respectiva descrição predial. E como considerou que o anexo (dependência) não consta da descrição registal, conclui não pode a sua área ser considerada para efeitos de área de implantação a ampliar.
21- Baseou-se o tribunal, para decidir como decidiu, na informação nº 7-SPP/2011, emitida pela CCDRA, onde se invoca, para. indeferir a ampliação pretendida, a inexistência do registo da dependência (vide folhas 49 e ss. dos autos).
22· Todavia, o tribunal não se deu conta que o recorrente, após ter sido notificado dessa informação nº 7-SPPI2011 da CCDRA, corrigiu a descrição constante do registo predial. que passou a contemplar. para além da área da habitação. também, a área da dependência (cfr. acta de conferencia decisório. realizada entre o ICNE, a CCDRA e a Camara Municipal de Castelo de Vide, em 16 de Maio de 2012, a folhas 75 verso dos autos).
23- A CCDRA veio a indeferir a ampliação pretendia por decisão que consta de folhas 84, de 5 de Julho de 2012, alegando que "o entendimento relativamente à possibilidade de ampliação de edificios em área de REN é, conforme a comunicação da SEOTC que anexo, de que a referida ampliação não pode exceder os 250m2, independentemente da percentagem a ampliar. Assim concordando ou não que a leitura dos termos da Portaria 1356/2008 não é totalmente clara, a aplicação dos mesmos, que é comum às CCDR, ê a que consta da comunicação mencionada”.
24- É nesta decisão da CCDRA, de 5 de Julho de 2012, que assenta a decisão em que
25 - Ora, o tribunal considerou, na douta sentença ora recorrida, que a lei permite a 25 - ampliação mesmo nos casos em que a área de construção existente exceda os 250m2· como é o caso dos autos·, sendo o limite máximo da área de ampliação o equivalente a 10% da área de construção existente.
26- Assim., há que concluir que podia o recorrente aumentar, como aumentou, a área da construção existente. devidamente registada, de 338,50m2 para 372,35m2, por estar dentro do limite máximo dos 10% (338,50m2x10%=33,85m2+338,50=372,35).
27- Seja como for, mesmo que a descrição do registo não tivesse sido corrigida, o que deve valer, para efeitos de aplicação da lei em causa, é a área real e não a área constante da descrição registal.
28- O artigo 36°, nº 9 do POPNSSM, quando refere "construções existentes", está a referir-se ao que existe, efectivamente, no terreno.
29- O que se compreende, porque os elementos da descrição, como sejam as áreas, os limites, as confrontações e a própria identificação física dos imóveis, por norma, assentam em declarações dos interessados que escapam ao controlo do conservador e nem sequer beneficam do regime das presunções registrais emergentes do art. 7° do Código do Registo Predial.
30- Seja a área atendível a registada ou a real, como, no caso, elas coincidem, feita que foi a actualização do registo, cai por terra a base de decisão da douta sentença.
31- Entendemos. por isso. que o Tribunal, ao decidir como decidiu. violou a lei, designadamente o art. 36º n° 9 do POPNSSM.
32- Devem. pois. V.Exªs revogar a douta decisão proferida. na parte em que decidiu que só "pode ser considerada a área de implantação existente quanto à habitação (num total de 190 m2), excluindo-se assim a área de implantação da dependência. uma vez que esta última edificação. com a área que lhe corresponde. não consta em sede de registo predial". declarando-se que o recorrente podia ampliar o seu prédio. como ampliou, e. em consequência. absolvê-lo da presente contra-ordenação.
Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da Justiça.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
O MP respondeu à motivação da recorrente, pugnando pelo provimento do recurso, mas sem formular conclusões.
O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
O parecer emitido foi notificado ao recorrente, que exerceu o seu direito de resposta, reiterando a posição assumida na motivação.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
Tal princípio é extensivo aos recursos interpostos de sentenças proferidas sobre impugnações judiciais de decisões administrativas condenatórias, em processos de contra-ordenação, por força do disposto no nº 1 do art. 41º do RGCO, que manda aplicar a esses procedimentos, subsidiariamente, as regras do processo criminal.
A sindicância da sentença recorrida, expressa pela arguida nas suas conclusões, desdobra-se nas seguintes vertentes essenciais:
a) Arguição da nulidade processual decorrente da preterição da audiência de julgamento;
b) Arguição da nulidade da decisão judicial recorrida;
c) Arguição da nulidade da decisão administrativa sancionatória;
d) Impugnação da tipicidade da apurada conduta do arguido.
Passaremos então a conhecer das questões suscitadas pelo recorrente pela ordem e que as enunciámos, que é a da prioridade lógica da sua apreciação.
Quanto à primeira das questões enunciadas, o recorrente afirma, em síntese, que lhe foi notificado um despacho judicial que se referia ser possível proferir decisão conscienciosa do recurso por despacho e determinava se comunicasse ao MP e ao recorrente que, se não manifestassem oposição no prazo de 10 dias, seria proferida decisão através desse formalismo simplificado.
No entender do recorrente, o facto de ele ter oferecido prova testemunhal, ao interpor recurso da decisão administrativa sancionatória, é obstáculo legal a que o recurso possa ser decidido por simples despacho e a circunstância de não ter respondido à notificação que lhe foi feita, em obediência ao referido despacho, não tem a virtualidade de legitimar tal procedimento, o qual é gerador da nulidade insanável prevista no art. 120º nº 2 al. d) do CPP.
A decisão dos recursos interpostos das decisões administrativas sancionatórias por despacho judicial é tratada no art. 64º do RGCO:
1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.
5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação.
O Acórdão desta Relação de Évora invocado nas conclusões do recorrente foi publicado em 24/10/2017, no âmbito do processo nº 1484/16.0T8BJA.E1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Proença da Costa – disponível em www.dgsi.pt, tal como os restantes, salvo indicação diversa.
No mesmo sentido, recenseámos mais uns quantos Acórdãos, proferidos pelos Tribunais, nas datas, nos processos e relatados pelos Exºs Desembargadores, a seguir identificados:
- Relação de Coimbra, 15/5/2013, processo nº 589/12.1T2ILH.C1, Dra. Maria José Nogueira;
- Relação de Coimbra, 7/10/2015, processo nº 790/14.3T9LRA.C1, Dra. Maria Pilar de Oliveira;
- Relação de Coimbra, 13/12/2017, processo nº 9485/16.2T8CBR.C1, Dra. Isabel Valongo;
- Relação do Porto, 15/4/2015, processo nº 9839/14.9T8PRT.P1, Dra. Elsa Paixão.
Os Arestos referenciados convergem em considerar legalmente inamissível a decisão por despacho, quando o recorrente tenha impugnado matéria de facto e oferecido prova, pelo menos enquanto não tenha a ela renunciado expressamente e não apenas de maneira tácita, podendo eventualmente divergir quanto ao tipo de nulidade gerada.
A decisão agora sob recurso está intitulada «sentença» e a sua estrutura obedece no essencial ao disposto no art. 374º do CPP, para actos decisórios dessa natureza (vd. fls. 127 a 135).
Não obstante, a mesma decisão deve ser considerada como tendo sido proferida de acordo com o procedimento previsto no nº 2 do art. 64º do RGCO, pois não foi antecedida de audiência de julgamento e da produção da prova testemunhal oferecida pelo arguido no instrumento de interposição do recurso da decisão administrativa.
A decisão do recurso por simples despacho, tal como se mostra regulada pelo art. 64º do RGCO, visa assegurar a realização dos valores da economia e celeridade processuais, por um lado e, na perspectiva do arguido, das suas garantias de defesa, por outro.
No caso, não cuidaremos, por desnecessário, dos valores incarnados na intervenção processual do MP.
O momento da tutela da economia e celeridade processuais ocorre quando o Juiz, verificando que os autos proporcionam todos os elementos necessários à prolação de uma decisão conscienciosa, opta por decidir através de simples despacho, evitando assim a realização de uma audiência de julgamento, com tudo o que isso implica.
Num ordenamento jurídico próprio de um Estado de Direito Democrático, em que o processo de contra-ordenação e outros processos sancionatórios deve assegurar ao arguido o direito de defesa (art. 32º nº 10 da CRP), o valor das garantias de defesa terá sempre de prevalecer, em última análise, sobre o da simplificação da tramitação processual.
Contudo, a prevalência das garantias de defesa não tem de passar, em nosso entender, pela concordância com a tese jurídica em que se apoia a pretensão do recorrente e a jurisprudência por ele convocada.
No caso presente, o arguido foi notificado da eventualidade da decisão do recurso por si interposto por mero despacho e para vir aos autos, no prazo de 10 dias, dizer se se opunha à decisão por esse formalismo, entendendo-se que nada tinha a opor, caso nada dissesse.
Com o descrito procedimento, foi conferido ao arguido o ensejo de se opor, com as consequências inerentes, à decisão do recurso por despacho, que foi por ele desaproveitado.
No procedimento seguido pelo Tribunal «a quo», a «última palavra» sobre a decisão por despacho ou a efectivação da audiência de julgamento coube sempre ao arguido.
Por isso, se o arguido não manifestou oposição à decisão por despacho, quando notificado para o efeito, fê-lo por sua própria opção.
De resto, a oposição a que se refere o nº 2 do art. 64ºdo RGCO é um acto completamente livre da parte do arguido e não carece sequer de ser fundamentada ou justificada.
Nestas condições, o silêncio mantido pelo arguido, na sequência da notificação a que nos vimos referindo, é apto a legitimar a decisão do recurso por mero despacho, com a inevitável preterição da audiência de julgamento e da produção da prova testemunhal por ele oferecida.
Em nosso entender, tal conclusão não ofende as garantias de defesa do arguido, pois este teve sempre na sua disponibilidade o instrumento processual adequado a «forçar» o Tribunal à realização da audiência, mas não o usou.
Consequentemente, a prolação de decisão sobre o mérito do recurso, independentemente de audiência de julgamento e produção de prova pessoal, não é geradora de nulidade processual, improcedendo a arguição feita nesse sentido pelo recorrente.
Passaremos a conhecer da arguição da nulidade da decisão judicial recorrida.
Em matéria de nulidades de sentença, rege o art. 379º do CPP:
1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
Segundo o recorrente, a decisão em crise enferma da nulidade cominada pela al. c) do nº 1 do normativo transcrito, na vertente da omissão de pronúncia, por se ter abstido de conhecer das seguintes questões, por si suscitadas no recurso de impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória:
- Arguição da inconstitucionalidade da decisão administrativa, por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 20º da CRP;
- Enquadramento jurídico dos factos numa contra-ordenação ambiental leve e não a muito grave, por cuja prática foi acoimado.
Antes de mais, verifica-se um manifesto lapso na indicação das normas constitucionais que o arguido entende terem sido transgredidas, pois a sede normativa do princípio da igualdade é o art. 13º da CRP e o art. 20º da Lei Fundamental dispõe sobre o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
No instrumento de interposição do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa (fls. 3 a 18), o arguido efectivamente alegou que esta perfilhou uma interpretação do art. 36º nº 9 do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra de São Mamede (POPNSSM que é incompatível com o princípio da igualdade.
No entender do recorrente, a orientação interpretativa adoptada pelo Tribunal «a quo» vai no sentido de a norma interpretanda não permitir a ampliação de construções existentes em solos de tipo 1, sempre que a área de implantação, depois da obra, seja superior a 250 m2, quando é certo que admite tais ampliações, além deste limite, desde que não impliquem um aumento superior a 10% da área de implantação anterior.
Nestas condições, estariam privados do direito de efectuar obras de ampliação tantos os proprietários das edificações cuja área de implantação seja inferior a 250 m2, como os daquelas que excedam esse limite.
De seguida, reproduzimos a fundamentação jurídica da decisão recorrida (transcrição com diferente tipo de letra):
III - Fundamentação de Direito
Segundo o disposto no artigo 20.º, n.º 1, do DL n.º 166/2008, de 22 de Agosto, que aprovou o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (doravante REN) "nas áreas incluídas na REN são interditos os usos e as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em:
(. .. )
c) Obras de urbanização, construção e ampliação;
d) Escavações e aterros",
Contudo, dispõe o n.º 2 desse mesmo normativo que "exceptuam-se do disposto no número anterior os usos e as acções que sejam compatíveis com os objectos de protecção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais integradas em REN".
Por seu turno, determina o n.º 3 do aludido artigo 20º que "consideram-se compatíveis com os objectivos mencionados no número anterior os usos e acções que, cumulativamente:
a) Não coloquem em causa as funções das respectivas áreas, nos termos do anexo I; e
b) Constem do anexo II do presente decreto-lei. que dele faz parte integrante, nos termos do artigo seguinte, como:
i) Isentos de qualquer tipo de procedimento; ou
ii) Sujeitos à realização de uma mera comunicação prévia",
Com efeito, o legislador permitiu que, desde que observados determinados requisitos, fosse possível proceder a obras de construção e ampliação de edificações existentes em zonas REN, sempre que tal não ponha em causa o desiderato com que foi criado o regime jurídico da reserva ecológica nacional, ou seja, a protecção dos recursos naturais e a salvaguarda dos processos biofísicos necessários à boa gestão do território e à conservação da natureza e da biodiversidade.
Desta feita, o anexo II do DL n.º 166/2008, de 22 de Agosto estabelece o quadro de usos compatíveis com os objectivos de protecção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas na REN, cujas condições e requisitos de admissão, no momento em que o Recorrente formulou o pedido de licenciamento das obras atinentes à ampliação da habitação, eram definidos pela Portaria n.º 1356/2008, de 28 de Novembro [actualmente, tais condições e requisitos encontram-se definidos pela Portaria n,º 419/2012, de 20 de Dezembro].
Ora, nos termos do anexo I da Portaria nº 1356/2008, de 28 de Novembro, ponto I (obras de construção, alteração e ampliação), com interesse para o caso que nos ocupa, dispõe a al. g) que a ampliação de edificações existentes destinadas a usos de habitação e outras não abrangidas pelas alíneas e) e f], nomeadamente afectas a outros empreendimentos turísticos, equipamentos de utilização colectiva, etc. - a pretensão pode ser autorizada desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
“i) A edificação existente esteja licenciada, nos termos legalmente exigidos;
ii) A possibilidade de ampliação esteja prevista e regulada em plano municipal de ordenamento do território;
iii) Seja justificada, pelo requerente, por razões de necessidade decorrentes do uso existente;
iv) A área a ampliar não exceda 20. % da área da implantação existente;
v) No caso de edificações destinadas à habitação, quando da aplicação do requisito anterior não resulte uma área total de implantação (soma das áreas de implantação existente e a ampliar) superior a 250 m2, pode ser autorizada uma ampliação até 250 m2 da área total de implantação;
vi] Na margem das águas de transição não se podem localizar construções;
vii] Na faixa de protecção das águas de transição, na faixa de protecção das lagoas e lagos (contíguo à margem) e na faixo de protecção das albufeiras (contígua à margem), nos casos em que exista plano especial de ordenamento do território eficaz a pretensão só pode ser autorizada se prevista e regulamentada nesse plano;
viii] A autorização da pretensão de ampliação determina a interdição de nova ampliação determina a interdição de nova ampliação nos 10 anos subsequentes ",
Por último, determina o artigo 36.º, n.º 9, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de São Mamede, onde se insere a propriedade do Recorrente, que "nas áreas de protecção complementar dos tipos I e II são permitidas obras de ampliação das construções existentes para fins de habitação até um máximo de 10. % da área de construção ou até atingir o máximo de 250 m2 de área de construção."
Impõe-se o regresso ao caso dos autos.
Analisando os elementos documentais que constam dos autos, mais especificamente, a informação n.º 7-SPP/011 da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, constata-se que o Recorrente solicitou a autorização daquela entidade administrativa para a ampliação de edifício existente, o qual agrega uma habitação e uma dependência, localizados no sítio de ……….., freguesia de ….., concelho de ……, o qual integra solos da REN. Sucede que, para efeitos de cálculo da área de implantação existente, e conforme referido por aquela entidade administrativa, apenas se considerou a área de construção da habitação, ou seja, 190 m2 (edifício de dois pisos destinado a habitação com a superfície coberta, cada piso com 95 m2 de área, o que dá um total de 190 m2, correspondente à multiplicação de 95m2 X 2).
Assim sendo, considerou aquela entidade administrativa que não se encontrava reunido o requisito previsto no artigo 36.º, n.º 9, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra de São Mamede, aplicável ex vi, anexo I, ponto ii), alínea g) da Portaria n.º 1356/2008, de 28 de Novembro, porquanto sendo a área de implantação existente inferior a 250 m2, a área de ampliação admissível seria até esse mesmo valor, o que in casu não se verificou considerando que o Recorrente pretendia efectuar uma área de construção (correspondente à soma da área de implantação existente e da área a ampliar) de 372,35 m2, a qual excede, de forma inequívoca, os 250 m2 legalmente admissíveis.
Com efeito, embora o Recorrente faça uma interpretação correcta dos preceitos contidos no artigo 36.º, n.º 9, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra de São Mamede, aplicável ex vi anexo I, subalínea ii), alínea g) da Portaria n.º 1356/2008, de 28 de Novembro e, bem assim, da subalínea v), da alínea g) da Portaria n.º 1356/2008, [quando refere que em face de tais normativos é permitido que uma determinada área de construção de habitação, após ampliação, exceda os 250 m2, nos casos em que a área de implantação existente exceda já os 250 m2, o limite máximo da área de ampliação é o equivalente a 10 % da área de construção existente] labora em erro quando afirma, que no caso dos autos, a área de implantação pré-existente é de 338,50 m2.
De facto, a área de implantação existente correspondente a 338,50 m2 corresponde à soma da área total da habitação e da área da dependência, sendo certo que, para os efeitos da requerida ampliação, tal como referido em sede de decisão administrativa, a qual se estribou, no parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e, bem assim, na informação n,º …… apenas pode ser considerada a área da implantação existente quanto à habitação (num total de 190 m2), excluindo-se assim a área de implantação da dependência, uma vez que esta última edificação, com a área que lhe corresponde, não consta em sede de registo predial, elemento que se revela essencial para aferir do seu licenciamento, não se observando, para além do requisito supra enunciado, o requisito constante do anexo i), alínea g), subalínea i) da Portaria n.º 1356/2008, de 28 de Novembro.
Tal como referido na informação n.º 7/SPP/2011, no parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e na decisão administrativa impugnada, "a pretensão, integrando-se na alínea g) do Título I, do Anexo II do DL n.º 166/2008, de 22/08, , não cumpre todos os requisitos aplicáveis constantes do Anexo / da Portaria n.º 1356/2008, de 28/11, concretamente os constantes das sub-alineas i) e v) visto que nem todas as edificações, com as áreas que lhes correspondem, constam do registo (forma de aferir do seu licenciamento), a área de implantação de edificações ultrapassa o valor de 250 m2 ( ...)”.
Assim sendo, face ao acervo dos factos dados como provados nos pontos 1., 2. e 3., dúvidas não subsistem ao Tribunal que a execução de obras de ampliação de habitação e a construção de uma piscina, em terreno do qual o arguido é proprietário e que se situa em solos da REN, se subsumem ao conceito normativo de acções interditas, tal como densificado nas alíneas b) e d), do n.º 1, do artigo 20,º, n.º 1, do DL nº 166/2008, de 22 de Agosto, pois, no que concerne às obras de ampliação da habitação aí existente, as mesmas não preenchem os requisitos exigidos pelas sub-alíneas i) e v), alínea g) do anexo I da Portaria n.º 1356/2008, de 22 de Agosto e, bem assim, o requisito exigido pelo artigo 36.º, n.º 9, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra de S. Mamede ex vi sub-alínea ii), alínea g) do anexo I da Portaria nº 1356/2008, de 22 de Agosto, para os efeitos previstos nos n.º 2 e 3 do artigo 20º, do DL n.º 166/2008, de 22 de Agosto, e quanto à construção da piscina a mesma não consta do anexo II do Decreto-Lei n,º 166/2008, de 22 de Agosto e, nessa medida, a mesma nunca poderia integrar uma acção compatível com os objectivos da protecção ecológica e ambiental, nos termos previstos pelo artigo 20.º, n.ºs 2 e 3 do DL n.º 166/2008, de 22 de Agosto.
Deste modo, o Recorrente ao executar as obras de ampliação de habitação e ao construir uma piscina, em solos da REN, não dispondo de qualquer autorização ou licença, violou a proibição e preencheu os elementos objectivos da infracção em causa.
Por outro lado, uma vez que a conduta do Recorrente se pautou pela omissão de um dever objectivo de cuidado, não evitando a verificação dos factos descritos, agindo livremente e sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, o mesmo actuou com negligência.
Assim, levando em conta que o artigo 30.º, n.º 3, do DL n.º 166/2008, de 22 de Agosto determina que a realização de usos ou acções interditas nos termos do artigo 20.º constitui contra-ordenação ambiental muito grave e que de acordo com o artigo 22.º, n.º 4, alínea a) da Lei-quadro das Contra-Ordenações Ambientais, a negligência é sempre punível, encontra-se igualmente preenchido o elemento subjectivo da infracção.
Pelo exposto, dúvidas não restam que o Recorrente praticou a contra-ordenação de que vem acusado.
*
Em face do supra decidido, torna-se inútil o conhecimento sobre o juízo de inconstitucionalidade invocado pelo Recorrente.
Como pode verificar-se, o Tribunal «a quo», no trecho ora reproduzido, rejeitou a interpretação do art. 36º nº 9 do Regulamento do POPNSSM censurada pelo recorrente e que seria, no entender deste, violadora do princípio constitucional da igualdade, mas não extraiu a consequência por ele pretendida, mormente, a sua absolvição.
Neste contexto, ficou naturalmente prejudicada a questão inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, nos precisos termos em que ele a configurou, pelo que o Tribunal deixou de estar vinculado a apreciá-la, conforme se constatou na fundamentação da decisão recorrida.
Assim, quanto à questão de inconstitucionalidade, a decisão sob censura não enferma de omissão de pronúncia.
No que se refere ao eventual enquadramento dos factos numa contra contra-ordenação ambiental leve, deve entender-se que tal eventualidade se encontra implicitamente afastada pelo enquadramento jurídico operado pelo Tribunal «a quo», tão pouco havendo aqui uma omissão de pronúncia a censurar.
Como tal, terá de improceder, por inteiro, a arguição da nulidade da sentença sob recurso.
Seguidamente, conheceremos da invocação da nulidade da decisão administrativa sancionatória.
Os requisitos da decisão administrativa condenatória são prescritos pelo nº 1 do art. 58º do RGCO:
A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
Segundo o recorrente, a decisão administrativa sancionatória enferma de nulidade, em síntese, porque a matéria factual nela dada como provada seria omissa sobre os factos integradores da negligência do arguido, as construções que foram objecto da conduta por que este responde e o proveito que este tirou da prática da infracção.
A questão da nulidade da decisão administrativa foi suscitada, com idênticos fundamentos, pelo arguido no âmbito do recurso de impugnação judicial e foi apreciada pelo Tribunal «a quo», na sentença recorrida, nos termos seguintes (transcrição com diferente tipo de letra):
Da nulidade de fundamentação da decisão administrativa
Invoca o Recorrente que a decisão administrativa padece de nulidade porquanto: [iJ não são indicados factos na matéria de facto dada como provada que permitam imputar a prática da infracção ao Recorrente a título negligente, isto é, o acervo dos factos provados é omisso no que concerne ao elemento subjectivo; [ii] não resulta dos factos dados como provados quais as construções objecto de tal decisão, não se tendo discriminado a área de ampliação da construção da habitação e da piscina construída, o que é insuficiente, em seu entender, para determinar a prática da infracção e, bem assim, qual o objecto da sanção acessória a que foi condenado; [iii] por último, que não foi apurado e, consequentemente, ponderado o beneficio económico retirado pelo Recorrente com a prática da contra-ordenação de que vem acusado, sendo tal elemento essencial para a determinação da medida da coima.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 58.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que "a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias;"
Mais estabelece o artigo 62.º, n.º 1, do mesmo diploma que, recebido o recurso e no prazo de 5 (cinco) dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.
Ora, salvo o devido respeito, não só se verifica que da decisão administrativa constam todos os elementos previstos no artigo 58.º, n.º 1, como também é necessário ter em conta que, interposto recurso, tal decisão passa a valer como acusação, sendo que no presente caso a decisão igualmente contém todos os elementos para que possa valer como acusação ¬ainda que no caso das decisões administrativas e conforme salientado de forma maioritária pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores "1. As exigências de fundamentação da Decisão da Autoridade Administrativa, no tocante às contra-ordenações, hão-de ser menos profundas que as relativas aos processos criminais. De facto, não se podem transformar as decisões das Autoridades Administrativas em verdadeiras Sentenças Criminais. 2. Em razão da génese e teleologia do procedimento contra-ordenacional a fundamentação, tal como está estabelecida no artigo 58.º do referido diploma, será suficiente desde que justifique as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas [art. 58.º, n.º 1, alíneas b) e c)] - , é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo a que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnou tais fundamentos" - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17-02-2012, proferido no âmbito o processo n.º 1027/12.5TBBJA.E1, relatado por Proença da Costa, acessível ín www.dgsi.pt.
Com efeito, a decisão administrativa ora em análise indica, ainda que não o faça no elenco dos factos dados como provados - reconhecendo-se, todavia, que essa era a sede própria para o fazer -, que a infracção foi praticada a título de negligência (vide A1. B) atinente à Culpa do Agente), bem como indica quais os normativos violados. De facto, consta da aludida decisão que " no caso, atendendo aos elementos constantes do processo, era-lhe exigível que, ainda que não fosse o próprio, em pessoa, a acompanhar os procedimentos administrativos conducentes à obtenção das necessárias autorizações ou licenças para executar as obras que pretendia levar a cabo na sua propriedade, se assegurasse, à final, previamente à execução das obras por si pretendidas, que a efectiva realização das mesmas não se encontrava interdita, que tais obras se encontravam devidamente autorizadas/licenciadas e que seriam efectivamente executadas de acordo com essas autorizações/licenças."
Ora, a circunstância do elemento subjectivo não constar do acervo dos factos dados como provados, mas, ainda assim, tal elemento não ser totalmente omissivo na decisão administrativa, por se encontrar referido em sede de fundamentação de direito, não acarreta, a nossa ver, a nulidade da decisão administrativa, precisamente pela menor "exigibilidade" de fundamentação que haverá que ser assacada às decisões administrativas.
De facto, com cabal interesse para o caso dos autos, veja-se o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22-03-2017, proferido no âmbito do processo n.º 4948/16.2T8LSB.L1-4, relatado por José Feteíra, disponível in www.dgsi.pt, no sentido em que "Acresce dever ter-se presente que, à semelhança do que se estabelece no nº 1 do art. 62º do mencionado regime geral das contraordenações, se estipula no art: 37º da Lei nº 107/2009 de 14¬09, diploma que prevê o regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, que a remessa pelo Ministério Público dos autos de contraordenação a juízo vale como acusação e daí que qualquer omissão que porventura possa ocorrer no auto de notícia ou mesmo na decisão administrativa se torne irrelevante se os elementos visados constarem dos autos. Tudo isto leva a que se deva concluir não se justificar que sejam aplicáveis em processo contraordenacional todos os princípios que orientam o direito processual penal. Ora, se, como se referiu, é certo que em sede de direito criminal qualquer condenação tem de se fundamentar num prévio juízo de censura ético-penal, o qual deriva de conduta culposa do agente seja a título de dolo ou de negligência - esta última só nos casos expressamente previstos na lei - no ilícito contraordenacional e fora os casos de dolo, a culpa funda-se na violação de procedimento que uma determinada norma imponha ao agente, ou seja e dito de outro modo, a imputação subjetiva a título de negligência materializa-se na factualidade imputada ao agente, a quem incumbia observar um certo procedimento imposto por uma determinada norma, (. . .). Posto isto e revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, contrariamente ao que foi decidido pela 1 ª instância, a factualidade imputada à Arguida (. . .) em sede de auto de notícia e que foi dada como assente na decisão administrativa - factualidade que foi posteriormente dada como provada na decisão agora recorrida e que anteriormente transcrevemos -, se mostra com suficiente consistência para que àquela possa ser imputada) a titulo de negligência, a contraordenação de que vem acusada, não enfermando tais peças processuais da nulidade e declarada na decisão recorrida."
Alega ainda o Recorrente que não foram indicados na matéria dos factos dados como provados quais as construções objecto da decisão administrativa, não constando ainda nessa mesma sede quais as áreas de ampliação da construção da habitação e da piscina construída.
De facto, não assiste qualquer razão ao Recorrente, porquanto após a análise dos factos dados como provados, constata-se que, contrariamente ao que é por si defendido, consta do ponto 1. qual o objecto da infracção que lhe é imputada, mais concretamente "verificou-se que o arguido procedeu à execução de obras de ampliação/alteração de habitação e construção de piscina em solos da REN, no Sítio da …………, freguesia de …………, concelho de…. ( .... )".
Por outro lado, verifica-se que a área da ampliação da habitação, pese embora não conste do acervo dos factos dados como provados, é indicada na prova documental que instruiu o presente processo contra-ordenacional (e que ademais, não foi objecto de impugnação por parte do Recorrente, quanto aos factos que atesta, nomeadamente o Parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo datado de 17.10.2010), sendo aliás a área de ampliação (372,35 m2) referida pelo Parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo datado de 17.10.2010 (mais concretamente, 372,35 m2) totalmente coincidente com a área de ampliação indicada pelo Recorrente em sede de impugnação judicial.
Ademais, em nossa opinião, quanto à área da piscina construída pelo Recorrente tal facto é inócuo para a boa decisão da causa, considerando os normativos contidos nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 20.º do DL n.º 166/2008, de 22 de Agosto, atinente ao Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional e, em especial, a circunstância da construção de uma piscina não integrar o anexo II deste decreto-lei (contrariamente às obras de ampliação de uma habitação).
Para além disso, crê-se que, face ao teor a recurso interposto pelo Recorrente, a alegação de que as invocadas deficiências da decisão administrativa prejudicaram o seu direito de defesa de nada convence, atendendo a que o mesmo apresentou um requerimento de 16 páginas, nos quais rebate ponto por ponto todo o conteúdo da decisão administrativa, demonstrando ter compreendido cabalmente todos os seus fundamentos.
Por último, cumpre referir que, ao contrário do afirmado pelo Recorrente a menção feita na decisão administrativa de aplicação da coima de que não foi possível apurar o benefício económico retirado pelo agente com a prática da contra-ordenação não restringe de modo algum o direito de defesa do Recorrente e, consequentemente, não constitui qualquer vício de fundamentação e, muito menos, constitui nulidade insuprível que implique a anulação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.
De facto, julga-se que atento o teor do artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o benefício económico apenas haverá que ser ponderado aquando da aplicação da coima, quando efectivamente o agente o tenha retirado com a prática de contra-ordenação, sob pena de, não ser aplicada qualquer coima naquelas situações em que o agente, embora tenha praticado uma contra-ordenação não tenha retirado qualquer benefício económico com tal prática.
Face às razões aduzidas, julga-se não verificada a nulidade arguida.
Abreviando razões, diremos desde já que concordamos com o ajuizamento feito pelo Tribunal «a quo» da invocação pelo arguido da nulidade da decisão administrativa que o sancionou e não vislumbramos para que devesse ter decidido de outra maneira.
Aliás, o próprio recorrente não adianta argumentos em apoio da sua tese, que não tivesse já mobilizado no recurso de impugnação judicial.
Embora a questão não tenha grande alcance prático, pois a sentença recorrida não invalidou a decisão administrativa, importa recordar que deve considerar-se extensivo ao processo de contra-ordenação o princípio da tipicidade previsto no art. 118º do CPP, segundo o qual a inobservância das normas da lei de processo só é geradora de nulidade nos casos expressamente previsto, sendo o acto ilegal, o mais das vezes, meramente irregular.
Consequentemente, na falta de disposição em contrário, os requisitos da decisão administrativa fixados pelo nº 1 do art. 58º do RGCO relevam da mera irregularidade, sujeita ao respectivo regime de cognição, conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de 18/4/2017, proferido no processo nº 116/16.1T8GDL.E1 e subscrito por este Colectivo de Juízes.
Assim, não poderá reconhecer-se razão ao recorrente, também quanto à nulidade da decisão administrativa.
O recorrente sustenta que a conduta apurada nos autos não é punível como contra-ordenação ambiental, peticionando a sua correspondente absolvição da mesma.
Na fundamentação jurídica da sentença sob recurso, que acima deixámos reproduzida, o Tribunal «a quo», para o efeito de ajuizar da responsabilidade contra-ordenacional do arguido, considerou factos que não constam da matéria provada ou não provada, concretamente:
- A habitação referida em 1 compõe-se de dois pisos, cada um com a área de 95m2, o que perfaz a área total de 190 m2;
- A mesma habitação comporta uma dependência;
- A dependência não consta em sede de Registo Predial;
- A soma da área da habitação com a da dependência totaliza 338,50 m2;
- O arguido pretendia levar a efeito obras de ampliação, que, somadas à área de implantação já existente, perfaziam uma área total de implantação de 372,35 m2.
Tais factos são inequivocamente relevantes para o preenchimento dos pressupostos legais da punibilidade da apurada conduta do arguido, enquanto contra-ordenação, tal como foi configurada na decisão sancionatória administrativa, mormente, por força do disposto no nº 9 do art. 36º do Regulamento do POPNSSM.
Nesta perspectiva, a sentença sob recurso poderá enfermar de insuficiência da matéria de facto provada para decisão, a que se refere o art. 412º nº 2 al. a) do CPP.
O nº 2 do art. 410º do CPP, que, na parte que agora pode interessar-nos, dispõe:
Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) ...;
c) ….
Segundo o Acórdão do STJ de 13/5/98 (CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, pág. 199), a locução «decisão» inserida no texto da al. a) do nº do art. 410º do CPP, deve ser entendida como a decisão justa que ao caso deveria caber e não como a decisão concretamente proferida e objecto do recurso, sendo, portanto, com referência à primeira e não à segunda que deverá ajuizar-se da suficiência da matéria de facto provada.
Assim, e sintetizando, poderemos dizer que o invocado vício de decisão verifica-se sempre o Tribunal deixe de emitir juízo probatório sobre um facto relevante para a justa decisão da causa.
A falta de averiguação, pelo Tribunal «a quo», dos factos considerados em sede de fundamentação jurídica, que não foram incluídos na matéria provadaou não provada configura, no sentido evocado, uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
O Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 (DR, I-A Série de 28/12/95) veio fixar jurisprudência no sentido de os vícios tipificados no transcrito normativo legal serem do conhecimento oficioso do Tribunal «ad quem», mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito.
Nada obsta, pois, a que o Tribunal possa conhecer desse vício, ainda que não tenha sido arguido pelo recorrente.
O vício detectado impede este Tribunal de conhecer do mérito do recurso em presença.
O nº 1 do art. 426º do CPP estatui:
Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
Chegados a este ponto, interessará saber se doutrina consagrada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 é aplicável aos processos de contra-ordenação.
O identificado Aresto, proferido em 20/11/14 e publicado em DR, I série, de 27/1/15, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.
Sobre tal questão pronunciou-se já este Colectivo de Juízes, em sentido negativo, no Acórdão da Relação de Évora de 7/2/2017, proferido no Processo nº 351/13.4EASTR.E1, para cuja fundamentação nos permitimos remeter e que iremos seguir de perto.
A fixação de jurisprudência decidida pelo Acórdão nº 1/2015 foi pensada em função da estrutura do processo criminal «strictu sensu» e dos princípios que o conformam e não do processo contra-ordenacional.
A tese jurisprudencial consagrada no referido Aresto assentou, muito em síntese, no entendimento de que o suprimento, com recurso ao mecanismo processual do art. 358º do CPP, dos factos dos elementos constitutivos subjectivos do tipo de crime, que não constassem da acusação, é incompatível com o princípio do acusatório.
Na fase judicial do processo de contra-ordenação, é a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, que desempenha o papel funcional de uma acusação, a partir do momento em que o MP remeta os autos ao Tribunal, nos termos previstos no nº 1 do art. 62º do RGCO.
O processo criminal reveste estrutura acusatória por imposição constitucional directa do nº 5 do art. 32º da CRP.
Tal imposição não existe para o processo de contra-ordenação, relativamente ao qual o nº 10 do mesmo artigo da Lei Fundamental, como já se aflorou, somente exige que ao arguido sejam assegurados «os direitos de audiência e defesa».
Admitimos sem dificuldade que a garantia do direito de defesa do arguido em processo de contra-ordenação implica necessariamente um «mínimo de acusatoriedade», que não se confunde com a acusatoriedade plena, que vigora no processo criminal.
Assim sendo, entendemos que esse «mínimo de acusatoriedade» não é incompatível com o suprimento de elementos constitutivos da tipicidade da infracção, objectivos ou subjectivos, por meio do procedimento previsto no nº 1 do art. 358º do CPP, desde que o formalismo prescrito por esta norma seja devidamente observado.
Não sendo de aplicar ao caso a jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 1/2015, nada obsta a que os autos sejam objecto do reenvio previsto no nº 3 do art. 426º do CPP, com vista à averiguação dos factos que acima enumerámos e que foram objecto de consideração na fundamentação jurídica.
O reenvio a determinar afectará a totalidade do objecto processual, mas terá um alcance estritamente limitado a apurar a factualidade em falta.
Nesta conformidade, importa que a primeira instância leve a cabo, em sede de reenvio, à seguinte actividade judicativa:
1 – Determinar a produção das provas que considerar necessárias e adequadas com vista a apurar a seguinte factualidade:
- A habitação referida em 1 compõe-se de dois pisos, cada um com a área de 95m2, o que perfaz a área total de 190 m2;
- A mesma habitação comporta uma dependência;
- A dependência não consta em sede de Registo Predial;
- A soma da área da habitação com a da dependência totaliza 338,50 m2;
- O arguido pretendia levar a efeito obras de ampliação, que, somadas à área de implantação já existente, perfaziam uma área total de implantação de 372,35 m2.
2 – Caso venham a provar-se, em resultado das diligências a realizar, factos que constituam alteração não substancial dos que foram dados como provados pela decisão administrativa, proceder ao cumprimento do disposto no nº 1 do art. 358º do CPP.
3 – Proferir nova decisão com consideração conjunta dos factos dados como assentes pela sentença recorrida e aqueles que venham a resultar provados em sede de reenvio.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
a) Negar provimento ao recurso, na parte relativa à arguição de nulidades do processado (falta de audiência de julgamento), da sentença recorrida e da decisão administrativa sancionatória;
b) Declarar verificado na sentença recorrida o vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada e determinar o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às finalidades enumeradas supra.
Sem custas.
Notifique.
Évora 26/5/20 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)