RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
Sumário

Sempre que, no processo, se possa ainda voltar ao momento em que se proferiu a decisão recorrida (e depois revogada no recurso), este nunca é inútil – naturalmente, com custos em tempo gasto/perdido e repetições de processado (incluindo o próprio julgamento entretanto realizado, e a sentença depois proferida), mas ainda e sempre de manifesta utilidade, pois o processo levará ainda o rumo que a decisão do recurso lhe tiver imprimido.

Texto Integral

RECLAMAÇÃO Nº 267/17.5GBPSR-R.E1 (JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DE PORTALEGRE)


Uma vez notificados do douto despacho que foi proferido em 12 de Maio de 2020, no Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre (Juiz 1), ora a fls. 398 dos autos – que, embora lhes tenha admitido o recurso que haviam interposto da douta decisão proferida em 06 de Maio de 2020 (a fls. 377 a 379), que julgou improcedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal para proceder ao respectivo julgamento, nestes autos de processo comum (com intervenção do tribunal colectivo), aí instaurados contra si, embora lhes tenha admitido tal recurso, dizíamos, lhe fixou o efeito devolutivo, “mas com subida nos próprios autos, com o recurso da decisão que puser termo à causa”, assim se insurgindo contra ele “na parte em que determina que aquele recurso, quando à subida, não é imediata, ou seja, é diferida” –, vêm os arguidos (…), (…), (…), (…), (…) e (…), todos em prisão preventiva à ordem destes autos, “quanto ao momento da subida do recurso”, “apresentar Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora” de tal douto despacho, “nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”, por entenderem que, ao contrário do que aí vem decidido, o recurso não deverá ser retido, antes devendo subir imediatamente, em separado, porquanto, atentas as suas circunstâncias, “entendem os arguidos reclamantes que, ao ser fixada a subida a final, o recurso deixa de ter qualquer utilidade” – e “inutilidade absoluta, aliás, pois a decisão, ainda que favorável, já nada lhes aproveita, uma vez que a sua não apreciação imediata torna irreversíveis os efeitos da decisão impugnada”. Pois que “a prosseguirem os autos, sem o prévio conhecimento do presente recurso, este torna-se de nulo efeito, uma vez que, entretanto, o julgamento seria efectuado por um tribunal incompetente e não seria repetido pelo tribunal competente, por estar em causa uma incompetência em razão do território, o que o recurso não pretende”, aduzem. São, pois termos em que, concluem, se deverá vir ainda a deferir a presente reclamação, para que o recurso suba imediatamente e em separado ao Tribunal Superior.
Não foi apresentada qualquer resposta à Reclamação.

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Atendem-se aos seguintes factos e datas:

1) No dia 06 de Maio de 2020, no decurso da 1.ª sessão da audiência de julgamento, foi proferido douto despacho no Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre, nestes autos de processo comum (com intervenção do tribunal colectivo), no qual veio a julgar-se improcedente a excepção de incompetência territorial desse Tribunal para proceder ao respectivo julgamento – autos que ali correm termos, entre outros, contra os arguidos (…), (…), (…), (…), (…) e (…), todos presos preventivamente à ordem desse processo (vide o teor completo daquela decisão na acta da audiência de julgamento, a fls. 377 a 379 dos autos, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
2) Por discordarem desse douto despacho, entendendo que o tribunal em causa é territorialmente incompetente para o julgamento, sendo competente o de Santarém, vieram tais arguidos dele interpor recurso e juntar as correspondentes alegações em 10 de Maio de 2020, conforme ao seu douto articulado, ora a fls. 385 verso a 392 verso, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra, com a respectiva data de entrada aposta a fls. 385 dos autos.
3) Mas a 12 de Maio de 2020, pese embora tenha o recurso sido admitido pelo douto despacho objecto da presente Reclamação, foi-o para subir “nos autos, com o recurso da decisão que puser termo à causa”, e efeito devolutivo “(artigos 399.º, 400.º, a contrario, 401.º, nº 1, alínea b), 406.º, nº 1, 407.º, nº 3, 408.º, a contrario e 411.º, nº 1, alínea b), todos do C.P.P.)”, conforme fls. 398 dos autos, e cujo teor aqui também se dá por integralmente reproduzido.
4) E em 17 de Maio de 2020 apresentaram esses identificados arguidos Reclamação desse douto despacho, conforme ao seu douto articulado, a fls. 3 a 9, aqui dado por reproduzido na íntegra, com a respectiva data de entrada aposta a fls. 2 dos autos.
5) Em 27 de Dezembro de 2019 havia o Ministério Público deduzido acusação pública, entre outros, contra tais arguidos, pela prática “de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, agravado pelo artigo 24.º, alíneas b), i) e j), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este diploma”, conforme ao seu douto despacho acusatório de fls. 178 a 211 verso dos autos, também aqui dado por reproduzido integralmente.

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Tudo está, pois, em saber se o recurso devia ter sido admitido para subir de imediato – como pretendem, ainda, os Arguidos/Reclamantes nesta sede de Reclamação – ou se foi bem decidida a sua admissão para subir diferidamente “com o recurso da decisão que puser termo à causa” – como se fixou no douto despacho agora reclamado.

Mas a Mm.ª Juíza da 1ª instância tem razão quando entende que o recurso interposto daquela douta decisão que indeferira aos arguidos a excepção de incompetência territorial do Tribunal para proceder ao julgamento da causa, não podia subir imediatamente – à luz dos normativos legais aplicáveis e que estão a constar do próprio despacho reclamado.

Aí se decidiu, com efeito, a fls. 398 dos autos:

Por estar em tempo, assistir legitimidade aos recorrentes e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto do despacho proferido na primeira sessão da audiência de julgamento, que julgou improcedente, por não provada, a excepção de incompetência deste tribunal para a realização do julgamento (requerimento com referência 1608613, de 10 de Maio), o qual tem efeito devolutivo e sobe nos autos, com o recurso da decisão que puser termo à causa (artigos 399.º, 400.º, a contrario, 401.º, n.º 1, alínea b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 3, 408.º, a contrario e 411.º, nº 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal)”.
[Nem que, de resto, os Reclamantes, não achem que não seja assim; tão-somente que se lhes afigura que seria mais útil (ou que doutra maneira perderia utilidade) que lhe fosse dada a prioridade/importância de recursos que sobem de imediato; naturalmente, também cremos que seria ideal que todos os recursos subissem sempre de imediato e com efeito suspensivo, para ficarem, à partida, definitivamente clarificadas as questões que fossem surgindo, antes de passar à fase seguinte, evitando-se retrocessos e repetições na tramitação dos processos.]

Como quer que seja, o regime legal não é esse, antes aquele que o douto despacho reclamado deixou exarado, de acordo com (algumas) das disposições legais aí também aduzidas. Pois não sendo aqui aplicável a qualquer dos casos previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, para o recurso subir de imediato só se pode, então, convocar – como hic et nunc convocam os Reclamantes – o regime estabelecido no seu n.º 1: “Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
Porém, não se pode aqui tratar de uma qualquer inutilidade, antes que de uma inutilidade absoluta: “cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”, se afirma no preceito (nosso sublinhado).

Ora, tal só poderá significar que sempre que, no processo, se possa ainda voltar ao momento em que se proferiu a decisão recorrida (e depois revogada no recurso), este nunca é inútil – naturalmente, com custos em tempo gasto/perdido e repetições de processado (incluindo o próprio julgamento entretanto realizado, e a sentença depois proferida), mas ainda e sempre de manifesta utilidade, pois o processo levará ainda o rumo que a decisão do recurso lhe tiver imprimido.

É essa a posição dominante na jurisprudência (vide, verbi gratia, a douta decisão desta Presidência de 27 de Fevereiro de 2006, no processo 554/06-1, in Base de Dados do ITIJ: “O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cuja decisão, ainda que favorável ao recorrente, já não lhe pode aproveitar, por não poder produzir quaisquer efeitos dentro do processo, e não aquele cujo provimento implique a anulação de quaisquer actos, incluindo o do julgamento, por esse ser um risco próprio dos recursos com subida diferida”; e a douta decisão singular desta Relação de 09 de Outubro de 2012, no processo n.º 410/11.8GHSTC.E1, nessa mesma Base de Dados: “Não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação do processado, inclusive o próprio julgamento, ou seja, não se pode confundir a inutilidade do recurso com a inutilidade da lide decorrente da procedência dele; essa é uma realidade que o legislador não desconhecia ao consagrar o regime dos recursos, assumindo o risco inerente à celeridade processual, que é valor consagrado no n.º 2 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa”).

Que é o que ocorre justamente no caso sub judicio. Apreciado o recurso a final, se for provido, proceder-se-á à anulação e/ou repetição do processado que se mostrar necessário à implementação da solução que aí for definida.
Tem custos e dá trabalho, mas mantém intacta a utilidade.
Que é o que se estabelece no n.º 1 do artigo 33.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe de Efeitos da declaração de incompetência: “Declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa”.
[E aí poderá entrar a própria repetição do julgamento – mas não podemos nesta sede de Reclamação decidir que assim será ou não (rectius qual o âmbito dessa eventual reorganização do processo em caso de procedência do recurso a final), pois que isso não faz parte do objecto da pronúncia que aqui nos é dado realizar.]

São termos em que terá de manter-se na ordem jurídica o douto despacho reclamado, que assim considerou, e indeferindo-se a Reclamação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, indefiro a Reclamação e confirmo o douto despacho que vem reclamado.
Custas pelos Reclamantes.
Registe e notifique.
Évora, 29 de Maio de 2020
Mário João Canelas Brás