ACÇÃO COM PROCESSO ESPECIAL EMERGENTE DE INJUNÇÃO
COMPENSAÇÃO
PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
Sumário

I - No caso dos autos, tratando-se de uma acção com processo especial, emergente de injunção de valor não superior a €15.000,00, em que é vedada a dedução de reconvenção; em que a requerida comunicou extrajudicialmente a sua vontade de compensar o seu crédito e em que o contra crédito por esta invocado se movimenta dentro da mesma relação jurídica, tendo por objecto os danos decorrentes do atraso e defeitos alegadamente existente na obra levada a cabo pela requerente, estão reunidos todos os requisitos legais para admitir a compensação por via da invocação de excepção peremptória.
II - A compensação, como causa de extinção de obrigações, fundada em normas de direito substantivo, consubstancia estruturalmente uma excepção peremptória do tipo extintivo.
III – A apreciação da questão sob a forma de excepção traduz-se numa forma de apreciação mais ligeira (por contraposição à reconvenção), sem força de caso julgado fora do processo e, nesta medida, mais consentânea com a celeridade e simplicidade inerente a este processo especial.
IV - A não admissibilidade da compensação por esta via constituiria seguramente uma afronta directa ao direito de defesa do requerido e ao princípio constitucional do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (cf. art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa), já que o devedor se veria impossibilitado de invocar os seus direitos num processo cuja forma processual não foi por si escolhida.

Texto Integral

Processo n.º 21557/18.4YIPRT.P1

Comarca: [Juízo Local Cível de Gondomar (J1), Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
“B…, S.A.”, sociedade com sede na Rua …, n.º …, …, Gondomar, apresentou requerimento de Injunção contra “C…, LDA.”, sociedade com sede na Rua …, Edifício …, Loja n.º …, …, Vila Nova de Famalicão, pedindo que lhe seja paga a quantia de €5.000,00, acrescida de juros de mora no montante de €1.692,87 e de taxa de justiça e outras quantias.
Alega ser uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de construção civil e a Requerida uma sociedade comercial que tem por objecto o comércio a retalho de artigos de desporto.
Afirma que, a solicitação da Requerida, executou para esta diversos trabalhos e lhe forneceu diversos equipamentos, designadamente instalação de estaleiro, demolição e trabalhos preparatórios, fornecimento e aplicação de pavimentos e paredes, pintura de paredes, carpintarias/mobiliário, serralharias, rede de abastecimento de água, rede de instalações eléctricas/iluminação, ar condicionado, segurança contra incêndios e projectos.
Declara que a Requerida lhe pagou parte dos trabalhos realizados, ficando com liquidar a verba relativa à factura n.º ….., emitida em 24/04/13 e com data de vencimento de 24/05/13, no valor de €5.000,00.
A Requerida veio contestar, aceitando a celebração do contrato invocado e contrapor que, na data de 24/10/12 prevista para a finalização da obra, a mesma não se encontrava concluída e apresentava defeitos de construção.
Afirma que a Requerente executou alguns trabalhos de correcção dos vícios e defeitos existentes, entregando a obra concluída em finais do mês de Novembro de 2012, mas permanecendo problemas no sistema eléctrico da loja, na pintura da porta do armazém e anomalias no pavimento.
Alega que o atraso na conclusão da obra e as anomalias que permaneceram lhe causaram prejuízos na imagem da loja e nos artigos para venda, tendo-a ainda obrigado a efectuar concomitantemente pagamento de rendas correspondentes a duas lojas, enquanto decorriam as obras tendentes à eliminação dos defeitos.
Declara que, por comunicação escrita de 02/02/15, solicitou à Requerente uma nota de crédito no valor de €5.000,00, para fazer face a todos os trabalhos necessários à integral recuperação do pavimento e a todos os custos que a suportou com as sucessivas intervenções.
Defende haver lugar a uma compensação de créditos, sob a forma de excepção peremptória, com a extinção do direito invocado pela Requerente.
Conclui pedindo que proceda a excepção peremptória invocada, com a sua absolvição do pagamento da quantia de €5.000,00 a título de capital, acrescida de €1.692,87 a título de juros de mora e €102,00 relativos à taxa de justiça do requerimento de Injunção.
Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença, com a seguinte fundamentação resumida “Concluindo: independentemente do entendimento que este Tribunal de 1.ª instância tenha quanto a esta questão, havendo um única decisão que seja de um Tribunal Superior, como é o caso do Acórdão proferido em 16/01/2018 pelo Tribunal da Relação de Coimbra supra citado, este Tribunal de 1.ª instância acata tal entendimento e, nesta conformidade, admite a invocação da compensação por via de excepção. Por duas ordens de razões: i) como é sabido são quatro as fontes de direito: duas fontes imediatas de direito – a lei e o costume – porque criam o direito e; duas fontes mediatas de direito – a Jurisprudência dos Tribunais Superiores e a doutrina – porque explicam o direito e; assim sendo, o Tribunal acata esta fonte mediata de direito; ii) por uma questão de justiça relativa, ora se num processo, o Tribunal Superior aceitou a compensação de créditos invocada por via de excepção, seria injusto que neste processo tal não acontecesse; ao que acresce a manifesta injustiça em coarctar um importante meio de defesa por uma questão processual. Pois o credor pode escolher a forma processual que entender e, o devedor fica refém desta escolha não podendo apresentar um importante meio de defesa, como é o caso da compensação de créditos.”; “A obrigação do pagamento do preço devido pelos trabalhos a mais da empreitada que a Requerente peticiona nestes autos mostra-se extinta por compensação, logo, o pedido de condenação da Requerida a pagar a quantia de € 5 000,00 tem de ser julgado improcedente, atendo o facto desta obrigação se encontrar extinta.” e com a seguinte parte decisória: “Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente e, nessa sequência, absolver a Requerida do pedido.”
Inconformada com a sentença, a Requerente interpôs recurso, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por Acórdão que não admita a compensação do crédito da Apelada por via excepção e julgue totalmente procedente a acção, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
a) Diante dessas considerações, a Apelante requer que seja conhecido o presente Recurso com os seus devidos efeitos legais e, quando de seu julgamento, lhes seja dado integral provimento para revogação da sentença recorrida para acolher o pedido inicial destes autos.
b) Nos presentes autos, o requerido/apelado celebrou um contrato de prestação de serviços com o requente/apelante cuja compensação invocada por via da excepção peremptória está em causa neste processo.
c) O apelante, é uma sociedade comercial de prestação de serviços da construção civil, e, por sua vez a apelada é uma sociedade por quotas que tem por objecto social o comércio a retalho de artigos de desporto.
d) A apelante no exercício da sua actividade e a solicitação da apelada, executou diversos trabalhos e forneceu equipamento necessário para a execução da obra, nomeadamente, instalação de estaleiro, demolição e trabalhos preparatórios, fornecimento e aplicação de pavimentos, fornecimento e execução de paredes, pintura de paredes em tinta plástica, carpintaria/mobiliário, serralharias, rede de abastecimento de água, rede de instalações eléctricas/iluminação, iluminação normal, ar condicionado, segurança contra incêndios, diversos projectos, tudo conforme o orçamento 298D/12 da apelante e aprovado pela apelada.
e) Sucede que, a Requerida/Apelada, pagou á Requerente/Apelante, parte dos trabalhos realizados, ficando por liquidar até á presente data a factura n.° ……, no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), emitida em 2013- 04-24, e com data de vencimento 24.05.2013, quantia essa devida a título de trabalhos realizados e não englobados no orçamento inicial.
f) Peticionando a apelante o pagamento da quantia global de €6.794,87, decomposta da seguinte forma: €5.000,00 a título de capital em divida; €1.692,87 a título de juros de mora e; €102,00 a título de taxa de justiça paga.
g) Tendo em conta este comportamento por parte da apelada, a apelante instaura procedimento de injunção, ao qual a apelada deduziu oposição, fundamentando o seu articulado de que não havia realmente pago a factura objecto do presente litigio, pois, a execução da obra apresentava defeitos na construção e, que a mesma ainda não se encontrava concluída.
h) Retendo assim o valor até existir uma solução definitiva.
i) Intitulando-se assim, de também credora da apelante.
j) Em função da referida alegação, acabou a apelada por excepcionar a compensação de créditos, visando a absolvição da apelante do montante de €5.000,00 acrescido de juros.
k) O Tribunal a quo admitiu e julgou procedente a invocação da compensação por via de excepção por parte da Apelada;
l) Com efeito, o que a sentença recorrida invoca é que o crédito exigível pela apelante se extinguiu, por efeito da compensação.
m) Assim, e salvo o devido respeito, mal andou o tribunal ao admitir e julgar procedente a compensação do crédito da Requerida/Apelada por via de excepção.
n) A jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como acção declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas acções de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transacção comercial de valor superior a €15.000,00).
o) No que respeita às acções com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00) prevalece o entendimento de que não é viável a reconvenção.
p) Infere-se da redacção do art.º 266.°, n.° 2, aI. c), do CPC, que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá de ser sempre operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
q) No âmbito do processo especial previsto no DL n.° 269/98, de 01/9, não é admissível reconvenção, pelo que não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção, excepto se o direito do réu já estiver reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor (vd., entre outros, o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 07/06/2016, proc. 13938/13.2VIPRT.C1, disponível em www.dqsi.pt).
r) Porque assim, não se admite a discussão da excepção peremptória da compensação invocada pela Requerida/Apelada é na sua contestação.
s) A utilização do princípio da adequação formal para admitir a compensação de créditos invocada por via de excepção nas formas de processo em que não é admissível não se nos afigura indicada.
t) Tratando-se de um princípio de utilização pontual, para uma determinada situação concreta, que não pode ser utilizado para alterar genericamente um instituto jurídico ou o quadro legal relativo à tramitação de uma forma de processo, introduzindo uma alteração que apenas o legislador poderia introduzir. Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 2014, ‘o principio da adequação formal, consagrado no artigo 547.° do Código de Processo Civil, não transforma o juiz em legislador’.
u) A opção do legislador resolveu qualquer dúvida a respeito da forma de invocação de contra crédito por via judicial, implicando a reconvenção (com as limitações que decorrem desta opção, conexas quer a competência absoluta do tribunal, quer com a forma de processo em que se insere).’
v) A ser assim, o princípio da adequação formal não pode ser utilizado para afastar as consequências que decorrem da forma de processo, contornando a opção do legislador.
w) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, fez uma errada interpretação dos normativos do artigo 266° n°2 e 547.° do Código de Processo Civil e violou as disposições legais previstas no processo especial previsto no DL n.° 269/98, de 01/9.
A Requerida apresentou contra-alegações, pedindo que seja negado provimento ao recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Nenhum reparo há a fazer à douta sentença ora recorrida já que a mesma fez a correcta interpretação dos factos e da lei aos mesmos aplicável;
2. Encontrando, a douta sentença ora recorrida, efectivo respaldo na jurisprudência que, sobre as matérias ora postas em crise, se vai pacificamente produzindo;
3. Deve ser mantida a douta sentença ora recorrida;
4. Não ocorreu, na douta sentença ora recorrida, a violação de qualquer lei e na mesma se fez a correcta e adequada aplicação do quadro legal vigente.
O presente recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar o recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é a de apurar se nos presentes autos é admissível a compensação de créditos por via de excepção peremptória.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida:
Factos provados:
1) A Requerente é uma sociedade comercial de prestação de serviços de construção civil (resposta ao artigo 1.º do requerimento de injunção).
2) Por sua vez, a Requerida é uma sociedade por quotas que tem objecto social o comércio a retalho de artigos de desporto (resposta ao artigo 2.º do requerimento de injunção).
3) A Requerente no exercício da sua actividade e a solicitação da Requerida executou, diversos trabalhos, no âmbito do contrato celebrado entre as partes em 24/09/2012, e forneceu o equipamento necessário para a execução da obra, nomeadamente, procedeu à instalação do estaleiro, demolição e trabalhos preparatórios, fornecimento e aplicação de pavimentos, fornecimento e execução de paredes, pintura de paredes em tinta plástica, carpintaria/mobiliário, serralharias, rede de abastecimento de água, rede de instalações eléctricas/iluminação, iluminação normal, ar condicionado, segurança contra incêndios, diversos projectos, tudo conforme o orçamento 298D/12, da Requerente e aprovado pela Requerida (resposta ao artigo 4.º do requerimento de injunção).
4) A Requerente emitiu à Requerida a factura n.º 1305, com a data de emissão de 24/04/2013; com a data de vencimento aposta de 24/05/2013; com o montante ilíquido aposto de €5.000,00, constando na designação “….. – D… Conforme N/Orç. N.º …./12 – Fecho contas Empreitada Construção Civil – Trabalhos a mais e a menos Quant. 1005.000,00 (resposta ao artigo 5.º do requerimento de injunção e ao artigo 9.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
5) A Requerente enviou a factura referida em 4) à Requerida que ainda não se mostra paga (resposta ao artigo 6.º do requerimento de injunção e aos artigos 9.º e 10.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
6) A Requerente e Requerida celebraram um contrato de empreitada pelo preço de €48.000, a pagar em 6 prestações, que já se encontra pago (resposta aos artigos 2.º e 21.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
7) Na data prevista para a conclusão da obra, esta apresentava defeitos nomeadamente ao nível do pavimento que foram comunicados pela Requerida à Requerente (resposta ao artigo 3.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
8) A Requerida enviou o e-mail datado de 09/09/2012 à Requerente, com entre outros, os seguintes dizeres “Venho pelo presente solicitar a conclusão dos trabalhos da loja até ao próximo domingo de 11/11 pois tenho de entregar a loja ao senhorio que já me fez um ultimato! Relembro que já fez 2 semanas no passado dia 07/11 desde a data fixada para entrega da loja, Não posse pagar rendas relativas a 3 lojas mais tempo! Já basta o mês de Outubro…Relembro que faltam ainda uma série de pontos que não estão realizados: (…) – remoção de mancha amarela no chão (ver foto) – tratamento final do chão” (resposta ao artigo 4.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
9) Após a comunicação referida em 8) a Requerente intervencionou o pavimento da obra (resposta ao artigo 4.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
10) Após a intervenção referida em 9), a Requerida enviou o e-mail datado de 16 de Novembro de 2012 à Requerente, como entre outros, os seguintes dizeres “Deixe-me dizer-lhe que o chão está cada vez pior! O acabamento é péssimo, cheio de manchas amarelas e brancas, para além da inicial no centro da loja” (resposta ao artigo 5.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
11) Após a comunicação referida em 10), a Requerente executa nova intervenção no pavimento da obra para eliminação dos defeitos (resposta ao artigo 7.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
12) A obra efectuada pela Requerente apresenta os seguintes defeitos: - sistema eléctrico da loja: as luminárias do tecto, assentes em sistema de carril, apresentam encaixe que não permite, actualmente, colocar lâmpadas adequadas. Os pernos das lâmpadas utilizados são alargados, de modo a permitir o encaixe, alterando as características das mesmas, fazendo com que o período durante o qual a lâmpada funciona correctamente seja curto, fundem com uma periodicidade anormal. O casquilho (encaixe) das lâmpadas (.. .... … …) não permite, actualmente, colocar lâmpadas adequadas, sendo necessário alargar os pernos das lâmpadas utilizadas para permitir o encaixe, alterando as características de utilização das mesmas e encurtando a vida útil das lâmpadas. A instalação dos projectores é desadequada quanto ao tipo de lâmpadas (resposta ao artigo 9.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
13) Também apresenta defeitos na porta que dá para o armazém que tem a madeira lascada devido ao embate violento da porta (resposta ao artigo 9.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
14) E, apresenta defeitos no pavimento consubstanciados em manchas amareladas e acinzentadas, sendo que o pavimento descama com a utilização normal e retiram-se pedaços soltos de material com a mão. As manchas amarelas e acinzentadas estão espalhadas em grande extensão de toda a superfície da loja, nas montras e entre o ripado de madeira vertical que divide as montras não foi colocado material de acabamento, estando, portanto, o cimento à vista (resposta ao artigo 9.º do articulado de oposição ao requerimento de oposição).
15) Os defeitos referidos em 12), 13) e 14) devem-se à má execução da obra (resposta ao artigo 9.º do requerimento de injunção).
16) A Requerida enviou e-mail datado de 2 de Agosto de 2013 a comunicar à Requerente os defeitos da obra no que toca ao sistema eléctrico; pintura da porta do armazém, dobradiças e batente da porta do armazém e pavimento (resposta ao artigo 9.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
17) A Requerente efectuou uma terceira intervenção para reparação dos defeitos (resposta aos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
18) Apesar do referido em 17), os defeitos referidos em 12), 13) e 14) mantêm-se, razão pela qual, a Requerida enviou a carta datada de 2 de Fevereiro de 2015, com aviso de recepção à Requerente que a recebeu, com o seguinte teor “Venho pelo presente manifestar o meu total desagrado perante a sucessiva incapacidade da empresa pela qual é responsável em resolver os problemas de acabamento relacionados com o piso da loja que foi intervencionada através da B…. De relembrar que a loja foi alvo de re-intervenção pela 3.ª vez no passado mês de Junho 2014, tendo como objectivo a correcção dos defeitos de acabamento que o piso apresentava, Tais trabalhos foram infrutíferos dado que o resultado foi ainda pior. Aliás, em cada intervenção alcançaram subsequentemente resultados cada vez mais insatisfatórios, daí a sua necessidade. A responsável pela obra – Carla – garantiu em cada momento que iriam aplicar os melhores materiais que solucionaria o problema! Acontece que intervenção após intervenção, não havia justificação para o que corria mal…Muito estranhei que após a última intervenção – Junho 2014 – e até à data não tivesse tido contacto de nenhum responsável para questionar sobre se o problema estava solucionado ou para eventual nova proposta de intervenção (para a qual não estaria naturalmente disponível dado todo o histórico!). A presente missiva serve para lhe comunicar a péssima imagem com que fiquei da B… e dos seus serviços, dada a incapacidade de resolver um problema de um acabamento do piso, e de “abandonar” o cliente à sua melhor sorte com o piso num estado lastimoso, a descamar e com péssimo aspecto! Tendo em consideração o sucedido, e considerando ainda a ausência total de comunicação, entendo não existirem condições para qualquer intervenção adicional por parte da B…, pelo que solicito a emissão de nota de crédito de 5.000€, para fazer face a todos os trabalhos necessários à integral recuperação do pavimento e a todos os custos que suportamos com as sucessivas intervenções. Por último, importa salientar todos os danos e impacto que o piso defeituoso e o seu actual aspecto provocam na imagem da nossa loja, dado o recente investimento efectuado na criação deste conceito e desta marca que V. Exa. tão bem conhece, e que são incomensuráveis ou inatingíveis.” (resposta aos artigos 15.º, 16.º e 17.º, 29.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
19) Para reparação dos defeitos identificados em 12), 13) e 14) é necessária a quantia de €5.454,42 (resposta ao artigo 30.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção).
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Factos não provados:
1. A Requerente realizou integral e pontualmente a sua prestação (resposta ao artigo 4.º do requerimento de injunção).
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IV – ADMISSIBILIDADE DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE COMPENSAÇÃO NOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE INJUNÇÃO
A Recorrente/Requerente sustenta no presente recurso que a jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como acção declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será apenas viável nas acções de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transacção comercial de valor superior a €15.000,00).
Advoga, por outro lado, que se infere da redacção do art.º 266.°, n.° 2, aI. c), do CP Civil, que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá de ser sempre operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
Defende que, no âmbito do processo especial previsto no DL n.° 269/98, de 01/9, não é admissível reconvenção, pelo que não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção, excepto se o direito do réu já estiver reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor.
Pede a revogação da sentença e a sua substituição por Acórdão que não admita a compensação do crédito da Apelada por via de excepção e julgue totalmente procedente a acção.
A Recorrida contrapõe – nas respectivas contra-alegações de recurso –que o tribunal recorrido fez a correcta interpretação dos factos e da lei aos mesmos aplicável, encontrando a sentença efectivo respaldo na jurisprudência que sobre as matérias ora postas em crise se vai pacificamente produzindo.
A questão jurídica trazida para apreciação não é seguramente pacífica, atrevendo-nos mesmo a dizer que se trata de uma questão em sedimentação jurisprudencial e doutrinal.
Tentando ser sistemáticos, teremos, desde logo, que atender a que a compensação é uma das causas de extinção das obrigações prevista no art.º 847.º e ss. do Código Civil, que se verifica quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor e uma delas pretenda livrar-se da sua obrigação.
Não opera ipso jure, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores no sentido da extinção dos dois créditos, tornando-se efectiva mediante a mera declaração de uma das partes à outra (judicial ou extrajudicialmente).
Constituindo, como se viu, uma causa de extinção civil das obrigações, a invocação processual da compensação enquadra-se directamente na figura da excepção peremptória extintiva, pelo menos enquanto o contra crédito não exceda o crédito do autor: o réu alega factos que, servindo de causa extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (cf. art.º 571.º do CP Civil).
O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes e das questões que o réu suscite como meio de defesa (cf. art.º 91.º, n.º 1, do CP Civil).
No entanto, por força do n.º 2 do mesmo preceito, a decisão das excepções não constitui, em princípio, caso julgado fora do processo respectivo.
Tal como já explicava Alberto dos Reis[2], o julgamento das questões incidentais “destina-se unicamente a servir o fim e as necessidades do processo em que elas surgiram e por isso não se projecta para fora e para além do processo.”
Ou recorrendo, de forma actualizada, às palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3]: “Nesta matéria, confrontam-se as exigências contraditórias da celeridade processual, aconselhando que as questões incidentais (lato sensu) sejam desde logo decididas pelo juiz da causa, embora com o risco de serem objecto de apreciação mais ligeira, e da justiça e do acerto da decisão, recomendando o seu exaustivo conhecimento em acção própria, com o inconveniente do protelamento da acção onde a questão é incidentalmente suscitada.”
Até à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, grande parte da doutrina e da jurisprudência defendia, por referência ao então artigo art.º 274.º, n.º 2, alínea b), do CP Civil, que a compensação podia ser invocada por via de excepção peremptória, desde que não ultrapassasse o valor do crédito invocado pelo autor.
Discutia-se, em concreto, se nesta situação específica, o réu podia optar entre deduzir uma excepção peremptória e formular reconvenção ou se, pelo contrário, estava obrigado a invocar a matéria sob a forma de excepção.
Obviamente que a defendida possibilidade de invocação da compensação com recurso à reconvenção teria a vantagem de a erigir numa verdadeira contra-acção, com todos os direitos a ela inerentes e com a atribuição a final do respectivo caso julgado geral.
A actual redacção do art.º 266.º, n.º 2, c), do CP Civil é do seguinte teor: “A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (…) c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.”
Simultaneamente a mesma Lei n.º 41/2013 eliminou as então formas de processo sumário e sumaríssimo, passando o processo civil geral a restringir-se às formas de processo comum e especial (cf. art.º 546.º do CP Civil).
Uma vez que na forma de processo comum é sempre admissível a dedução de reconvenção, desde que reunidos os requisitos consagrados no art.º 266.º do CP Civil, a discussão sobre a forma de invocação processual da compensação perdeu grande parte da sua pertinência.
Em concreto, manteve apenas relevo em sede tributária e em termos de amplitude do caso julgado.
No entanto, esta questão mantém marcante acuidade em alguns processos especiais, particularmente no processo de Injunção[4]
Como se sabe, o procedimento de Injunção alicerça-se no D.L. n.º 269/98, de 01/09, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior a € 15 000,00, salvo quando esteja em causa transacção comercial para os efeitos do D.L. n.º 32/2003, de 17/02, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito.
Conforme resulta do preambulo deste D.L. n.º 269/98, de 01/09, este tipo de procedimento veio reagir à realidade de que “a par de um aumento explosivo da litiogisidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da «funcionalização» dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentença.”
Teve, portanto, por desiderato a desjudicialização deste tipo de litígios e, nos casos em que se mantém a intervenção judicial, a simplificação dos procedimentos.
O procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo, que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor. Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor inferior a €15.000,00, segue a forma de processo especial (cf. art.º 3.º a 5.º do indicado D.L. n.º 269/98, de 01/09).
No caso dos autos, estando em causa um pedido inferior a €15.000,00, é-lhe aplicável o regime especial de procedimento.
Esta forma de processo especial só comporta dois articulados (cf. art.º 1.º, n.º 4), motivo pelo qual é pacífico o entendimento de que não é admissível a dedução de reconvenção, na medida em que pressuporia a existência de mais um articulado de resposta à contestação[5], o que afrontaria directamente o desiderato estrutural de simplificação da tramitação processual.
Não obstante, a jurisprudência começou crescentemente nos últimos anos a admitir a invocação da compensação por via de reconvenção e/ou de excepção peremptória nas acções de processo especial, emergente de injunção de valor não superior a €15.000,00.
Assim, e a título meramente exemplificativo, cita-se o Acórdão desta Relação de 04/06/19, tendo como Relatora Maria Cecília Agante[6], onde se decidiu: “Porém, à luz do princípio da adequação processual, obstando a que razões de cariz adjectiva impeçam a realização da justiça material, deve o tribunal fazer uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual e ajustar a tramitação da AECOPEC à admissão do deduzido pedido reconvencional.”
Também o Acórdão desta Relação de 13/06/2018, tendo como Relator Rodrigues Pires[7] onde se decidiu paralelamente: “Embora seja entendimento generalizado que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei n.º 269/98 (emergente de injunções de valor não superior a 15.000,00€), não é admissível a reconvenção, essa possibilidade, nesta forma de processo, deve ser dada ao réu de modo a que este possa invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respectiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.”[8]
Ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/01/18, tendo como Relatora Maria João Areias[9], com fundamentação jurídica diversa: “A al. c) do nº2 do artigo 266º do CPC apenas diz que a compensação é admissível como fundamento de reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio. A compensação opera por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (nº1 do artigo 848º CC), tendo a extinção dos créditos eficácia retroactiva ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854º CC). Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de excepção, sob pena de lhe ser coarctado um importante meio de defesa.”
Da análise destas decisões entendemos como pertinentes grande parte dos argumentos aí defendidos: o nosso ordenamento jurídico facilita a compensação, a qual opera mediante mera declaração de uma parte à outra; a economia processual e de custos resultante da discussão simultânea do pedido principal e da compensação e a circunstância de a compensação poder ser invocada como fundamento de oposição à execução.
A nosso ver, a decisão da presente questão jurídica prende-se directamente com a interpretação da estatuição do citado art.º 266.º, n.º 2, c), do CP Civil[10] e com a determinação do seu exacto sentido e alcance.
A opinião maioritária actual quer na doutrina, quer na jurisprudência, é no sentido de que, com a introdução da actual redacção do art.º 266.º, n.º 2, b), do CP Civil, se pretendeu dirimir o litígio existente, definindo que a compensação deve sempre ser exercida por via de reconvenção[11].
Da nossa parte, entendemos existirem argumentos delimitativos e restritivos, que reputamos de grande valia.
Há, desde logo, que ter em conta que a disposição legal do art.º 266.º não impõe - textualmente – o recurso à reconvenção: a sua leitura apenas refere que a reconvenção é admissível – entre o mais – quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito.
Não exclui expressamente que a compensação possa ser operada por outra forma, designadamente através da sua invocação sob a forma de excepção peremptória que, como se viu, é a figura processual onde se enquadra directamente esta causa de extinção civil das obrigações, sempre que o seu valor não exceda o do pedido.
Assim sendo, afigura-se-nos que a interpretação do preceito à luz da unidade do sistema jurídico (cf. art.º 9.º do Código Civil) deve ser no sentido de que a compensação em valor igual ou inferior ao do pedido pode ser suscitada por via da reconvenção ou por via de excepção peremptória extintiva.
Neste sentido, Rui Pinto[12] continua a defender a pluralidade de alternativas: “(…) supomos que continua a estar no âmbito da disponibilidade do réu pretender o reconhecimento de um crédito para obter a compensação. Se ele não pretender esse reconhecimento, pode deduzir a compensação, sem valor de julgado, nos termos do art.º 91.º”
No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[13] dizem: “Ao propor uma redacção diversa para o CPC de 2013, o Anteprojecto da Comissão seguramente visou consagrar a teoria da compensação-reconvenção: a introdução na causa duma nova relação obrigacional a apreciar, distinta daquela em que se baseia o pedido do autor, só poderá fazer-se por reconvenção. Mas é muito duvidoso que o legislador tenha conseguido realizar o seu intento”, justificando que a lei não diz que a compensação só pode ser feita valer em reconvenção, que excepção e reconvenção se excluam.
Ainda no mesmo sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[14] referem: “(…) a letra da lei consente um interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e não pagamento do valor em que o crédito invocado exceda (!) o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de excepção.”
Na jurisprudência, encontra-se esta tese designadamente no Acórdão da Relação de Coimbra de 16/01/18 acima citado, tendo como Relatora Maria João Areias: “Contudo, o teor de tal norma acaba por não encerrar a questão, uma vez que, em rigor, aí apenas se dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para o obter idêntico efeito, no caso, meramente extintivo do autor (art.º 576º, nº3). Por outro lado, se compararmos a actual redacção de tal norma com a anterior – a reconvenção é admissível (…) quando o réu se propõe obter a compensação – constatamos que a única diferença é que agora o legislador diz claramente que a reconvenção não só é admissível para obter a compensação (o que já constava da versão anterior), como também é admissível “para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.”
Ainda que assim não fosse, há igualmente que ter em conta que, tendo o processo declarativo passado a conter apenas a forma comum onde é sempre admissível a formulação de reconvenção, nada legitima a interpretação da estatuição em análise do art.º 266.º, n.º 2, c), como tendo sido pensada para ser aplicável igualmente (por remissão do art.º 549.º, n.º 1, do CP Civil) aos processos especiais em que não é legalmente admissível reconvenção.
Esta limitação constituiria uma afronta directa e relevante ao direito de defesa do requerido e ao princípio constitucional do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (cf. art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa).
Não podemos esquecer que, como já se referiu no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, diploma que iniciou o movimento de primazia da verdade material sobre a verdade formal, que se engrandeceu na actua versão do Código de Processo Civil: “Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo. É, assim, o processo civil um instrumento ou talvez mesmo uma alavanca no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos e não uma ciência que olvide esses factos para se assumir apenas como uma teorética de linguagem hermética, inacessível e pouco transparente para os seus destinatários.”
Escrevem, a este propósito, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[15] que “Poder-se-ia dizer que a norma contida nesta alínea (o art.º 266.º, n.º2, al. c)) não encerra a questão. Por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art.º 576.º, n.º 3).”
Bem como Manuel Eduardo Sampaio[16]: “(…) a intenção do legislador – mens legis – foi estabelecer que a compensação tinha que ser sempre invocada através de reconvenção, mas, simultaneamente, admitir a reconvenção em todas as formas de processo no âmbito do processo civil, o que impedia que o réu fosse forçado a ter que intentar uma acção autónoma apenas para obter o reconhecimento do seu crédito e, posteriormente, fazer um acerto de contas com o autor, procedendo à compensação.”
Ainda a este respeito afirma Rui Pinto[17]: “Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Não se julgue que, por isso, a compensação judicial em processo especial fica afastada. Não: no plano da teoria geral do processo não existe identidade entre excepção de compensação e reconvenção: se aquela tem sempre expressão processual, esta não tem de ser sempre a via reconvencional (…) O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por excepção peremptória.”
Em face de tudo o acima exposto, entendemos que efectivamente deverá admitir-se a invocação da compensação no processo especial de Injunção com oposição, sob a forma de excepção peremptória.
No caso em apreciação, estamos em face de uma forma de processo em que à requerida era vedada a dedução de reconvenção; a requerida comunicou extrajudicialmente a sua vontade de compensar o seu crédito e o contra crédito por esta invocada movimenta-se dentro da mesma relação jurídica, tendo por objecto os danos decorrentes do atraso e defeitos alegadamente existente na obra levada a cabo pela requerente.
Estão reunidos todos os requisitos legais para admitir a compensação por via da invocação de excepção peremptória, nos termos defendidos na sentença recorrida.
Aliás, nestes casos de invocação da extinção do crédito por verificação de compensação extrajudicial a doutrina tem sido tendencialmente menos exigente na admissibilidade do recurso à excepção peremptória.
Por todos, cita-se Paulo Pimenta que, apesar de defender que a norma do art.º 266.º, n.º 2, c) do CP Civil tem natureza interpretativa, no sentido de que a compensação tem que ser invocada em reconvenção, acaba por admitir que não estão cobertos pela previsão da norma “os casos em que a compensação já tenha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, pois aí o crédito já está extinto quando a acção é proposta, sendo então de invocar esse facto extintivo em sede de defesa.”[18]
Com efeito, e como já se referiu acima, a compensação torna-se efectiva mediante a mera declaração de uma das partes à outra, reportando-se os respectivos efeitos à data da respectiva declaração.
Assim, nestes casos específicos não há sequer uma componente constitutiva do direito a justificar processualmente o recurso à reconvenção.
Em síntese, não podemos esquecer que a compensação, como causa de extinção de obrigações, fundada em normas de direito substantivo, consubstancia estruturalmente excepção peremptória do tipo extintivo.
A apreciação da questão sob a forma de excepção traduz-se numa forma de apreciação mais ligeira (por contraposição à reconvenção), sem força de caso julgado fora do processo e, nesta medida, mais consentânea com a celeridade e simplicidade inerente a este processo especial.
A não admissibilidade da compensação por esta via constituiria seguramente uma afronta directa ao direito de defesa do requerido e ao princípio constitucional do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (cf. art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa), já que o devedor se veria impossibilitado de invocar os seus direitos num processo cuja forma processual não foi por si escolhida.
A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do recurso.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso da Recorrente/Requerente, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente/Requerente - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 09 de Março de 2020
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
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[1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Comentário ao Código de Processo Civil, I, 1945, Coimbra Editora, pág. 284.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 180.
[4] Por ser aquele utilizado pelo Recorrente.
[5] Veja-se, para mais desenvolvimento, Salvador da Costa in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 2.ª Edição, 2002, Almedina, pág. 87, e o Acórdão desta Relação de 24/01/2018, tendo como Relator Carlos Querido, proferido no Processo n.º 200879/11.9YIPRT.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[6] Proferido no Processo n.º 58534/18.0YIPRT e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[7] Proferido no Processo n.º 26380/17.0YIPRT e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[8] Veja-se ainda, no mesmo sentido, o Acórdão da relação de Guimarães de 31/01/19, tendo como Relatora Maria Purificação Carvalho, proferido no Processo n.º 53691/18.5YIPRT-A.G1 e o Acórdão desta Relação de 23/02/15, tendo como Relator Manuel Domingos Fernandes, proferido no Processo n.º 95961/13.8YIPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[9] Proferido no Processo n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[10] Não sendo juridicamente correcta a utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nestas situações, por alterar completamente o quadro legal do respectivo regime jurídico.
[11] Veja-se neste sentido designadamente o Acórdão da Relação de Guimarães de 23/03/17, tendo como Relatora Alexandra Rolim Mendes, proferido no Processo n.º 37447/15.0YIPRT.G1, o Acórdão da Relação de Coimbra de 07/06/16, tendo como Relator Fonte Ramos, proferido no Processo n.º 139381/13.2TIPRT.C1, e o Acórdão desta Relação de 08/07/15, tendo como Relator Carlos Querido, proferido no Processo n.º 19412/14.6YIPRT-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão e na doutrina Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2.ª Edição, Almedina, pág. 199 e ss..
[12] In Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 168.
[13] Ob. Cit. pág. 180.
[14] In Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, Almedina, pág. 259.
[15] In Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, Almedina, pág. 259.
[16] In “A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção” in JULGAR online, Maio de 2019, pág. 5, disponível online na data do presente Acórdão.
[17] In “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013” publicado no blogue IPPC e disponível online na data do presente Acórdão.
[18] Ob. Cit. pág. 203, nota de rodapé n.º 459.