CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
FORMALIDADES
INCUMPRIMENTO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
RESTITUIÇÃO DO SINAL EM DOBRO
Sumário


1. A inobservância das formalidades prescritas no n. º3 do artigo 410.º do Código Civil acarreta a nulidade do contrato, mas essa nulidade, instituída no interesse do promitente-comprador, só por este pode ser invocada, salvo quando lhe seja exclusivamente imputável, caso em que poderá ser invocada pelo promitente-vendedor.
2. Não tendo o promitente comprador reforçado o sinal na data acordada no contrato promessa de compra e venda, constituiu-se em mora, não justificando, sem mais, a resolução unilateral do contrato por banda do promitente vendedor.
3. Havendo incumprimento (definitivo) do contrato por banda do promitente-vendedor, decorrente da venda a terceiro das frações objeto do contrato promessa, o promitente-comprador tem direito à resolução do contrato e a exigir o dobro do sinal prestado, ao abrigo do regime instituído no art.º 442º, nº 2, do C. Civil. (sumário do relator)

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
1. U…, S. A., com sede em Aldeamento …, intentou a presente ação declarativa comum condenatória contra, A…, residente na Rua da …, Setúbal, pedindo que se declare o incumprimento definitivo do contrato promessa outorgado entre as partes, por culpa do réu, e seja este condenado a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento integral.
Para o efeito alegou, resumidamente, ter celebrado com o Réu, em 20.09.2017, um contrato promessa de compra e venda, respeitante a duas frações autónomas que identificou, do prédio urbano sito na Rua …, e Avenida …, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número …, da extinta freguesia de Santa Maria da Graça, que o Réu prometeu vender pelo preço de € 85.000,00, tendo a Autor pago, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 15.000,00, ficando a faltar o remanescente de € 70.000,00, que deveria ser pago, € 20.000,00 até 30.11.2017 e o demais na data de realização da escritura prometida, que deveria ocorrer até 28.02.2018, sendo ónus do réu a respetiva marcação.
O Réu, à revelia do acordado, resolveu o contrato e vendeu as frações a terceiro.
O Réu contestou, alegando o não pagamento do reforço do sinal por parte da autora como acordado e não marcou a escritura porque sabia que a autora não procederia ao pagamento do remanescente do preço nesse momento, face ao que seria inútil a sua marcação da escritura. Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu que a Autora seja condenada na perda do sinal.
2. Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.
3. E realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a competente sentença com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos o tribunal julga a ação totalmente procedente, por totalmente provada, e em consequência:
1) Declara-se que o contrato promessa celebrado entre as partes foi incumprido culposamente pelo réu;
2) Condena-se o R. a pagar à A. a quantia de € 30.000,00, correspondente ao dobro do sinal por esta pago, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.
3) Julga-se improcedente por não provado o pedido reconvencional, de que se absolve a autora.
4. Desta sentença veio o Réu interpor o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - A douta sentença recorrida valorizou por defeito, o incumprimento resultante da não entrega pela recorrida no prazo estipulado – 30 NOV 2017 – da quantia de € 20 000,00 que fazia parte integrante do preço acordado.
Igualmente,
2ª - Ignorou os dispositivos legais referidos nos pontos 4 e 5 supra que retiram,
diretamente ou por analogia, ao contraente em mora a faculdade de resolver o contrato ou legitimam a recusa de cumprimento pelo contraente não faltoso.
3ª - Não deu o devido relevo ao não pagamento até 28 de fevereiro de 2018 da totalidade do preço estabelecido na promessa, não obstante resultar desse documento que o prazo era “perentório” sendo, por outro lado, do conhecimento geral que o recebimento do preço sempre foi o objetivo praticamente exclusivo do proprietário alienante.
4ª - Valorizou por excesso a circunstância de o recorrente não ter conseguido provar que indicou à recorrida o Cartório Notarial onde queria que a escritura tivesse lugar.
5ª - Deu relevo decisivo à circunstância, aliás irrelevante, de o recorrente, após resolução do contrato, o que sucedeu por carta de 6 de maio de 2018, ter alienado a favor de terceiros os imóveis objeto da recíproca promessa de compra e venda.
6 ª – Errou, ainda, a douta sentença recorrida ao considerar que a alienação das frações constituiria, ipso facto, impossibilidade de cumprimento da promessa imputável ao promitente vendedor.
Porém,
7 ª – Permanecendo física e legalmente possível o cumprimento, a situação dos autos configura, tão somente, alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar – art. º 437 º do Código Civil – que poderia dar lugar à resolução da promessa, se o promitente comprador não estivesse em mora – art.º 438º do mesmo diploma legal – como sem dúvida estava e a douta decisão recorrida expressamente reconheceu.
8 ª - Não se apercebeu que a promessa era nula por as assinaturas não estarem reconhecidas.
9ª - A douta sentença recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições do Código Civil – art.ºs 410, 428, 438 e 442.
Termos em que, deve ser revogada a douta sentença recorrida, com absolvição do recorrente.
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5. A Autora contra-alegou defendendo a bondade e manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que as questões essenciais a decidir consistem em saber se o contrato promessa é nulo por falta de reconhecimento das assinaturas; se Réu incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e venda e se a Autora tem direito a receber o preço do sinal dobrado, como sentenciado.
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IIIFundamentação.
1. Matéria de facto.
Na 1.ª instância foi considerada assente a seguinte factualidade, que as partes não questionaram:
1 - Em 20.09.2017, A e R., na qualidade de segundos e primeiro outorgantes, respetivamente, celebraram um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda”, cuja cópia está junta a fls. 6 vº/7, em que o Primeiro Outorgante, na qualidade de proprietário, prometeu vender e a Segunda Outorgante prometeu comprar, livre de ónus ou encargos as Frações autónomas designadas pelas letras “D” e “E”, do prédio urbano sito na Rua …, e Avenida …, letras B, C, D, E, I, M, N, P, Q, R, S, T e U (estas letras nas portas existentes no interior do quintal), União das Freguesias de Setúbal (São Julião, Nossa Senhora da Anunciada e Santa Maria da Graça), concelho de Setúbal, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número …, da extinta freguesia de Santa Maria da Graça, em regime de propriedade horizontal conforme a apresentação …, de doze de Abril de dois mil e doze, inscrito na matriz sob o artigo …, da mencionada União das Freguesias.
2 – Do mesmo contrato consta que “O preço da venda é 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros), correspondendo 40,000,00 € ao valor da venda da fração D e 45,000,00 € ao valor da ação da fração E. e que como sinal e princípio de pagamento o Primeiro Outorgante recebeu da Segunda a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros), de que lhe dá a devida quitação, devendo o resto do preço em dívida ser pago da seguinte forma:
Cláusula 4ª:
a) Com a entrega da quantia 20.000,00 € (vinte mil euros) até ao dia 30 de novembro de 2017.
b) A parte do preço ainda em divida, 50.000,00 € (cinquenta mil euros), serão pagos por cheque visado no ato da escritura.
Cláusula 5ª:
Para a celebração da escritura prometida é fixado o prazo perentório até ao dia 28 de fevereiro de 2018, em cartório notarial a indicar pelo primeiro outorgante.
Cláusula 6ª:
A alteração do prazo para a celebração da escritura prometida bem como qualquer outra alteração que os outorgantes por mútuo acordo pretendam introduzir no presente contrato terá de ser obrigatoriamente reduzido a escrito.
Cláusula 7ª:
A qualquer um dos contraentes é facultada a possibilidade de recorrer à execução especifica, na hipótese de incumprimento do outro contraente…”
3 - No momento da assinatura do referido contrato promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a A. pagou a quantia de € 15.000,00.
4 – A A. não procedeu ao reforço do sinal na data acordada.
5 - No dia 6/5/2018, o R. enviou à A. a carta cuja cópia está junta a fls. 10 vº/11, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, onde denunciou o contrato promessa acima aludido, considerando-o nulo e sem qualquer efeito, por violação do art.º 4º, al. a), 6º e aplicação do artº 7º.
6 – A A. respondeu em 28.05.2018, nos termos constantes da cópia junta a fls. 12 vº/13, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, onde além do mais solicita ao Réu para, no prazo de 8 dias indicar cartório notarial e dia e hora para a realização da escritura de contrato promessa.
7 - No dia 04.06.2018, o R. respondeu à carta supra aludida, por carta cuja cópia está junta a fls. 14 vº, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, onde além do mais refere que o contrato promessa foi resolvido por causas imputáveis à A.
8 - O R. mudou de casa e vendeu as frações em causa a terceiro, em 6 de junho de 2018, por valor superior ao acordado com a autora, tendo procedido ao respetivo registo em 7 de junho de 2018.
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2. O direito.
2.1. Nulidade do contrato.
Diz o recorrente que o tribunal a quo não se apercebeu que a promessa era nula por as assinaturas não estarem reconhecidas.
Sobre esta questão o tribunal a quo não se pronunciou pela singela razão de que o Réu, ora recorrente, não invocou essa pretensa nulidade formal do contrato promessa na sua contestação, antes peticionando, em sede de reconvenção, a condenação do Autor na perda do sinal, implicando a validade do contrato, o que contraria frontalmente esse fundamento, ou seja, não pediu a declaração de nulidade do contrato.
Ora, é consabido ser entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, que os recursos são meios de obter a reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não obter decisões novas, salvo no caso em que é imposto o conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Por isso, não pode o recorrente suscitar nova questão sobre a qual o tribunal de 1.ª instância não se pronunciou.
Em todo o caso, dir-se-á não ter qualquer razão.
Com efeito, prescreve o n.º3 do art.º 410.º que no caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento autêntico ou particular deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção. E acrescenta-se na sua parte final que, “contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte(Nosso sublinhado).
Donde, a invalidade desse contrato-promessa, decorrente da omissão dessas formalidades, apenas pode ser invocada pelos próprios contraentes, embora não se encontrem em igualdade de circunstâncias, não sendo do conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Assento n.º 3/95, do S. T. J., de 1 de fevereiro de 1995, publicado no D. R. 1.ª Série de 22/4/1995, considerando que o n.º3 do art.º 410.º visa proteger, em primeira linha, a proteção do promitente-comprador e só lateralmente o interesse público no combate à construção clandestina [1].
Assim, no que respeita àquele que promete transmitir o direito, em princípio, não lhe é permitido invocar a omissão de tais requisitos, não podendo invocar uma irregularidade porque a lei presume ter sido por si cometida, pois como escreve Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, pág. 69, “o intérprete não pode deixar de ter presente que impende sobre o promitente-vendedor o dever de promover o cumprimento e observância dos requisitos prescritos. Dever que é pressuposto de que parte a própria lei e que é importante”.
E como ensina Gravato Morais, in “Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, pág. 271, “dá-se a possibilidade ao promitente-vendedor de arguir a nulidade numa situação específica: quando a outra parte tenha culposamente causado a falta de tais requisitos. Impõe-se, desta sorte, que seja imputável ao promitente-comprador a omissão das referidas formalidades.”
E acrescenta “para o efeito, o promitente-transmitente tem de alegar e de demonstrar na ação judicial a culpa (negligência ou dolo) da outra parte quanto à omissão de tais procedimentos”.
Também Inocêncio Galvão Teles, in Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 99, considera que “a inobservância das formalidades prescritas no novo n.º3 do artigo 410.º do Código Civil (aplicável quer exista ou não sinal) determina a nulidade (absoluta do contrato. Mas essa nulidade, instituída no interesse do promitente-comprador, só por este pode ser invocada: a não ser que lhe seja exclusivamente imputável, porque então poderá ser invocada por qualquer das partes) ou por terceiros interessados)”.
No caso que nos ocupa, a nulidade em causa não foi invocada na 1.ª instância, não sendo de conhecimento oficioso, razão pela qual não pode ser suscitada em sede de recurso, por se tratar de questão nova e, além disso, a omissão dessa formalidade só podia ser invocada pela Autora, enquanto promitente compradora, salvo se a Ré alegasse e provasse que lhe foi exclusivamente imputável, o que não foi o caso.
Em consequência, improcede a apontada nulidade do contrato.
2.2. Do incumprimento do contrato e suas consequências jurídicas.
Não restam dúvidas quanto à existência de um acordo de vontades vinculativo, estabelecido entre a Autora e o Réu, mediante a emissão de declarações de vontade recíprocas, visando a produção de determinado efeito jurídico.
Por isso que, atendendo à factualidade apurada nestes autos, urge concluir que as partes celebraram, por escrito particular, um típico contrato – promessa de compra e venda de duas frações prediais, tal como vem definido no art.º 410, n.º 1.
De acordo com o n.º2, do art.º 442.º, C. Civil, se o não cumprimento do contrato for imputável ao promitente-vendedor, o promitente-comprador “tem a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
Assim, o incumprimento (definitivo), imputável a um dos contraentes, confere ao outro o direito de resolver o contrato-promessa - artigos 432º, nº 1, 799.º/1 e 801º, nº 2.
No caso de falta de cumprimento ser imputável ao promitente-comprador, pode o promitente vendedor fazer sua a quantia entregue a título de sinal. E sendo o incumprimento atribuído ao promitente-vendedor, o outro contraente, no caso em apreço, tem direito a exigir o dobro do sinal (artigo 442º, nº 2).
Como é consabido, a resolução do contrato pode ocorrer quando esteja prevista na lei ou por acordo das partes, sendo os seus efeitos equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, o mesmo é dizer que a resolução tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, e faz-se por declaração à outra parte – art.ºs 289.º/1, 432.º/1, 433.º e 436.º/1, todos do C. Civil.
Como se refere no Ac. do S. T. J. de 22/3/2011, Proc. n.º 4015/07.0TBVNG.P1.S1, quando a resolução do contrato se funda na lei, “está-se perante a condição resolutiva tácita, que consiste no direito potestativo, conferido a um dos contraentes, de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte não ter cumprido a sua prestação; se a resolução se funda em convenção, está-se perante a condição resolutiva expressa, que se traduz na destruição da relação contratual com base num facto posterior à sua celebração, não tendo tal facto de estar necessariamente ligado ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência.”
Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5.ª Edição, pág. 250, define a resolução do contrato, “como o ato de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse realizado”.
A resolução legal verifica-se, por exemplo, nos casos de incumprimento da obrigação, impossibilidade de cumprimento ou alteração das circunstâncias, nos termos dos art.ºs 801.º/2, 802.º, 808.º e 437.º - Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol.I, 4.ª Edição, pág. 409.
A impossibilidade da prestação por culpa do devedor, nos contratos bilaterais, confere ao credor, independentemente do direito à indemnização, o direito de resolver o contrato – vd. art. 801º e 798º. do C. Civil.
O direito de resolução do contrato promessa, por incumprimento imputável a um dos contraentes, abrange apenas o incumprimento definitivo, não a simples mora - artigos 432º, nº 1, 799.º/1 e 801º, nº 2, do C. Civil.
Tem sido este o entendimento dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que acompanhamos de perto, que os efeitos previstos no art.º 442.º, n.2 do C. Civil, no caso que ora importa - a restituição do sinal em dobro -, apenas ocorre em sede de incumprimento definitivo do contrato-promessa, não bastando, para o efeito, a simples mora.
Na doutrina, pode ver-se Gravato de Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, Almedina, pág. 203, citando no mesmo sentido Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 297 e segs.; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág. 128, Sousa Ribeiro, in “O campo de aplicação do regime indemnizatório do art.º 442.º do Código Civil”, Menezes de Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 240.
Também Brandão Proença, in “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações”, Coimbra Editora, pág. 338, defende que “o exercício desse direito potestativo extintivo exige o incumprimento definitivo da promessa, apesar da expressão “não cumprimento”, referida na segunda parte do n.º2 do art.º 442.º e no seu n.º4, poder ser entendida num sentido mais amplo e o n.º3 admitir (falsamente) uma genérica execução específica”.
Quanto à resolução legal, é entendimento pacífico na jurisprudência que só pode ter lugar a resolução de um contrato promessa em que tenha havido entrega de sinal se ocorrer uma situação de incumprimento definitivo (e não de simples mora) - veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos do S. T. J. de 12/1/10, Proc. n.º 628/09.3YFLSB e de 6/10/2011, Proc. n.º 2434/08.3TBSTS.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Com efeito, a simples mora debitoris não se confunde com o incumprimento definitivo da obrigação, e ocorre quando a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido, por causa imputável àquele, como flui do art.º 804.º, n.º 2 do C. Civil. E a simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, não lhe conferindo o direito à resolução do contrato – seu n.º1.
Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o caráter definitivo do incumprimento do contrato-promessa ocorre nas circunstâncias descritas no art.º 808.º/1 do C. Civil, a saber:
a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;
b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta;
c) se o devedor declarar inequívoca e perentoriamente ao credor que não cumprirá o contrato.
Assim, a simples situação de mora pode conduzir ao incumprimento definitivo do contrato se o credor perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, nos termos do n.º1 do art.º 808.º do C. Civil.
Ora, no caso concreto, não foi fixado prazo absoluto para a celebração do contrato definitivo, visto que para além do prazo estabelecido e indicado como perentório de 28 de Fevereiro de 2018, em cartório notarial a indicar pelo primeiro outorgante, a verdade é que também acordaram que “a alteração do prazo para a celebração da escritura prometida bem como qualquer outra alteração que os outorgantes por mútuo acordo pretendam introduzir no presente contrato terá de ser obrigatoriamente reduzido a escrito”, o que revela que aquele prazo podia ser alterado por acordo e, por isso, não pode ser interpretado como definitivo.
Em todo o caso, ficou acordado que seria o promitente vendedor, ora Réu/recorrente, a marcar a data e hora da celebração da escritura pública de compra e venda, o que nunca fez.
É certo que a Autora não procedeu ao reforço do sinal na data acordada, ou seja, até 30 de novembro de 2017 não entregou a quantia 20.000,00 € (vinte mil euros), como clausulado nesse contrato.
Todavia, esse incumprimento não pode ser configurável como definitivo, mas de simples mora, com a consequente obrigação de indemnizar o promitente vendedor dos prejuízos causados, mas não lhe conferiu o direito de, sem mais, proceder unilateralmente à resolução do contrato, por carta expedida em 6 de maio de 2018, considerando-o nulo.
Dito de outro modo, o recorrente/réu procedeu ilegalmente à resolução do contrato, porque não estava demonstrado o incumprimento definitivo do contrato por banda da Autora/recorrida, antes deveria ter diligenciado pela marcação da escritura pública e comunicado à Autora a data e local, o que nunca fez, procedendo à venda das frações a terceiro, em 6 de Junho de 2018, constando da escritura pública junta nos autos o preço total de venda de €30.000,00 (€12.000,00 e €18.000,00, respetivamente por cada fração), isto é, por um valor correspondente a metade do seu valor patrimonial e muito inferior ao valor prometido vender à Autora, o que indicia claramente que o preço real foi simulado para efeitos fiscais.
E ao proceder à venda das frações a terceiro o recorrente incumpriu definitivamente o contrato promessa e, em consequência, a Autora tem direito ao sinal dobrado, ou seja, a receber do Réu a quantia de € 30.000,00 como foi sentenciado.
Com efeito, escreveu-se na sentença recorrida:
“Desta feita, somos a concluir que com a alienação operada, o R incumpriu culposa e definitivamente o contrato em causa, uma vez que o contrato-promessa está submetido ao regime legal aplicável à generalidade dos contratos, regime em que o devedor que não cumpre uma obrigação incorre numa presunção de culpa, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (art. 799º do CC), ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art.º 487º/2 do CC).
Operando-se a determinação da culpa segundo o critério da diligência de um bom pai de família, através do recurso aos deveres de diligência exigíveis do homem comum, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente precavida.
No caso dos autos o R não logrou elidir a presunção de culpa estabelecida na lei.
É que embora a autora tenha omitido o reforço do sinal em 28.02.2017, como se obrigara em termos contratuais, tal omissão apenas a fez incorrer em mora (art.º 805º, nº 2/a) do CC), sendo que nos termos anteriormente referidos, apenas o incumprimento definitivo e não a simples mora, podem determinar a resolução do contrato, pelo que a carta de 6 de maio enviada pelo réu à autora, não tem idoneidade para a resolução do contrato, que persistiu válido até à alienação”.
Resumindo, verifica-se o incumprimento definitivo do contrato promessa por banda do Réu, o que confere à Autora o direito à sua resolução e a exigir a restituição do sinal dobrado.
Decorrentemente, a sentença recorrida aplicou corretamente o direito aos factos provados, não merecendo qualquer censura.
Improcede a apelação.
Porque vencido na apelação suportará o recorrente as custas respetivas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo apelante.
Dê vista ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do art.º 35.º/1 do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Évora, 2020/02/27
Tomé Ramião (relator)
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] ) Neste sentido pode ver-se, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 18/12/2007 e de 28/2/2008, in www.dgsi.pt, considerando este último tratar-se de uma nulidade atípica, que não é do conhecimento oficioso e nem pode ser invocada por terceiros.