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CITAÇÃO DE SOCIEDADES
SEDE SOCIAL
CITAÇÃO POR VIA POSTAL
PESSOAL
FUNCIONÁRIO
TERCEIRO
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário
i) a citação das pessoas coletivas ou sociedades deve ser efetuada na sede estatutária, constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas e sendo a carta recebida, não por representante legal ou empregado, mas por terceira pessoa, sem qualquer vínculo à sociedade, é de presumir, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que este teve conhecimento dos elementos que foram deixados ao terceiro; ii) deve entender-se que “funcionário” não é “apenas o subordinado com vinculação formal em termos de contrato de trabalho subordinado, mas também qualquer pessoa ligada à pessoa coletiva (latu sensu) por um vínculo, de natureza civil (máxime de prestação de serviços), ou por outro que a constitua no dever de lhe comunicar a ocorrência de atos praticados por terceiro que a tenham por destinatário ou lhe digam respeito. iii) Por “funcionário” da citanda na terminologia usada pelo art.º 246.º do CPC deve assim considerar-se “qualquer pessoa que tenha o dever contratual de comunicar a ocorrência de atos praticados por terceiro que tenham a pessoa coletiva por destinatário ou que lhe digam respeito. iv) a falta de citação só se tem por verificada, para além de outras razões que não relevam para o caso, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. v) tendo a carta para citação da ré sido recebida pelo seu contabilista, pessoa que sempre esteve encarregue pela administração de receber toda a correspondência e de a enviar a esta, mostra-se regular a citação efetuada à ré.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Instância Central – Secção Cível - Juiz 1), correu termos ação declarativa, com processo comum, instaurada por C…, Lda. contra S…, S.A., na qual foi, em 02/12/2016, proferida sentença, transitada em julgado, que julgou a ação procedente e, em consequência, declarou transmitido para a autora o direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em Serrasul, União de Freguesias de Grândola e Santa Margarida da Serra, concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º … da extinta freguesia de Grândola, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … da secção "EE" da mencionada União de Freguesias, condenando ainda a ré, para efeito de expurgação da hipoteca e cancelamento da penhora, a pagar à autora o montante da dívida hipotecária e o montante da dívida titulada pela penhora que oneram o imóvel, acrescido dos respetivos juros, vencidos e vincendos até integral pagamento.
Em 22/03/2017, pela ré e por J…, foi interposto recurso extraordinário de revisão da aludida sentença, alegando, em síntese, que o aviso de receção relativo à sua citação datado de 03/05/2016 está assinado por Jo…, contabilista, que renunciou a membro de vogal do Conselho de Administração da ré em 19/11/2014, sendo membro único do referido Conselho a "co-recorrente" M…, pelo que não foi respeitado o artigo 246° do CPC, que rege sobre a citação das pessoas coletivas e segundo o qual a citação se faz na pessoa dos legais representantes e, na falta destes, em qualquer seu empregado, tendo a ré apenas tomado conhecimento da sentença em 27/02/2017.
Concluindo, afirmam que houve falta de citação nos termos do art. 187°, al, a), do CPC, e desse modo, com fundamento na norma do art. 696°, al. e), do mesmo Código, peticionam que sejam anulados os termos do processo posteriores à petição inicial e ordenada a sua citação para a ação numa das duas pessoas que indicou.
A autora veio responder defendendo que a citação da ré foi efetuada em conformidade com o disposto no art. 246° CPC, tendo sido indicada a morada da sede da ré, a qual foi verificada junto do registo nacional das pessoas coletivas e tendo a carta de citação sido remetida para a sede da recorrente e aí foi rececionada, concluindo assim pela regularidade da citação e pela improcedência do recurso de revisão.
Por decisão proferida em 29/11/2017, foi julgado improcedente o fundamento da revisão e indeferido o recurso.
A ré e Outro vieram apelar desta decisão de indeferimento tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 12/07/2018, julgado improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida.
Deste acórdão vieram a ré e Outro, interpor revista excecional, no âmbito da qual, o STJ veio a revogar o acórdão proferido pela Relação, determinando a admissão do recurso de revisão interposto, devendo seguir- -se a sua normal tramitação com realização das diligências indispensáveis.
Em obediência ao decidido pelo STJ foi admitido o recurso de revisão interposto pela ré e foram produzidas provas tendo sido, em 17/10/2019, proferida sentença pela qual se considerou ter sido a ré devidamente citada na ação, não havendo motivo para a revisão, pelo que se indeferiu o recurso de revisão.
Irresignada, veio a ré, desta decisão, interpor recurso de Revista per saltum para o STJ, tendo nesse Tribunal, a Conselheira Relatora, entendido que não se mostrava verificado o requisito legal exigido pela al. c) do n.º 1 do artº 678º do CPC, pelo que não admitiu o recurso per saltum, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação a fim de o recurso aqui ser processado.
A recorrente nas respetivas alegações, termina por formular as seguintes conclusões,que se reproduzem: “1.º A ora Recorrente é uma Sociedade Comercial, de natureza anónima;
2.º A única representante legal da ora Recorrente era M… (facto provado 13, da sentença de 17 de Outubro de 2019);
3.º A ora Recorrente nunca teve empregados (facto provado 17, da sentença de 17 de Outubro de 2019);
4.º A citação das Sociedades legalmente é feita na pessoa do respetivo representante legal ou de empregado seu (n.ºs 1 e 3 do art. 223.º do CPC), podendo-o ser, ainda, na pessoa de terceiro, então “presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário” (n.º 1 art. 230.º do CPC).
5.º A citação emanada pelo Tribunal e Secretaria, a 29.06.2016 e remetida para a sede estatutária da Recorrente, foi recebida em 03.05.2016 por Jo… (facto provado 3, da sentença de 17 de Outubro de 2019);
6.º Jo… era, então e há muito, terceiro, pois renunciara a administrador da ora Recorrente, em 19 de Novembro de 2014, ou seja, 18 (dezoito) meses antes de rececionar a citação e seus elementos e assinar o aviso de receção (facto provado 9, da sentença de 17 de Outubro de 2019);
7.º Conforme o aviso de receção assinado pelo mencionado Jo…, este comprometera-se a entregar prontamente a citação (e seus elementos) ao destinatário, à ora Recorrente (facto provado 3, da sentença de 17 de Outubro de 2019);
8.º Na inquirição realizada a 09 de Outubro de 2019, Jo… confessou que não entregou a citação à legal representante da ora Recorrente e que nenhum contacto com ela estabeleceu ou procurou estabelecer;
9.º O que está reconhecido pelo Tribunal «a quo», conforme as considerações que, a tal respeito, expendeu;
10.º “A demonstração em contrário” está, pois, confessada pelo próprio terceiro, o que é clara ilisão da presunção legal prevista no n.º 1 do art. 230.º do CPC;
11.º A ilisão resulta da omissão do terceiro e não de qualquer culpa ou responsabilidade imputável à representante legal da ora Recorrente (parte final da alínea e) do n.º 1 art. 188.º do CPC);
12.º Após devolução, ao Tribunal, do aviso de receção assinado pelo terceiro, o Tribunal e a Secretaria não apuraram se Jo… havia entregue ou não ou dado ou não conhecimento da citação, e contactado ou não a legal representante da citada, da ora Recorrente, como aquele se comprometera, omissão de diligência essa que viola o disposto nos n.ºs 2 e 6 do art. 157.º do CPC, pois manifestamente prejudicial aos interesses da ora Recorrente e à prossecução e afirmação do fundamental e constitucional direito de defesa.
13.º Há falta de citação da ora Recorrente, quando, sem culpa ou responsabilidade sua, “não chegou a ter conhecimento do acto” da citação (parte primeira, da alínea e) do n.º 1 do art. 188.º do CPC);
14.º A falta de citação constitui nulidade (n.º 1 art. 191.º do CPC);
15.º Tornando nulo tudo o que se processou depois da petição inicial (alínea a) do art. 187.º do CPC);
16.º A sentença de 17 de Outubro de 2019 é “nula e ininteligível” (alínea a) n.º 1 art. 615.º do CPC), tanto à luz do provado nos autos, como dos “alertas” jurídicos constantes dos Acórdãos do S.T.J. de 19/12/2018 e de 28/03/2019, de todo, desrespeitados;
17.º A sentença de 17 de Outubro de 2019 viola, não só, o disposto na lei processual (CPC) (n.ºs 1 e 3 do art. 223.º, n.º 4 do art. 225.º, n.ºs 2, 3 e 4 e do art. 228.º, n.ºs 1 e 2 e do art. 230.º, aplicáveis, ex vi do n.º 1 do art. 246.º), como ainda, os comandos legais substantivos relativos à prova (arts. 344.º, 350.º e 351.º do Código Civil);
18.º A sentença de 17 de Outubro de 2019 desrespeita em absoluto o princípio fundamental e a garantia constitucional da tutela jurisdicional (n.ºs 1, 4 e 5 do art. 20.º da CRP), ao ponto de validar ação de execução específica de contrato promessa de compra e venda caducado 10 (dez) meses antes daquela ação ser movida contra a ora Recorrente.
19.º A instauração de uma ação de execução específica de um contrato promessa de compra e venda já há muito caducado e que, mesmo que estivesse em vigor, não poderia acontecer, e, bem assim, a tramitação de um processo judicial que decorreu à total revelia da ora Recorrente, por desconhecimento desta, foi a “cereja em cima do bolo”.”
A autora apresentou alegações defendendo a confirmação do julgado.
Apreciando e decidindo
Como se sabe, o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do artº 663º n.º 2 todos do CPC).
Em face das «conclusões» a questão nuclear em apreciação, consiste em saber se existiu falta de citação da ré na ação em que esta foi condenada, o que, em caso afirmativo, terá como consequência a procedência do fundamento da revisão.
Na 1ª instância foram considerados assentes os seguintes factos: 1 – C…, LDA. propôs contra S…, ação declarativa com processo comum peticionando que seja proferida decisão que, nos termos do disposto no artigo 830.º do Código Civil, produza os efeitos da declaração negocial em falta pela Ré e se declare transmitido para a Autora o direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em Serrasul, União das Freguesias de Grândola e Santa Margarida da Serra, concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o número … da extinta freguesia de Grândola, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …da secção “EE” da mencionada União das Freguesias. 2 - A citação da R. S…, SA foi efetuada nos autos através do envio de carta registada com aviso de receção, para a morada da sede da R., Praceta …; 3 - (…) encontrando-se o aviso de receção junto aos autos (ref. ª 1894400; fls. 70) e mostrando-se assinado por Jo… na data de 03.05.2016 e com menção assinalada de que o aviso foi assinado «Por pessoa a quem for entregue a carta que se comprometeu após a devida advertência a entrega-la prontamente ao Destinatário»; 4 - Previamente ao envio da carta de citação (em 29.04.2016) foi confirmada pela secção junto do registo comercial a atual morada da sede da empresa constando a morada onde foi recebida a carta de citação; 5 - Na morada da sede da R. estava instalado também o gabinete de contabilidade de Jo…; 6 – Jo… fazia a contabilidade da R.; 7 - Por indicação da Administração da R. a correspondência da R. era recebida na morada da sede por Jo…; 8 - Jo enviava a correspondência da R. ao administrador A…, ficando com cópia; 9 – Jo… foi membro (vogal) do Conselho de Administração da R. até 19 de Novembro de 2014, data em que renunciou; 10 - Em 31 de Outubro de 2015 A… renunciou como membro do Conselho de Administração da R.; 11 - Em 12 de Maio de 2015 foi proferida decisão, em Procedimento cautelar não especificado intentado por J… contra A…, de suspensão de A… da sua qualidade de presidente do conselho de administração da R.; 12 - A sede da R. manteve-se sempre na morada indicada em 2); 13 – M… anteve-se como membro do Conselho de Administração da R.; 14 - Pela Administração da R. nunca foi comunicado a Jo… que deixasse de receber a correspondência dirigida à R. ou que a entregasse a qualquer outro membro da Administração; 15 – Jo… recebeu a correspondência da R. na morada da sede da R. até meio do ano de 2016; 16 – Jo… continua a figurar nas finanças como contabilista da R. apesar de esta ter deixado de ter atividade; 17 - A R./Recorrente não tem empregados.
Conhecendo da questão Antes de procedermos à apreciação da questão nuclear supra aludida haverá que salientar que no âmbito o presente recurso o que está em consideração é a apreciação da sentença proferida em 17/10/2019 pela qual se indeferiu o recurso de revisão interposto pela ora recorrente, por se ter entendido que não existiu falta da sua citação para a ação, pelo que não caberá apreciar quaisquer outras questões suscitadas relativas ao decurso e tramitação da ação na qual foi proferida sentença transitada em julgado, ao contrário do que parece ser o entendimento da recorrente ao pretender “alargar o âmbito” do presente recurso, também à sentença, transitada em julgado, proferida em 02/12/2016. Ou seja, a sentença proferida, transitada em julgado, só pode ser posta em causa, caso o tribunal considere ter havido falta de citação da ré para a ação e, em consequência disso, determine a anulação de todo o processado a seguir à petição inicial.
A recorrente vem afirmar que a sentença “é nula e ininteligível (alínea a) n.º 1 artº 615º do CPC)” não densificando, no entanto, tendo por base as causas taxativas da nulidade da sentença, previstas no citado artigo, a caraterização da referida nulidade, sendo certo, que a aludida al. a) do normativo diz respeito à falta de assinatura do juiz o que manifestamente não ocorre. Da análise que fazemos da argumentação da recorrente, muito embora esta afirme a nulidade e ininteligibilidade da sentença, não se evidencia que tal argumentação integre qualquer das causas da nulidade da sentença previstas na lei, antes configurando uma situação relacionada com um verdadeiro erro de julgamento traduzido no facto de no seu entender, perante as premissas factuais que se tiveram por apuradas, deveria ter-se reconhecido a existência da falta de citação, o que não ocorreu.
Assim, devemos concluir pela inexistência da nulidade invocada, cabendo apreciar do alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, no conhecimento que se seguirá da questão nuclear elencada.
Vejamos então!
No âmbito do acórdão do STJ proferido nestes autos em 28/03/2019 foi reconhecido que a citação das pessoas coletivas ou sociedades deve ser efetuada na sede estatutária, constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas e sendo a carta recebida, não por representante legal ou empregado, mas por terceira pessoa, sem qualquer vínculo à sociedade, é de presumir, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que este teve conhecimento dos elementos que foram deixados ao terceiro (cf. arts. 225°, n° 4, 228°, n° 2, 3 e 4, 230°, n° 1 , ambos do CPC, aplicável à citação das pessoas coletivas por força do disposto no art. 246º, n° 1, do mesmo Código). Dos factos provados resulta designadamente que:
- A citação da ré, através de carta registada com A/R, foi dirigida para o local da sua sede social sendo recebida pelo seu contabilista e ex-administrador, Jo…, que se comprometeu a entregá-la prontamente à Recorrente;
- Por indicação da Administração da ré, a sua correspondência era recebida na morada da sede, por Jo… que a enviava ao administrador A…, ficando com cópia na sede;
- O administrador A… foi suspenso da sua qualidade de presidente do Conselho de Administração da ré por decisão de 12/05/2015 tendo apresentado renúncia de membro do Conselho de Administração em 31/10/2015;
- A administração da ré nunca comunicou a Jo… que deixasse de receber a correspondência ou que a entregasse a qualquer outro membro da Administração, nomeadamente a M….
Em face do aludido circunstancialismo, pode afirmar-se que a carta de citação foi rececionada na sede da ré, não verdadeiramente por um terceiro, mas por pessoa equiparada a “funcionário” uma vez que deve entender-se que “funcionário” não é “apenas o subordinado com vinculação formal em termos de contrato de trabalho subordinado, mas também qualquer pessoa ligada à pessoa coletiva (latu sensu) por um vínculo, de natureza civil (máxime de prestação de serviços), ou por outro que a constitua no dever de lhe comunicar a ocorrência de atos praticados por terceiro que a tenham por destinatário ou lhe digam respeito.”[1]
Por “funcionário” da citanda na terminologia usada pelo artº 246º do CPC deve assim considerar-se “qualquer pessoa que tenha o dever contratual de comunicar a ocorrência de atos praticados por terceiro que tenham a pessoa coletiva por destinatário ou que lhe digam respeito.”[2]
No caso, a carta para citação da ré foi recebida pelo seu contabilista pessoa que sempre esteve encarregue, pela administração, de receber toda a correspondência e de a enviar à administração.
Evidencia-se, assim ter sido cumprido o ritualismo processual inerente à citação da ré, sustentando esta que apesar de tal ritualismo não teve conhecimento efetivo do ato de citação, verificando-se, por tal, falta da sua citação.
A falta de citação só se tem por verificada, para além de outras razões que não relevam para o caso, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável [cfr. artº 188º n.º 1 al e) do CPC].
Na sentença recorrida, a nosso ver bem, reconheceu-se não ter havido falta de citação da ré, uma vez que a alegada omissão de entrega à administração da carta que foi enviada pelo tribunal para sua citação, que em seu entendimento determinou não ter conhecimento atempado do ato, é-lhe imputável, decorrendo tal imputabilidade da respetiva (des)organização interna no âmbito do recebimento da correspondência, pelo que mesmo ocorrendo o efetivo desconhecimento do ato de citação, esta deve considerar-se regularmente efetuada, independentemente das suas consequências.[3]
Estamos, assim, com o Julgador a quo quando afirma: “… embora alegado pela recorrente não logrou a mesma provar que sem culpa sua não tomou conhecimento do ato de citação, visto que conforme descrito pela testemunha Jo… (contabilista da R. e vogal da administração até 19 de Novembro de 2014, data em que renunciou) que foi desde sempre quem recebeu a correspondência da R., na sede legal da mesma, remetendo-a para A… (administrador da R. suspenso em 12 de Maio de 2015 das funções de presidente do conselho de administração, tendo renunciado em 31 Outubro de 2015 a membro da administração), mesmo após a sua renúncia a membro da administração da R. continuou a receber a correspondência que era enviada para a R. situando-se a sede legal da R. na mesma morada e local físico onde se situava o seu escritório de contabilidade. Mais resultou da prova produzida que a R. nunca contactou Jo… dando-lhe indicações para não receber a correspondência (tendo-a recebido até meio do ano de 2016 deslocando-se à morada da sede da R. para o fazer dado que entretanto já tinha mudado o seu escritório para outro local) ou para encaminhar a correspondência para outro local ou outra pessoa, continuando Jo… a receber a correspondência e a enviá-la para A…, ficando com cópia do que enviava para o mesmo, e tendo até o zelo de guardar consigo a documentação da empresa que foi recebendo para que não ficasse abandonada nas instalações visto que somente ele a recebia.
Assim, por parte da R. não houve o cuidado, a diligência necessária, o interesse em garantir que recebia a correspondência que lhe fosse remetida para a sua sede, nem tão pouco procedeu à mudança da sede, nomeadamente para a morada da única administradora que restou no conselho de administração, conforme alega, ou dando indicações de encaminhamento de correspondência para essa morada daí que sibi imputat.
Na verdade, estatui o art.º 188.º n.º 1 al. e) CPC que «Há falta de citação: (…) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe seja imputável.».
Desta feita, para que a presunção de conhecimento do ato decorrente do envio da carta registada para a morada da sede da R. seja ilidida e se conclua pela falta de citação do destinatário não basta a prova pela R. de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe seja imputável conforme exigido pelo art.º 188.º n.º 1 al. e) in fine (Ac. TRE de 13.09.2018 in www.dgsi.pt ).” Não tendo a ré empregados e tendo havido renúncia de membros do Conselho de Administração, não querendo a Administração vigente que o recebimento da correspondência continuasse a ser efetuado nos mesmos moldes que sempre ocorreram, impunha-se-lhe que tomasse as devidas medidas tendentes a obviar, quer ao extravio da correspondência, quer à sua efetiva entrega à administração em exercício, o que manifestamente não aconteceu, pois constata-se que a ré tinha e continua a ter a sua sede, em local onde os administradores não vão, não tendo havido quaisquer instruções tendentes a possibilitar que a correspondência que fosse dirigida à empresa passasse a rer recebida por outrem e não pelo contabilista, ou canalizada para outras instalações, nomeadamente a residência de algum dos administradores em exercício, atendendo a que em conformidade com o que dispõe o artº 246º do CPC, impende sobre a sociedade o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno a citação enviada por um tribunal.
Não tendo sido recusada a assinatura do aviso de receção nem devolvido o expediente, sendo conhecido por constar do RNPC o local da sede da ré, para onde a correspondência do tribunal foi enviada, não se impunha que fossem tomadas outras medidas com vista a efetivação da citação, designadamente a citação ser efetuada através de contacto pessoal com algum dos seus administradores nos termos do artº 231º n.º 1 do CPC com referência ao disposto nos artº 246º n.º 1 e 223º n.º 1 do CPC).
Não provou, assim, a ré inexistir culpa sua no não conhecimento atempado do teor da respetiva citação. Nestes termos irrelevam as conclusões da recorrente, não se mostrando violados os preceitos legais cuja violação foi invocada, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a sentença recorrida.
DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas de parte pela recorrente.
Évora, 23 de abril de 2020
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Manuel Bargado
__________________________________________________
[1] - v. Lebre de Freitas in Código de Processo Civil, vol. I, 2008, 408
[2] - V. Rui Pinto in Citações e Notificações na ação Executiva, 1ª Edição, 31.
[3] - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, 227.