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ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
RESPOSTAS AOS QUESITOS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
REPETIÇÃO
INCAPACIDADE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Sumário
I – Não se deve confundir problemas concretos a decidir, definidos nos termos do n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, ou seja, as concretas questões que são colocadas pelas partes ao julgador, com a omissão de pronúncia sobre determinado facto, uma vez que se na primeira situação se verifica uma situação de omissão de pronúncia; já na segunda estamos perante um erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil, que apenas levará à nulidade da sentença, ao abrigo do art. 662.º, nºs. 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil, se tal facto se revelar essencial para a questão a decidir. II – Sendo o relatório pericial realizado no âmbito das acções emergentes de acidentes de trabalho sujeito à livre apreciação do julgador (art. 389.º do Código Civil), e estando em causa o apuramento de uma IPATH, determinar se, na situação em apreço, o sinistrado, após o acidente, não voltou a trabalhar e se tal se ficou a dever ao facto de não conseguir agarrar objectos com a mão esquerda, traduz-se num facto essencial para a questão a decidir. III – A resposta da junta médica que não atribui uma IPATH ao sinistrado, ficando apenas a constar “Não. Incapacitam na medida da sua IPP, considerando que é destro, e mantém apreensão da mão esquerda” é manifestamente insuficiente, uma vez que não esclarece quais sejam as funções inerentes à actividade que praticava à data do acidente que o sinistrado pode continuar a exercer e, tendo em atenção, que tal actividade é de risco, se a incapacidade que passou a padecer aumentou os riscos para a saúde e integridade física do próprio e de terceiros. IV – Assentando um dos factos dados como provados num relatório pericial manifestamente insuficiente, que, por isso mesmo, necessita de concretização, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, tal circunstância implica a anulação da sentença proferida, devendo, consequentemente, ser determinada a realização de nova perícia médica da especialidade de ortopedia, por ser esta a especialidade adequada atentas as lesões do sinistrado, a fim de serem esclarecidas as questões supra mencionadas. (sumário da relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório
O sinistrado A… veio participar acidente de trabalho de que foi vítima, o qual ocorreu em 21-01-2017, pelas 10h45, em Serpa, quando se encontrava ao serviço de J…, o qual tinha transferido a responsabilidade infortunística para a seguradora “T…”.
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Em 04-08-2017, foi realizada perícia médico-legal ao sinistrado, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial de 4,96%, sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixada em 16-02-2017 e a incapacidade temporária absoluta fixada em 27 dias.
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Realizada a tentativa de conciliação, não houve conciliação das partes, devido ao facto de o sinistrado não concordar com a IPP atribuída e de a seguradora não reconhecer o acidente sofrido como de trabalho nem aceitar o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas.
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O sinistrado A… (A), com o patrocínio do M.º P.º, veio intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra J…, SA” (RR), solicitando, a final, que sejam as RR. condenadas a pagar ao A.
- pensão global, anual e vitalícia, com início no dia seguinte ao da alta definitiva;
- a quantia de €383,81, a título de diferencial de 27 dias de incapacidade temporária absoluta;
- a quantia de €140,00, a título de despesas de transportes; e
- juros de mora sobre todas as importâncias em dívida, à taxa legal, desde o vencimento e até integral pagamento.
Requereu ainda a realização de exame por junta médica, nos termos do art. 139.º do Código de Processo do Trabalho, formulando os respectivos quesitos.
Em síntese, alegou que, em 2017, trabalhava sob as ordens e direcção do 1.º Réu Joaquim Horta, exercendo funções de trabalhador agrícola, auferindo a retribuição base mensal de €557,00 e subsídio de alimentação no montante diário de €3,52, tendo o 1.º Réu celebrado com a 2.ª Ré um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 0004335561, para transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores.
Mais alegou que, no dia 21-01-2017, pelas 10h45, em Serpa, no exercício das suas funções e por ordem do 1.º Réu, o A. foi atingido na mão esquerda por uma motosserra, com a qual estava a trabalhar, sendo-lhe, posteriormente, atribuída uma IPP de 4,96%, com a qual o A. não concorda, pois desde a data do acidente não consegue agarrar objectos com a mão esquerda, dada a reduzida sensibilidade que tem.
Alegou ainda que já se deslocou seis vezes de Serpa a Beja para consulta no médico da seguradora e uma vez ao tribunal.
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O R. J… contestou, solicitando, a final, a procedência da acção, devendo a companhia de seguros ser condenada na medida da sua responsabilidade.
Alegou, em síntese, que o R. já manifestou a sua concordância com o acidente, aceitando-o como acidente de trabalho, tenho transferido a sua responsabilidade para a R. Companhia de Seguros, sendo que nas condições particulares está previsto que a companhia cobre o risco de quatro trabalhadores agrícolas, cada um com um salário base de €557,99, constando ainda “Natureza dos trabalhos: Trabalhos Agrícolas – utiliza pontualmente motosserra”.
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A R. “S…, S.A.” contestou, solicitando, a final, que o contrato de seguro de acidente de trabalho fosse considerado inválido e ineficaz, sendo a 2.ª R. absolvida do pedido.
Para o efeito alegou, em síntese, que não foi validamente transferida para a 2.ª R. a responsabilidade por acidente de trabalho, uma vez que foi celebrado entre o 1.º R. e a 2.ª R. um contrato de seguro de acidente de trabalho nos termos da modalidade “fixo sem nomes”, abrangendo um número de quatro trabalhadores agrícolas eventuais, sendo que, à data do acidente, na unidade de exploração abrangida pelo seguro prestavam a sua actividade, por conta e direcção do 1.º R., doze trabalhadores agrícolas, sendo que a cobertura do seguro abrangia apenas o capital seguro referente aos salários de quatro trabalhadores, valor esse que precedeu a determinação do prémio do contrato.
Alegou ainda que, segundo a cláusula 7 das condições gerais, o tomador do seguro está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador, sendo que, de acordo com a cláusula 8, o Segurador não está obrigado a cobrir o sinistro nessas condições, razão pela qual o 1.º R., ao declarar que na unidade de exploração em causa, tinha ao seu serviço quatro trabalhadores, violou dolosamente o dever de declarar com exactidão as circunstâncias relevantes para avaliação inicial de risco, uma vez que na modalidade de prémio de contrato de prémio fixo sem nomes é elemento essencial do contrato a declaração do número exacto de trabalhadores, visto que é através desse elemento que a seguradora avalia o risco a transferir e define as condições contratuais.
Alegou também que a conduta do 1.º R. constitui uma conduta manifestamente fraudulenta, na medida em que, tomando vantagem da modalidade do seguro contratado (fixo sem nomes), sempre poderia participar o evento de qualquer um dos trabalhadores ao seu serviço (doze), pagando apenas o equivalente a quatro trabalhadores, sendo que a violação do dever contratual pelo 1.º R. origina a invalidade do contrato de seguro celebrado.
Alegou, por fim, que, na declaração de risco, o 1.º R. indicou que a cobertura do contrato se destinava a trabalhadores agrícolas com utilização pontual a motosserra, o que também não corresponde à verdade, uma vez que o sinistrado foi contratado para campanha de limpeza das árvores, cuja função se realizaria com recurso contínuo e necessário à motosserra, tendo o 1.º R., também nesta parte, incumprido os deveres de declaração do risco.
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Foi proferido despacho saneador, onde foi fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.
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Por apenso, foi realizada, a 05-12-2018, junta médica, na qual foi mantida a IPP em 4,96%.
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Em 29-01-2019, foi proferida decisão no referido apenso com o seguinte teor:
Por todo o exposto, e ao abrigo do disposto pelo artigo 140.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, declaro que o sinistrado apresenta como sequelas: rigidez da interfalângica proximal do segundo dedo e amputação parcial da falange distal do 3.º dedo (menos de 50%) da mão esquerda, as quais determinam uma IPP de 4,96%, sem IPATH.
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Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 22-07-2019, com a seguinte decisão:
Por tudo o exposto, decido:
1) Fixar ao Sinistrado A… uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 4,96%, desde a data da alta (16.02.2017);
2) Condenar o Réu J… a pagar ao sinistrado:
i. O capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de €29,57 (vinte e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), devida desde 16.02.2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal cível, desde o dia seguinte ao da alta até efetivo e integral pagamento;
ii. A quantia de € 44,11 (quarenta e quatro euros e onze cêntimos) a título de indemnização por 27 dias de ITA, quantia a que acrescem juros de mora à taxa civil desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.
3) Condenar a Ré S…, S.A. a pagar ao sinistrado:
i. O capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de € 270,75 (duzentos e setenta euros e setenta e cinco cêntimos), devida desde 16.02.2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde o dia seguinte ao da alta até efetivo e integral pagamento;
ii. A quantia de € 339,71 (trezentos e trinta e nove euros e setenta e um cêntimo), a título de diferencial de indemnização por 27 dias de ITA, quantia a que acrescem juros de mora à taxa civil desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.;
iii. A quantia de €140,00 (cento e quarenta euros) referente a deslocações efetuadas pelo sinistrado em virtude do acidente dos autos, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data da presente sentença.
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Não se conformando com tal sentença, veio a R. “S…, S.A.” interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: A. O tribunal incorreu num lapso na apreciação da prova testemunhal produzida em julgamento uma vez que todas as testemunhas inquiridas (em especial N…), bem como o próprio Autor, declararam que, à data do acidente (coincidente com a da contratação), trabalhavam para o Recorrido mais de 4 pessoas. B. Isto mesmo foi admitido pelo tribunal na sentença recorrida; C. Ora, provando-se o facto essencial alegado pela Recorrente (que o número de trabalhadores ao serviço do Recorrido era superior ao número por este indicado – 4), era irrelevante provar-se se eram 5, 12 ou mais. D. Assim, com base na reapreciação dos depoimentos indicados, deverá ser alterada a factualidade constante na al. a) dos factos “não provados”, sendo esta aditada aos factos “provados” com a seguinte redacção: “À data em que o 1º Réu transferiu aresponsabilidade emergente de acidente de trabalho dos trabalhadores para a 2ª ré e doacidente, na unidade de exploração do 1º Réu, prestavam a sua atividade, por conta e direção do 1.º R., mais de 4 (quatro) trabalhadores. E. Ora, com base nesta factualidade, a que acrescem as declarações quanto à regularidade do uso de motosserras pelos dos trabalhadores (matéria dada como provada), verifica-se que o Recorrido prestou declarações inexatas aquando da contratação do seguro, violando o dever de declaração inicial de risco previsto no art. 24.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril. F. O que fez certamente a título doloso, para evitar o necessário agravamento do prémio. G. Nessa medida, deverá ser eliminado do elenco dos factos “não provados” a sua al. b), sendo o mesmo aditado aos factos “provados”. H. E como à Recorrente apenas se impunha a prova de que o Recorrido prestou declarações inexactas e, bem assim, a prova de que estas influiram na celebração do contrato de seguro e respectivas condições para ver declarada a invalidade do contrato - o que, manifestamente, logrou fazer; I. Pois que as circunstâncias acima descritas levaram a Recorrente à fixação de um prémio inferior àquele que era devido na realidade; J. Deverá a douta sentença recorrida ser alterada, sendo o contrato declarado nulo, nos termos previstos no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.
Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deverá a presente Apelação ser julgada procedente, sendo a sentença reformulada nos termos supra referidos, assim se fazendo a costumada Justiça!
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Não se conformando igualmente com tal sentença, veio o A. A…, representado pelo M.º P.º, interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: 1. Não resultou provado nem não provado o seguinte facto elencado na PI: «o Autor não voltou a trabalhar, por não conseguir agarrar objectos com a mão esquerda, dada a reduzida sensibilidade que tem.» 2. Discutindo-se nos autos existência de IPATH e existindo informação que o sinistrado se encontra desempregado, tem enorme relevância apurar se tal situação é, ou não, consequência das sequelas do acidente. 3. Assim, tais factos (provados ou não) devem constar da sentença a proferir nos autos. 4. Nada se referindo na matéria de facto quanto a este aspecto, verifica-se omissão de pronúncia, o que configura nulidade, nos termos art. 607º, nº4 e 615º, nº1, al. d) do CPC. 5. Nulidade da sentença que expressamente se vem arguir, nos termos do disposto no art. 77º, nº2 do Cód. Proc. Trabalho e cuja declaração se requer, com as legais consequências. 6. A decisão de fixação de incapacidade para o trabalho, constante do respectivo apenso, foi proferida sem que estivesse junta aos autos informação sobre o posto de trabalho habitual do sinistrado à data do acidente, esclarecendo se ocorreu modificação após o sinistro, se ocorreu reconversão profissional do sinistrado, bem como sem o envio do parecer do médico do trabalho depois da alta/ficha de aptidão para o trabalho. 7. Sustenta-se na indicada decisão que a circunstância de o sinistrado se encontrar desempregado, justifica que não se insista com a entidade empregadora, pela junção de tais meios de prova. 8. No entanto, a situação de desemprego do sinistrado, atento o parecer do IEFP, parece ser uma óbvia consequência da sua incapacidade para o desempenho das suas habituais tarefas. 9. As informações a fornecer pelo empregador (1º Réu) permitirão concluir com exactidão se o acidente determinou, ou não, a actual situação de desemprego do Autor. 10. Ao proferir decisão sem efectiva junção aos autos de tais elementos de prova, a Mmª Juíza incorreu em violação do art. 139º, nº7 do CPT. 11. Consequentemente, possibilitando os elementos de prova omitidos a alteração da decisão em matéria de facto, tal é motivo de anulação da sentença, nos termos do art. 662º, nº2, al. c) do CPC, o que se requer. 12. O recorrente impugna a decisão proferida quanto à matéria de facto, o que faz em cumprimento do disposto no art. 640º, nº1 do CPC, considerando incorrectamente julgado o ponto 19) dos factos provados: «Na sequência do acidente o sinistrado sofreu uma ferida da mão esquerda (passiva) na face palmar com lesão tendinosa (tendão extensor) e apresenta rigidez da interfalangica proximal do segundo dedo e amputação da falange distal do 3º dedo (menos de 50%) da mão esquerda (passivo), tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 4,96% desde a data da alta fixada pelo perito médico legal em 16.02.2017 no apenso de fixação da incapacidade.» 13. Os meios probatórios que impõem decisão diferente em matéria de facto são (para além das já mencionadas informações/parecer/Ficha de Aptidão para o Trabalho omitidas pelo empregador), o relatório de exame médico de fls. 68 e segs., e o parecer do IEFP de fls. 66 e segs. 14. Os indicados meios probatórios permitem divergir fundamentadamente do entendimento da junta médica, não podendo ser desvalorizado o parecer do IEFP, IP, o qual é esclarecedor quanto às funções exercidas pelo sinistrado, elencando-se as tarefas por este desempenhadas à data do acidente e as respectivas exigências físicas, bem como a impossibilidade do seu desempenho actual. 15. Na verdade e diversamente do decidido em sede de decisão de fixação de incapacidade para o trabalho, não são compagináveis, mas sim contraditórias, as exigências profissionais descritas no parecer do IEFP, as sequelas apresentadas pelo sinistrado e as conclusões a que chegou a junta médica. 16. De acordo com o parecer do IEFP, o trabalhador agrícola/motosserrista, designadamente: «9.9. Realiza, com frequência, praticamente, diária, o corte e abate de árvores, utilizando, à força de ambos os braços, uma motosserra a gasolina; manobraa, com as mãos, por meio de comandos adequados (manípulos, aceleradores), na posição ortostática, curvado para a frente, subindo em escadote, sempre que necessário, exercendo força e pressão sobre a superfície a cortar; opera o equipamento, orientando-o, manualmente, obedecendo a determinados ângulos, conforme os resultados de queda pretendidos; 9.10. Amarra, à força de ambos os braços, cabos de aço ás árvores intervencionadas; coloca cunhas nos cortes para orientar o sentido da queda;9.11. Efetua, com regularidade praticamente diária, durantes várias horas seguidas, apenas com pequenas pausas de descanso, a traçagem e toragem das árvores abatidas, mediante a utilização, à força de braços, da referida motosserra; mede, previamente, com uma vara/medida, os toros que corta de acordo com a finalidade e aproveitamento futuro para madeira; 9.12. Empilha, à força de ambos os braços, os troncos obtidos, com o auxílio de suportes no chão para evitar desmoronamentos, para posterior transporte.» 17. O parecer identifica as seguintes condições de execução do trabalho exigidas ao trabalhador: «10.5. O trabalhador deve poder conseguir efetuar flexões frontais e torsões laterais do tronco; ser capaz de efetuar a extensão do pescoço, bem como a trabalhar com os braços estendidos em frente e acima dos ombros, praticamente em todas as atividades já descritas; 10.6. O trabalhador deve ser capaz de se locomover, com desembaraço, deslocando, empurrando ou mesmo carregando, muitas vezes sem possibilidade de qualquer ajuda, pesos, referentes a troncos e ramos de árvores diversas, e motosserra (peso aproximado dos três quilos); 10.7. O trabalhador deve possuir firmeza de ambos braços-mãos, nomeadamente para manter a motosserra nas direções corretas de corte; 10.8. O trabalhador deve poder conseguir mobilizar, com destreza, ambos os braços, mãos e dedos em grande parte das operações já descritas no ponto 7, mais precisamente nas que envolvem o manuseamento da motosserra.» 18. Na sequência do acidente o sinistrado sofreu, de acordo com a junta médica, uma ferida da mão esquerda na face palmar com lesão tendinosa (tendão extensor) e apresenta rigidez da interfalangica proximal do segundo dedo e amputação da falange distal do 3º dedo (menos de 50%) da mão esquerda. 19. Sendo certo que o exame médico-legal singular relata que o sinistrado «não tem força no 2º e 3º dedo.» 20. No entanto, foi considerado pela junta médica que as sequelas apresentadas pelo sinistrado não são impeditivas do trabalho habitual, «considerando que é destro e mantém a pressão da mão esquerda. 21. Importa ponderar que estes aspectos (ser destro e fazer pressão com a mão) não permitem o uso de motosserra, sem riscos acrescidos, não permitem o adequado manuseamento e posicionamento de troncos e madeiras para corte, suportando a óbvia trepidação, sendo que não há sensibilidade, força e flexibilidade em 2 dedos. 22. Resulta, deste modo, claro, que o Autor não reúne condições físicas para desempenhar as tarefas de motosserrista, sendo evidente que não voltou a trabalhar. 23. O IEFP, IP é de parecer que um pleno desempenho profissional do trabalho habitual do sinistrado, exige uma «adequada destreza física, nomeadamente dos membros superiores, de modo a ser capaz de manusear uma motosserra, por vezes em altura, em segurança - capacidade essa que o trabalhador relata atualmente não possuir, em virtude das sequelas do acidente, designadamente ao nível da mão esquerda.» 24. No caso, decorre da sentença de fixação de incapacidade que o sinistrado está desempregado, tendo resultado provado na sentença final que: «4) Os serviços clínicos da 2ª Ré não trataram o autor e deram-lhe alta administrativa a 10/3/2017.» 25. Por outro lado, resultando do relatório do IEFP que:«12. Assim, depois do acidente, igualmente segundo o seu relato, considera não ter obtido uma recuperação do seu estado de saúde, sendo que, deste modo, sofre, ainda hoje, de diversas limitações que o impedem de realizar de forma integral e profissional as tarefas do posto de trabalho atrás descrito, tais como: 12.1 O trabalhador refere que não consegue manusear adequadamente e em segurança a motosserra por ter perdido força e sensibilidade nos dedos e mão esquerda, tal como carregar pesos da madeira e troncos; 12.2. o trabalhador ilustra as suas dificuldades relatando que passou a ter dificuldade em manusear os talheres com a mão esquerda. 13. Depois do acidente, foi-lhe concedida alta logo após a intervenção cirúrgica, ficando sem apoio da seguradora. Atualmente encontra-se, em casa, desempregado e sem rendimento, a aguardar a decisão do Tribunal, encontrando-se numa situação monetária precária subsistindo com o apoio da mãe.» 26. Consequentemente, a Ré seguradora não deu assistência ao sinistrado, atribuindo-lhe uma alta prematura (administrativa) e o sinistrado não recuperou integralmente a sua saúde encontrando-se sem emprego e sem rendimentos, por não conseguir trabalhar atentas as sequelas do acidente. 27. No entanto, a junta médica considerou que, dado as lesões afectarem a mão não dominante, o Autor bem pode fazer pressão com a mão esquerda e que tal é o suficiente para o desempenho das suas tarefas como trabalhador agrícola/motosserrista. 28. Não se percebe como alguém sem sensibilidade, força e flexibilidade em dois dedos da mão esquerda, pode manobrar, sem riscos, uma motosserra, segurando (mesmo em altura) pedaços de madeira, suportando a trepidação que este tipo de operação comporta. 29. É manifesto que o trabalhador deve consegue mobilizar, com destreza, ambos os braços, mãos e dedos em grande parte das operações descritas no relatório do IEFP. 30. Na verdade, o desempenho das tarefas próprias do trabalho habitual do sinistrado não lhe é possível, razão pela qual não voltou a trabalhar. 31. Assim, o teor do relatório do IEFP contradiz o entendimento unanime da junta médica, que foi acolhido pela Mmª Juíza na sentença de fixação de incapacidade e depois na sentença final. 32. Logo, ponderando a situação do sinistrado, deveria ter-se concluído que o Autor apresenta IPATH, quer na decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, quer no facto nº 19 da factualidade dada como provada. 33. Os supra mencionados meios de prova impõem que se considerem provados os seguintes factos: 19 «Na sequência do acidente o sinistrado sofreu uma ferida da mão esquerda na face palmar com lesão tendinosa (tendão extensor) e apresenta rigidez da interfalangica proximal do segundo dedo e amputação da falange distal do 3º dedo (menos de 50%) da mão esquerda, sendo-lhe sido atribuída uma IPP de 4,96%, com IPATH para a profissão de trabalhador agrícola/motosserrista, desde a data da alta - 16.02.2017.» 34. Verificando-se, assim, que o sinistrado não é reconvertível em relação ao seu anterior posto de trabalho, deve este, ainda, beneficiar do factor de bonificação de 1,5, nos termos do art. 5º, al. a) da Instrução Geral da Tabela Nacional de Incapacidades. 35. Tendo decidido de modo diverso, a Mmª Juíza incorreu em violação do disposto nos arts. 140º, nº1 do CPT; 5º, al. a) da IG da TNI; 48º, nº3, al. b) e 67º, nº4 da LAT, que não lhe permitem tal entendimento. 36. Em consequência deve ser revogada a decisão proferida nos autos de fixação de incapacidade apensos, e consequentemente, deve ser igualmente revogada a sentença proferida nos autos, alterando-se a matéria de facto provada nos termos propostos supra e decidindo-se que o sinistrado apresenta IPP de 4,96%, acrescido do factor de bonificação 1.5, com IPATH, para a profissão de trabalhador agrícola/motosserrista, desde a data de alta, condenando-se a seguradora e o empregador no pagamento da correspondente pensão e subsídio de elevada incapacidade, na proporção das respectivas responsabilidades.
Assim se fazendo Justiça.
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O A. A… apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela 2.ª R., apresentando as seguintes conclusões 1. Nas conclusões das suas alegações, a recorrente não cumpre o previsto no art. 640º, nº1, al. b) e nº2 e nº2, al. a) do CPC, ao não elencar os concretos meios probatórios, de registo ou gravação que, eventualmente, imponham decisão diversa. 2. Por tal omissão, deve o recurso ser rejeitado. 3. Na perspectiva do sinistrado, a factualidade dada como provada permite concluir pela validade do contrato de seguro, aceitando-se, nesse âmbito a sentença proferida. 4. No entanto, caso se conclua pela invalidade do contrato de seguro, sempre o empregador deverá responder pelas indemnizações e pensões e demais direitos patrimoniais devidos ao sinistrado.
Assim se fazendo Justiça
…
A 2.ª R. “S…, S.A.” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo A., apresentando as seguintes conclusões:
A. A sentença proferida não enferma de qualquer nulidade. A matéria que o Recorrente alude ter sido desconsiderada pelo douto Tribunal não tinha, de facto, de o ser, na medida em que não foi levada à base instrutória.
B. A sentença proferida também não deverá ser anulada nos termos requeridos pelo Recorrente: ordenar a realização de exames complementares nos termos do artigo 139.º/7 do C.P.T. é um acto discricionário da iniciativa do Juiz se, em função do resultado da junta médica, resultar alguma dúvida sobre as conclusões da mesma, não se encontrando o Tribunal obrigado a ordená-lo em todo e qualquer caso.
C. Mais entende o Recorrente que a Mma. Juiz a quo não deveria ter aceitado o resultado da junta médica quanto à inexistência de IPATH. Contudo, as conclusões da Junta Médica são o resultado de toda a avaliação médica realizada pelos Senhores Peritos Médicos e da análise de todo o acervo documental referente aos exames médicos realizados ao Recorrente.
D. As respostas unânimes dos Senhores Peritos são claras, fundamentadas, e esclarecem a natureza das lesões do Recorrente.
E. Inexiste, pois, qualquer fundamento para se discordar das conclusões do exame por Junta Médica realizado nos presentes autos.
F. Acresce que de nenhum dos relatórios que o Recorrente se socorre para requerer a alteração da decisão do Tribunal – o relatório do GML e o relatório do IEFP – resulta conclusão diversa da Junta Médica quanto a uma IPATH.
G. Mais, a atribuição de IPATH nunca poderia ser feita com base em tais relatórios pois que pressupõe a existência de uma junta pluridisciplinar que integra um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado, e um médico representante da entidade responsável.
H. O parecer do IEFP não é realizado por peritos médicos, mas antes por técnicos sem qualificação para apreciação dos danos corporais e que, in casu, nem sequer observaram o sinistrado.
I. Face ao exposto, deverão ser mantidos os termos em que foi proferida a douta sentença do Tribunal a quo, que reconhece uma IPP ao Recorrente de 4,96%.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, só assim se fazendo Justiça!
…
O tribunal de 1.ª instância admitiu ambos os recursos como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos. Já relativamente aos efeitos, atribuiu ao recurso interposto pela R. o efeito suspensivo (em virtude do pagamento de uma caução) e ao interposto pelo A. o efeito meramente devolutivo.
Após terem sido recebidos os recursos nos seus exactos termos e terem sido dispensados os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
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II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são: (1.º recurso - “S…, S.A.”) 1) Impugnação da matéria de facto; 2) Nulidade do contrato de seguro; (2.º recurso – A…) 3) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 4) Nulidade da sentença por insuficiência de elementos de prova; 5) Impugnação da matéria de facto; e 6) Fixação ao Autor de uma IPATH.
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III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria factual: 1) O Autor nasceu a 24/10/1974. 2) O 1º Réu Entidade Patronal celebrou com a 2ª Ré Seguradora um contrato de seguro, titulado pela apólice nº 0004311030 para transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores, na modalidade “fixo sem nomes”, abrangendo um número determinado de trabalhadores e competindo ao 1.º R a indicação do número de trabalhadores abrangidos, para efeitos de cobertura do seguro e determinação do capital seguro e cálculo do prémio. 3) O referido contrato, com efeitos a 10.01.2017 e termo a 08.02.2017, abrangia 4 (quatro) trabalhadores agrícolas; a cobertura do seguro abrangia o capital seguro referente aos salários de 4 trabalhadores (557,00€ x 14 meses x 4 trabalhadores = 31.192,00 €), e abrangia a atividade de trabalhos agrícolas com indicação de utilização pontual a motosserra. 4) Os serviços clínicos da 2ª Ré não trataram o autor e deram-lhe alta administrativa a 10/3/2017. 5) A 2ª ré pagou ao Autor 64,08€ a título de indemnização por incapacidade temporária. 6) Procedeu-se a Tentativa de Conciliação no dia 15/1/2018, a qual se veio a frustrar. 7) O Autor não concordou com a IPP e reclamou o pagamento de pensão anual e vitalícia, com início no dia seguinte ao da alta definitiva, resultante da incapacidade permanente que lhe for fixada na Junta Médica; reclamou a quantia de 383,81€, a título de diferencial de ITA; reclamou a quantia de 120€, a título de despesas de deslocação ao médico da seguradora e o valor de 20,00€ referente a despesas de transportes para vinda ao Tribunal. 8) A Ré Entidade Patronal reconheceu o acidente sofrido pelo sinistrado como acidente trabalho. Aceitou o nexo de causalidade entre tal acidente de trabalho e as lesões sofridas pelo sinistrado. Reconheceu que a vítima auferia na data do acidente a retribuição de salário base – 557€ x 14m; subsídio de alimentação – 3,52€ x22d x11m, na totalidade anual de 8.649,84€. 9) Concordou com a ITA e com a IPP de 4,96% que foi atribuída ao sinistrado. Considerou que transferiu integralmente a sua responsabilidade para a companhia seguradora, pelo montante salarial total auferido pelo sinistrado, admitindo a possibilidade do subsídio de alimentação poder não estar transferido. Nestas circunstâncias, e com a indicada exceção, não aceitou qualquer obrigação patrimonial para com o sinistrado, por virtude do acidente dos autos. 10) A Ré Seguradora não reconheceu o acidente sofrido pelo sinistrado como acidente trabalho. Não aceitou o nexo de causalidade entre tal acidente de trabalho e as lesões sofridas pelo sinistrado. Não aceitou que a responsabilidade por acidentes de trabalho em relação ao sinistrado nos autos estava para si transferida com referência ao montante de salário base - 557€x14m; subsídio de alimentação – 3,52€x22dx11m, na totalidade anual de 8 649,84€. Não concordou com a ITA que foi fixada ao sinistrado. Não concordou com a IPP de 4,96% que foi atribuída ao sinistrado e não se reconheceu devedora de qualquer quantia ao sinistrado. 11) O 1º Réu dedica-se à agricultura. 12) Em 2017 o Autor trabalhava sob as ordens e direção do 1º Réu, exercendo as funções de trabalhador agrícola. 13) O Autor auferia a retribuição base no valor de 557€ x 14m, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 3,52€ x 22d x11m. 14) No dia 21 de janeiro de 2017, pelas 10.45 horas, em Serpa, no exercício das suas funções por ordem do 1º Réu, o Autor foi atingido na mão esquerda por uma motosserra, com a qual estava a trabalhar. 15) O Autor foi assistido no SU de Serpa e de Beja. 16) O Autor despendeu 120€ em seis deslocações de Serpa a Beja, para consulta no médico da seguradora, em Beja. 17) O Autor despendeu com a ida à diligência obrigatória de Tentativa de Conciliação e para a qual foi convocado a importância de 20€. 18) O sinistrado foi contratado pelo 1ª réu para a campanha de limpeza das árvores, cuja função se realizaria com recurso contínuo e necessário à motosserra. 19) Na sequência do acidente o sinistrado sofreu uma ferida da mão esquerda (passiva) na face palmar com lesão tendinosa (tendão extensor) e apresenta rigidez da interfalangica proximal do segundo dedo e amputação da falange distal do 3º dedo (menos de 50%) da mão esquerda (passivo), tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 4,96% desde a data da alta fixada pelo perito médico legal em 16.02.2017 no apenso de fixação da incapacidade. 20) O autor padeceu de incapacidade parcial absoluta para o trabalho no período de 21.01.2017 a 16.02.2017.
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E deu como não provados: a) À data em que o 1º Réu transferiu a responsabilidade emergente de acidente de trabalho dos trabalhadores para a 2ª ré e do acidente, na unidade de exploração do 1º Réu, prestavam a sua atividade, por conta e direção do 1.º R., 12 (doze) trabalhadores agrícolas. b) O 1º réu sabia, no momento em que transferiu a responsabilidade emergente de acidente de trabalho dos trabalhadores para a 2ª ré, que o número real de trabalhadores ao seu serviço era superior a 4 e omitiu tal informação com o objetivo de pagar um prémio de seguro inferior.
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IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se a sentença sofre de nulidade por omissão de pronúncia ou por insuficiência de elementos de prova; se a sentença errou na apreciação da matéria de facto; se existe nulidade do contrato de seguro; e se deveria ter sido fixada ao Autor uma IPATH.
Em primeiro lugar, por uma questão de metodologia, iremos apreciar as invocadas nulidades da sentença e apenas após se procederá à analise das restantes questões.
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1) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (2.º recurso)
Segundo o Apelante A…, o tribunal a quo, ao não ter dado como provado ou não provado o facto mencionado na PI com o seguinte teor “o Autor não voltou a trabalhar, por não conseguir agarrar objectos com a mão esquerda, dada a reduzida sensibilidade que tem”, incorreu, nos termos dos arts. 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, em nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, uma vez que, por se discutir no processo a existência de IPATH e haver informação de que o Autor se encontra desempregado, estamos perante um facto de enorme relevância.
Dispõe o art. 607.º do Código de Processo Civil que:
1- Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
Dispõe o art. 615.º do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Dispõe, por fim, o art. 662.º do Código de Processo Civil que:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Cumpre decidir.
Tendo o Apelante dado cumprimento ao disposto na anterior versão do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho (à data em vigor), analisaremos então se estamos perante uma situação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Ora, conforme bem esclareceu o Prof. Alberto dos Reis, relativamente à nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, em Código de Processo Civil Anotado[2]:
(…) resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.
Na realidade, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes (tendo de proferir decisão relativamente a todas, com excepção daquelas que tenham ficado prejudicadas por decisões anteriormente tomadas e não podendo decidir de outras a não ser que sejam de conhecimento oficioso), já não aos fundamentos/argumentações invocados.
E isto é assim quer quanto à circunstância de o tribunal não se encontrar obrigado a pronunciar-se sobre toda a argumentação apresentada pelas partes quer quanto à circunstância de poder apresentar argumentação diversa da invocada.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 15-12-2011, no âmbito do processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.
De igual modo, não se deve confundir problemas concretos a decidir, definidos nos termos do n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, ou seja, as concretas questões que são colocadas pelas partes ao julgador, com a omissão de pronúncia sobre determinado facto, uma vez que se na primeira situação se verifica uma situação de omissão de pronúncia; já na segunda estamos perante um erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil, que apenas levará à nulidade da sentença, ao abrigo do art. 662.º, nºs. 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil, se tal facto se revelar essencial para a questão a decidir.
Veja-se sobre esta matéria o acórdão do STJ, proferido em 23-03-2017, no âmbito do processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
Cita-se ainda, pela sua relevância, o acórdão do TRG, proferido em 24-01-2019, no âmbito do processo n.º 9370/15.5YIPRT.G1, consultável em www.dgsi.pt: 4- Não dando o tribunal a quo julgado como facto provado, sequer como facto não provado, que no preço acordado por Autor e Ré para a execução da empreitada já estava incluído o IVA (facto essencial da exceção invocada pela Ré e que, inclusivamente – bem – fora levado aos temas da prova), tal omissão coloca-se exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto, não consubstanciando nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC), mas antes erro de julgamento da matéria de facto, a ser solucionado de acordo com os mecanismos do art. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC). 5- De acordo com esses mecanismos, contendo o processo todos os elementos que permitam ao Tribunal ad quem responder à matéria de facto omitida pela 1ª Instância, deverá fazê-lo; de contrário, designadamente, caso aquele facto não tivesse sido levado aos temas de prova, deverá anular a sentença e ordenar a ampliação do julgamento da matéria de facto a essa factualidade.
Importa referir que as nulidades previstas no art. 662.º do Código de Processo Civil são de conhecimento oficioso.
Assim, e independentemente de ser manifesta a improcedência da nulidade invocada pelo Apelante, analisaremos, à luz do citado art. 662.º do Código de Processo Civil, a relevância do facto que não foi apreciado pelo tribunal a quo.
Resulta, assim, do facto n.º 14.º da PI que:
14.º No entanto, o Autor não voltou a trabalhar, por não conseguir agarrar objectos com a mão esquerda, dada a reduzida sensibilidade que tem.
Aquando do despacho saneador, este facto não ficou a constar da base instrutória, nem dos factos assentes, razão pela qual também não foi apreciado na sentença prolatada.
Resulta ainda da PI que o Apelante não concordou com a IPP que lhe tinha sido fixada, razão pela qual requereu a realização de exame por junta médica, formulando os correspondentes quesitos, nos quais solicitava o apuramento se o “sinistrado é portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual”.
Deste modo, resulta da PI que a existência de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) foi uma das questões colocadas pelo Apelante que importava apurar e decidir.
Por outro lado, sendo o relatório pericial realizado no âmbito das acções emergentes de acidentes de trabalho sujeito à livre apreciação do julgador (art. 389.º do Código Civil), podendo, por isso, o julgador se socorrer de outros elementos de prova, como designadamente o relatório do IEFP, para fundamentar a sua decisão de atribuição, ou não, de uma IPATH, afigura-se-nos que para o apuramento de uma eventual IPATH se revela fundamental e essencial determinar, no caso concreto, por um lado, se o sinistrado, após o acidente, não voltou a trabalhar e, na afirmativa, se tal se ficou a dever ao facto de não conseguir agarrar objectos com a mão esquerda.
Nesta conformidade, uma vez que este facto, apesar de alegado, não foi levado aos temas de prova, dada a sua essencialidade, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, a sentença recorrida deverá ser anulada, ordenando-se a ampliação do julgamento da matéria de facto a esta factualidade.
Por obediência ao princípio da economia processual, tendo-se apurado igualmente que o facto provado n.º 19 assenta no relatório da junta médica realizado em 05-12-2018, sendo que a fundamentação da referida junta médica na resposta dada ao quesito 3.º se revela manifestamente insuficiente, nos termos do citado art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, oficiosamente, apreciaremos, igualmente, esta situação.
Em face da descrição funcional da actividade desenvolvida pelo sinistrado, bem como das exigências que tal actividade implica, pormenorizadamente descritas no relatório do IEFP, (fls. 88 e 89 do apenso de fixação da incapacidade para o trabalho) e da resposta lacónica ao quesito n.º 3 fornecida pela junta médica[3], tal parecer não se mostra suficientemente fundamentado, sendo impossível de apreender quais sejam as funções, de entre todas aquelas que o sinistrado exercia à data do sinistro, que o mesmo pode continuar a desempenhar (se todas ou só algumas delas), para, desse modo, o tribunal poder concluir se o sinistrado se mostra apto a exercer o núcleo essencial da sua actividade profissional ou apenas se revela apto a desempenhar funções meramente residuais.
Incumbirá ainda à junta médica esclarecer, tendo assumido a existência de incapacidade no desempenho da sua actividade por parte do sinistrado (incapacidade na medida da sua IPP), ainda que sem a concretizar, se na actividade diária normalmente exercida pelo sinistrado, fundamentalmente a que se reporta ao uso da motosserra, a incapacidade de que veio a padecer em virtude do acidente de trabalho, aumenta os riscos para a saúde e integridade física do sinistrado e de terceiros.
Nesta conformidade, assentando a fundamentação do facto provado n.º 19 num relatório pericial manifestamente insuficiente, que, por isso mesmo, necessita de concretização, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, tal circunstância implica, de igual modo, a anulação da sentença proferida, devendo, consequentemente, ser determinada a realização de nova perícia médica da especialidade de ortopedia (desconhecendo-se a especialidade dos médicos que participaram na junta médica que consta dos autos), por ser esta a especialidade adequada atentas as lesões do sinistrado, a fim de serem esclarecidas as questões já mencionadas[4].
…
Em face da nulidade da sentença recorrida, que, no caso, implica inclusive nova análise da matéria factual, todas as demais questões suscitadas se mostram prejudicadas.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso interposto pelo Apelante A…, ainda que por fundamentação diversa, totalmente procedente, determinando a anulação da sentença recorrida, devendo, em consequência, o tribunal a quo: 1) Proceder à ampliação da matéria de facto, dando resposta ao seguinte quesito:
a) O sinistrado não voltou a trabalhar, por não conseguir agarrar os objectos com a mão esquerda. 2) Determinar a realização de nova junta médica da especialidade de ortopedia, a qual deverá esclarecer as seguintes questões:
a) Considerando as lesões de que padece o sinistrado, as funções por si desempenhadas à data do acidente e as exigências impostas por tais funções, descritas no relatório do IEFP, quais são as funções que o sinistrado pode continuar a desempenhar; e
b) Se, na actividade diária normalmente exercida pelo sinistrado, fundamentalmente a que se reporta ao uso da motosserra, a incapacidade de que veio a padecer em virtude do acidente de trabalho, aumenta os riscos para a saúde e integridade física do sinistrado e de terceiros.
Relativamente ao recurso interposto pela Apelante “S…, S.A.”, em face da nulidade da sentença recorrida, por se mostrar prejudicado, não se procedeu à sua apreciação.
Custas pela parte vencida.
Notifique.
Évora, 23 de março de 2020 Emília Ramos Costa (relatora) Moisés Silva Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Vol. V, p. 143.
[3] Quesito n.º 3: As sequelas que o sinistrado é portador incapacitam-no de forma absoluta para o exercício do seu trabalho habitual de trabalhador agrícola?; Resposta: Não. Incapacitam na medida da sua IPP, considerando que é destro, e mantém apreensão da mão esquerda.
[4] Veja-se neste mesmo sentido, o acórdão do TRL, proferido em 23-05-2018, no âmbito do processo n.º 13386/16.6T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.