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ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÕES
LEGITIMIDADE PASSIVA
ELEVADORES
INOVAÇÃO
Sumário
i. A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação. ii. Não constitui inovação para os efeitos do nº1 do Artigo 1425º do Código Civil, a obra - aprovada em deliberação da assembleia de condóminos - que consiste na substituição de um elevador antigo por um novo, acompanhado da relocalização do motor existente no 4º piso para o rés-do-chão, num contexto em que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
AA e BB Unipessoal, Lda. Intentam ação declarativa de anulação de deliberações de assembleia de condóminos contra DD e EE, formulando os seguintes pedidos: a anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 12.2.2019 do prédio sito na Rua (…), nº (…), constante da Ata nº 26, que aprovou a proposta de substituição do elevador do prédio de acordo com a proposta da empresa Easylift a anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 12.2.2019, do prédio sito na Rua (…) nº (…), que aprovou o orçamento e proposta de trabalhos da empresa JLCD com a pintura geral de paredes e tetos do vão de escada com as demãos necessárias na cor a definir.
Os Réus contestaram, arguindo a exceção dilatória da falta de legitimidade passiva dos Réus e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.
Em 18.10.2019, foi proferido saneador-sentença que julgou existir a exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos Réus, mas que, ao abrigo do Artigo 278º, nº3, do Código de Processo Civil, conheceu de mérito, com o seguinte dispositivo:
«Termos em que, face ao exposto, julgo a presente acção interposta por AA e BB Unipessoal, lda. contra DD e EE, improcedente, e, em consequência, não se decreta nem a nulidade, nem a anulação, das deliberações tomadas na assembleia de condóminos do dia 12.2.2019, referentes à aprovação da substituição do elevador do prédio id. nos autos de acordo com a proposta da empresa Easylfit e do orçamento e proposta de trabalhos da empresa JLCD para pintura geral de paredes e tectos do vão de escada com as demãos necessárias na cor a definir.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«CONCLUSÕES
I. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou a presente ação improcedente, e, em consequência, não anulou as deliberações impugnadas pelas Autoras.
II. Cinge-se, contudo, o recurso à decisão de não anulação da deliberação relativa à substituição do elevador, conformando-se as Recorrentes com a decisão relativa à pintura de paredes e tetos do vão de escada.
III. O presente recurso abarca ainda a decisão do Tribunal no sentido de que a ação deveria ter sido intentada contra o condomínio.
IV. Não há dúvidas de que o tema da legitimidade passiva nas ações de anulação de deliberação da assembleia de condóminos tem ocupado a jurisprudência e a doutrina, mas não se crê que a solução a acolher seja a perfilhada pelo Tribunal a quo.
V. Os acórdãos citados não fixaram jurisprudência, sendo, de resto, abundante a jurisprudência que acolhe a posição adotada pelas Recorrentes ao intentar a presente ação, de resto, intentada antes da publicação da referida jurisprudência recente de julho e setembro de 2019 que nunca poderia prejudicar as Recorrentes.
VI. A letra da lei, tanto no art. 1433. °, n.º 6, do CC, como no art. 383. °, n.º 2, do CPC de 2013 é muito clara, não deixando margem para qualquer dúvida interpretativa.
VII. Quando um condómino intenta uma ação para impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos está fundamentalmente em litígio com o(s) outro(s) condómino(s), como a prática bem demonstra e como é o caso dos autos.
VIII. Na falta de uma norma que contenha uma indicação em contrário, por exemplo como a que consta do art. 60. ° do CSC (nos termos da qual "Tanto a ação de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade") ou de alteração legislativa clarificadora, não existe motivo para reconhecer legitimidade processual passiva ao Condomínio.
IX. Sendo jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça que as ações para anulação de deliberações tomadas em sede de assembleias de condóminos devem ser intentadas contra os condóminos que as votaram favoravelmente.
X. Pelo que deveria a exceção dilatória invocada pelos Réus ter sido conhecida e julgada improcedente.
XI. Por outro lado, nota-se que o Tribunal a quo identificou, e bem, a única questão que havia a decidir a propósito das deliberações: "saber se houve violação do art° 1425° do CC e se as obras aprovadas através de deliberação por maioria simples correspondem a inovações que deveriam ser aprovadas por maioria de 2/3, sendo, nessa medida, tais deliberações nulas", mas ofereceu a solução errada ao problema.
XII. Nos termos do n° 1 do artigo 1425° do Código Civil, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
XIII. "Inovar" é nada mais, nada menos, do que "criar", "fazer algo de novo", "trazer algo de novo" àquilo que está. Obras inovadoras serão, portanto, aquelas que trazem algo de novo ao que está, algo de "criativo", introduzindo uma "novidade", ou seja, algo diferente daquilo que está. São aquelas que alteram a edificação no seu estado original."
XIV. Nos autos está em causa a substituição integral de um elevador, clássico, com porta de correr, por uma plataforma vertical com cilindro hidráulico, com a consequente relocalização do motor do elevador de um piso superior para o rés- do-chão.
XV. A referida obra representa uma inovação, no sentido do conceito tal como tem vindo a ser construído pela jurisprudência, pelo que tinha de ser aprovada através de maioria correspondente a 2/3 do valor total do prédio.
XVI. Não tendo assim sucedido, a deliberação em causa é nula nos termos do n° 1 e 4, segunda parte, do artigo 1433° do Código Civil - "se os condóminos tomarem deliberações de conteúdo contrário a normas imperativas, a sanção aplicável não pode deixar de ser a nulidade".
XVII. O entendimento do Tribunal a quo vertido na sentença sob recurso resulta de uma incorreta interpretação dos artigos 1433° n°s 1 e 6 e 1425° do Código Civil.
XVIII. Uma interpretação correta do disposto naqueles preceitos impunha que o Tribunal conhecesse da exceção dilatória e a julgasse improcedente e que considerasse procedente o pedido das Autoras em relação à anulação da deliberação referente à substituição do elevador.
XIX. Tendo a sentença sob recurso feito uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 1433° n°s 1 e 6 e 1425° do Código Civil, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes o pedido formulado pelas Autoras no sentido de declarar nula a deliberação que determinou a substituição do elevador e relocalização do motor e que conhece da exceção dilatória invocada pelos Réus e a julgue improcedente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença em crise revogada, substituindo-se por outra que i) conheça da exceção dilatória invocada pelos Réus e a julgue improcedente ii) declare nula a deliberação de substituição do elevador do prédio objeto dos autos e relocalização do motor do mesmo, aprovada por maioria simples, em manifesta violação do disposto no n° 1 do artigo 1425° do Código Civil.»
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Contra-alegaram os apelados, propugnando pela improcedência da apelação, mais sustentando que ocorre ilegitimidade ativa porquanto a sociedade autora não é proprietária da fração “B”, juntando cópia de sentença.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Ilegitimidade ativa da autora;
ii. Ilegitimidade passiva dos Réus;
iii. Se a aprovação da obra do elevador constitui inovação.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1- Autoras e Réus são os únicos condóminos do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal sito na Rua (...) , em Lisboa, composto por 5 fracções (A , B, C, D e E).
2- A Autora AA é proprietária das Fracções C e D do identificado prédio.
3- A Autora BB é proprietária da fracção B do mesmo prédio.
4- Os Réus DD e EE são proprietários das Fracções A e E do prédio em causa.
5- Ás fracções A e E , propriedade dos Réus, corresponde a permilagem de 600 (100+500), e o remanescente (400) às Autoras, proprietárias das Fracções B, C, e D.
6- No dia 12 de Fevereiro de 2019, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária de Condomínio do identificado prédio, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Votação de todos os trabalhos e orçamentos apresentados na Assembleia Geral n°25:
Ponto um: Renovação do elevador
Ponto dois: Renovação e recuperação do hall de entrada e escada edifício Ponto três: Nova porta de entrada para albergar 4 entradas de correio
2. Apresentação de orçamento para restauro dos terraços do piso 5.
3. Limpeza da fachada principal do edifício.
4. Discussão sobre alterações efectuadas à fachada do prédio desde 2015
5. Apresentação de Relatório técnico sobre o estado do edifício.
6. Apresentação das contas de 2019
7. Determinação de provisões/orçamento de condomínio para o ano de 2019
8. Recondução da Administração do condomínio, conforme Convocatória junta como doc.7 com a p.i..
7- Como consta da Acta da referida Assembleia, as Autoras fizeram-se representar por JPM (marido da Autora AA) e os Réus fizeram-se representar pelo seu mandatário, Dr. JP. – cfr. Acta nº 26 junta como doc.8 com a p.i..
8- No nº 1 da ordem de trabalhos, concretamente nos pontos um (renovação do elevador) e dois (renovação e recuperação do hall de entrada e escada edifício) do referido número 1, consta :
“Tomou a palavra o Dr. JPM, apresentando uma consuIta feita à empresa Thyssen Group, empresa essa que apresentou proposta, que segundo o Dr. JPM, responde e corrige os pontos levantados no relatório efectuado em 2015, bem como é uma solução mais económica.
Tomando a palavra o Dr. JP, referiu que existindo uma proposta que resolve o problema fundamental de retirar a casa das máquinas do interior do apartamento do casal Aubert, deverá esta ser esta objeto de aprovação no esteio do que foi também o parecer da empresa easylift, que fica em anexo.
Referiu ainda o Dr. JPM, que tal ponto não é referido no relatório de inspeção efetuado pela BUREU VERITAS RINAVE em 2015. Sendo que a nova proposta da Thyssen responde a todos os pontos e problemas levantados no relatório supra citado.”
9- Na sequência destas intervenções, e como resulta da acta, foi posto à votação o orçamento e proposta de trabalhos da empresa Easylift (apresentado pelos Réus), e foi a mesma “aprovada pelo condómino das "A" e "E" que representam uma permilagem de 600/1000, e não aprovada pelo condómino das fracções "B", "C" e "D" que representa uma permilagem de 400/1000.”
10- Foi deliberada a renovação do elevador do prédio de acordo com a proposta da empresa Easylift, de 23.07.2018 com a ref. N° IN18 0132.2 PR, proposta apresentada pelos Réus e que já havia sido anexa à Acta nº 25 correspondente a Assembleia de Condóminos realizada a 22 de Novembro de 2018, cuja cópia foi junta como doc.8 com a p.i..
11- A Deliberação referida em 10- , como decorre da leitura da acta, foi aprovada por maioria simples, uma vez que contou apenas com os votos favoráveis dos Réus (a quem corresponde a permilagem de 600).
12- Na Acta nº 25, em que constituiu igualmente ponto da ordem de trabalhos “a renovação do elevador”, e a que foi anexa a proposta aprovada na Assembleia objecto dos autos (e que dá origem à acta nº 26) lê-se:
“Tomou a palavra DD, que apresentou uma proposta de renovação do elevador pela empresa denominada Easylift Engenharia e Projectos limitada, com o valor de € 22.232,00, que implica a substituição integral do actual elevador, com a relocalização do motor existente no 4°piso para o rés-do-chão da fracção A.
Ficou acordado que devido ao caracter técnico da proposta, a mesma exige uma analise detalhada por parte de todos os condóminos, tendo ficado acordado que este ponto seria novamente discutido em assembleia-geral a ter lugar em Fevereiro.”
13- Na mesma acta e quanto à pintura das paredes do prédio,lê-se o seguinte:
“Em relação à pintura e barramento das paredes das escadas comuns do prédio, o Dr. JPM referiu que nada tem a opor desde que mantenha todas as características, nomeadamente a cor e textura actual.
Tomou a palavra o Dr. JP, referindo que quanto a ele a proposta apresentada em nada altera a estética das paredes existentes.
Posto à votação o orçamento e proposta de trabalhos apresentado pela empresa LCD, apresentado na Acta n°25 de vinte e dois de novembro de 2108, foi a mesma aprovada pelo condómino das fracções "A" e "E" e representam uma permilagem de 600/1000, e não aprovada pelo condómino das fracções "B", "C" e "D" que representa uma permilagem 400/1000, por considerar que altera a estética e aspeto das paredes interiores.”
14- Em anexo à referida acta nº 25, consta o orçamento da empresa “JLCD – EMPREITEIRO DE CONSTRUÇÃO CIVIL”, o qual se refere a pintura geral de paredes e tectos do vão de escada com as demãos necessárias na cor a definir.”
Porque foi referido que a intenção era a de aplicar uma tinta com uma textura e cor diferente da existente, fez o representante das condóminas das fracções "B", "C" e "D", ora AA., questão que constasse em acta que “entende que a pintura da parede com alteração de cor e tipo de tinta constituem uma inovação, e como tal a sua aprovação exige uma maioria qualificada nos termos do n°1 do art° 1425 do código civil o que não se verificou por quanto apenas existiu uma maioria simples”.
15- Dá-se aqui por reproduzido o relatório de inspeção datado de 2.11.2015, relativo ao elevador do prédio id.nos autos, junto como doc.3 com a contestação, e bem assim o relatório técnico com proposta de aplicação de novo ascensor datado de 15.3.2016, junto como doc.5 com a contestação.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Ilegitimidade ativa da Autora
A questão da ilegitimidade ativa suscitada pelos apelados nas suas contra-alegações constitui uma questão nova (não suscitada na primeira instância) e, como tal, não é admissível em sede de recurso de apelação (cf. supra o que ficou dito nas Questões a decidir).
Além do mais, o facto em causa está provado sob 3 pelo que o modo adequado de reagir dos apelados seria a impugnação da decisão de facto, o que não fizeram.
Termos em que não se aprecia a questão por ser inadmissível. Ilegitimidade passiva dos Réus
Conforme se referiu na sentença impugnada, a questão da legitimidade passiva nas ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos tem sido objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, havendo duas teses em confronto: para a primeira, a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra os condóminos que as hajam aprovado, devendo nela figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito; para a segunda, as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Dentro da primeira orientação, a título exemplificativo, vejam-se: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.2.2003, Azadinho Loureiro, 8460, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.3.2007, 551/07, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.3.3008, Tibério Silva, 10843/07, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.11.2008, Santos Bernardino, 2784/08, todos acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4.10.2012, Leonel Serôdio, 1371/11 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9.3.2017, Purificação Carvalho, 42/16.
Seguindo a segunda posição, vejam-se: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2007, Urbano Dias, 1484/07, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.1.2008, Damasceno Correia, 6176/07, ambos acessíveis em www.colectanedejurisprudencia.com, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.6.2009, Sacarrão Martins, 4838/07, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.4.2014, Isabel Rocha, 1360/10, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.11.2016, Damião Cunha, 98/14, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.2.2017, Carlos Gil, 232/16, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.3.2019, Pedro Martins, 26294/17, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.7.2019, Gabriela Cunha Rodrigues, 9441.17, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.9.2019, António Santos, 3209/18, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.1.2020, Ramos Lopes, 1068/18.
Esta matéria constitui mais um dos exemplos em que se justifica a prolação de um acórdão de uniformização de jurisprudência.
A argumentação em prol de ambas as teses é conhecida, sendo que nos revemos mais nos argumentos que sustentam a segunda tese. Assim, por brevidade, retomamos as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.7.2019, Gabriela Cunha Rodrigues, 9441.17:
«À enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/1996, acrescentou o condomínio, prevendo-se no artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 (atual artigo 12.º, alínea e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária «o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador».
Este preceito aponta na direção do artigo 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436.º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea h), a execução das deliberações da assembleia.
Por seu turno, o n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).
Assim, a solução mais correta parece ser a de demandar o condomínio, como se conclui no acórdão do TRP de 13.2.2017: «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação».
Senão, vejamos.
A tese negatória da legitimidade passiva do condomínio encontra arrimo forte na redação do artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, norma expressamente dedicada à «impugnação de deliberações».
E, de facto, a letra da lei reporta-se aos «condóminos contra quem são propostas as ações» (negrito e sublinhado nossos).
O legislador não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos.
Sem embargo, a redação deste preceito deriva do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível.
Só com a Reforma de 1995/1996, o artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio.
E o artigo 231.º, n.º 1, do CPC de 1961 (atual artigo 223.º, n.º 1, do CPC de 2013), cuja redação resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).
Chegados a este ponto, verificamos que a atividade interpretativa reclama, em particular neste caso, uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.
Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico, não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no artigo 9.º do Código Civil para alcançar o desideratum voluntas legislatoris.
Realça que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico («o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (...) em que a norma foi elaborada»), pelo elemento sistemático (o que significa «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda» (...) «é oportuno referir aqui a descoberta da “geneologia” ou “linhagem jurídico-sistemática” da norma»), mas também o elemento histórico, nele considerando a evolução do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da unidade do sistema (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, pp. 181 e ss).
Numa linha de pensamento muito próxima, Francesco Ferrara refere que «o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa» (apud voto de vencido do Juiz Conselheiro Urbano Dias, no acórdão do STJ de 24.6.2008, p. 08A1755, in www.dgsi.pt).
Também Castanheira Neves ensina que o «problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos.Uma "boa" interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto» (Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84).
Isto leva-nos a aderir à interpretação atualista do citado artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, preconizada por Miguel Mesquita, que propugna a tarefa interpretativa de substituir a expressão condóminos pela palavra condomínio.
À pergunta se atuará o condomínio no seu próprio interesse, autonomizando-se verdadeiramente dos condóminos, responde-nos sabiamente Miguel Mesquita, valendo a pena recorrer a esta citação mais longa do autor:
«Pensamos que não. Em nosso entender, o condomínio é a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.
O condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Com os comissionados ocorre, exactamente, a mesma coisa. A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder). Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal. Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas. Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial» - obra citada, pp. 50 e 51.
E esta interpretação atualista tem também como alvo o artigo 383.º, n.º 2, do CPC (artigo 398.º do CPC de 1961), cuja redação permanece inalterada desde 1967.
Este preceito, relativo ao procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, diz-nos que «é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação».
Como explica Miguel Mesquita, «À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos» (obra citada, p. 54).
Dentro do mesmo registo, sem prejuízo de diferenças a assinalar, sustenta Sandra Passinhas que o administrador «age como representante orgânico do condomínio» e que «a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador».
Acrescenta ainda a autora que «As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador»(A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp. da 2.ª ed. de janeiro/2002, Coimbra: Almedina, pp. 346 e 347).
Sem prejuízo de a autora sustentar que parte legítima é o administrador do condomínio, pensamos que não se apartará muito da tese da interpretação atualista supra expendida, pois acaba por assinalar e aderir ao entendimento do acórdão do TRL de 14.5.1998, no seguinte trecho:
«Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no artigo 1433.º, n.º 6. (...) Significa isto que, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas acções de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no artigo 476.º, n.º 1, alínea e), do C.PCivil, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado» (obra citada, p. 347).
Ainda a propósito da tese de Sandra Passinhas, chamamos a atenção para a jurisprudência do citado acórdão do TRL de 7.3.2019, no qual se escreveu o seguinte:
«(…) independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na acção como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que, nas acções do art. 1437 do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC – em 01/03/2015, O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva, citada no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições – da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respectivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio)».
Decorre do exposto que «o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador» (Miguel Mesquita, obra citada, p. 54).
Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação atualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006.
Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.
Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que:
«(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio» (negrito e sublinhado nossos). Volvendo ao caso concreto, este concede ainda mais força a esta interpretação no sentido de um exercício mais ágil do direito de ação.
Como escreveu Miguel Mesquita, «Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. O art. 1.º do DL n.º 268/94, de 25/10, exige apenas que as actas das assembleias de condóminos sejam "assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado" (4º). Estas duas razões de fundo levam-nos a pensar que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa» (obra citada, pp. 55 e 56).
E – conclui o autor – «Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil» (obra citada, p. 56).»
Termos em que improcede a apelação neste segmento. Se a aprovação da obra do elevador constitui inovação
A terceira questão que se coloca é a de saber se a aprovação da obra respeitante ao elevador constitui uma inovação e, como tal, teria de ser aprovado por maioria que representasse dois terços do valor total do prédio (Artigo 1425º,nº1, do Código Civil).
Os factos pertinentes são os enunciados sob 8 a 12, decorrendo dos mesmos que se trata de uma proposta de renovação do elevador, como valor de € 22.232, que implica a substituição integral do atual elevador, com a relocalização do motor existente no 4º piso para o rés-do-chão da fração A. De acordo com o relatório técnico (facto 16): «O ascensor existente foi instalado ao abrigo do regulamento de 1936, encontra-se desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresente evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção. / O ascensor possui acessos diretos aos apartamentos dos pisos superiores, situação que não foi registada no relatório de inspeção, mas que é necessário resolver nos termos da circular 3/2010/DSE-EL.»
Apreciando.
Nos termos do art. 1422º, nº2, al. a), do Código Civil, é vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício. E, nos termos do nº3, as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver a prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Por sua vez, o art. 1425º, nº1, do Código Civil, dispõe que «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essta maioria representar dois terços do valor total do prédio.» E no nº7 dispõe-se que «Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como das coisas comuns.»
No que tange à articulação entre os citados artigos 1422º e 1425º, temos como pertinentes as considerações expendidas no Acórdão do STJ de 20.3.2012, Moreira Alves, 470/14, www.colectaneadejurisprudencia.com, que extratamos:
«(…) embora não se ignore que, nesta matéria, existem algumas divergências de interpretações, pensamos que a opinião largamente dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, vai no sentido de que as "obras novas" a que alude o nº 2 do Art. 1422º, são aquelas que os condóminos efectuem nas fracções autónomas de que são os exclusivos proprietários, enquanto as "inovações" referidas no Art. 1425º, dizem respeito às introduzidas nas partes comuns, em que todos comungam em compropriedade.
Não procede, por isso, a interpretação que o acórdão recorrido pretende retirar do nº 1 do Art. 1422º, já que, nesse preceito, apenas se estabelece a regra geral.
De facto, a natureza jurídica da propriedade horizontal, atenta a sua especificidade, tem uma estrutura dualista, na medida em que conjuga o direito de plena propriedade, que incide sobre as fracções autónomas, pertencente exclusivamente aos respectivos condóminos, com a propriedade de todos os condóminos, que incide sobre as partes comuns do edifício.
O que o referido nº 1 do Art. 1422º faz, é afirmar essa realidade composta, aliás, resultante já do Art. 1420º nº 1, e daí que, naturalmente, determine, que os condóminos nas relações entre si, estão sujeitos às limitações gerais do direito de propriedade e do direito de compropriedade.
Porém, atendendo à interdependência entre as diversas unidades que integram o prédio, bem como às especiais relações de contiguidade e vizinhança que se estabelecem, necessariamente, entre os condóminos, logo no seu nº 2 impõe especiais limitações ao direito de propriedade exclusivo de cada condómino sobre a sua fracção autónoma.
Como refere Aragão Seia (Prop. Horizontal - 2ª ed. - 101 e seg.), em anotação à al. a) do nº 2 do Art. 1422º "... as restrições aqui impostas respeitam exclusivamente à fracção do condómino e seus componentes próprios, pois, as inovações nas partes comuns - art. 1425º - competem à assembleia de condóminos e a um administrador, que detêm a administração - nº 1 do art. 1430º -".
Já quanto às inovações a realizar nas partes comuns, às quais, como se disse, se aplica o Art. 1425º refere o mesmo autor.
"Nas partes comuns estão-lhe vedadas (aos condóminos, isoladamente, entenda-se) quaisquer simples "inovações" ou alterações, a menos que outra coisa tivesse ficado consignada no título constitutivo. Se dúvidas houvesse seriam dissipadas pelo teor do artigo 1426º que coloca as despesas com as inovações a cargo dos condóminos em proporção do valor das suas fracções, além de que os novos nºs 3 e 4 do preceito (do Art. 1422º, evidentemente) ... passam a especificar quais as obras, na sua fracção, para que o condómino precisa de autorização da assembleia de condóminos".
Também o Prof. Henrique Mesquita é de opinião que as inovações previstas no nº 1 do Art. 1425º, apenas se referem às introduzidas nas partes comuns, regendo, quanto às efectuadas nas fracções autónomas, o disposto no Art. 1422º, nº 2 als. a) e d) (cofr. A Prop. Horizontal no C.C. Português. RDES - XXIII - 139, nota 3).
Ainda no mesmo sentido se pronuncia A. Varela (C.C. anotado - nota ao art. 1425º)
"O artigo 1425º não se refere às inovações introduzidas nas fracções autónomas, sujeitas à propriedade exclusiva de cada condómino...".»
Ou seja, as obras novas a que se reporta o art. 1422º, nº2, al. a), respeitam às efetuadas na fração autónoma do condómino, enquanto as inovações a que se reporta o art. 1425º respeitam às introduzidas nas partes comuns. Neste mesmo sentido, cf. Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pp. 266-267, Acórdão da Relçaão de Guimraães de 16.3.2005, 371/05, Acórdãos do STJ de 1.6.2010, 95/2000, de 8.6.2010, 1377/06, Sumários, e de 17.2.2011, 991/09.
No que tange à densificação do conceito de inovação, para efeitos do art. 1425º,nº1, do Código Civil, no Acórdão do STJ de 19.1.2012, 1359/07, Sumários, entendeu-se que obra inovadora é aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo as alteraçoes introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações à sua afetação ou destino. Em arestos anteriores, o mesmo STJ afirmou que no conceito de inovação cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa , como as as modificações estabelecidas na afetação ou destino da coisa ( acórdãos do STJ de 17.3.1994, BMJ nº 435, p. 816, de 24.2.1999, 30/99, Sumários, de 8.6.2010, 1377/06, Sumários). Na jurisprudência, foram considerados exemplificativamente inovações as seguintes situações: instalação de uma esplanada, mesmo que amovível ( RP 11.7.2012, 2720/05); a edificação de arrecadações (RL 13.9.2007, 3625/2007); a colocação de um aparelho de ar condicionado ( RG 16.3.2005, 371/05); a alteração do percurso do tubo de água residual ( RL 26.6.2003, 3046/2003); a construção de um muro num terraço ( RC 8.4.2003, CJ 2003- II, p. 108); a colocação de uma chaminé de exaustão (RP 10.1.2002, 00031152); a instalação de uma marquise num terraço (RL 24.6.1999, 00026726).
Revertendo ao caso em apreço, há que atentar ao disposto no Artigo 1425º, nº2, al. a), do Código Civil, segundo o qual «Havendo pelo menos oito frações autónomas, dependem da aprovação por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, as seguintes inovações: a) colocação da ascensores (…)». Ou seja, é a própria lei a classificar como inovação a colocação de um ascensor num condomínio onde, anteriormente, não existia ascensor.
O elemento sistemático da interpretação implica que «nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que pretender aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico» - Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, p. 360. O contexto horizontal do elemento sistemático «implica que a interpretação da lei deve considerar outras leis da mesma hierarquia (contexto inter-textual) ou, se for esse o caso, outros preceitos da mesma lei (contexto intra-textual). Assim, a interpretação da lei deve atender a todas as leis (ou a todas as outras fontes que se encontrem na lei) que, em conjunto com a lei (ou com a fonte) interpretada, contribuem para a solução do mesmo caso» (Teixeira de Sousa, Op. Cit., p. 364).
Deste modo, considerando a lei que constitui inovação a colocação de um ascensor num prédio onde o mesmo não existia, não alcança tal limiar a mera substituição de um (existente) elevador antigo por um novo, acompanhado da relocalização do motor existente no 4º piso para o rés-do-chão da fração A. Isto num contexto em que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção. O elemento sistemático da interpretação do art. 1425º leva a que a inclusão da colocação de ascensor (onde o mesmo não existia) na categoria da inovação, conduz à exclusão da mera substituição de um elevador antigo por outro novo, mesmo com alteração do local do motor (argumento a contrario; inclusio unius est exclusio alterius).
No binómio obra-inovadora versus obra-conservadora, a situação em apreço subsume-se mais a esta e não àquela. Note-se que a obra aprovada não introduz alteração relevante na substância ou forma da coisa/elevador, o qual funcionará essencialmente no mesmo espaço, com as mesmas funções, inexistindo factualidade que permita conjeturar sequer uma modificação significativa das suas dimensões.
Termos em que concluímos pela inexistência de inovação para os efeitos do art. 1425º, nº1 do Código Civil, não sendo – pois – necessária a aprovação da deliberação por dois terços do valor total do prédio.
Termos em que improcede a apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 21.4.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara (vencida, conforme voto que segue)
Higina Castelo
_______________________________________________________
( VOTO VENCIDO QUANTO AOS FUNDAMENTOS E À DECISÃO ):
Relativamente à legitimidade, perfilho a tese de que a legitimidade cabe aos condóminos que votaram a deliberação cuja anulação é peticionada.
A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra os condomínios que votaram a deliberação, cuja anulação é peticionada, sendo estes os detentores de legitimidade passiva, sem prejuízo da representação destes caber ao administrador do condomínio. Os termos expressamente previstos nos artigos 1433.º, n.º 6, do CC 383.º, n.º 2, do CPC, não deixam margem para qualquer dúvida interpretativa.
Refere Aragão Seia quanto ao artigo 1433º do CC «Resulta do nº 6 do preceito em anotação que a legitimidade passiva para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica nos próprios condóminos – a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções …-, que são efectivamente os titulares do interesse directo em contradizer, pois a deliberação, enquanto não for anulada, vincula todo o condomínio; a decisão que julgar procedente a impugnação continua a vinculá-lo. É por isso que o nº 6 impõe que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia nomear para o efeito. Este último caso pode verificar-se, por exemplo, quando o administrador, sendo condómino, seja o impugnante ou não tenha concordado com a deliberação. O representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja, do conjunto de condóminos, não necessitando de apresentar procuração individual dos condóminos, mas apenas acta da assembleia geral, que o nomeou administrador ou representante especial.» (Propriedade Horizontal, Almedina, pag. 190).
A legitimidade processual cabe aos condóminos.
A sua representação processual cabe ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito. Este poder de representação processual acompanha os poderes de gestão do administrador respeitantes ao condomínio.
As AA. deduziram pretensão contra os RR. condóminos «requerendo que seja citada a Administração do Condomínio nos termos do nº 6 do artigo 1433º do CC, na pessoa do Administrador do Condomínio, o Sr. Arquitecto Humberto Silva, com domicílio profissional na Rua Rodrigues Faria 103, Edificio 1, Espaço 3.21, 1300-501, Lisboa.».
Deduziram acção contra quem tem legitimidade para tanto, tendo requerido a citação da administração, nos termos legalmente preceituados e à luz do preceituado pelo artigo 223º, nº 1, do CPC.
Decidiria, consequentemente, pela improcedência da excepção.
*
Relativamente à substituição integral do actual elevador e relocalização do motor existente no 4º piso para o r/c, considero constituir obra de inovação, pelo que a deliberação carece de maioria de 2/3 do valor total do prédio (1425º, nº 1, CC).
No caso, a deliberação incidiu sobre a substituição integral de um elevador de porta de correr, clássico, por uma plataforma vertical com cilindro hidráulico, de linhas direitas.
Acresce a esta substituição, a colocação em local diverso (passa do 4º andar para o r/c) do motor do elevador.
Obra inovadora é aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa.
Esta substituição constituiu uma inovação, porque traduz a introdução no prédio de um elevador, com características completamente distintas do elevador existente, mudança que do ponto de vista estético é radical.
A mudança de local do motor constitui, igualmente, uma inovação, altera a edificação relativamente à situação actual. De facto, a incorporação no edifício, em local distinto, do motor de elevador, importa a introdução numa parte comum, o r/c do prédio dos autos, de uma volumetria que antes não existia, modificando espaços comuns.
Constitui entendimento jurisprudencial corrente deverem ser consideradas como inovação, as obras susceptíveis de prejudicar a linha arquitectónica ou arranjo estético, bem como se contender com a segurança ou estabilidade do edifício, e as que alteram a edificação no seu estado original, modificando o seu estado primitivo, traduzindo-se em alterações de substância ou de forma relativas ao seu destino ou afectação da fracção do imóvel ou das partes comuns do edifício (acs. TRL, de 30/4/2009 - Proc. 10760/08-2 e 15/12/2011 - Proc. 5133/09.5TBOER.L1-8). «VI. Nos termos do n.º 1 do artigo 1425.º, a realização de obras inovadoras sobre coisas comuns que beneficiem as já existentes ou introduzam novas coisas comuns no edifício ou consistam em demolição de antigas coisas comuns dependem da aprovação da maioria absoluta dos condóminos que seja representativa de 2/3 do valor total do prédio. E, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, não é permitida a introdução de inovações em coisas comuns já existentes suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.» Acórdão STJ, Tomé Gomes, 22.02.2017, P. 2064/10.0TVLSB.L1.S1http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b8fb0b9f681e4403802580cf005c6d60?OpenDocument.
A introdução de um elevador, com características estéticas completamente distintas do elevador existente, contende com arranjo estético do edifício, consubstanciando inovação.
Do preceituado no artigo 1425º, nº 2, do CC, segundo o qual a colocação de ascensores se basta com deliberação por maioria simples, não decorre que a substituição dos mesmos deva poder deliberar-se por maioria simples. Na previsão da norma (que não teria aplicação na situação em apreço porque o prédio tem apenas 5 fracções) está o desiderato do legislador de evitar que num prédio com pelo menos 8 fracções, a maioria assim o querendo, não fique privada de elevador.
Consequentemente, revogaria a decisão recorrida. Carla Câmara, 1ª adjunta, subscritora do voto de vencido.
_______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana LuísaGeraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.