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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
EXCESSIVA ONEROSIDADE
Sumário
I - No direito da responsabilidade civil vigora o princípio do primado da reconstituição natural, ou seja, “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil), primado que também se retira do que se prescreve no nº 1, do artigo 566º do Código Civil, já que a indemnização apenas é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. II - Para se concluir pela excessiva onerosidade da reconstituição natural, além de não bastar um qualquer excesso do custo da reparação, face ao valor do veículo sinistrado, necessário se torna apurar que o valor apontado como venal ou comercial permite efetivamente a aquisição de um veículo idêntico ou similar ao acidentado e que de igual modo satisfaça as necessidades do lesado. III - É da experiência comum que a disparidade entre o valor venal ou comercial e o valor de uso de um veículo é tanto maior quanto mais antigo é o veículo, ao menos enquanto não se torna uma peça de coleção, caso em que à luz de um certo mercado, ganha um novo valor. IV - O ónus de alegação e prova da excessiva onerosidade da reconstituição natural recai sobre o obrigado a indemnizar. V - Para que o dano da privação do uso seja indemnizado é bastante a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada e de cujo gozo está privado por efeito do sinistro.
Texto Integral
Processo nº 5387/18.6T8MAI.P1
Sumário do acórdão proferido no processo nº 5387/18.6T8MAI.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório[1]
Em 10 de outubro de 2018, no Juízo Local Cível da Maia, Comarca do Porto, B… instaurou a presente ação declarativa com forma de processo comum, contra C…, S.A. pedindo que seja condenada a pagar-lhe:
- a quantia de € 7.158,85, a título de danos patrimoniais;
- uma quantia nunca inferior a € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;
- a quantia de € 4.100,00, a título de dano de privação do uso do seu veículo, acrescida dos montantes que se vierem a vencer até efetivo e integral pagamento do valor orçamentado para a reparação, a determinar em incidente de liquidação;
- juros de mora vencidos e vincendos contados sobre todas as quantias desde a citação até efetivo pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão o autor alegou, em síntese, que no dia 18 de março de 2018, cerca das 07.30 horas, na Estrada Nacional .., junto à saída …, na Maia, ocorreu um embate em que foram intervenientes, o veículo de matrícula ..-LH-.., pertencente ao autor e por ele conduzido e o veículo de matrícula ..-UA-... Nessas circunstâncias, circulava no sentido de marcha Porto – Maia, seguindo na faixa de rodagem do lado direito, atento o seu sentido de marcha. Nessas mesmas circunstâncias, o veículo de matrícula ..-LH-.. foi embatido na sua lateral esquerda traseira pelo veículo de matrícula ..-UA-.., cujo condutor, nesse momento, se encontrava a ultrapassar, pela direita, um outro veículo que circulava na faixa da esquerda, resultando de tal colisão os danos que pretende ver ressarcidos nestes autos.
Citada, a ré contestou alegando que assumiu oportunamente a responsabilidade pelo sinistro, impugnando por desconhecimento grande parte dos factos alegados pelo autor e bem assim os valores peticionados pelo mesmo, afirmando que há perda total do veículo do autor, tendo este a haver para indemnizar tal dano o valor de € 2.685,00, que o autor abusa do seu direito no pedido que formula a título de privação do uso, concluindo no sentido de a ação dever ser julgada de acordo com a prova a produzir em sede de audiência final.
Fixou-se o valor da causa no montante de € 16.258,85, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os factos assentes e os temas de prova, admitiram-se as provas oferecidas pelas partes e designou-se dia para realização da audiência final.
A audiência final realizou-se numa sessão e em 02 de Setembro de 2019 foi proferida sentença[2] que terminou com o seguinte dispositivo que na parte pertinente se reproduz: Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré C…, S.A. a pagar ao autor B… a quantia de Eur. 9.765,94 (nove mil, setecentos e sessenta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos)[3], acrescida do quantitativo diário de Eur. 5,00 (cinco euros), contados desde esta data até integral pagamento ao autor da quantia de Eur. 6.500,94, bem como acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 18/10/2018 sobre a quantia de Eur. 9.230,94 e desde a presente data sobre a quantia de Eur. 500,00, ambos até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal.”
Em 07 de outubro de 2019, inconformada com a sentença que precede, C…, SA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.ª – Do confronto da factualidade apurada resulta que o montante necessário à reparação é de 6.500,94€ e que o valor comercial do triciclo acidentado é de 2.800,00€. 2.ª – Ou seja, o custo da reparação é cerca de três vezes superior ao valor venal do veículo em causa. 3.ª – Nestas circunstâncias factuais, será de considerar, para efeitos da indemnização a arbitrar nos termos dos artigos 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, que a reparação será excessivamente onerosa para a devedora, aqui recorrente. 4.ª – Por isso, a imposição do pagamento do valor da reparação – que, aliás, o recorrido não efetuou - não é adequada. 5.ª – O recorrido terá, isso sim, o direito a ser indemnizado em dinheiro, através da atribuição do montante correspondente à diferença entre o valor comercial da viatura e o dos respetivos salvados. 6.ª – É entendimento pacífico na jurisprudência que a privação do uso de um veículo traduz-se num dano susceptível de ser indemnizado (i) a título de danos patrimoniais, caso se prove a ocorrência de uma repercussão negativa no património do lesado, ou (ii) a título de danos não patrimoniais, caso se prove que a tal privação se repercutiu negativamente e de forma relevante na via do dia-a-dia do lesado. 7.ª No caso que nos ocupa, o autor não viu o seu dia-a-dia condicionado de forma relevante pela falta do veículo, não teve de suportar o custo de aluguer de qualquer veículo de substituição, nem perdeu qualquer negócio. 8.ª – De modo que lhe fenece o direito a qualquer compensação pelo suposto, mas inexistente dano de privação do uso da viatura acidentada. 9.ª – Ademais, neste particular, não nos parece ter cabimento o arbitramento de indemnização calculada à forfait. 10.ª – Mostram-se violadas, por errada interpretação e aplicação, entre outras, as disposições dos artigos 494.º, 496.º, 562.º, 566.º e 570.º, todos do Código Civil.” B… contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso e deduziu ampliação do âmbito do recurso, pugnando por que a indemnização por privação do veículo acidentado seja fixada no montante diário de vinte euros.
Proferiu-se despacho a admitir o recurso de apelação e entendeu-se não estarem reunidos os pressupostos deste meio processual previstos no artigo 636º do Código de Processo Civil, sustentando-se que o autor deveria ter interposto recurso de forma independente ou subordinada, não tendo havido qualquer reação do autor contra esta parte da decisão[4].
Uma vez que o objeto do recurso é unicamente constituído por matéria de direito sobre a qual existe um vasto lastro doutrinal e jurisprudencial, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da excessiva onerosidade da reparação do veículo do autor;
2.2 Da indemnização por dano da privação do uso do veículo sinistrado. 3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida expurgados das meras remissões para elementos de prova 3.1 Factos provados
3.1.1
No dia 18 de março de 2018, cerca das 07.30 horas, na Estrada Nacional .., junto à saída …, na Maia, ocorreu um embate em que foram intervenientes, o veículo de matrícula ..-LH-.., pertencente ao autor e por ele conduzido, e o veículo de matrícula ..-UA-...
3.1.2
Nas circunstâncias aludidas em 1) [3.1.1], o autor circulava no sentido de marcha Porto – Maia.
3.1.3
Seguindo na faixa de rodagem do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
3.1.4
Nessas mesmas circunstâncias, o veículo de matrícula ..-LH- foi embatido na sua lateral esquerda traseira pelo veículo de matrícula ..-UA-...
3.1.5
Sendo que nesse momento o condutor do veículo de matrícula ..-UA-.. encontrava-se a ultrapassar, pela direita, um outro veículo que circulava na faixa da esquerda.
3.1.6
O embate aludido em 1) [3.1.1] ocorreu na faixa da direita da Estrada Nacional .., atento o sentido de marcha Porto – Maia.
3.1.7
Em consequência do embate aludido em 1) [3.1.1], o veículo de matrícula ..-LH-.. foi projetado para a berma da estrada.
3.1.8
A ré remeteu ao autor, que a recebeu, a carta junta a fls. 11-v e 12 dos autos, datada de 2 de abril de 2018[5].
3.1.9
Em consequência do embate aludido em 1) [3.1.1], o veículo de matrícula ..-LH-.. sofreu diversos danos, cuja reparação foi orçamentada na quantia de Eur. 6.500,94.
3.1.10
O veículo de matrícula ..-LH-.. foi matriculado pela primeira vez no ano de 2011.
3.1.11
Sendo que na data aludida em 1) [3.1.1] encontrava-se conservado.
3.1.12
O veículo de matrícula ..-LH-.. é um triciclo, que foi adquirido pelo autor no estado de novo, sendo que na data aludida em 1) [3.1.1] tinha percorrido 74.100 quilómetros.
3.1.13
Atualmente, já não são fabricados, nem comercializados pelo fabricante, veículos da marca e modelo da viatura de ..-LH-.., sendo que também não existem viaturas iguais à venda no mercado de usados.
3.1.14
Em consequência do embate aludido em 1) [3.1.1], o autor sofreu ferimentos, tendo sido assistido nos Serviços de Urgência do Hospital ….
3.1.15
Na sequência do embate aludido em 1) [3.1.1], o fato de treino e a camisola que o autor envergava ficaram rasgados e inutilizados.
3.1.16
Sendo que em consequência do embate aludido em 1) [3.1.1], o autor perdeu as sapatilhas que calçava nessas circunstâncias.
3.1.17
Para substituição do vestuário aludido em 15) [3.1.15] e 16) [3.1.16] o autor terá de despender a quantia global de Eur. 95,00.
3.1.18
Em consequência do embate aludido em 1) [3.1.1], o autor ficou assustado, angustiado, recordando repetidamente o acidente.
3.1.19
E passou a ter medo de andar na estrada, tendo permanente receio que algum veículo colida contra si.
3.1.20
Após o embate aludido em 1) [3.1.1], o autor ficou impossibilitado de utilizar o veículo de matrícula ..-LH-.., devido aos danos sofridos pelo mesmo.
3.1.21
Antes do embate aludido em 1) [3.1.1], o autor utilizava diariamente o veículo de matrícula ..-LH-.., quer para fazer recolha de sucata, quer nas deslocações para os seus afazeres domésticos e recreativos.
3.1.22
Após o embate aludido em 1) [3.1.1], o autor passou a fazer recolha de sucata com a utilização de uma bicicleta e, ocasionalmente, com o auxílio de veículos de familiares.
3.1.23
Após o embate aludido em 1) [3.1.1], o valor do salvado do veículo de matrícula ..-LH-.. ascendia à quantia de Eur. 115,00.
3.1.24
Nas circunstâncias que antecederam o embate aludido em 1) [3.1.1], o veículo de matrícula ..-LH-.. tinha o valor comercial de, pelo menos, Eur. 2.800,00.
3.1.25
A responsabilidade civil decorrente dos danos causados pelo veículo de matrícula ..-UA-.., encontrava-se, na data aludida em 1) [3.1.1], transferida para a ré através de acordo escrito titulado pela apólice n.º ……….. 3.2 Factos não provados
3.2.1
Em consequência da assistência clínica aludida em 14) [3.1.14], o autor tenha pago ou lhe esteja a ser exigido o pagamento da quantia de Eur. 412,91.
3.2.2
Na sequência do embate aludido em 1) [3.1.1], tenha ficado inutilizado um telemóvel que o autor transportava consigo, sendo o seu custo de Eur. 150,00.
3.2.3
Em virtude do embate aludido em 1) [3.1.1], o autor tenha ficado deprimido, com lapsos de memória e com dificuldade de concentração.
3.2.4
Após o embate aludido em 1) [3.1.1] e em virtude de ter ficado impossibilitado de utilizar o veículo de matrícula ..-LH-.., o autor tenha deixado de recolher sucata. 4. Fundamentos de direito 4.1 Da excessiva onerosidade da reparação do veículo do autor
A recorrente pugna pela revogação parcial da decisão recorrida e pela fixação da indemnização no montante correspondente ao valor comercial deduzido do valor dos salvados, ou seja, na sua perspetiva, a indemnização deveria ter sido fixada no montante de € 2.685,00, correspondente ao valor comercial do veículo deduzido do valor dos salvados (€ 2.800,00 - € 115,00= € 2.685,00).
Fundamenta a sua pretensão na excessiva onerosidade da reconstituição natural, já que o custo da reparação é cerca de três vezes superior ao valor comercial do veículo, citando em abono da sua pretensão, essencialmente, o acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 10 de abril de 2014, no processo nº 1942/12.6TJVNF.P1, referindo ainda que “apesar de se ter provado que não existem veículos iguais, sendo que o seu fabrico foi descontinuado, tal não significa que, no mercado de usados, não existam veículos idênticos ou parecidos, nomeadamente ligeiros de mercadorias, que pudessem substituir a viatura sinistrada, quiçá com alguma vantagem.”
Na decisão recorrida fundamentou-se esta questão do modo que segue:
“Considerando a factualidade assente apurou-se que em consequência do embate referido nos autos, o veículo de matrícula ..-LH-.. sofreu diversos danos, cuja reparação foi orçamentada na quantia de Eur. 6.500,94, conforme documento junto a fls. 25 a 27 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido. Mais se provou que nas circunstâncias que antecederam o embate supra aludido, o veículo de matrícula ..-LH-.. tinha o valor comercial de, pelo menos, Eur. 2.800,00, sendo que após o embate aludido em 1), o valor do salvado do veículo de matrícula ..-LH-.. ascendia à quantia de Eur. 115,00. Tendo em conta tal factualidade, resultou apurado que a ré remeteu ao autor, que a recebeu, carta junta a fls. 11-v e 12 dos autos, datada de 2 de Abril de 2018, cujo teor se dá por reproduzido. Com relevo para a decisão a proferir, resultou ainda provado que o veículo de matrícula ..-LH-.. foi matriculado pela primeira vez no ano de 2011, sendo que na data do embate encontrava-se conservado. Mais se apurou que o veículo de matrícula ..-LH-.. é um triciclo, que foi adquirido pelo autor no estado de novo, sendo que na data do sinistro tinha percorrido 74.100 quilómetros. Por fim, apurou-se que actualmente, já não são fabricados, nem comercializados pelo fabricante, veículos da marca e modelo da viatura de ..-LH-.., sendo que também não existem viaturas iguais à venda no mercado de usados. Ora, tendo em consideração a factualidade apurada, é incontestável que o autor tem direito a ser indemnizado pela quantia orçamentada como necessária para proceder à reparação do seu veículo, ou seja, pela quantia de Eur. 6.500,94. Na verdade, é patente o nexo de causalidade entre o facto ilícito do condutor do veículo seguro na ré e as consequências patrimoniais que resultaram para o autor. Com efeito, não fora a conduta do condutor do veículo supra aludido e o embate não se teria produzido com os consequentes prejuízos daí decorrentes. Desta forma, e analisando a factualidade apurada nos presentes autos, afigura-se-nos que os mencionados prejuízos são perfeitamente imputáveis, do ponto de vista objectivo, à conduta do lesante, existindo, portanto, o nexo de causalidade que deve ligar essas duas realidades, na medida em que os segundos foram uma consequência dos primeiros. Efectivamente, pensamos não ser questionável tal causalidade adequada, até pelo facto de nenhuma outra circunstância ter contribuído para tais eventos, pelo menos ela não foi provada pela ré, quando o ónus de tal facto lhe pertencia. Quanto a este dano concreto, sustenta a ré que, face ao valor comercial do veículo pertencente à autora, não pode ser condenada a suportar o valor da reparação, considerando a sua excessiva onerosidade e a consequente situação de perda total. Entendo, porém, que não assiste razão à ré. De facto, para o efeito de determinação da "excessiva onerosidade" da reparação de um veículo automóvel, deve-se ter em conta que o lesado só será convenientemente ressarcido do prejuízo que teve, com o pagamento do valor comercial do veículo, se se demonstrar que poderia adquirir no mercado um veículo em tudo idêntico ao acidentado, por preço igual ao valor comercial do mesmo. No caso concreto, a ré não fez tal prova. Ao invés, provou-se que é impossível ao autor obter um veículo similar no mercado de veículos usados, sendo que tal modelo já nem sequer é objecto de comercialização pela própria marca. Por outro lado, deve ser tido em consideração a especificidade do veículo em causa quanto às suas características técnicas e quanto às habilitações legais necessárias para a sua condução, sendo que não resultou provado que o autor tenha habilitações e capacidade para a condução de veículos de diferente natureza, designadamente veículos automóveis de passageiros. Nessa medida, a perda de utilização do veículo em apreço coloca o autor numa posição particularmente débil, causando-lhe um prejuízo de especial gravidade, sendo que esse circunstancialismo não poderá deixar de ser atendido para apreciação da existência de uma excessiva onerosidade da reparação. Com efeito, para efeito de determinação de excessiva onerosidade da reparação natural, releva não só o valor comercial do veículo, mas também o valor de uso que o seu dono dele retira. Ora, na situação em apreço, não há que falar em excessiva onerosidade para o devedor, pois que, sendo esta apreciada segundo um critério objectivo de valoração jurídica, os valores pecuniários em apreço são reduzidos, comparativamente com o custo de aquisição de qualquer veículo automóvel por parte do autor. Com efeito, a excessiva onerosidade da restauração natural não é um puro e simples dado aritmético, devendo atender-se ainda ao valor venal ou corrente e ao valor que subjectivamente tem para a pessoa prejudicada. Assim, a reconstituição natural só deve considerar-se meio impróprio ou inadequado, quando for excessivamente onerosa para o devedor, ou seja, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a reparação natural envolve para o responsável. Porém, este princípio não poderá resultar em benefício do lesante para não restituir o lesado à situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão. É que, como é notório, um veículo com muito uso desvaloriza-se e o seu valor comercial pode ser diminuto, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, sendo que a quantia equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos. Nessa medida, para se determinar se a reparação do veículo como reconstituição natural do dano causado é excessivamente onerosa dever-se-á, por isso, atender não só ao valor venal do veículo, mas também ao grau de satisfação das necessidades que aquele veículo, enquanto tal, proporciona ao seu proprietário. Ao reparar o veículo danificado, ao repô-lo no estado equivalente ao que tinha antes do acidente mais não se está do que voltar a proporcionar ao seu proprietário o uso de uma viatura que tinha à sua disposição, de que desfrutava como bem entendia e que a restauração por equivalente, correspondente ao valor venal, elimina e geralmente não permite a sua substituição por outra viatura em termos de satisfação das mesmas necessidades. No caso concreto, com a reposição natural o autor não sai beneficiado, apenas continua a dispor do mesmo veículo e nas mesmas anteriores condições de funcionamento, sendo, aliás, a única forma de poder continuar a usufruir de um veículo com tais características, atenta a impossibilidade de obter um veículo similar, quer no estado de novo, quer no estado de usado. Na situação vertente, atentos os valores em causa, também não existe uma diferença significativa entre o valor comercial do veículo e o da sua reparação. Embora, nesse pressuposto objectivamente se configure onerosa a reparação do veículo, o certo é que nada permite concluir que se apresente como excessivamente onerosa, sendo que a diferença em apreço (entre o valor comercial e o valor da reparação) não só é perfeitamente suportável para a ré, como consubstancia a única forma de colocar o autor na situação em que se encontrava antes do embate.”
Cumpre apreciar e decidir.
No direito da responsabilidade civil vigora o princípio do primado da reconstituição natural, ou seja, “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil), primado que também se retira do que se prescreve no nº 1, do artigo 566º do Código Civil, já que a indemnização apenas é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
A questão que ora cumpre resolver não é doutrinal[6] e jurisprudencialmente[7] virgem e tem vindo dominantemente a ser resolvida distinguindo o denominado “valor venal” ou “valor comercial” do veículo sinistrado, do valor de uso que esse bem representa para o seu titular, enfatizando-se a necessidade de ser este último valor a carecer de ser confrontado com o custo da reparação, a fim de se poder concluir ou não pela excessiva onerosidade da reconstituição natural.
Assim, para se concluir pela excessiva onerosidade da reconstituição natural, além de não bastar um qualquer excesso do custo da reparação[8], face ao valor do veículo sinistrado, necessário se torna apurar que o valor apontado como venal ou comercial permite efetivamente a aquisição de um veículo idêntico ou similar ao acidentado e que de igual modo satisfaça as necessidades do lesado[9].
Na verdade, é da experiência comum, que uma coisa é o valor venal ou o valor de mercado e outra, bem distinta, o valor de uso que certa coisa representa para o seu titular, ou seja, o “mercado” pode atribuir um certo valor a um certo bem, sem que isso signifique que o seu titular que dele usufrui está disposto a desfazer-se dele por tal montante e muito menos que esse montante eventualmente obtido em tal transação lhe permitirá a aquisição de um bem que dê igual satisfação às suas necessidades como aquele que foi transacionado[10].
Também é da experiência comum que a disparidade entre o valor venal ou comercial e o valor de uso de um veículo é tanto maior quanto mais antigo é o veículo, ao menos enquanto não se torna uma peça de coleção, caso em que à luz de um certo mercado, ganha um novo valor.
Importa ainda não perder de vista que não são aplicáveis ao caso em apreço as regras sobre perda total constantes do artigo 41º do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, porquanto regem apenas a regularização espontânea e consensual dos sinistros automóveis (veja-se o artigo 31º, do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto).
O caso dos autos tem contornos muito específicos na medida em que se provou que “já não são fabricados, nem comercializados pelo fabricante, veículos da marca e modelo da viatura de ..-LH-.., sendo que também não existem viaturas iguais à venda no mercado de usados” (ponto 3.1.13 dos factos provados), pelo que o valor comercial de € 2.800,00 atribuído ao veículo sinistrado não é um valor real de compra, já que a atribuição ao lesado de uma indemnização desse montante nunca lhe permitirá a aquisição de um bem igual ao que foi danificado no acidente.
A afirmação da recorrente de que não está provado que, no mercado de usados, não existam veículos idênticos ou parecidos, nomeadamente ligeiros de mercadorias, que pudessem substituir a viatura sinistrada, quiçá com alguma vantagem”, não corresponde totalmente à realidade pois que, como antes se recordou, está provado que “já não são fabricados, nem comercializados pelo fabricante, veículos da marca e modelo da viatura de ..-LH-.., sendo que também não existem viaturas iguais à venda no mercado de usados”, apenas não havendo prova da existência no mercado de usados de veículos similares ao sinistrado.
Porém, estando em causa factualidade integradora da excessiva onerosidade da reconstituição natural para o devedor, matéria que configura um facto modificativo da regra geral de indemnizar por reconstituição natural, recai sobre o obrigado à indemnização o ónus de alegação e prova dessa matéria (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).
Assim, no contexto que ficou provado de inexistência de veículos similares ao sinistrado no mercado de usados, não obstante o custo da reparação exceder um pouco mais de duas vezes[11] o denominado valor comercial do veículo[12], sendo este valor em tal contexto uma ficção, atendendo à finalidade primária do instituto da responsabilidade civil de reparação dos danos sofridos pelo lesado e à prevalência do interesse do lesado sobre o do lesante ou do obrigado à reparação e tendo em conta que estão em causa valores pequenos, entende-se que se deve manter a bem fundamentada decisão do tribunal recorrido, improcedendo esta questão recursória. 4.2 Da indemnização por dano da privação do uso do veículo sinistrado
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida no segmento em que arbitrou ao autor indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado, porque, em seu entender, não estão provados factos donde resulte que o lesado sofreu danos com a privação do uso do veículo sinistrado, citando em abono da sua posição o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo nº 288/14.0TBLRA.C1 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2006, proferido no processo nº 05B4176, ambos acessíveis na base de dados da DGSI.
Na decisão recorrida fundamentou-se a atribuição ao lesado de indemnização por privação do uso do veículo sinistrado nos termos que seguem:
“O autor veio igualmente pedir a condenação da ré a pagar-lhe uma compensação pelos danos sofridos com a paralisação do veículo até efectiva reparação. Com efeito, da prova produzida resultou demonstrado que após o embate aludido nos autos, o autor ficou impossibilitado de utilizar o veículo de matrícula ..-LH-.., devido aos danos sofridos pelo mesmo. Mais se provou que antes do referido embate, o autor utilizava diariamente o veículo de matrícula ..-LH-.., quer para fazer recolha de sucata, quer nas deslocações para os seus afazeres domésticos e recreativos. Por outro lado, resultou provado que após o embate aludido em 1), o autor passou a fazer recolha de sucata com a utilização de uma bicicleta e, ocasionalmente, com o auxílio de veículos de familiares. No que concerne à fixação de uma indemnização, o chamado dano de imobilização pode ser visto sob a perspectiva de um lucro cessante – se determinar a frustração de ganhos ou de rendimentos de exploração – ou de um dano emergente – quando há remédio para suprir a falta de utilização, ainda que de forma onerosa. No que ao caso concreto diz respeito, não se provou que o autor tenha suportado qualquer custo por ter recorrido a veículos de substituição, sendo que não foi junto aos autos qualquer documento referente a quantias pagas a esse propósito. No entanto, tal não significa que o autor não possa pedir uma indemnização a título de privação do uso do seu veículo. De facto, a simples possibilidade de se poder utilizar uma coisa faz parte do conjunto de interesses a ela inerentes, pelo que constitui, em si mesma, uma vantagem patrimonial. Ter a coisa na sua disponibilidade, poder utilizá-la se, e quando, o entender, tem valor para o titular do direito de uso (em princípio, o dono da coisa). A impossibilidade de utilizar a coisa constitui por si só um dano que deve ser ressarcido por quem lhe deu causa. Na verdade, no caso concreto, apurou-se que o autor deixou de praticar algumas actividades em consequência de ter ficado privado do veículo, alterando a sua vivência diária, o que constitui um dano indemnizável. Em suma, provando-se a existência de danos decorrentes da privação do seu veículo, o autor tem direito a ser indemnizado a esse propósito. Tem vindo a jurisprudência dos tribunais superiores a entender adequada a fixação de uma indemnização diária de cerca de Eur. 10,00 por cada dia de privação do uso de uma viatura automóvel de passageiros. Porém, no que ao caso concreto diz respeito, importa ter presente as características específicas do veículo acidentado, bem como as suas limitações técnicas, quer quanto aos números de passageiros que podem ser transportados, quer quanto aos locais e velocidade de circulação. Acresce que o autor não logrou demonstrar nenhum prejuízo concreto na actividade de recolha de sucata. Nessa medida, entendo adequado fixar a indemnização devida ao autor pela privação do uso do veículo em Eur. 5,00, calculada desde a data do acidente até efectivo pagamento do montante indemnizatório referente à reparação da viatura, sendo que a quantia devida até esta data ascende ao montante de Eur. 2.635,00.”
Cumpre apreciar e decidir.
A questão da ressarcibilidade do dano da privação do uso tem sofrido ao longo do tempo uma evolução jurisprudencial que aponta num sentido de maior abertura na reparação de tal dano[13].
Assim, numa corrente mais exigente para o lesado, para que o dano da privação do uso da coisa danificada seja ressarcível exige-se a prova de factos demonstrativos da repercussão negativa dessa privação no património do lesado[14].
Outra corrente jurisprudencial, mais favorável ao lesado, basta-se com a prova de que o lesado usaria normalmente a coisa danificada para que o dano da privação do uso seja indemnizado[15].
Outra posição, ainda mais favorável ao lesado, pronuncia-se no sentido da ressarcibilidade do dano da privação do uso mesmo que não seja feita prova de uma utilização quotidiana do veículo, indemnização a fixar com recurso à equidade e com ponderação das concretas circunstâncias de cada caso[16].
No caso em apreço provou-se que após o embate com o veículo segurado pela recorrente, o autor ficou impossibilitado de utilizar o veículo de matrícula ..-LH-.., devido aos danos sofridos pelo mesmo (ponto 3.1.20 dos factos provados), que antes do aludido embate, o autor utilizava diariamente o veículo de matrícula ..-LH-.., quer para fazer recolha de sucata, quer nas deslocações para os seus afazeres domésticos e recreativos (ponto 3.1.21 dos factos provados) e que após o mesmo embate, o autor passou a fazer recolha de sucata com a utilização de uma bicicleta e, ocasionalmente, com o auxílio de veículos de familiares.
A factualidade provada revela inequivocamente um uso normal, diário, pessoal e profissional do veículo sinistrado por parte do autor e, na nossa perspetiva, tanto basta para que tal dano seja ressarcível.
A circunstância de se provar que após o acidente o autor passou a fazer recolha de sucata com a utilização de uma bicicleta e, ocasionalmente, com o auxílio de familiares, não significa que a privação do gozo do veículo sinistrado não tenha causado qualquer prejuízo ao lesado, mas apenas que o mesmo foi minorado dessa forma.
Na verdade, é facto notório que as utilidades propiciadas por um veículo a motor em termos de velocidade e peso transportado excedem em muito aquelas que um velocípede sem motor é suscetível de propiciar, tendo por isso um maior raio de ação na recolha de sucata e podendo transportar maior volume de sucata.
Deste modo, o autor tem direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo sinistrado, indemnização que deve ser determinada com recurso a juízos de equidade (artigo 566º, nº 3, do Código Civil) e tendo em conta os valores que têm vindo a ser adotados nesta problemática pela jurisprudência dominante (artigo 8º, nº 3, do Código Civil).
No caso dos autos, a recorrente pugna pura e simplesmente pela não ressarcibilidade do dano da privação do uso, não formulando qualquer crítica, ainda que a título subsidiário, ao critério seguido na decisão recorrida, critério que, de todo o modo, toma por base referencial o patamar mínimo que tem vindo a ser adotado pela jurisprudência para veículos automóveis (dez euros diários) e que tem em conta as especificidades do veículo que, recorde-se, é um triciclo.
Assim, nenhuma razão existe para não acolher o valor de cinco euros diários fixado na decisão recorrida para ressarcir o dano da privação do uso do veículo sinistrado.
Pelo exposto, improcede também esta questão recursória, devendo confirmar-se integralmente a sentença recorrida nos segmentos impugnados, sendo as custas do recurso da responsabilidade da recorrente pois que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). 5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela C…, S.A. e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida nos segmentos impugnados.
Custas do recurso a cargo da recorrente, já que decaiu integralmente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de dezassete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
Porto, 02 de março de 2020
Carlos Gil
Carlos Querido
Mendes Coelho
_____________________ [1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida. [2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 03 de setembro de 2019. [3] Este montante corresponde à soma das seguintes importâncias: € 6.500,94, referente ao custo da reparação do veículo sinistrado no acidente, € 95,00, a título de indemnização pelo vestuário danificado no sinistro, € 2.635,00 a título de indemnização por privação do veículo até à data da sentença e € 500,00, a título de danos morais. [4] Este comportamento processual do autor obsta a que neste tribunal se possa equacionar o recurso ao disposto no nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil, operando a conversão da ampliação do âmbito do recurso num recurso subordinado, já que transitou em julgado a decisão que não admitiu a ampliação do âmbito do recurso. [5] Esta carta, intitulada “Assunção da responsabilidade no acidente de viação – perda total”, tem o seguinte conteúdo: “Caro Senhor Recebemos a sua comunicação de sinistro com data de ocorrência a 18-03-2018, com a sua matrícula ..-LH-.. O nosso cliente foi considerado responsável pelo acidente A C… é a Seguradora do veículo com a matrícula ..-UA-.., cujo condutor foi considerado responsável pelo acidente. Vamos indemnizá-lo em dinheiro uma vez que o valor da reparação é superior ao valor do seu veículo Foi realizada uma peritagem na oficina D… para avaliar quanto custaria reparar o seu veículo. O relatório de peritagem indica que o custo da reparação é de 6.500.94 €, valor superior ao valor de substituição do seu veículo – 2 800.00 €, pelo que não nos será possível repará-lo. Sendo assim, vamos indemniza-lo em dinheiro. Quanto vamos indemnizar O seu veículo, no estado em que ficou depois do acidente, foi avaliado em 115.00 € - o salvado. Assim, vamos pagar-lhe 2.685.00 € (valor de substituição do seu veículo menos o valor do salvado). A E… entrará em contacto consigo para tratar do processo de venda E…, (ou quem esta designar) compromete-se a comprar o seu veículo pelo valor indicado na nossa avaliação. Esta entidade entrará em contacto consigo para prestar todos os esclarecimentos necessários sobre o processo de venda. Caso pretenda, poderá desde já contactá-la através de um dos seguinte meios: E… E-mail: gestão@E1....pt Tel.: ………. A proposta de compra do salvado é válida durante 15 dias após a data de emissão da presente comunicação. Envie-nos cópias dos documentos do veículo o mais depressa possível Para pagarmos a indemnização precisamos que nos envie cópia do documento único automóvel ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo. Envie-nos, também, uma certidão da Conservatória do Registo Automóvel para verificarmos se o veículo tem algum ónus ou encargo (consegue obter esta certidão utilizando o endereço http://www.automovelonline.mj.pt/AutoOnline/, na ligação “Pedida da Certidão Permanente do Registo Automóvel dos Registos em Vigor”). Os documentos originais serão solicitados pela E…, pelo que será suficiente para a C… a cópia dos mesmos. Se preferir, para sua comodidade e porque a certidão de ónus e encargos é um documento indispensável, a E… encarregar-se-á da obtenção desse documento, sendo o custo do mesmo (10€) descontado do valor final da venda do salvado. Como será feito o pagamento Para maior rapidez e segurança, o pagamento será feito por transferência bancária. Por esse motivo, precisamos que nos envie um documento onde conste, obrigatoriamente o IBAN e o nome do titular da conta (por exemplo, documento bancário, cabeçalho de um extracto de conta, cópia de um cheque, talão do multibanco, desde que neles estejam inscritos o IBAN e o nome do titular). Outras informações importantes – Enquanto o veículo estiver registado em seu nome, tem de pagar o Imposto Único de Circulação. – Se vender o veículo, certifique-se de que o comprador alterar o título de registo de propriedade. Só assim deixará de ser responsável pelo pagamento do Imposto Único de Circulação. – Se o Registo de Propriedade não tiver sido alterado, poderá recorrer ao procedimento especial para o Registo de Propriedade, pedindo a actualização deste com base em requerimento subscrito apenas por si, na qualidade de vendedor. – Se mandar abater o veículo, apresente o certificado de destruição do Instituto de Mobilidade e dos Transportes (IMT) para cancelar a matrícula. O certificado tem de ser passado por um operador devidamente licenciado. Para mais informações consulte o site www.imt.pt. – Se vender o salvado sem recorrer à A E…, deverá comunicar à Conservatória do Registo Automóvel e ao IMT a identificação do veículo (Matrícula, marca, modelo e número de quadro), do proprietário e do comprador (nome, residência ou sede e número de identificação fiscal (NIF) e o valor da venda. – Se decidir reparar o seu veículo, deverá submete-lo a uma inspeção extraordinária, para assim poder circular regularmente. Veículo de substituição Tenha em atença que a partir do momento em que colocamos à sua disposição a indemnização, não somos responsáveis por quaisquer novas despesas que venha a ter (por exemplo despesas de aluguer de viatura de substituição ou com o parqueamento do seu veículo na oficina). Assim e para evitar custos adicionais, pelos quais não responderemos, deve devolver a viatura de substituição no prazo de dois dias a contar da data desta carta. Por favor contacte-nos se tiver alguma questão Se precisar de algum esclarecimento, ligue-nos ou escreva-nos para os contactos indicados no cabeçalho desta carta.” [6] Na doutrina veja-se a anotação do atual Sr. Juiz Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes, ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2003, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Ferreira Girão, nos Cadernos de Direito Privado, nº 3, Julho/Setembro de 2003, páginas 55 a 62. Saliente-se que neste caso julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça o custo da reparação ascendia a mais de vinte e seis vezes o valor comercial do veículo, confirmando-se a decisão proferida pela Relação do Porto no sentido de se relegar para execução de sentença a liquidação da indemnização pela perda do veículo, por forma a que corresponda «àquilo que o lesado precisa de despender para obter um veículo da igualha do sinistrado.» [7] Na jurisprudência, além do acórdão mencionado na nota de rodapé que antecede, por ordem cronológica, vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis na base de dados da DGSI: de 05 de Julho de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino, no processo nº 07B1849 (valor do veículo não inferior a € 2.000,00 e custo da reparação € 3.740,98); de 04 de Dezembro de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa, no processo nº 06B4219 (valor do veículo de € 1.200,00 e custo da reparação € 5.843,50); de 05 de Junho de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino, no processo nº 08P1370 (valor do veículo de € 15.500,00 e custo da reparação de € 17.277,89); de 19 de Março de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Custódio Montes, no processo nº 09B0520 (valor de veículo € 3.500,00 e custo da reparação € 23.584,74); de 21 de Abril de 2010, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Garcia Calejo (valor venal do veículo € 1.750,00 e custo da reparação de € 2.999,47). [8] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Custódio Montes, no processo nº 09B0520, estava em causa a reparação de um veículo pesado, especialmente adaptado para certa função, veículo que tinha o valor venal de € 3.500,00, sendo o custo da sua reparação de € 23.584,74, caso em que o nosso mais alto tribunal concluiu inexistir excessiva onerosidade por não se demonstrar que o valor atribuído ao veículo sinistrado permitiria ao lesado adquirir um veículo idêntico ou similar ao acidentado. [9] O Sr. Professor António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina 2010, página 725, sustenta que uma indemnização específica é excessivamente onerosa quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa-fé. No mesmo sentido doutrina Henrique Sousa Antunes no Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa, 2018, página 567, segundo parágrafo. Num sentido similar, apelando ao instituto do abuso do direito, alinha o Sr. Juiz Conselheiro Júlio Gomes, na anotação que temos vindo a citar, páginas 61 e 62, quando sustenta que para a avaliação da existência de excessiva onerosidade para o responsável civil e para os efeitos da parte final do nº 1, do artigo 566º do Código Civil, “que há aqui um certo paralelo com o abuso de direito e que é quando a exigência de reparação natural se apresenta abusiva, confrontando o benefício comparativamente reduzido do lesado e o sacrifício do lesante, que tal exigência não deve ter tutela legal.” [10] Daí que, além vez do valor venal, alguma doutrina sustente que a proteção do lesado é mais completa se se atender, em regra, não apenas ao valor venal do veículo, mas ao custo da sua substituição (a este propósito veja-se a anotação Sr. Juiz Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes, ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2003, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Ferreira Girão, nos Cadernos de Direito Privado, nº 3, Julho/Setembro de 2003, páginas 58 e 59. [11] Mais precisamente 2,32, arredondando por excesso. [12] Abonando-nos uma vez mais com as palavras do Sr. Juiz Conselheiro Júlio Gomes na anotação que temos vindo a citar, página 57, “atender estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda) seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada, pelo preço de mercado”. [13] Sobre esta problemática veja-se Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa 2015, Maria da Graça Trigo, páginas 57 a 62. [14] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de outubro de 2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa no processo nº 07B1961, acessível no site da DGSI. [15] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de junho de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 1583/1999.S1, acessível no site da DGSI. Nesta mesma corrente se insere o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo nº 288/14.0TBLRA.C1, que a recorrente cita em abono da sua pretensão recursória. [16] Neste sentido leia-se Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2ª edição revista e actualizada, Almedina 2005, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 72 e 73, posição também mencionada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de julho de 2018, relatado pelo autor que se acaba de citar, no processo nº 176/13.7T2AVR.P1.S1, acessível no site da DGSI.