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CONTRATO DE TRABALHO
LIVRETE INDIVIDUAL DE CONTROLO
TRABALHADOR MÓVEL
HORÁRIO DE TRABALHO
Sumário
Sumário (elaborado pela Relatora):
I. Nos termos dos arts. 1.º e 4.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, e dos arts. 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, o trabalhador móvel que não exerça a função de condução deve proceder ao registo dos tempos de trabalho, disponibilidade e descanso através de Livrete Individual de Controlo, ainda que trabalhe por conta de empresa que não pertença ao sector dos transportes rodoviários e mesmo que tenha horário de trabalho fixo, caso em que deve ainda ter o mapa respectivo afixado no veículo a que esteja afecto.
II. No que respeita ao Livrete Individual de Controlo, o diploma regulamentado pela aludida Portaria é o mencionado DL n.º 237/2007, em cujo art. 1.º se dispõe que através do mesmo é transposta para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, e que o ali disposto prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho, pelo que, não tendo aqueles diplomas sido expressamente revogados, mantêm-se ambos em vigor não obstante a revogação do Código do Trabalho de 2003 e a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:
1. Relatório
O presente recurso foi interposto pela arguida C. L. & A., S.A., por não se conformar com a sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial por ela interposto e que confirmou a decisão da Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima de 121 UC pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 4.º, n.º 1 e 14.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com o art. 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.
Formula as seguintes conclusões:
«Vem a Recorrente interpor o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo, onde se decidiu, em síntese e no essencial, que o trabalhador alvo de fiscalização, seu ajudante de motorista, estava obrigado a exibir perante a entidade autuante, o Livrete Individual de Controlo. II. Com efeito, a Recorrente foi condenada pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho, pela prática de contra-ordenação p. e p. nos artigos 4.º, n.º 1, e 14.º, n.º 3, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 237/2007, e no art. 3.º da Portaria 983/2007 de 27 de Agosto. III. As questões verdadeiramente nevrálgicas aqui em análise reconduzem-se a duas: i) está um trabalhador, que observa um horário fixo, obrigado ao Livrete Individual de Controlo; ii) não sendo exercida uma actividade transportadora por conta de outrem, está o trabalhador também obrigado à utilização desse instrumento. IV. Chegados aqui, como em qualquer recurso, dúvidas não restariam que a entidade recorrida, Autoridade para as Condições do Trabalho – e cujo entendimento acabou por aderir o Tribunal da primeira instância –, propugna por um único sentido: independentemente de ter o trabalhador um horário fixo ou móvel, o controlo do registo das horas efectivamente trabalhadas deveria ser feito no livrete individual, o qual deveria acompanhar o trabalhador e ser exibido às autoridades quando por estas solicitado, como aconteceu na fiscalização que esteve na origem dos presentes autos. Mas não. Afinal, comungam Recorrente e Recorrida do exacto mesmo sentido: no que especificamente respeita ao controlo dos tempos de trabalho, o trabalhador não sujeito a tacógrafo, com horário de trabalho fixo, deve fazer-se acompanhar por mapa de horário de trabalho, e o trabalhador com horas de início e termo variáveis, deve fazer-se acompanhar por livrete individual de trabalho. VI. É que, na informação actualizada no site oficial da Autoridade para as Condições do Trabalho, disponibilizada, pois, a todo o público, e à presente data, no espaço adstrito às “perguntas frequentes”, concernente ao tema “transportes rodoviários”, é prestada a seguinte informação: “Como é efectuado o controlo dos tempos de trabalho dos condutores por conta de outrem, não obrigados à utilização de tacógrafo? O controlo dos tempos de trabalho dos condutores por conta de outrem, que desenvolvam a respectiva actividade utilizando veículos excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) 561/2006, é efectuado da seguinte forma: - condutores com horário de trabalho fixo devem fazer-se acompanhar por mapa de horário de trabalho; - condutores com horário de trabalho com horas de início e termo variáveis, devem fazer-se acompanhar por livrete individual de controlo; - condutores com isenção de horário de trabalho devem fazer-se acompanhar do acordo de isenção; - os seus empregadores deverão manter o registo de tempos de trabalho do art. 202.º do CT, nos termos do n.º 3 deste artigo.” – cfr. hiperligação consultável in https://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Itens/Faqs/Paginas/default.aspx; sendo que, tratando-se de facto público e notório, para facilidade de consulta, junto sob doc. 1, informação retirada do referido sítio à data de 09.12.2019. VII. Assim sendo, a entidade recorrida informa, publicamente, todo e qualquer cidadão, no que especificamente respeita ao controlo dos tempos de trabalho, que o trabalhador com horário de trabalho fixo deve fazer-se acompanhar por mapa de horário de trabalho, e o trabalhador com horas de início e termo variáveis, deve fazer-se acompanhar por livrete individual de trabalho – isto é, aquilo que, em suma, sempre foi defendido pela Recorrente. Vejamos, então: VIII. Foi considerado provado pelo Tribunal a quo que o trabalhador da Recorrente, B. C., observa um horário das 08:30H às 12:00H e das 14:00H às 18:30H, de segunda-feira a sexta-feira. IX. E foi também considerado provado pelo Tribunal a quo que a Recorrente dedica-se ao comércio por grosso de bebidas, não exercendo qualquer actividade de transporte por conta de outrem. X. Ora, o Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de Junho, define “trabalhador móvel” (cfr. al. d), do art. 2.º) “como aquele que faz parte do pessoal viajante ao serviço do empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo Regulamento ou pelo AETR.” (sublinhados nossos) XI. Também a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, logo no seu art. 1.º, sob a epígrafe “objecto”, estabelece que a “presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.”(sublinhados nossos) XII. Deste modo, nos termos destas normatividades, o trabalhador deve estar afecto à actividade transportadora, ou seja, a actividade que tem como objectivo principal o transporte rodoviário com intuito lucrativo e que, em regra, no transporte de mercadorias, exerce essa mesma actividade transportando mercadorias pertença de terceiros que pagam esse transporte. XIII. Não estarão incluídos nesta categoria todos os trabalhadores que não se encontrem afectos a empresas que tenham por fim principal a actividade transportadora rodoviária, isto é, quando esta é apenas complementar, auxiliar ou adjuvante da própria actividade; quando, por exemplo, o transporte se destina a distribuir produtos ou mercadorias por si produzidas ou por si comercializadas e que constituem o objecto principal da sua actividade. XIV. No caso, o trabalhador, ajudante de motorista, tem a categoria profissional de «distribuidor», consistindo as suas funções em entregar aos clientes da Impugnante, através de veículos próprios, o material por esta comercializado (bebidas). XV. Destarte, ao utilizar os veículos como meros coadjuvantes da actividade principal que efectivamente exerce, a actividade transportadora é meramente complementar, não podendo o trabalhador em apreço ser considerado um trabalhador móvel na definição do Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de Junho, e da Portaria 983/07, de 27 de Agosto. XVI. Efectivamente, como resultou provado, a Recorrente não exerce qualquer actividade transportadora por conta de outrem, dedicando-se somente ao comércio por grosso de bebidas. XVII. Acresce que, estando o ajudante de motorista sujeito a um horário de trabalho fixo, como também resultou provado, tendo sido prontamente exibido perante a entidade fiscalizadora o dito horário fixo (e que consta nos presentes autos), ainda que o empregador utilize o veículo como elemento de trabalho coadjuvante da sua actividade, ou por outras palavras, não sendo+ transportador no verdadeiro sentido ou acepção do termo, não se encontrando o trabalhador ajudante de motorista directamente afecto à exploração de veículos automóveis, ainda assim não estava o empregador dispensado de publicitar o horário de trabalho de acordo com o n.º 2 da Portaria 937/2007, com a afixação do horário de trabalho no respectivo veículo – e assim o fez ! ... XVIII. “E, se bem estamos a ver, bem se entende que assim seja. Destinando-se a publicitação dos horários a facilitar o controlo e fiscalização das normas sobre horários de trabalho, só a sua afixação no veículo permitirá atingir totalmente esse desiderato. Mas isto não quer dizer que a Recorrente tenha cometido a infracção. É que conforme expressamente resulta do n.º 1 do art. 2.º da citada Portaria, a publicitação aí referida apenas é aplicável aos horários fixos, ou seja, aos horários em que as horas de início e de termo do período normal de trabalho diário, bem como os intervalos de descanso se encontram pré fixados. São horários onde inexiste variação diária de início e fim da actividade.” – cfr. in Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 12.01.2018, processo n.º 3144/17.6T8CBR.C1, in www.direitoemdia.pt. XIX. O ajudante de motorista da Recorrente observa um horário fixo, concretamente das 08:30H às 12:00H e das 14:00H às 18:30H, de segunda-feira a sexta-feira, uma vez que estão definidas as horas de início e de as horas de termo do período normal de trabalho diário, bem como os intervalos de descanso, não há qualquer actividade variável. XX. Daí que, não surpreenda que a dita acção de fiscalização tenha ocorrido precisamente pelas 17:20H, dentro do período normal de tempo de trabalho daquele ajudante de motorista; mas, sem embargo, mesmo que a fiscalização tivesse ocorrido fora destes limites dos períodos normais de trabalho diários e semanais, poder-se-ia, ainda, lançar mão, de institutos legalmente consagrados, como seja o trabalho suplementar. XXI. De facto, nas situações em que os trabalhadores não estão sujeitos a horário de trabalho fixo, impõe-se a forma de registo através do livrete individual de controlo, por forma a serem registados tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, incluindo o tempo de trabalho prestado ao serviço de outro empregador, por forma a serem controlados. Situações diversas são aqueles em que os trabalhadores, estando sujeitos a um horário de trabalho fixo, publicitam tal realidade através do mapa de horário de trabalho, donde resultam as horas de início e as horas do termo da actividade, para além dos respectivos intervalos de descanso diários, bem como os dias correspondentes ao gozo do descanso complementar e ao gozo do descanso obrigatório. XXIII. Aliás, atentando às “folhas diárias” que fazem parte integrante do mencionado Livrete Individual de Controlo, onde há espaços afectos a tempo de condução”, “tempo de trabalho diverso da condução”, “tempo total de descanso diário e de intervalos de descanso ou pausas”, “tempo de trabalho prestado a outro empregador”, facilmente se conclui que aquele instrumento visou única e exclusivamente os trabalhadores com actividades variáveis, inconstantes e incertas, XXIV. Sob pena do esvaziamento total da utilidade daquele instrumento, uma vez que não há alterações ou variações diárias a serem registadas, no que concerne às horas de início e às horas do termo da actividade, para além dos respectivos intervalos de descanso diários, bem como para além dos dias correspondentes ao gozo do descanso complementar e aos gozos dos descansos obrigatórios, nem tão pouco de tempos de trabalho prestados a outro empregador. XXV. Há, pelo contrário, uma permanente e imutável lógica de trabalho, cujo Livrete não visa controlar.
Claro está que mesmo nas situações em que é praticado um horário de trabalho fixo, cujos inícios e termos estão definidos temporalmente, impende sobre a entidade empregadora a obrigação de manter os registos de tempos de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 202.º, n.º 1, do Código do Trabalho, como é o caso da ora Recorrente que mantém tais registos. XXVII. Sendo que, tal como se estatui no n.º 3 daquele preceito legal, “o empregador deve assegurar que o trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa, ou envie o mesmo devidamente visado, de modo a que a empresa disponha do registo devidamente visado no prazo de quinze dias a contar da prestação.” XXVIII. Se impendesse sobre aquele mesmo trabalhador, praticante de um horário fixo, a obrigação de preenchimento do Livrete Individual de Controlo, como proceder relativamente aos registos de tempos de trabalho que se encontram disponíveis na empresa, por forma a serem consultáveis por qualquer autoridade, para efeitos de controlo ? XXIX. Estarão esses mesmos trabalhadores obrigados ao registo dos tempos de trabalho em dois instrumentos distintos; dito de outro modo, pretendeu o legislador a duplicação das formas de registos de tempos de trabalho e, por último, qual das vias prevalece, já que possuem exactamente os mesmos desígnios ? Veja-se, que o agente autuante, aquando da fiscalização, exigiu àquele trabalhador da Recorrente, que lhe havia entregue um mapa de horário de trabalho fixo, que lhe fosse exibido, ao invés, o Livrete Individual de Controlo. XXXI. O agente autuante, aquando da fiscalização, nunca questionou aquele concreto trabalhador da Recorrente, se registava (e/ou como registava) os seus tempos de trabalho. XXXII. E nunca colocou sequer a hipótese de realizar o seu trabalho, ou seja, a análise dos registos de tempos de trabalho, sem a pressão dos tão almejados e consabidos objectivos numéricos, reclamando quer do trabalhador e da sua entidade empregadora, como sempre legalmente lhe competiria, tais registos, por forma a controlar a sua conformidade. XXXIII. É, assim, indiscutível, que aquela Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto prevê que a forma de publicitação de um horário de trabalho fixo basta-se com a mera exibição de um mapa de horário de trabalho; por seu turno, na eventualidade de estarmos na presença de um horário de trabalho móvel, a forma de publicitação de um horário móvel impõe-se através do registo no livrete individual de controlo. XXXIV. Saliente-se, a propósito, que a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto recuperou o velhinho «Livrete Individual de Controlo» ou «Caderneta de Horário Móvel», como forma e instrumento de organização do tempo de trabalho (registo de tempos de trabalho e de repouso) dos trabalhadores móveis em actividades de transportes rodoviários efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) 561/2006, de 15/03, não sujeitos ao aparelho de controlo (tacógrafo) previsto no Regulamento (CEE) 3821/85, de 20/12, e no AETR, Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que efectuem Transportes Internacionais Rodoviários. XXXV. Isto é, as raízes históricas da utilização da anterior «Caderneta de Horário Móvel» estão inequivocamente ligadas aos trabalhadores móveis que, não sendo e não podendo ser controlados pelo tacógrafo, nem eventualmente por um horário fixo, bem como não estando isentos de um horário de trabalho, os seus tempos de trabalho são controlados pelo aludido Livrete. XXXVI. Desta forma, atendendo a tudo o supra exposto, se conclui, com segurança, que o trabalhador alvo de fiscalização ao deter um horário fixo e não móvel, não estava obrigado a exibir qualquer Livrete Individual de Controlo, ao que acresce, de igual sorte, a circunstância da legislação na qual se baseou a condenação ser somente aplicável a trabalhadores de empresas que se dediquem essencialmente à actividade transportadora, o que não é o caso da Recorrente, em que o objecto social é o da comercialização de bebidas, sendo o transporte destas apenas acessório daquela actividade principal.
Sem prescindir,
XXXVII. Sem embargo do precedentemente exposto, de que não se abdica, decidiu ainda o Tribunal a quo, que a invocada revogação tácita da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, pela Recorrente, não procedia. . Todavia, é certo que o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho prevê expressamente no art. 1.º, n.º 3, que “o disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho”. XXXIX. Mas também é certo que no art. 4.º, n.º 2, com a epígrafe “Registo”, desse mesmo diploma legal, se prevê expressamente que “a forma do registo referido no número anterior é estabelecida em Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.” XL. Ou seja, apesar do regime constante nos artigos 3.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, prevalecer relativamente às disposições correspondentes ao Código do Trabalho, o legislador desta normatividade, excepcionalmente no tocante à “forma do registo”, faz de novo prevalecer o regime legal ínsito em Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes. XLI. E o mesmo se diga quanto ao inaceitável argumento avançado pelo Tribunal recorrido para afastar a incontornável realidade da revogação tácita daquela Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, ao afirmar a existência de “um lapso manifesto na remissão para o art. 5.º, quando se pretendia remeter para o art. 4.º ” no que se refere à remissão do art. 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, porque, a lei é clara e, por ser clara, é isenta de interpretação. Porquanto, no caso em apreço, nada justifica a dita interpretação ab-rogatória, nem mesmo a interpretação correctiva, do regime legal em referência. XLIII. É que, imputa-se à aqui Recorrente a prática de uma contra-ordenação muito grave, por violação do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, e 14.º, n.º 3, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 237/2007, e do art. 3.º da Portaria 983/2007 de 27 de Agosto, XLIV. A referida infracção refere-se, pois, às condições de publicidade dos horários de trabalho e mais concretamente às condições de publicidade do trabalhador afecto à exploração do veículo automóvel. XLV. Com efeito, importa realizar uma breve resenha histórica, uma vez que o art. 179.º do então Código do Trabalho de 2003 dispunha o seguinte: “1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 173.º, em todos os locais de trabalho deve ser afixado, em lugar bem visível, um mapa de horário de trabalho, elaborado pelo empregador de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis. 2 – O Empregador deve enviar cópia do mapa de horário d trabalho à Inspecção-Geral do Trabalho com a antecedência mínima de quarenta e oito horas relativamente à sua entrada em vigor. 3 – As condições de publicidade de horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis, propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições deste Código, são estabelecidas em portaria dos Ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes, ouvidas as organizações sindicais e de empregadores interessadas.”(sublinhados nossos). XLVI. Precisamente com data de 19 de Junho de 2007 foi publicado o Decreto-Lei n.º 237/2007, o qual, de acordo com o seu preâmbulo, procedeu “à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, regulando determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho de trabalhadores móveis que participem em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CEE) n.º 3820/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que efectuem Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ractificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.” XLVII. No art. 4.º, n.º 1, deste diploma legal, resulta que “no caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o art. 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.” . No art. 4.º, n.º 2, deste diploma legal, resulta, ainda, por sua vez, que “a forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.” (sublinhados nossos). XLIX. Posteriormente, dando cumprimento às exigências legais de estabelecimento em Portaria das condições de publicidade (forma e registo dos tempos de trabalho), foi publicada a Portaria 983/2007, de 27 de Agosto, que veio estabelecer as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis e a forma do registo dos tempos de trabalho e de repouso do trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários. L. A referida Portaria procedia, então, à regulamentação do Código do Trabalho consubstanciado na Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que, por seu turno, regulamentava a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto que aprovou o Código do Trabalho. LI. Ora, consabidamente, a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, foi entretanto revogada pela actual Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cfr. al. b) do n.º 1 do art. 12.º deste último diploma legal). LII. Precisamente neste novo Código do Trabalho se preceitua no art. 216.º, n.º 4, sob a epígrafe “afixação e envio de mapa de horário de trabalho” que “as condições de publicidade de horário de trabalho de trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel são estabelecidas em portaria dos ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes.” LIII. As condições de publicidade de horário de trabalho de trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel dizem precisamente respeito à forma legalmente exigível para o registo do tempo de trabalho, com vista a facilitar o controlo e fiscalização do cumprimento das normas dos horários de trabalho. LIV. Apesar da Autoridade para as Condições de Trabalho, entidade recorrida, aquando da suscitação de presente questão prévia, ter concluído que “incorria em erro a arguida porque nos presentes autos nunca esteve em apreciação a aplicação do referido artigo [leia-se, 216.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro]”, certo é que está inequivocamente sempre em causa a apreciação do citado preceito legal; porquanto, o actual art. 216.º, n.º 4, nada mais é que o exacto correspondente ao antecedente art. 179.º do então Código do Trabalho de 2003, onde radica e emerge a exigência do estabelecimento de uma Portaria regulamentadora das condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis e forma do registo dos tempos de trabalho e de repouso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou no AETR, vulgo “tacógrafo”. LV. Deste modo, considerando que a referida Portaria foi aprovada para regulamentar a lei antecedente, entretanto revogada, conclui-se, com toda a segurança, que com a entrada do novo Código do Trabalho, a matéria concernente à publicidade, forma e registo dos horários de trabalho, do pessoal afecto à exploração veículos automóveis, carece ser regulamentada. LVI. Até pode suceder que uma nova Portaria que venha regulamentar a matéria tenha exactamente o mesmo conteúdo e alcance da revogada Portaria 983/2007, de 27 de Agosto, mas até à data ainda não foi publicada. LVII. Ou seja, enquanto não for publicada a Portaria a que expressamente se refere o n.º 4 do art. 216.º do actual Código do Trabalho, a falta de livrete individual de controlo, em razão de um claro e incontornável vazio legal, não constitui qualquer tipo de ilícito contra-ordenacional. LVIII. É que, caindo a normatividade habilitante, cai, consequentemente, a normatividade habilitada, uma vez que esta última depende acessoriamente da primeira e não pode a Impugnante ser condenada pela prática de uma infracção que não está prevista no ordenamento jurídico. LIX. Pelo que, em conclusão, a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto tem de considerar-se revogada por força da revogação do anterior Código do Trabalho, pois foi com base neste último que foi emitida, não tendo sido substituída por outra após a entrada em vigor do novo código.»
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso pelo tribunal recorrido, com efeito suspensivo, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Objecto do recurso
De acordo com o art. 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 50.º, n.º 4, do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre decidir se um trabalhador de empresa que não exerça uma actividade transportadora por conta de outrem, que observa um horário fixo, está obrigado ao uso de Livrete Individual de Controlo.
3. Fundamentação de facto
Dos autos resultam os seguintes
a) Factos Provados:
A) No dia 23 de agosto de 2017, pelas 17 horas e 20 minutos, na EN 205-4, ..., Barcelos, a arguida fazia circular a viatura pesada de mercadorias com a matrícula ZZ, conduzida por A. S.;
B) O trabalhador da arguida B. C. detém a categoria profissional de ajudante de motorista, estando naquele momento a acompanhar o motorista anteriormente referido e não se fazendo acompanhar de livrete individual de controlo;
C) Por força das cargas e descargas das mercadorias, a jornada de trabalho do referido ajudante uns dias termina mais cedo e outros mais tarde;
D) A arguida apresentou em 2016 um volume de negócios de 28.385.910,00 €;
E) No momento da fiscalização, B. C. exibiu ao agente autuante o horário que está junto a fls. 9 e 10;
F) A arguida tem como objecto social: “Armazém de bebidas e produtos alimentares. Transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, armazenagem e actividades auxiliares dos transportes, aluguer de viaturas sem condutor, ligeiros e pesados de mercadorias, armazenagem não frigorífica, comércio por grosso e a retalho, importação e exportação de bebidas e géneros alimentares, comissões e representações, estudo, gestão e promoção de projectos comerciais, industriais, hoteleiros e agrícolas, representações, mediação e prestação de serviços” – certidão de fls. 110 e ss.;
G) A arguida dedica-se ao comércio por grosso de bebidas, não exercendo qualquer actividade transportadora por conta de outrem;
H) B. C. observa um horário das 08:30 às 12:00 e das 14:00 às 18:30, de segunda a sexta-feira.
b) Factos Não Provados:
1) que B. C. tivesse um horário móvel, estando este dependente das cargas e descargas das mercadorias;
2) que B. C. tenha a categoria profissional de “distribuidor”.
4. Apreciação do recurso
Como se disse supra, cumpre decidir se um trabalhador de empresa que não exerça uma actividade transportadora por conta de outrem, que observa um horário fixo, está obrigado ao uso de Livrete Individual de Controlo.
Na verdade, provou-se que a arguida se dedica ao comércio por grosso de bebidas, não exercendo qualquer actividade transportadora por conta de outrem.
Por outro lado, provou-se que o seu trabalhador B. C., com a categoria profissional de ajudante de motorista, observa um horário das 08:30 às 12:00 e das 14:00 às 18:30, de segunda a sexta-feira, embora, por força das cargas e descargas das mercadorias, a sua jornada de trabalho uns dias termine mais cedo e outros mais tarde.
Ora, no dia 23 de Agosto de 2017, pelas 17 horas e 20 minutos, na EN 205-4, ..., Barcelos, a arguida fazia circular a viatura pesada de mercadorias com a matrícula ZZ, conduzida por A. S., estando o referido ajudante de motorista naquele momento a acompanhá-lo.
Tendo sido sujeito a fiscalização, B. C. exibiu ao agente autuante o horário que está junto a fls. 9 e 10, não dispondo de Livrete Individual de Controlo.
Nessa sequência, a Recorrente veio a ser condenada pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 4.º, n.º 1 e 14.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com o art. 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.
Vejamos.
Estabelece o DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, na parte que interessa:
Artigo 1.º
Âmbito e objecto
1 - O presente decreto-lei regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.
2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário.
3 - O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
(…)
d) «Trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.
(…)
Artigo 4.º
Registo
1 - No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.
2 - A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.
(…)
Artigo 14.º
Registo
(…)
3 - Constitui contra-ordenação muito grave:
a) A não utilização de suporte de registo;
(…)
Por seu turno, estabelece a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, na parte que releva:
Artigo 1.º
Objecto
1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.
2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º(1) do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.
3 - O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.
Artigo 2.º
Publicidade de horários de trabalho
1 - A publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.
2 - O empregador envia cópia do mapa de horário de trabalho ao serviço da autoridade para as condições de trabalho da área em que se situe a sede ou o estabelecimento a que o trabalhador esteja afecto, com a antecedência mínima de quarenta e oito horas relativamente à sua entrada em vigor.
Artigo 3.º
Registo
O registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características:
(…)
Em face do normativo transcrito, salienta-se, desde logo, que, como resulta do seu art. 1.º, a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, visou regulamentar duas matérias diferentes:
- as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho, nos termos previstos no art. 179.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003, substituído pelo art. 216.º, n.º 4 do Código do Trabalho de 2009;
- e a forma de registo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, nos termos previstos no n.º 2 deste mesmo artigo.
A primeira das referidas matérias está regulada no art. 2.º, nos termos do qual, a publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho é feita através de mapa de horário de trabalho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.
E a segunda das referidas matérias está regulada no art. 3.º, nos termos do qual, o registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no art. 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em Livrete Individual de Controlo devidamente autenticado, de modelo anexo àquela portaria e com as características ali enunciadas.
No caso em apreço, como o acima identificado B. C., na qualidade de ajudante de motorista de veículo automóvel propriedade de entidade sujeita às disposições do Código do Trabalho, tinha um horário de trabalho fixo, a publicidade deste devia ser feita através de mapa de horário de trabalho afixado no estabelecimento e em cada veículo a que aquele estivesse afecto.
Sucede que, no acto da fiscalização, o trabalhador em causa apresentou tal documento, e, por conseguinte, à arguida não foi imputada qualquer contra-ordenação pela sua falta.
Nos presentes autos não se discute tal questão mas unicamente a de saber se o aludido trabalhador estava ainda sujeito ao uso de Livrete Individual de Controlo, nos termos do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, e dos arts. 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.
Ora, como resulta do art. 1.º daquele decreto-lei, acima transcrito, naquele diploma regulam-se determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março (2), transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, estabelecendo-se que o ali disposto prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.
Por outro lado, de acordo com o art. 2.º, al. d), entende-se por «trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo Regulamento (3).
Compulsado o aludido Regulamento CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, logo o seu art. 1.º esclarece que aquele estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária, bem como pretende igualmente promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários (sublinhados nossos).
O art. 2.º acrescenta que aquele Regulamento se aplica, designadamente, ao transporte rodoviário de mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semi-reboques, seja superior a 3,5 toneladas, ou de passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade. O art. 3.º enuncia as excepções, isto é, os transportes rodoviários a que não é aplicável o Regulamento, sendo certo que o mesmo só faz sentido porque o diploma não se aplica exclusivamente a empresas do sector dos transportes rodoviários.
Em suma, nos termos do art. 1.º, e sem prejuízo do decorrente dos arts. 2.º e 3.º, o aludido Regulamento aplica-se a qualquer «transporte rodoviário», entendendo-se como tal, nos termos do seu art. 4.º. al. a), qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efectuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga, embora contenha normas específicas para o sector dos transportes rodoviários, entendendo-se como «empresa transportadora» ou «empresa de transportes», nos termos da al. p) do mesmo artigo, a entidade que se dedica ao transporte rodoviário, e que pode ser uma pessoa singular ou colectiva, uma associação ou um grupo de pessoas sem personalidade jurídica, com ou sem fins lucrativos, ou um organismo oficial, com personalidade jurídica própria ou dependente de uma autoridade com personalidade jurídica, que age por conta de outrem ou por conta própria.
Assim, sendo o identificado B. C. um trabalhador móvel, ou seja, integrante do pessoal viajante ao serviço da Recorrente, a qual, embora não sendo uma empresa do sector dos transportes rodoviários, exerce actividade de transporte rodoviário em território nacional abrangida pelo citado Regulamento, concretamente efectuando deslocações de veículos pesados de mercadorias total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga, conclui-se que à situação dos autos é aplicável o DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, por força do seu art. 1.º.
Deste modo, aquele ajudante de motorista da Recorrente, não estando sujeito ao aparelho de controlo conhecido como tacógrafo, devia fazer uso do Livrete Individual de Controlo para registo do número de horas de trabalho prestadas, nos termos do art. 4.º, n.ºs 1 e 2 daquele decreto-lei e dos arts. 1.º, n.ºs 2 e 3 e 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.
Na verdade, tratando-se de trabalhador móvel, ou seja, de trabalhador integrante do pessoal viajante, mas não condutor, o registo do número de horas de trabalho prestadas pelo mesmo, pela própria natureza do trabalho, não podia ser efectuado e controlado através de tacógrafo – que, quando obrigatório, exerce tal finalidade relativamente ao condutor –, mas sim através do Livrete Individual de Controlo.
E a tal não obsta o facto de, por se tratar de trabalhador móvel com horário de trabalho fixo, este dever ser publicitado através de mapa de horário de trabalho afixado no estabelecimento e em cada veículo a que aquele estivesse afecto, nos sobreditos termos, na medida em que a finalidade subjacente a cada uma das referidas obrigações é diferente:
- a publicitação do horário de trabalho nos termos indicados visa permitir a verificação dos tempos de trabalho e de descanso que o trabalhador devia observar na relação com o empregador em causa, adaptando ao trabalhador afecto à exploração de veículo automóvel o disposto nos arts. 179.º do Código do Trabalho de 2003 e 216.º do Código do Trabalho de 2009;
- o Livrete Individual de Controlo visa permitir a verificação dos tempos de trabalho, de disponibilidade e de descanso que o trabalhador efectivamente observou, não só relativamente ao empregador em causa mas ainda a outros para que eventualmente trabalhe, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles, adaptando ao trabalhador móvel não sujeito a controlo por tacógrafo o disposto nos arts. 162.º do Código do Trabalho de 2003 e 202.º do Código do Trabalho de 2009.
Aliás, a pertinência da acumulação de ambas as obrigações, com vista ao controlo dos tempos máximos de trabalho legal ou convencionalmente permitidos, é bem visível no caso dos autos, em que se provou que o trabalhador B. C., apesar de estar sujeito a um horário de trabalho fixo, das 08:30 às 12:00 e das 14:00 às 18:30, de segunda a sexta-feira, por força das cargas e descargas das mercadorias termina a sua jornada de trabalho uns dias mais cedo e outros mais tarde (4).
A Recorrente sustenta, ainda, que a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, deve considerar-se revogada por força da revogação do Código do Trabalho de 2003, pois foi com base neste último que foi emitida, não tendo sido substituída por outra após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009.
Porém, como acima se sublinhou, resulta expressamente do art. 1.º de tal Portaria que esta visou regulamentar duas matérias diferentes:
- as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho, nos termos previstos no art. 179.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003, substituído pelo art. 216.º, n.º 4 do Código do Trabalho de 2009 (5);
- e a forma de registo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, nos termos previstos no n.º 2 deste mesmo artigo, que previa que a forma do registo referido no número anterior seria estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.
Isto é, no que respeita especificamente ao Livrete Individual de Controlo, o diploma regulamentado pela aludida Portaria é o mencionado DL n.º 237/2007, em cujo art. 1.º se dispõe que através do mesmo é transposta para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, e que o ali disposto prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho, pelo que, não tendo aqueles diplomas sido expressamente revogados, mantêm-se ambos em vigor não obstante a revogação do Código do Trabalho de 2003 e a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009 (6).
Em face do exposto, conclui-se que a arguida violou o disposto no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com o art. 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, incorrendo na contra-ordenação muito grave prevista no art. 14.º, n.º 3, al. a) daquele primeiro diploma.
Improcede, pois, o recurso em apreço.
5. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Alda Martins
Vera Sottomayor
1. Apesar de referido o art. 5.º, trata-se de lapso manifesto, uma vez que tal norma, que não tem sequer números, não se reporta à matéria do «registo», regulado, sim, no art. 4.º. 2. E também pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho. 3. Ou pelo AETR. 4. No sentido de que o trabalhador móvel que não exerça a função de condução deve proceder ao registo dos tempos de trabalho e de descanso através de Livrete Individual de Controlo, e, se tiver horário de trabalho fixo, ter o mapa respectivo afixado no veículo a que esteja afecto, veja-se o Acórdão desta Relação de 5 de Abril de 2018, proferido no processo n.º 781/17.2T9VRL.G1, em que foi Adjunta a ora Relatora, disponível em www.dgsi.pt. 5. Nesta parte, sendo certo que não houve revogação expressa da Portaria, é de entender que também não ocorreu revogação tácita, atento o disposto no art. 7.º, n.º 2 do Código Civil, por não haver incompatibilidade, mas antes coincidência, entre a norma antecedente e a posterior. 6. Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 9 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 1370/15.1T8BJA.E1, disponível em www.dgsi.pt.