TÍTULO EXECUTIVO
SUFICIÊNCIA
DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
INTERPELAÇÃO
Sumário


I- A suficiência do título deve permitir apurar qual a obrigação exequenda que dele consta, sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida. O título executivo há-de constituir, assim, instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda.

II- O art. 781.º do CC, ao determinar que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento imediato das restantes, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só, a entrada em mora quanto ao cumprimento das demais.

III- Sendo a interpelação constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta, sem tal interpelação o título executivo é insuficiente.

IV- Acresce que, sem a exigida comunicação, ficar-se-ia sem saber em que momento, e com que fundamento teria ocorrido o antecipado vencimento das prestações vincendas – data esta fundamental, desde logo, para efeitos da contagem de juros

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

V. L., O. C., G. C. e D. C., residentes na Rua da …, nº …, Guimarães, ofereceram embargos à execução intentada por Banco ..., SA, com sede na Avenida da …, Lisboa, tendo o executado D. C. oferecido igualmente oposição à penhora alegando não ser a mesma legítima, por não ser o mesmo responsável pelo pagamento de qualquer quantia e por, sem prescindir, ser excessiva.
Alegaram, em suma, para fundamentar a pretensão de embargos, que nunca foram notificados da resolução do contrato, pelo que a dívida não é certa, líquida ou exigível, que os valores peticionados não estão correctos, desconhecendo-se como foram calculados os juros e imposto de selo.

*
A exequente contestou, por excepção e impugnação.
Excepcionou o caso julgado relativamente ao embargante/oponente D. C., por terem já corrido termos embargos/oposição intentados por aquele, no qual foram arguidas as mesmas questões. Em impugnação, sustentou a validade do título – face às comunicações de resolução operadas - e da penhora efectuada, pugnando pela improcedência dos embargos.
Os embargantes exerceram o contraditório relativamente à excepção aduzida e aos documentos juntos.
*
Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de caso julgado, determinando-se a extinção da instância de embargos e oposição à penhora oferecidos pelo executado D. C. e se declarou, no mais, a regularidade da instância.
Fixou-se o objecto do processo e os temas da prova, por despacho que não mereceu reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que se julgou procedentes os embargos e determinou, em consequência, a extinção da execução relativamente aos embargantes V. L., O. C. e G. C..
*
II. O Recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a exequente/embargado apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas e preceitos jurídicos competentes.
II.A douta decisão recorrida solucionou a hipótese dos autos, de forma que, com a devida vénia, não pode deixar de considerar-se aleatória dos mais elementares preceitos da justiça e legalidade.
III.No dia 03/03/2017, o ora Recorrente instaurou ação executiva contra os Executados V. L., O. C., G. C. e D. C., para pagamento da quantia de 57.273,32€.
IV.A execução tem por base um contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado entre o ora Recorrente e a Executada V. L., no dia 11/06/2007, nos termos do qual aquele emprestou a esta a quantia de 65.000,00, tendo-se os Executados O. C. e G. C. constituído como fiadores e principais pagadores.
V.O referido empréstimo foi concedido pelo prazo de 600 meses, sendo reembolsado em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, a contar do próximo dia 05 ou desta data se o dia de vencimento das prestações coincidir com o dia de celebração da escritura.
VI.Para garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo supra referido, acrescida dos juros que fossem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais qu o Exequente, aqui Recorrente, tivesse de suportar no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, a Executada V. L. constituiu umahipoteca voluntária sobre o bem imóvel: - prédio urbano, composto por casa de cave e rés-do-chão, com logradouro, sito no Lugar da …, Lote …,, freguesia ..., concelho de Guimarães, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... – ..., inscrito na matriz sob o artigo ....
VII.Sucede que, não foi realizada a prestação vencida em 05/06/2016, nem qualquer uma das subsequentes,
VIII.Daí a legitimidade do Exequente, ora Recorrente, para dar entrada da competente ação executiva.
IX.A sentença proferida no âmbito dos embargos de executado julgou os mesmos totalmente procedentes, determinando-se a extinção da ação executiva quanto a todos os executados.
X.Estamos perante um título executivo que titula uma obrigação exigível encontrando-se a prestação vencida.
XI.Na verdade, de acordo com o disposto na cláusula 9.ª do documento complementar anexo à escritura que serve de título executivo, 1 O não cumprimento pelo(s) “Mutuário(s)” de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativa à(s) garantia(s) prestada(s), confere ao “Banco ...” o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda não vencidas. 2 Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei ou pelo presente contrato e constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato, as que, designadamente, se indicam: a)Não cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato, assumidas pelo(s) “Mutuário(s); b) Mora no pagamento de qualquer prestação, iniciando-se, desde logo, a contagem dos juros de mora (…)”.
XII. Os Recorridos, não procederam ao pontual pagamento das prestações devidas, no âmbito do referido contrato celebrado entre si e o aqui Recorrente e no qual se confessaram devedores.
XIII.Assim, tendo os aqui Recorridos faltado ao cumprimento pontual das obrigações emergentes do contrato de mútuo com hipoteca, o Exequente, aqui Recorrente, tinha o direito de o resolver e considerar o crédito imediatamente vencido.
XIV.O Recorrente efetuou diligências para tentar recuperar o seu crédito sem ter de recorrer à via judicial, interpelando os Recorridos para pagamento das quantias em dívida.
XV.Apesar de devidamente interpelados para o cumprimento das obrigações decorrentes do sobredito contrato, os Recorridos não efetuaram o pagamento das prestações devidas.
XVI.Razão pela qual a dívida tornou-se, na totalidade, além de vencida, exigível.
XVII.Podendoser exigidas, peloRecorrente, todas as prestações aque os Recorridos se encontravam obrigados por força do contrato supra referido.
XVIII.Ainda que os Embargantes, aqui Recorridos, não tivessem sido interpelados para o cumprimento da obrigação, a sua não interpelação jamais afastaria a situação de incumprimento que se encontra.
XIX.Entendendo-se que: "Verifica-se o não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, sempre que a respetiva prestação debitória deixa de ser efetuada nos termos corretos." (Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa in "Direito das Obrigações", 8.ª Edição, Almedina).
XX.Pelo que os Recorridos encontram-se em incumprimento desde que deixou de efetuar o pontual pagamento das prestações devidas ao Recorrente.
XXI.Assim, o Recorrente, independentemente da interpelação, sempre teria o direito de resolver o contrato de mútuo com hipoteca celebrado.
XXII.Pois a não interpelação para cumprimento da obrigação apenas torna a obrigação exigível e constitui o devedor em mora, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 805.º do Cód. Civil.
XXIII.Sendo que, há mora do devedor independentemente da interpelação se a obrigação tiver prazo certo (al. a), n.º 2 do art. 805.º do Cód. Civil).
XXIV.Neste âmbito: "A lei remete, antes de tudo, para o acordo das partes. Portanto, se tiver sido estabelecido um prazo ou um dia certo para o cumprimento, nesse tempo previsto deve ser realizada a prestação - e estaremos em face de uma obrigação a termo ou a prazo." ( Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa in "Direito das Obrigações", 8.ª Edição, Almedina)
XXV.Ora, das condições do contrato de mútuo com hipoteca resulta claro que a obrigação de pagamento das prestações era uma obrigação de prazo certo, sendo a mora, in casu, independente de interpelação para o cumprimento.
XXVI.Por cartas datadas de 12/01/2017, o Recorrente comunicou aos Recorridos que o contrato celebrado, e aqui em apreço, tinha sido denunciado depois de frustradas as várias tentativas de regularização da situação de incumprimento – cfr. documentos juntos sob os n.ºs 1, 2 e 3 com a contestação.
XXVII.Foram as mesmas remetidas para a morada indicada no contrato em apreço.
XXVIII.Por outro lado, sempre se dirá que a citação dos Executados, aqui Recorridos, para a ação executiva permitiu efetivamente suprir a necessidade de manifestação e comunicação àqueles da vontade de resolver o contrato por parte do Exequente, aqui Recorrente. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/05/2012 (Proc. n.º7169/10.4TBALM-M-A.L1-7), o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22/11/2012 (Proc. n.º 1895/10.5TBCTX-A.E1), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/11/2017 (Proc. n.º 945/11.2TBGMR-A.G1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27/06/2019 (Proc. n.º 263/18.5T8FTR-A.E1), todos eles disponíveis em www.dgsi.pt.
XXIX.Efetivamente, o Recorrente cumpriu com todas as obrigações resultantes do contrato celebrado com os Recorridos.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue verificado e graduação o crédito exequendo e o crédito reclamado pelo Recorrente, de acordo com a prioridade do registo.

Só assim se decidindo, será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.
*
Os embargantes/Recorridos vieram apresentar as suas contra-alegações, concluindo no seguintes termos:

1º)Salvo melhor opinião e o devido respeito, não assiste qualquer razão ao ora Recorrente, pelo muito bem andou o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta Sentença em que mui bem julgou procedentes os embargos e determinou em consequencia a extinção da execução relativamente aos Embargantes V. L., O. C. e G. C..
2º)O Recorrente salvo o devido respeito, uma vez mais atira para todo o lado, sem acertar em nada, numa tese, salvo o devido respeito, peregrina encontram nulidades e violações do Código de Processo Civil, tão óbvias que curiosamente é o unico que as vê, pois ninguém até agora as conseguiu ou consegue vislumbrar.
3º)Salvo o devido respeito, nas suas alegações e nomeadamente nos catorze artigos das suas conclusões, constantes das alíneas I) a XXIX) o Recorrente confundiu – ou pelo menos pretende ver confundido – algumas questões essenciais, que por serem determinantes, viciam posteriormente todo o seu raciocínio e que como tal se impugnam.
4º)Aliás, não se concebe, que todas as suas alegações, se alicercem, numa crítica, ainda que velada, ao princípio da livre apreciação da prova do julgador, plasmado no artigo 607.º do Código de Processo Civil, quando o que ocorreu em sede de audiência de julgamento, é que o próprio Recorrente não conseguiu de forma cabal, concisa, precisa e concreta, contra provar os factos constitutivos do direito alegado.
5º)Ora, se o próprio Recorrente, não logrou alcançar tal desiderato, conforme se refere na Douta Sentença, isto apesar do ónus probatório que lhe competia vindo agora tentar alterar as respostas aos quesitos sem qualquer suporte ou fundamento.
6º)Cumpre referir, que o tribunal aprecia livre as provas e responde aos quesitos em sintonia com a convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta formalidade não pode ser dispensada.
7º)Decorre deste princípio o regime geral da imodificabilidade das respostas aos quesitos, por parte dos Tribunais Superiores, só sendo lícito alterar tais respostas nas hipóteses taxativamente enumeradas no n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil. Ora, salvo melhor opinião, in casú, não ocorre nenhuma das hipóteses previstas nessa disposição legal.
8º)Para além disso, dos autos, constam todos os elementos de prova que serviram de base às respostas, pois sobre os quesitos foi ouvida prova testemunhal, cujos depoimentos foram gravados. Estabelece o artigo 662º do Código de Processo Civil, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenha sido gravados, incumbe ainda ao Recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado das passagens da gravação em que se funda.
9º)O Recorrente não explica porque não conseguiu provar, como lhe competia, o motivo pelo qual não resolveu o contrato celebrado, nem comunicou, como devia tal resolução aos Recorridos, passando assim a ter um crédito certo, liquido e exigivel. E não o faz porque não consegue fazer prova de o ter feito, conforme se constata pela conclusão XVII das suas alegações, tentando ainda assim contornar a evidencia com teorias que não colhem, nem se aplicam.
10º)Por outro lado, não está aqui em causa nenhum documento novo superveniente. Por fim não existe no processo nenhum elemento ou documento que imponha resposta diversa a tais quesitos, por si só, suficiente para destruir a prova em que as respostas assentaram. Ora nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova pleno, resultante do documento, confissão ou acordo das partes a esse meio de prova diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente. Ora, in casú, não existe nenhum elemento deste tipo, sendo certo que os documentos apresentados, são documentos particulares, de livre apreciação do tribunal – cfr. art.º 376.º do Código Civil e foram impugnados pelos Recorridos, não sendo pois possível alterar as respostas aos quesitos com base no artigo 662.º do Código de Processo Civil.
11º) Não houve qualquer violação na Douta Sentença do Mmo. Juiz a quo, pelo que não assiste qualquer razão ao Recorrente, devendo o recurso naufragar.

Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vªs. Exªs., doutamente suprirão, deve manter-se a Douta sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso apresentado e assim se fazendo uma vez mais, JUSTIÇA!
*
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
III- O Direito

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir da exequibilidade do título dado à execução.
*

Fundamentação de facto

Factos provados

a) Por Deliberação do Banco de Portugal adoptada em 03 de Agosto de 2014, foi constituído o ora Exequente Banco ..., S.A., ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º- G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro. (ponto 1. do requerimento executivo)--
b) Foram transferidos para o Banco ..., S.A., nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.º- A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ..., S.A. (ponto 2 do requerimento executivo)—
c) Por escritura pública outorgada no dia 11 de Junho de 2007, o Banco ..., SA concedeu, no exercício da sua atividade bancária, a V. L. (doravante apenas 1ª Executada), um financiamento sob a forma de mútuo com hipoteca e fiança, no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), pelo prazo de 50 anos, nos termos constantes da Escritura Pública e respetivo Documento Complementar, juntos ao requerimento executivo como Documento n.º 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (ponto 7. do requerimento executivo)--
d) Em contrapartida, a 1ª Executada comprometeu-se a reembolsar o Banco Exequente da quantia mutuada, acrescidas dos juros que fossem devidos, contabilizados nos termos fixados na Escritura Pública. (ponto 8. do requerimento executivo)--
e) Para garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo supra referido, acrescida dos juros que fossem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco Exequente tivesse de suportar no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, 1ª Executada constituiu uma hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, composto por casa de cave e rés-do-chão, com logradouro, sito no Lugar da …, Lote …, freguesia ..., concelho de Guimarães, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... – ..., inscrito na matriz sob o artigo .... (ponto 9 do requerimento executivo)--
f) A hipoteca referida em e) encontra-se registada desde 16/5/2007.(ponto 10. do requerimento executivo)--
g) Também para garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato sobredito, constituíram-se fiadores e principais pagadores, por tudo quanto viesse a ser devido pela mutuária, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, O. C. e G. C.. (ponto 11. do requerimento executivo)--
h) Desde 05.06.2016, que a Executada deixou de cumprir com as obrigações que para si decorriam da celebração do contrato de mútuo. (ponto 12. do requerimento executivo)--
*
Factos não provados

único) Por carta datada de 12/01/2017, comunicou o Banco Embargado às partes contratantes que o contrato tinha sido denunciado. (art. 29º da contestação)-.
*
Fundamentação jurídica

A questão colocada prende-se, como se referiu, com o próprio título e a exequibilidade do mesmo, decorrente do facto dos executados não terem sido alegadamente notificados da resolução contratual que fundamenta a obrigação exequenda.-
De acordo com o n.º5 do artigo 10.º do CPC, o título executivo constitui a base da execução e por ele se determina o fim e os limites da acção executiva. Pressupondo a acção executiva o incumprimento ou violação efectiva da prestação, impõe-se que a obrigação exequenda se revista de determinadas características (requisitos de exequibilidade intrínseca) que permitam a sua realização coactiva – certeza, exigibilidade e liquidez.
A suficiência do título deve permitir apurar qual a obrigação exequenda que dele consta, sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida. O título executivo há-de constituir, assim, instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda.
No caso dos autos foi dado à execução aescritura pública outorgada no dia 11 de Junho de 2007 e respetivo Documento Complementar, na qual consta que a Exequente concedeu, no exercício da sua atividade bancária, a V. L., um financiamento sob a forma de mútuo com hipoteca e fiança, no montante de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), pelo prazo de 50 anos, em que se constituíram fiadores e principais pagadores, por tudo quanto viesse a ser devido pela mutuária, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, O. C. e G. C..
Alegado foi que, desde 05.06.2016, que a Executada deixou de cumprir com as obrigações que para si decorriam da celebração daquele contrato de mútuo, com vencimento do total da dívida, no montante total de €57.273,32, acrescido dos juros que se venham a vencer até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida.
A Embargante V. L. e o Embargado estipularam contratualmente (no Documento complementar junto à Escritura) que Nona 1- O não comprimento pelo(s) “Mutuários(s)” de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativa (à)s garantia(s) prestada(s), confere ao “Banco ...” o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda não vencidas. 2- Sem prejuízo de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos por lei ou pelo presente contrato, constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato, as que, designadamente, se indicam: (…)b. Mora no pagamento de qualquer prestação, iniciando-se, desde logo, a contagem de juros de mora; (…) 3- A declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do presente contrato será comunicada pelo “Banco ...” ao(s) “Mutuário(s)”, através de carta registada com aviso de recepção, que será enviada para a morada constante no registo do “Banco ...”, à data do envio da mesma, tornando-se tal comunicação eficaz independentemente do(s) “Mutuário(s)” ter(em) ou não acusado a recepção da carta”.-
Perante o exposto, a questão que se coloca prende-se com as consequências da falta dessa comunicação, dado que dos factos provados não consta ter o exequente/embargado logrado demonstrar ter procedido ao cumprimento dessa formalidade a que se obrigou.
Segundo a posição assumida pelos embargantes, o exequente deveria ter resolvido o contrato de mútuo celebrado entre as partes, interpelando-os para procederem ao pagamento das prestações não liquidadas, sob pena de, não o tendo feito, a dívida não ser exigível.

Vejamos.

Como se tem entendido, o art. 781.º do CC, ao determinar que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento imediato das restantes, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só, a entrada em mora quanto ao cumprimento das demais - Cfr., Neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 6ª ed, pág. 53; na jurisprudência, entre outros, Acórdão TRL de 20.10.2009, disponível in www.dgsi.pt.
Trata-se de uma mera faculdade de antecipação da exigibilidade da prestação que fica na dependência da parte concretizar, por forma a operar a produção de tal efeito na sequência da comunicação dirigida pelo devedor ao credor – cfr. neste mesmo sentido Jorge Morais de Carvalho, “Manual de Direito de Consumo”, Almedina 2014, 2º; ed., pág. 309 e 310.
Efectivamente a resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol, II, pág. 238).
Não opera, assim, automaticamente (ope legis), pelo que se torna indispensável uma declaração de vontade da mutuante, comunicando aos mutuários a resolução do contrato.
O que não foi feito, como decorre dos factos apurados, pelo que se tem de considerar, no caso em apreço, que nem o contrato foi resolvido, por inexistir a correspondente declaração de vontade da mutuante, aqui apelada, nem a totalidade da dívida se pode considerar exigível, por inexistir interpelação nesse sentido.
Pois, sendo a interpelação constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta, sem tal interpelação o título executivo é insuficiente (neste mesmo sentido veja-se o Acórdão desta Relação de 15-12-2016, no processo nº 2507/13.0TBGMR-B.G1, publicado em dgsi.pt).
Acresce que, sem a exigida comunicação, ficar-se-ia sem saber em que momento, e com que fundamento teria ocorrido o antecipado vencimento das prestações vincendas – data esta fundamental, desde logo, para efeitos da contagem de juros.
Falta essa que, em nosso entender, também não pode ser suprida pela citação dos executados.
Pois, a citação efectuada no âmbito de uma ação executiva, contém unicamente a notificação do executado “para, no prazo de 20 dias, pagar a quantia exequenda ou opor-se à execução” (n.º 6, do artigo 726.º CPC).
Acresce que, as notificações que considerámos necessárias para operar, primeiro relativamente ao mutuário, e depois, relativamente aos fiadores, o vencimento antecipado das prestações que se encontrariam ainda por vencer face ao calendário inicialmente acordadas, e que se encontrariam em falta, não respeitam à notificação da mutuária ou dos fiadores para o pagamento da quantia que, segundo as contas da mutuária, se encontre actualmente em dívida face a um vencimento antecipado de todas as prestações que terá ocorrido em data incerta e respetivos juros, também contados desde uma data que se desconhece (por falta de prova pela exequente).
A notificação em falta, respeita à oportunidade que deveria ter sido dada aos devedores de terem sido colocados em condições de poder cumprir o contrato segundo o plano prestacional acordado, dando-lhes conhecimento de que, a partir de determinada data, se não procedesse ao pagamento dos valores até então em dívida, consideraria antecipadamente vencidas as restantes prestações, a fim de permitir ao devedor principal e aos fiadores, em segunda linha, assumirem o cumprimento do contrato.
A citação não tem, pois, esse efeito, de se evitar a exigibilidade das prestações vincendas (neste sentido também o Acórdão TRP de 30-05-2007 e Acórdão do STJ de 12-07-2018, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Nestes termos, há assim que confirmar a decisão recorrida de extinção da execução, improcedendo a apelação.
*
IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 12 de Março de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida