INCIDENTE DE FALSIDADE
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário


- Do art. 448º, nº 2, do C.P.C., resulta que se a parte contrária não responder ao incidente de falsidade de documento autêntico, não pode este ser atendido na causa para efeito algum;
- Se esse documento é o que outorga os poderes de representação ao representante não forense da Requerente nos autos, que desencadeou a lide, ocorre uma falta de representação dado que o seu procurador, a final, não demonstrou ter poderes para agir em juízo em seu nome, falta que se repercute também por arrastamento no mandatário forense que mandatou, terá subscrito o r.i. e representado aquela pelo menos até ao momento da habilitação dos seus sucessores;
- Esta falta constitui uma excepção dilatória inominada que admite sanação por via de ratificação conjunta, pelos dois sucessores, habilitados na posição processual dessa Requerente;
- Se um deles não ratifica esse processado, deve considerar-se não sanada a falta desse pressuposto processual e absolver-se a Requerida da instância da providência cautelar de arrolamento em curso;
- É inadmissível suspender a instância para que a habilitada que ratificou o processado possa obter o consentimento do não ratificante por via do disposto no art. 1000º, do Código de Processo Civil, em acção a intentar, em fase de recurso da decisão cautelar da providência de arrolamento em causa.

Texto Integral


Recorrente(s): A. S.;

Recorrido(s): A. C. e J. L..

*

1. RELATÓRIO

L. R., representada por R. T., desencadeou contra a aqui Recorrente providência cautelar de arrolamento relativamente aos bens móveis e imóveis discriminados no seu requerimento inicial.
Após produção da prova, foi proferida a decisão que deferiu parcialmente o presente procedimento cautelar e, em consequência decretou em 9.12.2016 o arrolamento de determinados bens móveis e imóveis referenciados no seu dispositivo de fls. 109.

Inconformada com a decisão que ordenou o arrolamento dos bens imóveis, móveis e contas bancárias identificadas na decisão respectiva, veio a Recorrente/Requerida, deduzir a sua oposição.

Invoca, em síntese, que a procuração notarial mediante a qual a Requerente conferiu poderes ao Dr. R. T. para instaurar o presente procedimento cautelar padece de grave vício que inquina a sua validade, em virtude da mandante no momento da sua outorga se encontrar incapacitada de entender e querer, pelo que a referida procuração de 1.9.2016, referida no item 29. do requerimento inicial da providência, é falsa, o que arguiu nos termos do art. 372º, do Código Civil, não tendo o Dr. R. T. poderes, para, em representação da Requerente, vir propor o presente procedimento cautelar, nem para constituir mandatário.
No mais, impugna os factos alegados na petição inicial.
Essa oposição foi notificada à Autora com registo de 14.3.2017, que nada disse, nomeadamente para os efeitos do art. 447º, do Código de Processo Civil.

Entretanto, a Autora faleceu em -.2.2018.
Após requerimento incidental de 17.7.2018, foi proferida em 9.10.2018 decisão que declarou habilitados para prosseguir os presentes autos na qualidade de sucessores da Autora L. R., a sua filha A. C. e o seu sobrinho J. L. (cf. apenso C).

Procedeu-se a produção de prova, após o que foi proferida sentença de 22.9.2019, que julgou improcedente a oposição deduzida e manteve a providência decretada.

Inconformada com essa decisão, a Recorrente acima identificada apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes
conclusões.

1. Considerando a prova documental, referida em alegações, e a prova testemunhas produzida em audiência de discussão e julgamento, identificada em alegações, sempre deveria a MM Juiz a quo ter dado por provados os seguintes factos:
a. A. C., S. B. e R. T. fizeram imputar à Requerente na procuração identificada na alínea b) dos factos provados, incapacidade de assinar que não tinha e declarações que não proferiu, com o intuito declarado de destruir os poderes que esta conferiu à requerida pelas procurações que outorgou a seu favor no Brasil em 27/02/2003 e 05/05/2015, bem como os poderes que lhe conferiu em 12/07/2000, através de procuração outorgada em Portugal.
b. A referida L. R. nunca manifestou, nem mesmo no dia 01/09/2016 vontade de constituir seus procuradores A. C., S. B. e R. T.:
c. A Requerente não indigitou E. J. nem nunca manifestou qualquer vontade para que assinasse por ela a referida procuração.
d. A Requerente não interveio pessoalmente na procuração emitida a favor de S. B. e R. T. em 23 de Maio de 2016.
2. Em face dos factos a considerar provados, é inelutável concluir que na procuração em questão foram atestados factos que não foram objecto da percepção do oficial público que a autenticou, designadamente, a alegada incapacidade da D. L. R. em assinar e o alegado pedido desta a E. J. para que assinasse por si, a rogo, o referido instrumento notarial;
3. A conclusão vertida no antecedente número 2, decorre das declarações do próprio Tabelião que autenticou a procuração e do Rogado que nela interveio;
4. Encontra-se, assim, a procuração ferida de falsidade, nos termos e com os efeitos do artigo 372º do CC, falsidade que se arguiu e argui;
5. Ainda que assim não fosse, e sem prescindir, decorre da prova produzida, que a D. L. R., à data da realização do instrumento notarial em crise, padecia de Parkinson, Alzheimer e demência e encontrava-se, por isso, num estado de diminuição das suas capacidades mentais, que a impossibilitavam de entender e querer o vertido na procuração em causa, intercalado com raros períodos de consciência.
6. Ora, sendo o estado “normal” da D. L. R., o de confusão mental, sempre incumbiria aos Recorridos a prova de que, na data da outorga da procuração, a mesma estava num período de consciência, prova que não lograram, tanto mais que a testemunha E. J., declarou que, nesse dia, a sua alegada rogante se encontrava num estado de prostração, decorrente de doença.
7. Assim, ainda que o instrumento notarial em questão não estivesse ferido de falsidade, sempre a declaração de vontade ínsita no documento não corresponde a qualquer manifestação de vontade da alegada declarante, não produzindo, por isso, qualquer efeito.
8. Não produzindo a procuração em questão qualquer efeito, seja por ser falsa, seja por se não poder imputar à D. L. R. as declarações nela vertidas, por manifesto vício da vontade, nos termos do artigo 246º do CC, é ilegítima a intervenção do Dr. R. T. nestes autos de providência cautelar (e nos autos principais), dado que intervém, assim, sem poderes de representação da D. L. R..
9. Decretada a ilegitimidade do Dr. R. T. nos presentes autos, sempre tal facto precludirá tudo o tramitado, designadamente a posterior habilitação, por morte da D. L. R., que não sana o vício originário dos presentes autos.

A Recorrida não apresentou alegações.

Entretanto foi proferida decisão incidental em que se considerou existir uma excepção inominada, com efeitos similares aos da falta de representação de incapazes, à irregularidade da representação, à falta, insuficiência ou irregularidade do mandato judicial por parte do mandatário que propôs a acção (cf. arts. 278º, nº 1, als. e), 577º, al. c) e h), do C.P.C.).

Decidiu-se então (cf. despacho de 31.1.2020) convidar os habilitados na posição da Requerente L. R., a parte relativamente à qual existiria tal falta, a expressarem nos autos, no prazo de 10 dias, a sua vontade de ratificarem os actos praticados anteriormente à sua directa intervenção nessa qualidade, ou seja, a intervenção dessa Requerente enquanto alegadamente representada pelo referido R. T., sob pena de se absolver a Requerida da instância providência em curso.

Em 14.2.2020, A. S. veio aos autos ratificar o processado anterior à sua intervenção nos autos, protestando juntar declaração do outro habilitado e pedindo prorrogação de prazo.

Em 16.2.2020, este outro habilitado, J. L., juntou procuração nos autos e veio declarar que não ratifica os actos praticados anteriormente a sua directa intervenção nos autos. Mais considera que existe litisconsórcio necessário nessa ratificação e, portanto, a Requerida deve ser absolvida da instância.

Em 18.2.2020, reagindo a esta posição, a habilitada A. S. veio requerer a suspensão da instância tendo em vista a obtenção de suprimento de consentimento do habilitado em causa para essa ratificação, por via do processo especial do art. 1000º do Código de Processo Civil.

Em resposta, o mesmo habilitado opôs-se a tal pretensão.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (1)
Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)

As questões enunciadas pela recorrente podem sintetizar-se da seguinte forma:

- As questões processuais suscitadas por este Tribunal e pelas partes, de acordo com o acima relatado;
- Alteração da decisão de facto;
- Falsidade da procuração de 1.9.2016 e o seu reflexo no procedimento em curso.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. FACTOS CONSIDERADOS

1. Factos indiciariamente demonstrados relevantes para a decisão da causa:

a) Com a petição inicial do presente procedimento cautelar foi junto uma “procuração forense” na qual consta o seguinte “L. R., residente na Rua …, Apartamento …, …, Rio de Janeiro, …, Brasil, NIF ..., portadora do bilhete de identidade nº ..., portadora dos documentos brasileiros, Carteira de Identidade nº … e …, neste acto representada por R. T., cidadão brasileiro, casado, advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº …, CPF …, portador do passaporte nº …, emitido por …, válido até 20/06/2020, com domicílio profissional na Avenida …, Rio de Janeiro, constitui seu bastante procurador P. C., advogado, inscrito na ordem dos Advogados sob o nº …, com domicílio profissional na Avenida …, a quem confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, especialmente para instaurar procedimento cautelar de arrolamento e respectiva acção principal, com faculdade de substabelecer. Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 2016.”
b) Tais poderes de representação foram conferidos através da procuração notarial de 01/09/2016 que se encontra junta como doc. nº 26 com a petição inicial cujo teor é o seguinte “Saibam todos quantos este Público instrumento de Procuração virem que aos 1º (primeiro) dia do mês de Setembro do ano de 2016 (dois mil e dezasseis), neste Cartório do 25º Ofício de Notas, situado nesta cidade, na Avenida …a, do qual é Tabelião, R. J., perante mim, D. S., Escrevente, matrícula nº …, compareceu como outorgante L. R., brasileira, viúva, pensionista, tradutora, portadora da carteira de identidade nº … de 11.12.57, inscrita no CPF sob o nº …, residente e domiciliada na Rua …, apartamento …, Copacabana, nesta Cidade, inscrita no Registo Geral do Contribuinte no concelho de Viana do Castelo sob o nº fiscal ..., código …, Bilhete de Identidade nº .... A presente reconhecida como a própria, mediante a exibição dos seus respectivos documentos de identificação, supramencionados, que ficam arquivados por fotocópia, do que dou fé. Então por ela me foi dito que por este público instrumento de procuração nomeia e constitui seus Procuradores, S. B., brasileira, casada, advogada, portadora da carteira de identidade nº …, emitida em 08/02/2013, inscrita no CPF sob o nº …, residente e domiciliada na Rua …, apartamento …, nesta cidade do Rio de Janeiro – RJ, Brasil; R. T., brasileiro, casado, advogado, portador da carteira de identidade nº …, emitida em 05/03/2012, inscrito no CPF sob o nº …, ambos com escritório na Avenida …, Copacabana, nesta cidade do Rio de Janeiro – RJ, Brasil; e A. C., brasileira, designer gráfica, que se chamava A. C. R., quando casada, divorciada, portadora da carteira de identidade nº … do DETRAN/RJ, emitida em 23/07/2001, inscrita no CPF sob o nº …, cartão de identidade suíço …, residente e domiciliada na Avenue …, Suíça, para agirem em conjunto ou separadamente, com os mais amplos e ilimitados poderes para o foro em geral, em qualquer juízo, instância ou tribunal, com os poderes “ad judicia et extra”, a fim de requerer junto ao juízo competente no Foro Judicial, tanto no Brasil como em Portugal, revogação de atos, especialmente a procuração lavrada no 11.º Ofício de Notas desta Cidade, Livro … – fls. 15 de 12.05.2015, vez que a procuração referida foi feita em caráter “irrevogável e irretratável e com prazo indeterminado”, outorgando amplos poderes para requerer, recorrer, solicitar e fazer citações e notificações, propor e variar de ações, usar de todos os recursos em direito permitidos, requerer, recorrer, acompanhar tramitação, receber citações fazendo as declarações necessárias e amplas, concordar, acordar, discordar, fazer acordos, homologações, firmar Compromissos, reconvir, transigir, solicitar prestação de contas dos imóveis: 1) Rua de … n.º …, Fracção autónoma AM, freguesia de …, Concelho de Viana do Castelo – Portugal, devidamente descrita na Conservatória do Registro Predial de … sob o n.º … – …, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …; 2) Rua …, n.º … –, Fracção Autônoma .., Freguesia de ..., Concelho de Viana do Castelo – Portugal, descrita na Conservatória do Registro Predial de Viana do Castelo sob o n.º … – ..., inscrita na matriz predial predial urbana sob o artigo … – H; 3) Rua … – …, Fracção autónoma S, freguesia de ..., Concelho de Viana do Castelo – Portugal, descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º …, inscrita na matriz predial urbana sob o n.º …; 4) Rua …, Fracção autónoma …, freguesia de ..., Concelho de Viana do Castelo – Portugal; 5) Avenida …, Fracção Autónoma …, …, freguesia União das Freguesias de Viana do Castelo (...) e , Concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º … da freguesia de Viana do Castelo (...), a quem confere amplos poderes para representar em Portugal junto à Conservatória do Registo Predial – Escritório de Negócio, à vara de Registros Públicos, nas Concessionárias de Serviços Públicos, serviços de telefonia, gás, luz, qualquer outra Instituição do Sistema Financeiro Habitacional, e /ou qualquer outra Pessoa Física e Jurídica em qualquer conta, nas repartições públicas, Prefeituras, Notários, Imposto de Renda, tributos fiscais, Bancos em Portugal, ou outras quaisquer instituições financeiras e onde mais for preciso, podendo abrir cofres, podendo abrir, fechar, encerrar e movimentar conta corrente, emitir e endossar cheques, pedir talões de cheques, solicitar saldos e extratos, fazer depósitos, retiradas/saques, receber, pagar, fazer aplicações, receber/passar recibo, fazer recadastramento, solicitar cartões magnéticos, senhas, podendo usá-los, desbloquear cartões, inserir, alterar e cadastrar senhas, cancelar procurações, testamentos, juntas e retirar documentos, prestar declarações fazer comprovações, cumprir prazos e exigências, preencher guias e formulários, assinar documentos, regularizar documentos, prestar declarações, apresentar provas e justificações, abrir, assinar escrituras definitivas, prometer, vender, doar, ceder e dar em alienação fiduciária ou em hipoteca e/ou solicitar a baixa nos imóveis acima descritos, podendo para tal, transmitir domínio, direito, ação e posse, responder pela eviccção de direito, liquidar, dívidas hipotecárias, fiduciárias e tributos fiscais que incidam sobre o dito imóvel, ajustar o preço da venda, da cessão ou o valor da hipoteca/alienação, receber, passar recibos e dar quitação total e irrevogável do preço ou valor, assinar e endossar cheques, dar se necessário, referido imóvel em garantia, alienação fiduciária ou hipotecária de mútuo a ser contratado na Conservatória do Registo Predial, combinar cláusulas e condições, assinando contratos necessários, inclusive de reratificação, podendo também, praticar os atos necessários ao fiel desempenho deste mandato, podendo substabelecer, comprometendo-se o outorgante (vendedor/cedente) a dar tudo por bom, firme e valioso, podendo para representá-los com os poderes da cláusula “ad -judicia” podendo constituir e destituir advogados, aceitas ou não avaliações e contas, requerer colações e adjudicações ou remissões; praticar todos os atos para cumprimento deste mandato, representá-lo(a)(s) perante as repartições públicas e órgãos competentes; podendo para isso; solicitar “habite-se” ou seu correspondente, preencher e assinar o que vier a ser preciso, prestar declarações, solicitar rerratificações de óbito e certidão de casamento, se necessário for, do inventário e partilha, enfim, praticar todos os atos relativos e necessários ao fiel cumprimento deste mandato. Representar em quaisquer repartições públicas municipais, estaduais e federais, autarquias e nas fundacionais, regularizar documentos, fazer cadastramento, dar quitação Podendo assinar documentos e termos, dar quitação; podendo ter poderes gerais de administração civil, para dar ou tomar de locação, mesmo a longo prazo, bens móveis e imóveis, para despedir locatários e rescidir contratos, para receber importâncias, valores ou rendimento de qualquer natureza, vencidos ou vincendos, para requerer registros, averbações e cancelamentos nas Conservatórias dos Registos podendo fazer declarações complementares, para nas Repartições Financeiras, prestar declarações, fazer, alterar e cancelar manifestos fiscais, reclamar contra o lançamento de coletas, receber as restituições de contribuições e impostos e requerer avaliações, para nas Repartições de Finanças, Câmaras Municipais e outras entidades públicas ou administrativas a representar tudo o que for necessário para o bom desempenho deste mandato e para qualquer juízo ou tribunal a representar com os mais amplos poderes forenses, o que faz como bom, firme e valioso, podendo revogar testamentos no Brasil e em Portugal. E tudo mais praticar, requerer, retirar, assinar, concordar, recorrer, transigir, movimentar, discutir, para o bom e fiel cumprimento do presente mandato, praticando todos os atos em direito permitidos, seja no Brasil, em Portugal ou onde se fizer necessário, o que dará por bom, firme e valioso, podendo inclusive substabelecer, no todo ou em parte, com ou sem reserva de poderes …”.
c) L. R. é mãe adoptiva de A. C..
d) À data da outorga da procuração referida na alínea b) destes factos, L. R. tinha 98 anos de idade.
e) Faleceu no dia 26 de Fevereiro de 2018, no estado de viúva de J. A. (cfr. assento de óbito junto aos autos principais).
f) A realização da procuração referida na alínea b) foi promovida por A. C., S. B. e R. T..
g) Mediante carta datada de 06/11/2015 que dirigiu à Requerida, a filha da Requerente A. C. admitiu que a sua mãe sofria de doença de Alzheimer e que era impossível datar o seu início, bem como que ela assinou tudo “num último período de lucidez”.
h) E. J. que assinou a rogo a procuração referida na alínea b) destes factos não mantinha relações de proximidade com a Requerente, sendo amigo da de A. C..

2. Factos não provados.

a) A. C., S. B. e R. T. fizeram imputar à Requerente na procuração identificada na alínea b) dos factos provados, declarações que não quis e não proferiu, com o intuito declarado de destruir os poderes que esta conferiu à requerida pelas procurações que outorgou a seu favor no Brasil em 27/02/2003 e 05/05/2015, bem como os poderes que lhe conferiu em 12/07/2000, através de procuração outorgada em Portugal, a fim de delapidar a seu contento, o património da Requerente.
b) A referida L. R. nunca manifestou, nem mesmo no dia 01/09/2016, de forma consciente, vontade de constituir seus procuradores A. C., S. B. e R. T..
c) A Requerente não indigitou E. J. nem nunca manifestou qualquer vontade para que assinasse por ela a referida procuração.
d) A Requerente não interveio pessoalmente na procuração emitida a favor de S. B. em 08/10/2015, nem na procuração emitida a favor de S. B. e R. T. em 23 de Maio de 2016.

3.2. Das questões processuais suscitadas

Conforme já se disse na decisão incidental proferida e aqui, por economia, se renova…

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Dita ainda o disposto no art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, que (1) a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta norma é interpretada no sentido de impor a este Tribunal de apelação a integração na decisão do facto que a 1ª instância considerou não provada ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado, alteração resultante da aplicação de regras vinculativas, maxime as resultantes do direito probatório material (4), ou seja, sem sequer depender da iniciativa da parte. (5)
A Relação deve, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida e naturalmente nos limites objectivos e subjectivo do recurso, agir oficiosamente mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatória material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da primeira instância (cf. arts. 607º, nº 4, e 663º, nº 2, do C.P.C.). (6)

No caso, o litígio entre as partes centrou-se sobretudo na representação da Requerente L. R. nos autos, nomeadamente a que decorre da procuração outorgada no Brasil em 1.9.2016, transcrita no item b) dos factos julgados assentes, que, consensualmente, será o documento que supostamente outorgaria ao seu representante os poderes atribuídos na procuração forense (mencionada em a) dos factos julgados assentes) que juntou o seu advogado, subscritor r.i. (requerimento inicial) desta providência. Aliás foi esse o tema que essencialmente passou para a discussão nesta fase de recurso, como se percebe das alegações e conclusões da Recorrente.
De tal modo é assim que a matéria de facto cuja decisão foi impugnada diz respeito à autenticidade e relevo dos escritos referidos no item 29º desse r.i..
Na posição defendida pela Recorrente é, além de mais, suscitada a questão “ilegitimidade” do referido R. T., por o mesmo agir sem poderes de representação da Requerente L. R., o que, na sua opinião, decorrerá da arguida falsidade do documento que titula esse poderes.
Esta questão, porque de natureza adjectiva e que poderá importar a não apreciação do mérito da lide, será o ponto de partida da análise que começamos por fazer do julgado, à luz do recurso em apreço.
O fulcro da questão contende com o relevo do mandato que nele se titula, sendo que, conforme acima se relata, a Requerida, no momento próprio (cf. art. 442º, nº 2, do C.P.C.), arguiu a falsidade desse documento público, alegadamente outorgado por Tabelião e autenticado com devida apostilha ao abrigo da competente Convenção de Haia, ou seja, um documento autêntico, à luz da previsão do art. 363º, nº 2, do Código Civil.

Essa é, aliás, à luz do direito nacional, a forma de ilidir a força probatória dos documentos autênticos (cf. citado arts. 372º, nº 1, do Código Civil, e 446º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Essa arguição incidental, realizada no local próprio – do dito articulado de oposição, foi notificada à apresentante do documento que poderia e deveria ter agido em conformidade com o disposto nos arts. 446º e ss., do Código de Processo Civil, não tendo por qualquer forma respondido a esse incidente ou à arguida falsidade (cf. o seu art. 448º).
Acontece que, do art. 448º, nº 2, do C.P.C., resulta que se a parte contrária (a aqui Requerente da providência) não responder ou declarar que não quer fazer uso do documento, não pode este ser atendido na causa para efeito algum.
Esta norma estabelece assim, em nosso entender um efeito probatório negativo de natureza material, análogo, v.g., ao previsto no art. 574º, nº 2, do C.P.C., do qual decorre a anulação do valor dessa prova documental.
Estamos aqui perante uma norma de direito probatório que é vinculativa e, portanto, subsumível, à previsão do citado art. 662 º, nº 1.
O efeito prático dessa regra é, neste caso, a ineficácia do documento que o mencionado representante não forense apresentou nos autos para sustentar os seus poderes de representação para agir neste juízo e, por consequência, a existência de uma falta de representação da Requerente nesta providência, ou seja, na prática, não prova do facto vertido no item b) da decisão de facto positiva da sentença em crise, o que aqui desde já se declara.
Perante isto, tal como explanou a decisão recorrida e nos dispensamos aqui de repetir exaustivamente, há que ter em conta que o fundamento da oposição pode ser a invocação de qualquer uma das excepções dilatórias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e determinem a absolvição dos requeridos da respectiva instância, às quais é aplicável, conforme doutrina e jurisprudência (7) correntes, o regime das regras gerais do processo civil e do seu processo declarativo comum.
Essas excepções são, aliás, por regra, de conhecimento oficioso, como estipula o art. 578º, do Código de Processo Civil, e, como decorre, dos seus arts. 608º, nº 1, e 663º, nº 2, têm precedência na apreciação do julgado.
Na situação em apreço, contrariamente ao defendido pela Requerida, não estaremos perante uma ilegitimidade da Requerente, dado que esta não deixa de figurar como demandante nesta lide, mas sim, a montante, perante uma falta de representação, dado que o seu procurador, a final, não demonstrou ter poderes para agir em juízo em seu nome, falta que se repercute também por arrastamento no mandatário forense que mandatou e terá subscrito o r.i. e representado aquela pelo menos até ao momento da habilitação dos seus sucessores.
Embora não caiba na previsão do art. 27º, do Código de Processo Civil, que em nosso entender diz respeito aos incapazes, essa falta da representação da falecida Demandante, não pode deixar de ser considerada uma excepção inominada, com efeitos similares aos da falta de representação de incapazes, à irregularidade da representação, à falta, insuficiência ou irregularidade do mandato judicial por parte do mandatário que propôs a acção (cf. arts. 278º, nº 1, als. e), 577º, al. c) e h), do C.P.C.).
À semelhança destes casos, estamos perante um processo em que a parte activa, em bom rigor, não esteve nos autos e/ou não esteve devidamente representada.
Essa falta não pode ser considerada sanada com a simples intervenção dos seus sucessores em momento posterior, como aqui ocorreu, com a habilitação por morte dos seus sucessores e, apesar da iniciativa deste Tribunal, apenas um dos habilitados, sucessores, da falecida L. R., ratificou o processado anterior à sua apresentação em juízo nessa qualidade.
Essa dissonância numa posição que devia ser necessariamente conjunta importa que se não deva considerar sanada a falta do pressuposto processual notado e se absolva a Requerida desta instância, tal como decorre do disposto nos arts. 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2, 578º, 608º, nº 1, e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Aqui chegados, resta ponderar o pedido incidental da habilitada A. C. no sentido de suspender a instância para que possa obter judicialmente o consentimento do habilitado J. L. na frustrada ratificação.
Contudo, em nosso entender, tal procedimento é inadmissível por via do citado art. 1000º, do Código de Processo Civil.
Esse art. 1000º, nº 1, dita que se for pedido o suprimento do consentimento, nos casos em que a lei o admite, com o fundamento de recusa, é citado o recusante para contestar. Exige-se, por isso, que a lei substantiva admita essa possibilidade. Ora, o que o consentimento que a Recorrida procura é um consentimento de uma falta de “consentimento”, já que o que se entende haver lugar no caso, em decisão que não foi questionado, foi a ratificação do processado, nos termos acima expendidos.
Em face desta impossibilidade, estaríamos assim perante uma suspensão inútil, não admitida pela lei processual em vigor.
De resto, pela positiva, os casos em que nosso Código de Processo Civil admite essa suspensão são os normalmente previstos nos arts. 269º e ss. e, quando se fala de outra causa/acção judicial, é condição que a mesma já tenha sido proposta anteriormente à acção em causa (cf. art. 272º, nº 1, desse C.P.C.) e não se verifiquem os obstáculos previstos no nº 2, desse art. 272º.

Neste caso, essa condição fundamental não se verifica, pelo que sempre a pretendida suspensão, aliás invocada sem qualquer permissão legal expressa, careceria de sustento e, por tudo o que fica dito, deve ser indeferida.

Em consonância com o que fica dito, resta absolver a Requerida da presente instância cautelar, com prejuízo para o conhecimento das restantes questões colocadas a este Tribunal de apelação.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida e absolver a Requerida/Recorrente da instância da providência cautelar em curso (devendo em primeira instância serem concretizadas as comunicações decorrentes desta decisão), indeferindo-se ainda o pedido incidental de suspensão de instância formulada pela Recorrida A. C..

Custas do incidente de suspensão da instância pela Requerente A. C., com 2 U.Cs. de taxa (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).

Custas do recurso pela Apelada A. C. (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 19-03-2020
Assinado digitalmente por:

Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. I. é, o conjunto de normas substantivas que regulam o ónus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e a sua força ou valor.
5. Cf. nesse sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., p. 275.
6. Como afirma Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 796
7. Cf. v.g., Acs. do Tribunal da Relação do Porto, de 27.9.2017, ou deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.5.2017, in www.dgsi.pt