OBRAS
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
CADUCIDADE
Sumário

- A responsabilidade perante o adquirente/comprador de imóvel, pelos defeitos/vícios resultantes da construção, prevista no art. 1225.º, n.º 4, do CC, é aplicável ao empreiteiro que actua apenas como construtor ou também como construtor vendedor, bem como ao vendedor que tenha sido o seu construtor – no sentido de ter tido o domínio da construção ;
- o conceito de vendedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal, não sendo assim relevante ter materialmente desenvolvido a actividade de construção, mas sim ter o domínio da construção do imóvel, domínio esse desenvolvido no âmbito profissional, pois, só esta amplitude conferida ao conceito de vendedor/construtor permite uma eficaz a protecção do consumidor/adquirente do imóvel, pretendida conferir pelo legislador através do D.L.267/94, nas alterações que introduziu no artº 1225º do Cód. Civil ;
- deste modo, o que releva não é saber se a Ré desenvolveu materialmente a actividade de construção, mas antes se teve o domínio da construção, se a desenvolveu no âmbito profissional, caso em que responde como construtor, pois adopta-se um conceito amplo de construtor na previsão do nº. 4, do artº. 1225º. A qual tanto abrange o construtor directo, como o que profissionalmente constrói directamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores ;
- No âmbito do regime relativo à venda de bens de consumo, prescrito no DL nº. 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo DL nº. 84/2008, de 21/05, provando-se que o imóvel adquirido pela Autora destinava-se à sua habitação própria, passando posteriormente a ser objecto de arrendamento, bem como que a venda do imóvel foi efectuada pela Ré, a qual, tratando-se de uma sociedade que tem por objecto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e a construção civil, adquiriu um prédio, constituiu-o em propriedade horizontal, promoveu no mesmo a construção de 18 moradias e procedeu à comercialização das fracções, tal preenche, manifestamente, os conceitos de vendedor e consumidor tipificados naquele regime legal ;
- Pelo que, sendo este regime especial aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, é clara a pertinência da sua aplicabilidade, pois estamos efectivamente perante uma relação de consumo entre a Autora consumidora (que adquiriu o imóvel para uso não profissional) e a Ré que exerce profissionalmente aquela actividade de construção, ainda que por intermédio de terceiro na execução material dos actos de construção, de forma a daí retirar benefícios.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – CM…, residentes em …, … Drive Tayetteville, NC …-… USA, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra PARK RESIDENCE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., com sede no Largo Carlos Botelho, Lote 8, freguesia de Linda-A-Velha, Oeiras, deduzindo o seguinte petitório:
a) Deve a Ré ser condenada, a expensas suas e num prazo não superior a 90 dias, a eliminar os defeitos identificados em 11, 12 e 18 da petição inicial, efectuando os trabalhos a tal necessários;
b) Em alternativa, caso a Ré as não faça nesse prazo, deve a mesma ser condenada a indemnizar a Autora no valor necessário à reparação dos defeitos, a liquidar em execução de sentença.
Alegou, em suma, o seguinte:
§ Adquiriu á Ré uma moradia destinada á habitação, em 04/06/2009, sendo que em Dezembro do mesmo ano começaram a verificar-se alguns defeitos originários de construção, que indica ;
§ Os quais comunicou à Ré, que reconheceu, tendo em 2010 procedido a trabalhos de reparação na fracção ;
§ Todavia, durante o inverno de 2012/2013, alguns dos defeitos anteriormente (mal) reparados voltaram a manifestar-se na fracção, para além de novos defeitos originários de construção ;
§ Tendo comunicado todas as anomalias verbalmente, como fizera anteriormente, mas sem qualquer resultado prático para a resolução dos problemas ;
§ Remeteu, então, à Ré carta registada com aviso de recepção, datada de 02 de Julho de 2013, e comunicou-lhe os seguintes defeitos:
- várias infiltrações nas paredes e tectos dos quartos, da sala, sótão e varandas;
- fissuras e fendas na sala e varanda;
- vidro da varanda fracturado junto ao ponto de fixação ;
§ Solicitando à Ré que procedesse aos seguintes trabalhos para corrigir os defeitos indicados:
- impermeabilização de determinados pontos do prédio, para eliminar as infiltrações;
- substituição do vidro da varanda;
- resolução das infiltrações nos soalhos.
- picagem, estucagem e pintura geral no interior da fracção após a reparação no exterior ;
§ Concedendo à Ré um prazo de 30 dias para proceder a tais intervenções,  sem que a mesma a tal tenha procedido nem tenha demonstrado intenção de as fazer ;
§ Confrontada com a necessidade de mover uma acção judicial contra a Ré para exigir a reparação dos defeitos e não dispondo de conhecimentos técnicos que lhe permitisse identificar as respectivas causas, a autora solicitou um parecer técnico a um perito de engenharia civil ;
§ O qual, na vistoria efectuada, verificou a existência de diversas patologias construtivas, que enuncia discriminadamente ;
§ Tendo computado o custo dos trabalhos de reparação na quantia de € 25.000,00, acrescida de IVA.
2 – Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, por excepção, invocando a caducidade do direito de acção, e por impugnação, alegando a inexistência de defeitos que mereçam a tutela jurídica.
Alega, ainda, que a impermeabilização exige redobrados cuidados de manutenção, sendo que a efectuada respeitou a recomendação técnica para tal tarefa e a aplicação dos adequados materiais para tal propósito.
O que igualmente sucedeu com o escoamento das águas, impermeabilizações das tubagens da rede predial de águas de abastecimento na ligação com as paredes exteriores das moradias, nas tintas aplicadas, no isolamento térmico, isolamento das juntas entre os caixilhos dos imóveis e aplicação das caixilharias.
Pelo que, conclui, os alegados “defeitos” sindicados quanto às infiltrações de humidade são referentes a “elementares trabalhos de manutenção em falta, manutenção esta da única e exclusiva responsabilidade dos proprietários”. 
Conclui, no sentido da procedência das excepções deduzidas, e consequente improcedência da acção, determinante da sua absolvição.
3 – Convidada a Autora a responder à excepção deduzida, conforme 2º despacho de fls. 173, veio fazê-lo a fls. 177 a 182, negando a caducidade invocada e pugnando pela improcedência daquela invocada excepção.
4 – Em 08/07/2015, foi proferido despacho, no qual se fixou o valor da causa, dispensou-se a realização da audiência prévia, proferiu-se saneador stricto sensu e relegou-se para sede final o conhecimento da excepção peremptória invocada – cf., fls. 184 e 185.
5 – Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, conforme acta de fls. 234 a 236, em observância com o formalismo legal.
6 – Por despacho de 29/03/2016, na invocação do estatuído no nº. 1, do artº. 607º, do Cód. de Processo Civil, determinou-se a reabertura da audiência de julgamento e a notificação da Autora para juntar aos autos “as facturas relativas aos trabalhos efectuados e respectivo custo”.
7 – Após o que, e reaberta que foi a audiência de julgamento, foram produzidas novas alegações, conforme acta de fls. 250.
8 – Seguidamente, em 29/09/2017, foi prolatada SENTENÇA – cf., fls. 252 a 269 -, da qual consta o seguinte Decisório:
Pelo exposto, ao abrigo dos preceitos legais citados, julgo improcedente a excepção de caducidade, julgo a acção procedente, por provada e, consequentemente, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 24 439,00 €.
Custas a cargo da R.
Notifique e registe”.
9 – Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, em 15/11/2017, por referência à decisão prolatada, apresentando, em conformidade, as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem integralmente):
“1. No âmbito do vertido na alínea p) da matéria de facto julgada como provada, na douta decisão sindicada, é afirmado que a aqui Apelante, “Park Residence-Promoção Imobiliária, Lda.”, “...adjudicou a um terceiro, a Tecniarte-Projectos e Construções, Lda., a respectiva construção...”.
2. A aqui Apelada, CR…, bem sabe e não ignora que a construção da moradia da qual é proprietária, foi efectuada pela “Tecniarte-Projectos e Construções, Lda”, sociedade comercial por quotas que tomou de empreitada a construção das dezoito moradias do dito condomínio “… Village” no Estoril.
3. No ponto p) da matéria de facto é dado como provado o seguinte:
“...Adjudicou a um terceiro, a Tecniarte – Projectos e Construções, Lda., a respectiva construção...”.
4. Mercê da protecção do consumidor, houve uma ampliação do conceito de “construtor” para efeitos do vertido no n.º 4, do artigo 1225º, do Código Civil, por forma a que o aludido conceito contemplasse o “promotor” (ainda que não construtor), conquanto existisse dominialidade da construção por parte deste último.
5. Tal sorte de conceptualização, decorre da contingência crónica adveniente do facto de o “consumidor”, tendencialmente, adquirir o imóvel ao “promotor”, sendo que aquando do momento da aquisição, o dito “consumidor” estaria impedido de tratar com o “construtor/empreiteiro”, na justa medida em que a construção já estaria concluída.
6. A testemunha MS… afirma o seguinte:
Inquirição realizada pela Meritíssima Juiz de Direito
Meritíssima Juiz de Direito: O construtor foi diferente ou foi o mesmo? O construtor...
Testemunha: Quem construiu não sei... O promotor foi a Park Residence...
Meritíssima Juiz de Direito: (...) Não sabe se a Park Residence também construiu ou não? Não sabe quem foi o construtor?
Testemunha: Havia uma empresa que... Pelo menos que eu me... Que é a Tecniarte... e a Park Residence contactou várias vezes a Tecniarte...
Meritíssima Juiz de Direito: Quando se queixavam era a Tecniarte que ia lá...
Testemunha: (...) Quem aparecia também como gestor ou construtor ou promotor era a Tecniarte...
Meritíssima Juiz de Direito: O senhor queixou-se e foram lá reparar...
Testemunha: Como?
Meritíssima Juiz de Direito: O senhor queixou-se ...
Testemunha: Sim...
Esclarecimentos solicitados pelo mandatário da Apelante, Park Residence, Lda.
Mandatário da Apelante: O Sr. Dr. no entanto aludiu à Tecniarte...
Testemunha: Como?
Mandatário da Apelante: Aludiu à Tecniarte... Mencionou a Tecniarte no seu depoimento...
Testemunha: Mencionei...
Mandatário da Apelante: E a que propósito é que conhece a Tecniarte?
Testemunha: Como eu expliquei à Dra. Juíza... Quando se reclamava... Fazia-se apresentar ao promotor Park Residence...
Mandatário da Apelante: Exactamente...
Testemunha: Levavam os senhores da Tecniarte que se apresentavam educadamente e que diziam que eram da Tecniarte... Por isso...
7. A aqui Apelante, “Park Residence, Lda.”, entende que caberia a aplicação do normativo inserto no artigo 917º do Código Civil, no que ao prazo de propositura da acção concerne.
8. Haverá que atentar no douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Março de 2013, prolação esta onde é afirmado que “... para os efeitos do nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, considera-se construtor o vendedor do imóvel que, no âmbito da sua profissão, teve o domínio da respectiva construção...” in www.dgsi.pt.
9. Na verdade, o mais das vezes o “adquirente/consumidor” não tem trato, qualquer que seja, com o “construtor/empreiteiro” do imóvel adquirido, motivo pelo qual é de elementar equidade, alargar o conceito de “construtor” por forma a abranger o de “promotor”- mas apenas neste especifico contexto.
10. Questão diferente é o “adquirente/consumidor”, após a aquisição do imóvel concluído, ter trato directo e personalizado com o “construtor/empreiteiro”, no âmbito das reclamações deduzidas.
11. Efectivamente e atenta a justiça do caso concreto, conquanto haja trato com o “construtor/empreiteiro”, por parte do “adquirente/consumidor”, após dedução de reclamação, não haverá motivo justificativo para consignar outro prazo de autuação da correlativa acção judicial que não o do artigo 917º do Código Civil, no que à demanda do “promotor” concerne.
12. Acresce o facto de a aqui Apelada, CR…, bem saber e não ignorar o facto de a construtora ser a sociedade comercial, “Tecniarte-Projectos e Construções, Lda.”, conforme ficha técnica de habitação junta por aquela como doc. n.º 23, com a petição inicial.
13. Havendo trato directo com a “construtora/empreiteira” por referência às reclamações deduzidas, a demanda da Apelante, “Park Residence Lda.”, ao abrigo do prazo consignado no n.º 4 do artigo 1225º, do Código Civil, teria tradução, salvo o devido respeito, num exercício ilegítimo de posições jurídicas subjectivas.
14. Entende a aqui Apelante, “Park Residence Lda.”, que a decisão prolatada no douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Março de 2013, deverá ser entendida por referência à impossibilidade havida, por parte do “adquirente/consumidor” do imóvel, em lidar directamente com o “construtor”, atenta as reclamações deduzidas.
15. No âmbito dos defeitos reclamados por referência ao empreendimento urbanístico em apreço, houve quem demandasse a sociedade comercial, “Tecniarte-Projectos e Construções, Lda.”, mercê da factualidade acima elencada (proc. n.º …/…TBCSC; Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste; Juízo Local Cível de Cascais- Juiz …).
16. Nesta conformidade, o depoimento da testemunha MS…, importa que seja dado como provado o facto de ter havido “consumidores/adquirentes” que trataram as reclamações deduzidas, directamente com a “construtora/empreiteira”.
17. Atenta a sugerida aplicabilidade do disposto no artigo 917º, do Código Civil, precludiu o direito de acção por caducidade, na justa medida em que houve preterição do prazo de seis meses”.
Conclui, no sentido de ser “renovada a prova no que concerne ao depoimento identificado em sede de impugnação da matéria de facto e respeitante à testemunha MS…, reapreciação de prova esta que impõe decisão diversa da recorrida.
Mais, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença proferida e correlativa absolvição da Apelante, “Park Residence-Promoção Imobiliária, Lda.”, atenta a caducidade verificada (…)”.
10 – A Autora Recorrida/Apelada apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem integralmente):
“1 – No que ao presente recurso interessa, foram dados como provados os seguintes
factos:
- Mediante contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, outorgado a 4 de junho de 2009, a A. adquiriu à Ré a fração autónoma (moradia), destinada a habitação, descrita no ponto a) da matéria de facto assente;
- A moradia foi entregue à A. no dia da outorga do contrato de compra e venda, ou seja, a 4 de junho de 2009 (ponto b) da matéria de facto assente);
- À data da compra a Autora era solteira e adquiriu a fração para sua habitação própria, nela passando a residir (ponto c) da matéria de facto assente);
- A Autora remeteu à Ré uma carta registada com aviso de receção, datada de 02 de Julho de 2013, e por esta recebida em 12 de julho de 2013, com o teor que consta do ponto i) da
matéria de facto assente;
- A Ré nada disse ou fez (ponto j) da matéria de facto assente;
- A R. trata-se de uma sociedade que tem por objeto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e a construção civil (ponto n) da matéria de facto assente);
- A ação foi proposta em 27 de maio de 2014.
2 - A causa petendi invocada na presente ação é a venda de imóvel com defeitos e discute-se, no presente recurso, a caducidade do prazo para a propositura da ação para a sua reparação..
3 - O comprador deve denunciar os defeitos no prazo de um ano depois de ser conhecido o defeito e até cinco anos após a entrega da coisa (artigo 916º, nºs 2 e 4 do CC); e o prazo de caducidade do direito de ação é o previsto no artigo 917º do CC, para a ação de anulação por simples erro, ou seja, seis meses após a denúncia dos defeitos. No entanto, se a compra e venda tiver por objeto bem imóvel de longa duração, que tenha sido construído, reparado ou modificado pelo vendedor, o prazo de caducidade do direito de ação para reparação dos defeitos é o prazo de um ano previsto no nº 3 do artigo 1225º do CC, por remissão para o nº 2 do mesmo preceito. É o que resulta do nº 4 do artigo 1225º, o qual manda aplicar àquela situação específica o regime do contrato de empreitada.
4 – A Apelante foi a promotora e vendedora da fração da Autora, tendo adjudicado a sua construção à sociedade Tecniarte – Projetos e Construção, Lda. (pontos a), n), o) e p) da matéria de facto assente).
5 - O entendimento prevalecente na jurisprudência tem sido o de equiparar ao construtor do imóvel o promotor da sua construção, ainda que por intermédio de empreiteiro, sendo aplicáveis os prazos de caducidade do artigo 1225º e não do artigo 917º, ambos do Código Civil. Ver, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 24.05.2012 e de 05.03.2013, ambos in www.dgsi.pt., concluindo-se neste último que “o conceito de construtor que é utilizado no nº 4 do art. 1225º do Código Civil é um conceito lato, que tanto abrange o construtor direto como aquele que, profissionalmente, constrói diretamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do nº 1 do artigo 2º da lei nº 24/96, de 31 de Julho (lei da defesa dos consumidores)”.
6 – O tribunal entendeu, e bem, que se está perante um contrato de compra e venda de imóvel, em que o vendedor é, simultaneamente, o respetivo construtor, pois que, o que releva para este efeito é, não a prática de atos materiais de construção, mas o respetivo domínio, ainda que por intermédio de outrem (empreiteira).
7 – O prazo aplicável ao direito de ação seria, assim, o prazo de caducidade previsto no nº 4 do artigo 1225º e não do artigo 917º, ambos do Código Civil.
8 - A Apelante, no entanto, entende que não se aplica o nº 4 do art. 1225º do CC “conquanto haja trato com o “construtor/empreiteiro”, por parte do “adquirente/consumidor”, após dedução de reclamação, não haverá motivo justificativo para consignar outro prazo de autuação da correlativa ação judicial que não o do artigo 917º do Código Civil, no que à demanda do “promotor” concerne” (ponto 11 das conclusões das Alegações).
9 – Alega para tal, que o conceito amplo de construtor, tendo por finalidade uma maior proteção do “consumidor/adquirente”, apenas se justifica quando o “adquirente/consumidor” não tem trato pessoal e direto com o “construtor/ empreiteiro”.
10 – Tal interpretação restritiva não tem apoio nem justificação na legislação que tutela a proteção do consumidor, pois que o legislador, com a intenção expressa de proteger “o direito do cidadão adquirente [de um imóvel] enquanto consumidor” quanto à “qualidade do bem que compra”, reconhece-lhe o direito de responsabilizar os vários agentes intervenientes no setor imobiliário, onde o consumidor/adquirente manifestamente assume, economicamente, uma posição mais desfavorecida (preâmbulo do Dec-Lei nº 267/94). A admitir-se como certa tal interpretação, restringiria necessariamente os direitos do adquirente/consumidor, numa clara violação à proteção do consumidor que foi a intenção expressa do legislador
11 - Ao invés do que pretende a Apelante, do depoimento da testemunha MS… não resulta provado o facto de a Autora, “consumidora/adquirente”, após a aquisição do imóvel concluído, tenha tido trato direto e personalizado com a “construtora/empreiteira”.
12 – A testemunha MS… disse o seguinte:
Inquirição realizada pela Meritíssima Juiz de Direito
- Meritíssima Juiz de Direito: O construtor foi diferente ou, foi a mesma construtora?
- Testemunha: Quem construiu não sei. O promotor foi a Park Residence.
- Meritíssima Juiz de Direito: Não sabe se a Park Residence também construiu, ou não? Não sabe quem foi a construtora?
- Testemunha: Havia uma empresa que… Pelo menos que eu me… Que é a Tecniarte. E a Park Residence contactou várias vezes a Tecniarte…
- Meritíssima Juiz de Direito: Quando se queixavam era a Tecniarte que ia lá reparar?
- Testemunha: Quem aparecia também com o construtor, com o construtor ou com o promotor, era a Tecniarte.
- Meritíssima Juiz de Direito: O senhor queixou-se e foram lá reparar?
- Testemunha: Como?
- Meritíssima Juiz de Direito: O senhor queixou-se?
- Testemunha: Sim.
(…)
- Meritíssima Juiz de Direito: Quando se queixa, queixa-se a quem?
- Testemunha: Agora já passou o tempo de garantia…
- Meritíssima Juiz de Direito: Quando se queixava?
- Testemunha: À Park Residence.
- Meritíssima Juiz de Direito: À Park Residence. Nem lhe foi dito “olha nós não temos nada a ver com isso. Vão-se queixar ali à …
- Testemunha: À entidade vendedora Park Residence.
- Meritíssima Juiz de Direito: Não, nunca lhe foi dito nada disto?
- Testemunha: A partir de uma certa data nem respondiam … ou levavam lá … iam com a Tecniarte e depois muita teoria… e acabavam por nunca fazer nada.
Esclarecimentos solicitados pelo mandatário da Apelante, Park Residence, Lda.
- Mandatário da Apelante: O Sr. Dr. tem noção de que eram patentes e notórios e manifestos cartazes a essa data, da sua aquisição, de um manifesto da Tecniarte como empreiteira/construtora daquele empreendimento? Não só da sua casa, como da da autora, como do demais empreendimento?
- Testemunha: Nunca estiveram lá cartazes.
- Mandatário da Apelante: Não tem noção das licenças que estavam afixadas, que ficaram para além do prazo, indicando quem era a empreiteira, que é de indicação obrigatória? Não viu ou sabe que não estavam?
- Testemunha: Cartazes não estavam lá, isso posso garantir-lhe.
- Mandatário da Apelante: E as indicações por afixação do alvará ou do edital municipal?
- Testemunha: Isso não estava lá nessa altura.
- Mandatário da Apelante: Não estava, o Sr. Dr. ou não viu ou pode assegurar que não estava?
- Testemunha: Posso assegurar-lhe que não estava. Em 2009 não estava.
- Mandatário da Apelante: O Sr. Dr., no entanto, aludiu à Tecniarte no seu depoimento.
- Testemunha: Como?
- Mandatário da Apelante: Aludiu à Tecniarte. Mencionou a Tecniarte no seu depoimento.
- Testemunha: Mencionei.
- Mandatário da Apelante: E a que propósito é que conhece a Tecniarte?
- Testemunha: Como expliquei à Dra. Juíza, quando se reclamava fazia-se apresentar… apresentava-se ao promotor Park Residence que levava por sua vez a Tecniarte, que se apresentavam educadamente e diziam que eram da Tecniarte. Era isso. Agora se eram ou não eram …
- Mandatário da Apelante: O Sr. Dr. tem noção, ou afirma o contrário, que a Park Residence construiu ou não construiu o empreendimento?
- Testemunha: Eu julgo, não posso afirmar, mas se formos ver as telas e isso, só posso afirmar…
- Mandatário da Apelante: Só pergunto isto porque, eventualmente, se o Dr. achasse que tinha sido a Park Residence a construtora estranharia que aparecessem outros para reparar aquilo que o Sr. Dr. denunciava, pergunto eu?
- Testemunha: Hoje em dia com a parte de… da subcontratação a terceiros, isso…
- Mandatário da Apelante: O Sr. Dr. não cuidou sequer de perguntar porque é que estão os senhores da Tecniarte e não estão os senhores da Park Residence para reparar quando lhe entraram porta dentro?
- Testemunha: Eu imagino que os senhores da Park Residence tinham subcontratado isso à Tecniarte. Por isso, se eles apresentam alguém de uma empresa para reparar, eles é que são os responsáveis, a meu ver.
- Mandatário da Apelante: O Sr. Dr. em 2010 participou numa assembleia de proprietários?
- Testemunha: Outubro de 2010.
- Mandatário da Apelante: E aí não foi aflorada a questão de a Tecniarte ser a empresa que de raiz construiu por conta da Park Residence, é só exclusivamente promotora imobiliária?
- Testemunha: Honestamente não me recordo. Sei que nessa altura os promotores da Park Residence falaram que iam promover uma reunião com… que fizéssemos um apanhado de todos os danos, não só de cada uma das casas de cada um de nós…
- Mandatário da Apelante: Para participar a alguém?
- Testemunha: Para participar a eles.
- Mandatário da Apelante: A eles quem? Permita-me.
- Testemunha: À Park Residence. E, depois, que iam informar. Não sei como é que iam ser depois os trabalhos…
- Mandatário da Apelante: Só pergunto isto porque a Tecniarte apareceu sempre para fazer as reparações, ou não? Nunca foi a Park Residence que as fez, ou tem conhecimento de alguma reparação pedida por algum condómino seu?
- Testemunha: Quem aparecia, sim, era a Tecniarte que no final ia fazer o trabalho, mas…
- Mandatário da Apelante: Ou melhor, ao que me é dado saber, nunca outra, que não a Tecniarte, fez reparações, frustradas ou não. Mas quem apareceu para reparar?
- Testemunha: Apareceu para tomar conta dos danos. Nunca vi lá os engenheiros com cimento, tijolo…
- Mandatário da Apelante: Compreendo, até porque comprou já com a casa feita.
13 - Em parte alguma do depoimento a testemunha diz, ou dá sequer a entender, que apresentou reclamação diretamente à Tecniarte (“construtora/empreiteira”). Fê-lo sempre à Apelante e esta é que solicitava à Tecniarte que procedesse à reparação dos danos.
14 – A testemunha conhecia a Tecniarte por ser a empresa que procedia aos trabalhos de reparação a mando da Apelante. Concluir daqui que houve trato direto e pessoal no que às reclamações respeita entre testemunha e empresa “construtora/ empreiteira” é excessivo e enganador.
15 – Ao fazer uma apreciação critica das provas, e no que ao depoimento desta testemunha respeita, refere a Meritíssima Juiz “MS…, que reside na casa ao lado da fração da A., confirmou a existência das alegadas deficiências, que conhece, tendo tido o mesmo problema; queixavam-se à R., que lá ia com a Tecniarte e “atamancavam as coisas”; depois a Ré deixou de responder” (Cfr. ponto C. Fundamentação, da sentença recorrida; sublinhado nosso).
16 - Do depoimento desta testemunha também não resulta prova de que tivesse havido qualquer “trato direto e pessoal” entre a Autora e a “construtora/ empreiteira”. Provado está nos autos que “em finais de 2009, a A. começou a detetar infiltrações e focos de humidade na fração, do que deu conhecimento à R., tendo esta, em 2010, mandado proceder a reparações” (ponto f) da matéria de facto assente. Sublinhado nosso).
17 – É irrelevante, e sem interesse para a presente ação, saber se houve proprietários que demandaram a empreiteira “Tecniarte – Projetos e Construções, Lda.”, por defeitos nas suas frações, facto que a Apelante só agora trás à colação, sem reportar qualquer meio de prova.
18 - No que à ficha técnica respeita, o documento apenas prova a matéria vertida no supra citado ponto p) dos Factos Assentes, bem como as demais licenças e autorizações administrativas que foram requeridas pela Apelante (veja-se a licença de utilização, junta a fls. – dos autos, emitida em nome da Ré, bem como os projetos de arquitetura e alvarás de autorização da obra de construção, conforme mencionado neste documento).
19 - Da prova carreada para os autos não resulta matéria de facto que imponha decisão diversa da vertida no ponto p) dos Factos Assentes, devendo assim ser indeferida a requerida renovação da prova, mantendo-se a decisão recorrida.
20 - Mas, mesmo que lhe assistisse razão, o que se admite apenas por mera hipótese de raciocínio, sempre o prazo para o exercício do direito de ação seria de três anos, por aplicação do regime mais favorável previsto no Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, relativo a venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e que tem em vista assegurar a proteção dos interesses do consumidor, definindo como «consumidores» “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de julho”.
21 - A tese da Apelante é construída em torno do regime civilístico tradicional. Porém, “nos negócios jurídicos de consumo a tutela do consumidor é assegurada de uma forma distinta da que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso”. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do S.T.J. de 24.05.2012 – Serra Baptista - in www.dgsi.pt, e a doutrina aí referida.
22 - Sendo maior o prazo concedido por este diploma legal para o exercício dos direitos por banda do comprador do imóvel (no âmbito das relações de consumo), pode o mesmo intentar a ação na medida em que este regime lhe é mais favorável, pela previsão de prazo mais longo para esse efeito.
23 - No caso sub judice a Autora apercebeu-se dos defeitos no inverno de 2012/2013, remeteu a carta à Ré em 2 de julho de 2013 e propõe a presente ação antes de decorridos os três anos previstos no mencionado diploma legal e antes de se esgotar o prazo de garantia de cinco anos.
24 – Quer se aplique o nº 4 do artigo 1225º do Código Civil quer o regime especial resultante do DL 67/2003 (com as alterações introduzidas pelo DL nº 84/2008), consoante o mais favorável ao consumidor, não caducou o exercício do direito de ação por parte da Autora”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso, não merecendo o mesmo provimento, pelo que deve manter-se a sentença recorrida.
11 – Tal recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios auto e com efeito devolutivo (atenta a não prestação de caução, que tinha sido fixada como condição de atribuição de efeito suspensivo) – cf., despachos de fls. 292 e 296).
12 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil [2], estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição:
I) Da indicação do concreto ponto de facto (alegadamente) incorrectamente julgado (alínea p) da mateis factual provada) ;
II) Do pretendido aditamento de um novo facto provado =) conclusões 1 a 16., das alegações,
 o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA considerada ;
2. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto da alteração infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA. Nomeadamente, aferir acerca da pertinência do juízo de improcedência da verificação da excepção peremptória de caducidade da presente acção, no âmbito da qual é peticionada a eliminação dos invocados defeitos no imóvel da Autora, ou, em alternativa, e em caso de incumprimento no fixado prazo, a sua condenação a indemnizar a Autora no valor necessário à reparação dos defeitos.
O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
1) Do instituto jurídico da caducidade da acção no âmbito do contrato de compra e venda defeituosa – artigos 913º, 914º, 916º e 917º, todos do Cód. Civil - e no âmbito do contrato de empreitada – artº. 1225º, do Cód. Civil ;
2) Do conceito de construtor/vendedor, ínsito ao nº. 4, do artº. 1225º, do Cód. Civil ;
3) Da eventual aplicabilidade do regime relativo à venda de bens de consumo e das garantias neste consignadas, com vista a assegurar a protecção dos interesses do consumidor, prescrito no DL nº. 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo DL nº. 84/2008, de 21/05.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão apelada foi considerada relevante e, como tal, provada, a seguinte factualidade:
a. Mediante contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, outorgado a 4 de Junho de 2009, na Conservatória do Registo Predial de Seixal, a A. adquiriu à R., pelo preço de 315 000,00 €, a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente a uma moradia – um fogo – destinada a habitação, com uma garagem no piso menos um, a qual faz parte do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, situada no Estoril, na Rua … nºs … e …-A, à data freguesia do Estoril (actualmente, União das freguesias de Cascais e Estoril), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº …-F da freguesia do Estoril e inscrito na matriz desta freguesia sob o nº … (actualmente, artigo … da União das freguesias de Cascais e Estoril), nos demais termos e condições constantes do documento de fls. 59/84 dos autos.
b. A fracção foi entregue à A. no dia da outorga do contrato de compra e venda, ou seja, a 4 de Junho de 2009.
c. À data da compra a Autora era solteira e adquiriu a fracção para sua habitação própria, nela passando a residir.
d. Entretanto, foi residir para os Estados Unidos da América.
e. Na fracção, residem MR… e RJ…, desde Dezembro de 2012, ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado com uma sociedade.
f. Em finais de 2009, a A. começou a detectar infiltrações e focos de humidade na fracção, do que deu conhecimento à R., tendo esta, em 2010, mandado proceder a reparações.
g. Todavia, durante o inverno de 2012/2013, alguns dos defeitos anteriormente (mal) reparados voltaram a manifestar-se na fracção, para além de novos defeitos, apresentando a fracção o aspecto retratado nas fotografias de fls. 19/35 dos autos.
h. A A. deu conhecimento de tais deficiências à R., nada tendo esta dito, ou feito.
i. Remeteu, então, à R., uma carta registada, com aviso de recepção, datada de 02 de Julho de 2013, e por esta recebida em 12 de Julho de 2013, com o seguinte teor:
(Imagem removida)
(Imagem removida)
j. A R. nada disse, ou fez, uma vez mais, pelo que, perante a gravidade dos defeitos que inviabilizavam a permanência dos “arrendatários” na fracção, e as reclamações por estes apresentadas, a A. teve de realizar as respectivas obras de reparação, tendo solicitado, previamente, a realização de um parecer técnico a um perito de engenharia civil.
k. Em 27 de Setembro de 2013, a fracção apresentava as seguintes deficiências:
1. Hall de entrada
– Sinais de humidade com origem em infiltrações de água e em condensações superficiais no revestimento do pavimento do hall em madeira (soalho) junto da porta da entrada principal da moradia e no tecto e paredes;
2. Instalação sanitária (R/chão)
– Na parede desta instalação sanitária, sob a cantaria do vão envidraçado verificam-se fissuras verticais e oblíquas;
3. Sala
– Manifestações de humidade com origem na infiltração de águas e em condensações superficiais;
– No pavimento da sala em soalho de madeira verifica-se o abaulamento, ondulação, empenamento e mudança de tonalidade de várias peças que constituem o soalho devido a humidade proveniente de infiltrações de água, designadamente junto à soleira do vão de acesso à varanda e junto ao radiador do aquecimento central;
– No revestimento interior (estuque projectado) do tecto e das paredes da sala, onde a humidade surge de uma forma localizada, com manchas irregulares e cheiro a bafio, junto aos paramentos exteriores, em particular nas zonas onde se verificam pontes térmicas (vigas e pilares de betão armado);
– Nas paredes interiores, junto aos respiradores da chaminé da lareira verifica-se o depósito de partículas provenientes de combustão de lenha, além disso, o acabamento de ligação entre o pavimento da sala e a parede junto à lareira não foi finalizado, verificando-se a falta de um elemento de remate entre ambos os elementos.
4. Terraço exterior com acesso pela sala
– Verificam-se sinais evidentes de descamação, despelamento e exfoliação da tinta aplicada;
– Nos muretes de separação verifica-se o deficiente isolamento da junta de dilatação entre a fracção da Autora e a fracção contígua, onde se verifica a rotura da impermeabilização da junta de dilatação, com o surgimento de fissura significativa na ligação do isolamento e a fachada da fracção;
– Nos muretes também se verifica o deficiente betume na ligação das diversas peças em pedra mármore “Estremoz” que constituem o capeamento dos muretes;
– Nos muretes verificam-se algumas fissuras com espessuras consideráveis, tendo maior evidência a fissura horizontal (a qual apresenta em algumas zonas, espessuras superiores a 1,0 cm), com deslocamento da parte inferior da fissura para o exterior, relativamente à parte superior da fissura, canalizando as águas que escorrem pela fachada para o interior da parede;
– Na guarda de vidro verifica-se, neste, uma fissura com origem no local onde se encontra uma ferragem de estabilidade;
– As grelhas dos ralos do sistema de águas pluviais reduzem demasiadamente a secção de escoamento, pelo que, em dias de maior pluviosidade a autora tem de tirar as grelhas dos ralos para impedir inundações na sala;
– No terraço existem dois ralos ligados a uma tubagem com diâmetro de 50 milímetros para a drenagem de toda a área do terraço, da varanda do 1º andar e da parte da cobertura cujas águas afluem para o terraço;
– Removida a grelha dos ralos, verifica-se um buraco, deficientemente aberto na betonilha de enchimento e regularização do terraço, não se visualizando qualquer sistema de impermeabilização sob a camada de betonilha na ligação da tubagem em PVC.
5. Escadas
– No pavimento e rodapé em madeira, junto à parede de compartimentação que separa a escada da base de chuveiro de uma instalação sanitária do 1º andar, verificam-se manchas de cor mais escura (mudança de tonalidade da madeira) devido ao elevado teor de humidade que se poderá registar naquela zona do pavimento, bem como empolamento da tinta originada na infiltração de água proveniente do WC do primeiro andar.
6. Quarto (Nascente)
– Verifica-se a existência de manifestações de humidade nas paredes e tecto do quarto devido a condensações superficiais;
– Junto às ombreiras do vão de acesso à varanda existe um elevado teor de humidade;
– Na guarda da varanda do quarto em vidro verifica-se uma fissura com origem no local onde se encontra uma ferragem de estabilidade.
7. Instalação sanitária do 1º andar (Nascente)
– A ligação da base do chuveiro com a parede da instalação sanitária apresenta anomalias de concepção e estanquicidade junto à divisória da base do chuveiro devido a uma abertura existente entre o rodapé e a divisória do chuveiro;
– Na zona da abertura há retenção de água que se infiltra pela parede;
– Nesta instalação sanitária a janela tem que estar permanentemente aberta, caso contrário fica a cheirar a mofo e a bafio.
8. Quarto (Poente)
– Também neste quarto se verifica a existência de manifestações de humidade nas paredes e tecto do quarto devido a condensações superficiais.
9. Instalação sanitária– A ligação da base do chuveiro com a parede da instalação sanitária apresenta anomalias de concepção e estanquicidade junto à divisória da base do chuveiro devido a uma abertura existente entre o rodapé e a divisória do chuveiro;
– Na zona da abertura há retenção de água que se infiltra pela parede;
– O lavatório não se encontra devidamente fixado à bancada, faltando-lhe o cordão de silicone na base de apoio do lavatório e em todo o perímetro exterior da base de apoio, que garantiria a devida estabilidade e completa estanquicidade.
10. Sótão
– O revestimento interior do tecto e das paredes desta divisão apresentam sinais de humidade com origem em condensações superficiais devido ao deficiente isolamento térmico, bem como infiltrações.
11. Instalação sanitária no sótão
– O revestimento interior do tecto apresenta sinais de humidade com origem em condensações superficiais devido ao deficiente isolamento térmico, bem como infiltrações;
– Quando se utiliza a base do chuveiro da instalação do sótão, aparece sempre água no pavimento da instalação sanitária, devido à deficiente colocação e isolamento da base do chuveiro;
– Na zona da porta da divisória da base do chuveiro, devido à grande quantidade de silicone aplicado, o cordão de silicone formou uma bolsa côncava, que permite o escoamento de água para o pavimento exterior do chuveiro.
12. Cave
– Verifica-se a existência de humidade, com origem na infiltração de águas;
– No tecto da cave e na rampa comum de acesso à garagem, sob o local onde se verificam as fissuras nos muretes do terraço, no capeamento dos muretes e na junta de dilatação, verificam-se sinais evidentes e claros de humidade devido a infiltrações, com o surgimento de salitre, e florescências, manchas e círculos húmidos, tipo auréola e com bolores.
l. Tais defeitos devem-se, essencialmente, a uma deficiente impermeabilização e isolamento, incluindo térmico, e má técnica construtiva.
m. As obras de reparação das referidas deficiências importarem em 24 439,00 €, quantia que a A. solicitou à sociedade Kaffa – Armazéns de Café, Lda., pertencente a seu pai, que adiantasse.
n. A R. trata-se de uma sociedade que tem por objecto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e a construção civil.
o. No exercício da sua actividade, a R. adquiriu o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº … e nele promoveu a construção de 18 moradias, com recurso ao crédito junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A.
p. Adjudicou a um terceiro, a Tecniarte – Projectos e Construções, Lda., a respectiva construção.
q. Constituiu o identificado prédio em propriedade horizontal e procedeu à comercialização das fracções, entre as quais a da A., esta com a intervenção de um mediador imobiliário.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No presente caso, a Apelante observou o preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, que impõe a indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda o recurso interposto, sem prejuízo da transcrição dos excertos considerados relevantes, sendo que a mesma Apelante, ainda que de forma incipiente e pouco clara, indicou aparentemente o concreto ponto de facto em equação (ainda que aparentemente não incorrectamente julgado), bem como a alusão a um ponto factual que considera dever ser aditado, pelo que, em observância dos princípios da proporcionalidade e adequação, considera o presente Tribunal minimamente preenchidos todos os requisitos ou pressupostos conducentes ao conhecimento da apresentada impugnação da matéria de facto.
Na impugnação apresentada pela Ré Apelante está em causa o facto assente sob a alínea p) da factualidade provada, com a seguinte redacção:
p. Adjudicou a um terceiro, a Tecniarte – Projectos e Construções, Lda., a respectiva construção”.
Pretendendo, ainda a Recorrente, concomitantemente, que à matéria factual provada seja aditado um novo facto, com a seguinte redacção:
existiram «consumidores/adquirentes» que trataram as reclamações deduzidas directamente com a «construtora/empreiteira»”.
Vejamos a argumentação da Recorrente.
Referencia que a Apelada bem sabe que “a construção da moradia da qual é proprietária, foi efectuada pela “Tecniarte - Projectos e Construções, Lda.”, sociedade comercial por quotas que tomou de empreitada a construção das dezoito moradias do dito condomínio “… Village” no Estoril”, o que está espelhado na alínea p) dada como provada.
Acrescenta que, mercê da “protecção do consumidor, houve uma ampliação do conceito de “construtor” para efeitos do vertido no n.º 4, do artigo 1225º, do Código Civil, por forma a que o aludido conceito contemplasse o “promotor” (ainda que não construtor), conquanto existisse dominialidade da construção por parte deste último”, o que decorreu da crónica contingência “adveniente do facto de o “consumidor”, tendencialmente, adquirir o imóvel ao “promotor”, sendo que aquando do momento da aquisição, o dito “consumidor” estaria impedido de tratar com o “construtor/empreiteiro”, na justa medida em que a construção já estaria concluída”.
Defendendo a aplicação do artº. 917º, do Cód. Civil, no que concerne ao prazo de propositura da acção, defende que na maior parte das vezes “o “adquirente/consumidor” não tem trato, qualquer que seja, com o “construtor/empreiteiro” do imóvel adquirido, motivo pelo qual é de elementar equidade, alargar o conceito de “construtor” por forma a abranger o de “promotor”- mas apenas neste especifico contexto”.
Todavia, acrescenta, é diferenciada a questão quando o ““adquirente/consumidor”, após a aquisição do imóvel concluído, tenha trato directo e personalizado com o “construtor/empreiteiro”, no âmbito das reclamações deduzida”, situação em que considera, após a dedução de reclamação, inexistir “motivo justificativo para consignar outro prazo de autuação da correlativa acção judicial que não o do artigo 917º do Código Civil, no que à demanda do “promotor” concerne”.
Pelo que, acrescenta, ocorrendo “trato directo com a “construtora/empreiteira” por referência às reclamações deduzidas, a demanda da Apelante, “Park Residence Lda.”, ao abrigo do prazo consignado no n.º 4 do artigo 1225º, do Código Civil, teria tradução, salvo o devido respeito, num exercício ilegítimo de posições jurídicas subjectivas”.
Desta forma, relativamente aos defeitos reclamados “por referência ao empreendimento urbanístico em apreço, houve quem demandasse a sociedade comercial, “Tecniarte-Projectos e Construções, Lda.”, mercê da factualidade acima elencada”, pelo que, nessa conformidade e tendo em atenção o depoimento da testemunha indicada, “importa que seja dado como provado o facto de ter havido “consumidores/adquirentes” que trataram as reclamações deduzidas, directamente com a “construtora/empreiteira”.
Em sede contra-alegacional, a Recorrida/Apelada questiona, frontalmente tal entendimento.
Referencia que tal “interpretação restritiva não tem apoio nem justificação na legislação que tutela a proteção do consumidor, pois que o legislador, com a intenção expressa de proteger “o direito do cidadão adquirente [de um imóvel] enquanto consumidor” quanto à “qualidade do bem que compra”, reconhece-lhe o direito de responsabilizar os vários agentes intervenientes no setor imobiliário, onde o consumidor/adquirente manifestamente assume, economicamente, uma posição mais desfavorecida (preâmbulo do Dec-Lei nº 267/94)”. Pelo que, a “admitir-se como certa tal interpretação, restringiria necessariamente os direitos do adquirente/consumidor, numa clara violação à proteção do consumidor que foi a intenção expressa do legislador”.
Por outro lado, e ao invés do pretendido pela Apelante, do indicado “depoimento da testemunha MS… não resulta provado o facto de a Autora, “consumidora/adquirente”, após a aquisição do imóvel concluído, tenha tido trato direto e personalizado com a “construtora/empreiteira”, pois em parte alguma de tal depoimento “a testemunha diz, ou dá sequer a entender, que apresentou reclamação diretamente à Tecniarte (“construtora/empreiteira”). Fê-lo sempre à Apelante e esta é que solicitava à Tecniarte que procedesse à reparação dos danos”.
Acrescenta ser correcto referir que a testemunha conhecia a Tecniarte “por ser a empresa que procedia aos trabalhos de reparação a mando da Apelante”, mas que concluir que existiu “trato direto e pessoal no que às reclamações respeita entre testemunha e empresa “construtora/ empreiteira” é excessivo e enganador”.
Por outro lado, aduz que do depoimento da mesma testemunha “também não resulta prova de que tivesse havido qualquer “trato direto e pessoal” entre a Autora e a “construtora/ empreiteira”. Provado está nos autos que “em finais de 2009, a A. começou a detetar infiltrações e focos de humidade na fração, do que deu conhecimento à R., tendo esta, em 2010, mandado proceder a reparações” (ponto f) da matéria de facto assente”, acrescentando, ainda, ser “irrelevante, e sem interesse para a presente ação, saber se houve proprietários que demandaram a empreiteira “Tecniarte – Projetos e Construções, Lda.”, por defeitos nas suas frações, facto que a Apelante só agora trás à colação, sem reportar qualquer meio de prova”.
Por fim, no que concerne à ficha técnica, este “apenas prova a matéria vertida no supra citado ponto p) dos Factos Assentes, bem como as demais licenças e autorizações administrativas que foram requeridas pela Apelante (veja-se a licença de utilização, junta a fls. – dos autos, emitida em nome da Ré, bem como os projetos de arquitetura e alvarás de autorização da obra de construção, conforme mencionado neste documento).
Pelo que, pela prova produzida nos autos “não resulta matéria de facto que imponha decisão diversa da vertida no ponto p) dos Factos Assentes, devendo assim ser indeferida a requerida renovação da prova, mantendo-se a decisão recorrida”.
O depoimento invocado refere-se ao da testemunha MS…, arrolado pela Autora, tendo a sentença apelada apreciado o seu teor aduzindo que “MS…, que reside na casa ao lado da fracção da A., confirmou a existência das alegadas deficiências, que conhece, tendo tido o mesmo problema; queixavam-se à R., que lá ia com a Tecniarte e “atamancavam as coisas”; depois, a R. deixou de responder”.
Analisemos.
Em primeiro lugar, urge referenciar, tal como bem refere a Apelada Autora, que a Apelante não impugna propriamente o aludido facto provado p), ou seja, não pugna pela sua alteração da elencagem dos factos provados, seja por alteração da sua redacção, seja pela pretensão de passar a figurar como facto não provado.
E nem poderia fazê-lo, com o mínimo de pertinência, pois tal facto surge devidamente admitido por acordo entre as partes, ou seja, Autora e Ré acordaram que foi a Tecniarte – Projectos e Construções, Lda., a proceder á construção das 18 moradias, entre as quais se encontra a posteriormente alienada à Autora pela Ré., mediante adjudicação operada por esta mesma Ré.
O que a Ré Apelante pretende, no fundo, é que a tal facto seja aditado um outro, decorrente do meio probatório que indica, por considerá-lo pertinente ao enquadramento jurídico que sufraga, isto é, por considerar que de tal factualidade decorrerá enquadramento jurídico diferenciado do que fez vencimento na sentença apelada, em sentido favorável à sua pretensão.
E daí a pretensão que se dê como provado que “existiram «consumidores/adquirentes» que trataram as reclamações deduzidas directamente com a «construtora/empreiteira»”.
Ora, tal pretensão não pode proceder. Pelos variados motivos que passamos a enunciar.
Por um lado, estamos perante matéria factual nova, não alegada pela Ré nos seus articulados, pelo que, tendo o carácter de essencialidade que a mesma invoca, sempre estaria obrigada á sua alegação, em cumprimento do princípio do dispositivo, nos quadros do nº. 1, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil.
Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, e se defendesse que tal factualidade sempre seria de considerar nos termos das alíneas a) e b), do nº. 2, do mesmo normativo, quer como facto instrumental que tenha resultado da discussão da causa, ou como facto complementar ou concretizador do alegado pelas partes, resultando da instrução da causa, ainda assim, reafirmemos, o mesmo não será de considerar na elencagem da factualidade provada. E, fundamentalmente por dois diferenciados motivos.
Em primeiro lugar, e desde logo, contrariamente ao defendido pela Recorrente, não é possível extrair tal factualidade do meio probatório que identifica como fonte do mesmo, ou seja, do depoimento da testemunha MS….
Efectivamente, procedendo-se à audição de tal depoimento, na parte relevante já objecto de transcrição por Apelante e Apelada, facilmente se constata não decorrer do mesmo a conclusão factual que a Recorrente lhe imputa. Ou seja, não decorre minimamente do teor do declarado que a própria testemunha, proprietário de um imóvel no mesmo condomínio da Autora, sendo seu vizinho, tenha alguma vez declarado que o próprio, ou outros adquirentes no mesmo condomínio, tenham tratado das reclamações dos defeitos encontrados nos seus imóveis directamente junto da construtora/empreiteira Tecniarte, Lda..
Aliás, e em contraponto, o que resulta de tal depoimento é, antes, o contrário, ou seja, que perante os defeitos encontrados no imóvel, o contacto e a reclamação era dirigida junto da Ré, entidade vendedora, e que esta, por sua vez, é que fazia comparecer no local funcionários da Tecniarte, que apareciam com o intuito de proceder às reparações em causa, ou pelo menos tomarem percepção dos danos, desconhecendo, inclusive, se se tratava ou não de uma terceira entidade subcontratada.
Em segundo lugar, ainda que assim não fosse, e se pudesse concluir nos termos reivindicados pela Recorrente, parece claro e lógico que tal facto, por si só, não se reportando à conduta da ora Autora, em nada contribuiria para a retirada de eventuais conclusões, com efeitos jurídicos, que a pudessem afectar.
Com efeito, daquele depoimento não resulta igualmente qualquer prova, por mínima, indirecta ou indiciária que seja, que tivesse ocorrido qualquer trato directo ou pessoal entre a Autora e a aludida empreiteira/construtora. Resultando, antes, da demais factualidade provada, que perante os defeitos percepcionados, a Autora sempre contactou directamente com a ora Apelante – cf., factos provados f. a i. -, que , por sua vez, terá mandado executar, pelo menos em parte, as reclamadas reparações.
Por fim, sempre se acrescenta, ainda, inexistir qualquer sustento probatório documental que corrobore o reclamado aditamento factual.
Com efeito, na Ficha Técnica de Habitação, e respectivos anexos, constante de fls. 88 a 121, consta como entidade requerente e promotor imobiliário a ora Ré, na qualidade de proprietária, e a indicada Tecniarte, Lda., como construtor, sendo que o Alvará de Autorização de Utilização – cf., fls. 193 e 194 -, foi igualmente emitido em nome da mesma Ré. O que igualmente confirma o acerto do ponto p. dado como provado, em nada corroborando o pretendido aditamento.
Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, conclui-se no sentido de total improcedência da impugnação da matéria de facto, que manterá a sua actual redacção, decaindo, nesta parte, a pretensão recursória suscitada pela Apelante Ré.
II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
No caso sub júdice a sentença Recorrida/Apelada defende, no essencial, no que ora importa, que:
§ No caso concreto estamos perante um contrato de compra e venda de imóvel ;
§ Sendo a causa de pedir a venda de imóvel com defeitos, é aplicável o regime previsto no artº. 1225º, nº. 4, do Cód. Civil, e não o decorrente dos artigos 913º, nº. 1 e 917º, ambos do mesmo diploma ;
§ Por outro lado, o DL nº. 67/2003, de 08/04, alterado pelo DL nº. 84/2008, de 21/05, veio consagrar um novo regime de direitos e garantias de protecção dos consumidores, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva Comunitária nº. 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/05/1999 ;
§ É certo que na transposição efectuada o legislador foi além da Directiva, que apenas regulava as situações relativas a coisas móveis corpóreas, aplicando-o também aos imóveis ;
§ Todavia, tratando-se de um regime inovatório, tal não significa a exclusão de previsão relativamente aos imóveis, mas tão-só que é aplicável aos contratos celebrados após a respectiva entrada em vigor, sem possibilidade de retroacção ;
§ A qual sempre operaria caso se entendesse configurar um regime correctivo ou interpretativo ;
§ Desta forma, atenta a data do contrato de compra e venda – 04/06/2009 -, é aplicável o regime previsto no artº. 1225º, nº. 4, do Cód. Civil, ou o regime resultante do DL nº. 67/2003, de 08/04, alterado pelo DL nº. 84/2008, de 21/05, consoante o mais favorável ao consumidor ;
§ Atendendo às datas de:
Ø Aquisição da fracção e sua entrega – 04/06/2009 ;
Ø Detecção dos defeitos – Inverno de 2012/2013 ;
Ø Denúncia à Ré – 12/07/2013 ;
Ø Propositura da acção – 27/05/2014,
não ocorreu a caducidade do direito de acção, assim improcedendo a invocada excepção ;
§ Tendo-se provado as várias deficiências invocadas, por aplicação do estatuído no artº. 2º, nºs. 2 e 3, do DL nº. 67/2003, verifica-se a presunção aí consignada ;
§ Tendo os defeitos inviabilizado o uso da fracção para os fins a que se destinava, ocorrendo interpelação admonitória e não tendo a Ré cumprido a obrigação no decurso do prazo fixado, ocorreu incumprimento definitivo, pelo que, existindo urgência na reparação, foi julgado procedente o pedido alternativo formulado.
Nas alegações recursórias apresentadas, em correspondência com o já invocado em sede de contestação, a Recorrente Ré enuncia, basicamente, o seguinte:
- está em equação a caducidade do prazo para a propositura da acção na qual se pretende obter a reparação dos defeitos ;
- não é aplicável o regime consignado no nº. 4, do artº. 1225º, do Cód. Civil, mas antes o regime previsto no artº. 917º, do mesmo diploma, pois a Ré não pode ser assimilada a construtora das moradias, em virtude de todos os trabalhos de construção, modificação e reparação terem sido realizados pela empresa Tecniarte, Lda. ;
- ocorre, deste modo, preclusão do direito de acção, por caducidade, atenta a preterição do prazo de 6 meses enunciado no artº. 917º, do Cód. Civil.
Por sua vez, nas contra-alegações recursórias, a Apelada Autora defende a aplicabilidade do regime inscrito no nº. 4 do artº. 1225º, do Cód. Civil, e mesmo do específico regime equacionado no DL nº. 67/2003, de 08/04, alterado pelo DL nº. 84/2008, de 21/05, consoante o mais favorável ao consumidor, resultando de ambos não ter caducado o exercício do direito de acção por parte da Autora.
Analisemos o (des)acerto da decisão impugnada.
Ø DO INSTITUTO JURÍDICO da CADUCIDADE da ACÇÃO no ÂMBITO do CONTRATO de COMPRA e VENDA DEFEITUOSA – artigos 916º e 917º, ambos do Cód. Civil - e no ÂMBITO do CONTRATO de EMPREITADA – artº. 1225º, do Cód. Civil
Ø DO CONCEITO de CONSTRUTOR/VENDEDOR, ínsito ao nº. 4, do artº. 1225º, do Cód. Civil
Prescreve o nº. 2, do artº. 298º, do Cód. Civil, prevendo acerca da caducidade, que:
“quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
O prazo de caducidade “não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine”, começa normalmente “a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido” e só a impede “a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”, a não ser que se trate de “prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível”, na qual impede igualmente “a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido” – cf., artigos 298º, nº. 2, 328º, 329º e 331º, todos do Cód. Civil.
Estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo”, e sendo “estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes”, é-lhe aplicável as regras da prescrição, ou seja, não pode ser conhecida oficiosamente, carecendo, para que se opere a sua eficácia, “de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita” – cf., artigos 333º e 303º, ambos do Cód. Civil.
Adjectivamente, a caducidade configura-se como excepção peremptória – cf., artº. 576º, nºs. 1 e 3, do Cód. de Processo Civil – e, in casu, estabelecida em matéria na disponibilidade das partes, o seu conhecimento depende da invocação da parte a quem aproveita – cf., artº. 579º, do Cód. de Processo Civil.
A caducidade configura-se como a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo, tendo por base exigências de certeza jurídica. Nas palavras de Manuel de Andrade [3], “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo”.
Na presente apelação, a questão nuclear ou fundamental a demandar concreta apreciação consiste em determinar qual o prazo de que dispunha a Autora para a propositura da presente acção, sob pena de caducidade do direito à reparação dos defeitos. A ponderação a efectuar, pelo menos num primeiro momento, será entre o prazo de 6 meses, previsto no artº. 917º, do Cód. Civil, ou de 1 ano, enunciado nos nºs. 2 e 3, do artº. 1225º, do mesmo diploma, em qualquer caso a contar da respectiva denúncia.
Ou seja, urge aferir e apreciar se á concreta situação são aplicáveis os prazos previstos para a compra e venda de coisas defeituosas, ou antes os prazos prescritos para o específico contrato de empreitada.
Vejamos os diferenciados regimes.
No âmbito da compra e venda de coisas defeituosas, prescreve o nº. 1, do artº. 913º, do Cód. Civil [4], que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”, ou seja, remete para o regime da venda de bens onerados, com excepção das modificações concretamente estipuladas nos normativos seguintes.
O artº. 914º, prevendo acerca da reparação ou substituição da coisa, enuncia que “o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela”, prevendo o artº. 916º acerca da denúncia do defeito, nos seguintes termos:
“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3 - Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”, tendo este nº. 3 sido introduzido pelo DL nº. 267/94, de 25/10 (entrando em vigência no dia 01/01/1995).
Ora, a denúncia “não está sujeita a forma especial, podendo ser feita oralmente, directamente junto do vendedor”, e deve fazer “referência ao vício ou falta de qualidade alegado pelo comprador, não relevando para este efeito observações genéricas e vagas sobre o estado da coisa” [5].
O normativo imediato – 917º -, com maior acuidade no caso sub júdice, prescreve que “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º”, sendo entendimento pacífico, quer jurisprudencial, quer doutrinário, ser este normativo aplicável, por interpretação extensiva, às acções em que se vise obter a reparação ou a substituição da coisa, ou seja, às previstas no transcrito artº. 914º.
Neste sentido, exemplificativamente na doutrina, refere Jorge Morais Carvalho [6] que “apesar da letra da lei indicar apenas a caducidade da ação de anulação por simples erro, a teleologia da norma parece abranger igualmente o exercício dos direitos de reparação, substituição ou redução do preço.
Impõe-se, assim, por via interpretativa a aplicação dos prazos de caducidade aqui previstos para o exercício desses direitos pelo comprador”.
Pelo que justifica-se tal extensão do artº. 917º “as acções dos demais direitos referidos, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas ; porque e na medida em que através delas se realize ou materialize a mesma garantia pelos vícios ; numa palavra, porque e na medida em que são recursos contratuais por vícios da coisa” [7].
Assim, e conforme sumariado em douto aresto do STJ de 13/11/2007 [8], “I - A venda de um imóvel com defeitos de construção, venda efectuada por quem não o construiu, está sujeita à regulamentação da venda de coisas defeituosas constante dos arts. 913.º e segs. do CC.
II - Quando há cumprimento defeituoso, o devedor, cuja culpa se presume, é responsável pelo prejuízo causado ao credor, nomeadamente pela eliminação dos defeitos, como resulta do disposto nos arts. 798.º, 799.º, n.º 1 e 914.º, todos do citado Código.
III - O exercício do direito à reparação dos defeitos depende da observância de três prazos: de um ano para fazer a denúncia, contado a partir do conhecimento dos defeitos; de cinco anos para a denúncia poder ser feita, contado a partir da entrega da coisa imóvel; e de seis meses para propor a acção, contado a partir da denúncia” [9].
Por sua vez, no âmbito da empreitada, e reportando-se especificamente aos imóveis destinados a longa duração, prescreve o artº. 1225º que:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado” (redacção introduzida pelo DL nº. 267/94, de 25/10).
Tendo em consideração os interesses do empreiteiro “em ver definida a sua responsabilidade pelos defeitos na obra no mais curto espaço de tempo após a sua conclusão, além do prazo estabelecido para a efectivação da denúncia dos defeitos”, estabeleceu o legislador prazos de caducidade para o exercício dos direitos do dono da obra. E, “sendo a data da entrega da obra que define o início dos primeiros prazos de caducidade, estes nunca poderão começar a sua contagem enquanto a obra não estiver concluída”.
Por outro lado, “o ónus da prova do decurso do prazo de exercício dos direitos do dono da obra compete ao empreiteiro (artº. 343º, nº. 2, do C.C.), não sendo possível o tribunal conhecer oficiosamente dele, uma vez que nos encontramos perante direitos disponíveis (artº. 303º, aplicável ex vi do artº. 333º, nº. 2, do C.C.)” [10].
Ora, as considerações expostas partem do reconhecimento de que “a regulamentação do regime de cumprimento e incumprimento das obrigações não contempla, especificamente, a figura do cumprimento defeituoso de uma obrigação – cf. artigos 762.º a 816.º do Código Civil – sendo esta figura da violação do dever de prestar de forma pontual e em conformidade com o núcleo essencial do contratualizado, disciplinada especificamente a propósito do regime jurídico de determinados contratos, nomeadamente dos contratos típicos ou nominados de compra e venda e de empreitada – cfr. artigos 913.º e 1218.º do Código Civil - fazendo a lei derivar desta patologia de cumprimento de um contrato determinadas consequências, como sejam o direito conferido ao credor de exigir a reparação ou substituição da coisa - cf. artigos 914.º e 1221.º do Código Civil; o direito a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos – cf. artigos 909.º e 1223.º do mesmo diploma; e o direito à redução da contraprestação ou à resolução do contrato – cfr. artigos 911.º e 1222.º igualmente do Código Civil” [11].
Todavia, existem zonas de fronteira entre o contrato de compra e venda e o contrato de empreitada, no âmbito das quais assume relevo a figura do construtor/vendedor imobiliário, o qual deve ser entendido como “aquele que constrói, por conta própria, um imóvel e promove a sua venda, antes e/ou depois da construção”.
Deste modo, nas situações em que o contrato celebrado ou outorgado é o de compra e venda, o nº. 4, do artº. 1225º, introduzido pelo DL nº. 267/94, determinou “a aplicação a estes contratos das regras da responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra em imóveis de longa duração. Simultaneamente, o referido D.L. 267/94, alterou o artº. 916º, do C.C., fazendo coincidir os prazos de denúncia dos defeitos na compra e venda de imóveis com os prazos previstos no mencionado artº. 1225º, do C.C., para o contrato de empreitada, retirando parte da relevância prática da consagrada remissão do regime da empreitada para os contratos de compra e venda de imóveis outorgados pelo construtor dos mesmos”.
Todavia, tal aplicação aos contratos de compra e venda celebrados pelo próprio construtor do imóvel alienado de algumas das regras previstas para o contrato de empreitada, “não altera a qualificação desses contratos como de compra e venda”, pelo que, “no demais, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras específicas previstas para a compra e venda” [12].
Do exposto parece já resultar que o núcleo controvertido a dirimir traduz-se na determinação do conceito de vendedor/construtor para efeitos do nº. 4 do artº. 1225º, do Cód. Civil.
Vejamos, então, algumas abordagens jurisprudenciais capazes de o clarificar ou balizar.
Referenciou-se no douto aresto do STJ de 05/03/2013 [13], na procura do prazo aplicável à propositura da acção, que “como se viu, o acórdão recorrido, observando que o réu não podia “ser considerado vendedor/construtor”, afastou a aplicação do prazo de um ano a partir da denúncia, previsto no nº 2 do artigo 1225º do Código Civil para a propositura da acção de indemnização por defeitos, no âmbito de contratos de empreitada relativos a “imóveis destinados a longa duração”, e estendido “ao vendedor de imóvel que o tenha construído (…)” pelo nº 4; e aplicou o regime relativo à venda de coisas defeituosas, apelando ao disposto nos artigos 916º e 917º do Código Civil, concluindo no sentido da caducidade.
Como se escreveu já, no acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Abril de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 9870/05.5TBBRG.G1.S1), esta opção significa entender que, mesmo após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, o prazo de seis meses, previsto na letra do artigo 917º para a propositura da acção de anulação com fundamento em erro, vale também (por interpretação extensiva) para a propositura da acção de condenação do vendedor na eliminação dos defeitos do imóvel vendido, para a qual a lei continua a não prever expressamente qualquer prazo. Recorde-se que foi nesse sentido que, para o regime anterior ao Decreto-Lei nº 267/94, se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/97, de 4 de Dezembro de 1997, www.dgsi.pt, proc. nº 085875.
E significa igualmente aceitar que o legislador de 1994, que, com o Decreto-Lei nº 267/94, com a intenção expressa de proteger “o direito do cidadão adquirente [de um imóvel] enquanto consumidor” quanto à “qualidade do bem que compra” (preâmbulo), veio alargar os prazos de garantia e de denúncia dos defeitos na compra e venda de imóveis (nº 3 do artigo 916º), fazendo-os coincidir com os mesmos prazos na empreitada respeitante a imóveis de longa duração (cinco anos de garantia e um ano para a denúncia, em ambos os casos), quis manter prazos diferentes para a acção de condenação na eliminação dos defeitos do imóvel: seis meses na compra e venda, um ano na empreitada (nºs 3 e 4 do artigo 1225º do Código Civil).”
Aceitando esta distinção, porventura não muito justificada, cumpre averiguar se o réu pode ser considerado construtor do edifício a que respeitam os autos, para os efeitos previstos no nº 4 do artigo 1225º do Código Civil.
Vem provado que o réu promoveu a venda das fracções identificadas em A) da lista de factos provados, “sendo promotor da empresa ‘Predial Liz” (pontos H) e L)), sociedade que tem como “objecto a actividade de mediação imobiliária” e da qual o réu é sócio e gerente (ponto I)); nessa promoção, aliás, o réu “salientava o facto de o edifício dispor de estacionamento” DD); que o réu “planeou o investimento, encomendou o projecto” e celebrou com a sociedade FF, Lda. os contratos de empreitada relativos ao edifício dos autos, acompanhando a obra (ponto J)); que “teve em vista a comercialização das fracções a constituir” (L)); que “também exerce individualmente a actividade de compra e de venda de imóveis” (Ponto M)); que apresentou à Câmara Municipal de Lisboa “um pedido de alteração ao projecto de arquitectura aprovado” (Ponto P)), requerendo o aumento do número de lugares de estacionamento, que foi aprovado (Pontos Q)) e R); que o alvará de utilização do edifício foi emitido em nome do Réu (Ponto T))
Tal como no caso a que se refere o citado acórdão de 19 de Abril de 2011, os factos assim provados demonstram uma relação profissional do réu com o prédio dos autos “que não pode ser reduzida à de vendedor do mesmo, estranho à construção do edifício” – e, consequentemente, das fracções adquiridas pelos autores – “e, portanto, subtraído à extensão de responsabilidade ditada pelo nº 4 do artigo 1225º do Código Civil”.
Diferentemente do que se entendeu no acórdão recorrido, o que releva não é ter materialmente desenvolvido a actividade de construção“o réu (…) não é definitivamente um construtor. Para tal serve-se de empresas de construção a quem adjudica os trabalhos, como foi o caso nos autos com a empresa FF, essa sim construtora” (pág. 71 do acórdão recorrido) –, mas sim saber se o réu teve o domínio da construção, se desenvolveu no âmbito profissional. E a resposta, no caso, é afirmativa.
Responde, portanto, como construtor. Reitera-se, assim, que “só um conceito amplo de construtor respeita a intenção de protecção do consumidor/adquirente do imóvel, reconhecendo-lhe o direito de responsabilizar os “vários agentes intervenientes” no sector imobiliário, onde manifestamente “assume, economicamente, uma posição mais desfavorecida” (preâmbulo do Decreto-Lei nº 267/94) – razão que consabidamente levou também à alteração introduzida no nº 1 do artigo 1225º do Código Civil, responsabilizando o empreiteiro directamente perante o terceiro adquirente.
O recorrido invoca em abono da interpretação que sustenta o acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Junho de 2005 (www.dgsi.pt, proc. nº 05A1735); mas a solução aqui preconizada, como também se observou no acórdão de 19 de Abril de 2012, não o contraria, porque o domínio da construção”, por parte do vendedor, “se desenvolveu no âmbito profissional” do sector imobiliário.
Conclui-se, assim, que o conceito de construtor que é utilizado no nº 4 do artigo 1225º do Código Civil é um conceito lato, que tanto abrange o construtor directo como aquele que, profissionalmente, constrói directamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do nº 1 do artigo 2º da lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa dos consumidores)” (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido, e procedendo inclusive à sua citação, pronunciou-se o aresto do mesmo Supremo Tribunal de 14/01/2014 [14], realçando que o conceito de vendedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal, não sendo assim relevante ter materialmente desenvolvido a actividade de construção, mas sim ter o domínio da construção do imóvel, domínio esse desenvolvido no âmbito profissional, pois, só “com a referida amplitude conferida ao conceito de vendedor/construtor se torna eficaz a protecção do consumidor/adquirente do imóvel que o D.L.267/94 lhe quis proporcionar com as alterações que introduziu no Artº 1225º do C.C.”.
Referencie-se, por fim, o douto Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 13/05/2014 [15] que, após citar o já mencionado douto aresto de 05/03/2013, defende que para efeitos do nº. 4 do artº. 1225º do Cód. Civil, deve considerar-se construtor o vendedor que teve o domínio da construção, enquanto interveniente não estranho à respectiva actividade, designadamente contratando terceiros para a execução das várias fases da obra, em termos de não dever ser reduzido à condição de mero vendedor. Decorre do entendimento sufragado por este aresto parecer, inclusive, prescindir o mesmo do requisito do construtor/vendedor desenvolver tal actividade no âmbito profissional.
Doutrinariamente, e de forma breve, para além do supra consignado, referencie-se o defendido por:
- Calvão da Silva [16], ao referenciar que o artº. 1225º, do Cód. Civil, na nova redacção introduzida pelo DL nº. 267/94, de 25/10, veio “aplicar o regime estatuído pelo art. 1225º ao «vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado», aditando-lhe o novo nº. 4. Desta sorte, quando, na compra e venda, o alienante tenha sido o construtor do imóvel, mas inexista e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art. 1225º e não o do art. 916º” ;
- João Cura Mariano [17], ao mencionar que “o dono da obra que contrata a construção de um imóvel com um empreiteiro para o comercializar, responde nos termos previstos para a venda de coisa defeituosa (art.º 913º e seg., do C.C.), pelos defeitos existentes no imóvel vendido a terceiro”, ainda que fazendo referência, em nota de rodapé, a “diversas decisões dos tribunais italianos que nestas situações também aplicaram o regime da responsabilidade do empreiteiro por defeitos nas obras nas relações comprador-vendedor” ;
- João Serras de Sousa [18], o qual defende que o nº. 4 do artº. 1225º reporta-se a “situações de administração directa do vendedor: será somente aquele que o tenha construído, reparado ou modificado com intervenção direta (…). Isto significa, portanto, não se aplicar este regime ao vendedor profissional que tenha contratado um terceiro para a realização da obra e posterior venda”.
O presente entendimento parece, assim, não ter plena correspondência ao conceito de vendedor/construtor que adoptamos, e já supra exposto, no âmbito do qual não se configura como relevante ter materialmente desenvolvido a actividade de construção, mas sim ter o domínio da construção do imóvel, domínio esse desenvolvido no âmbito profissional [19].
- DA APLICABILIDADE ao CASO SUB JUDICE
Conforme supra enunciámos, para a apreciação do objecto recursório em equação está em causa apurar ou aferir qual o prazo de que dispunha a Autora, ora Apelada, para a propositura da presente acção, sob pena de caducidade do direito à reparação dos defeitos: de 6 meses ou de 1 ano, em qualquer caso a contar da respectiva denúncia.
Assim, e num primeiro momento, urge apreciar qual a data relevante para se considerar efectuada a denúncia.
Provou-se, conforme factos g. a i., que durante o inverno de 2012/2013, alguns dos defeitos anteriormente (mal) reparados voltaram a manifestar-se na fracção, para além de novos defeitos, apresentando a fracção o aspecto retratado nas fotografias de fls. 19/35 dos autos, tendo a Autora dado conhecimento de tais deficiências à Ré, nada tendo esta dito, ou feito. Consequentemente, remeteu então à Ré uma carta registada, com aviso de recepção, datada de 02 de Julho de 2013, e por esta recebida em 12 de Julho de 2013, com o teor aí referenciado, na qual descrevia os vários defeitos percepcionados no imóvel.
Donde, deve ser esta – 12/07/2013 - a data relevante para se considerar efectuada a denúncia.
De retorno à questão nuclear enunciada – qual o prazo aplicável à propositura da acção -, já verificámos existirem prazos diferenciados para a instauração da acção de condenação na eliminação dos defeitos do imóvel, nomeadamente o prazo de 6 meses, aplicável ao contrato de compra e venda, por força do prescrito no artº. 917º, e o prazo de 1 ano, aplicável ao contrato de empreitada, nos termos dos nºs. 2 a 4, do artº. 1225º (distinção sem grande justificação, conforme referenciado no douto aresto do STJ de 05/03/2013).
A determinação do prazo aplicável passa igualmente por aferir se a Ré pode ser considerado construtor do edifício para os efeitos previstos no nº. 4, do artº. 1225, tendo em atenção a factualidade dada como assente.
Assim, questiona-se: os factos provados demonstram uma relação profissional da Ré com o imóvel dos autos, alienado à Autora ? Ou a Ré foi apenas vendedora do mesmo, estranho à sua construção, de forma a considerar-se subtraída à extensão de responsabilidade ditada pelo nº. 4, do artº. 1225º, do Cód. Civil ?
Não se olvide que o que releva não é saber se a Ré desenvolveu materialmente a actividade de construção, mas antes se teve o domínio da construção, se a desenvolveu no âmbito profissional, caso em que responde como construtor, pois adopta-se, nos termos supra sufragados e de forma indubitável, um conceito amplo de construtor na previsão do nº. 4, do artº. 1225º. A qual tanto abrange o construtor directo, como o que profissionalmente constrói directamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores.
Ora, no caso concreto, provou-se que “mediante contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, outorgado a 4 de Junho de 2009, na Conservatória do Registo Predial de Seixal, a A. adquiriu à R., pelo preço de 315 000,00 €, a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente a uma moradia – um fogo – destinada a habitação, com uma garagem no piso menos um, a qual faz parte do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, situada no Estoril, na Rua … nºs … e …-A, à data freguesia do Estoril (actualmente, União das freguesias de Cascais e Estoril), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº …-F da freguesia do Estoril e inscrito na matriz desta freguesia sob o nº … (actualmente, artigo … da União das freguesias de Cascais e Estoril), nos demais termos e condições constantes do documento de fls. 59/84 dos autos” – cf., facto a..
Provou-se, ainda, tratar-se a Ré “de uma sociedade que tem por objecto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e a construção civil” – cf., facto n..
E que, no “exercício da sua actividade, a R. adquiriu o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº … e nele promoveu a construção de 18 moradias, com recurso ao crédito junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A.”, tendo adjudicado “a um terceiro, a Tecniarte – Projectos e Construções, Lda., a respectiva construção” – cf., factos o. e p..
A mesma Ré, “constituiu o identificado prédio em propriedade horizontal e procedeu à comercialização das fracções, entre as quais a da A., esta com a intervenção de um mediador imobiliário” – cf., facto q..
Ora, resulta de forma incontroversa da factualidade provada ter ocorrido uma relação profissional da Ré com o imóvel dos autos, pois, para além do que já resulta do seu objecto societário, adquiriu um prédio, constituiu-o em propriedade horizontal, promoveu no mesmo a construção de 18 moradias e procedeu à comercialização das fracções, tendo adjudicado a um terceiro (Tecniarte – Projectos e Construções, Lda.) a execução da respectiva construção.
Pelo que, não estando essencialmente em equação se a Ré desenvolveu ou não materialmente a actividade de construção, e já vimos que o não fez, resulta, todavia, indubitável que teve o efectivo e real domínio da construção, desenvolvendo-a em termos profissionais.
Donde, nos termos expostos, considerando-se adoptar o transcrito nº. 4, do artº. 1225º um conceito amplo de construtor, responde a Ré a tal título, pois aquele abrange igualmente a situação daquele que constrói profissionalmente, ainda que mediante contratos com terceiros executores directos, para vender a adquirentes/consumidores. O que determina que o prazo aplicável para a propositura da acção de eliminação dos defeitos é de 1 ano após a denúncia.
Ora, tendo sido a denúncia operada, nos termos supra expostos, em 12/07/2013, e tendo a presente acção sido instaurada em 27/05/2014, constata-se, facilmente, não ter decorrido o prazo de 1 ano previsto no nº. 2, do artº. 1225º, aplicável por força dos nºs. 3 e 4 do mesmo normativo.
Pelo que, consequentemente, não se pode julgar verificada a aludida excepção peremptória de caducidade, o que determina juízo de improcedência da apelação interposta.
Todavia, ainda que assim não se considerasse, e se entendesse como aplicável o novo regime de direitos e garantias de protecção dos consumidores instituído pelo DL nº. 67/2003, de 08/04, alterado pelo DL nº. 84/2008, de 21/05, a solução não deixaria de ser no sentido da improcedência recursória.
Como passamos a justificar.
Ø DA APLICABILIDADE do REGIME RELATIVO À VENDA de BENS de CONSUMO, prescrito no DL nº. 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo DL nº. 84/2008, de 21/05
O D.L. nº. 67/2003, de 08/04, tal como consta no nº 1 do seu artigo 1º, transpôs para o direito interno a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, “relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho”.   
Dispõe o art.º 3º daquele normativo, nos seus nºs 1 e 2, que:
“1 – o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 – As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”.
Por sua vez, no que concerne ao prazo de garantia, acrescenta o nº 1 do art.º 5º do mesmo diploma, que:
“1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel”.
Sendo que tais direitos são os enunciados no nº. 1 do artº. 4º, o qual, prevendo acerca dos direitos do consumidor, estatui que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.
Acresce, ainda, o prescrito nos nºs. 1 a 3, do artº. 5º-A, a propósito do prazo para exercício de direitos, estatuído que:
“1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data”.
Relativamente ao âmbito de aplicação do presente diploma, aduz o artº. 1º-A que:
“1 - O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
2 - O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo”.
Por fim, a alínea a), do artº. 1º-B, define o conceito de consumidor como “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”, e o de bem de consumo como “qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão”.
Por sua vez, a enunciada Lei nº 24/96, de 31/07, que veio estabelecer o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, prescreve, procedendo á definição de consumidor, no nº 1 do art. 2º, tratar-se “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Calvão da Silva [20] refere tratar-se da “consagração da noção de consumidor em sentido estrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias: pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado - uso pessoal, familiar ou doméstico, na fórmula da al. a) do art. 2º da Convenção de Viena de 1980 -, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou da sua empresa....
Ao considerar o «fornecimento de bens» e a prestação de serviços, o n.º 1 do art. 2º da Lei n.º 24/96 refere, inquestionavelmente, a compra e venda e a empreitada...
Não se trata, todavia, de toda e qualquer compra e venda ou empreitada, cujos regimes gerais ou comuns se encontram no Código Civil. Visados são apenas os contratos de consumo, firmados entre profissionais e consumidores. É a ideia básica do consumidor como parte fraca, leiga, profana, a parte débil economicamente ou a menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, uma empresa.
Deste modo, tal como a lei comercial regula os actos de comércio (art. 1º do Código Comercial), assim também o denominado direito do consumo, de que a Lei n.º 24/96 faz parte como Lei-quadro, regulará os actos de consumo, relações jurídicas existentes entre um consumidor e um profissional (produtor, fabricante, empresa de publicidade, instituição de crédito, etc.).
Nesta acepção, o direito de consumo e a Lei n.º 24/96 respeitam a uma categoria particular de actos - os actos de consumo que ligam um consumidor final e um profissional que actua no quadro da sua actividade ou profissão -, não a uma classe particular de pessoas.
Por conseguinte, do direito do consumo e da Lei n.º 24/96 ficarão excluídas, seguramente, quer as relações jurídicas entre consumidores - contratos civis ;quer as relações jurídicas entre profissionais ou empresas - normalmente contratos mercantis (art. 2º do Código Comercial)”.
Aquele mesmo DL nº 67/2003, através do seu art.º 13º, veio introduzir alterações nos artigos 4º e 12º da Lei nº 24/96, de 31/07, as quais figuravam como correspondentes aos vigentes e citados artigos 3º e 5º daquele diploma, passando este a prever de forma exclusiva, os prazos de caducidade para o exercício do direito de denúncia ou do direito de acção.
Ora, aqui chegados, indaga-se: serão estes diplomas aplicáveis ao caso concreto em análise ? E, na afirmativa, seria de seis meses, e não de um ano, o prazo de caducidade que onerava os Autores para o exercício do seu direito de acção ?
Vejamos.
Defende Cura Mariano [21]que a Lei de Defesa do Consumidor – a citada Lei nº 24/96 -, estabelecendo normais mais favoráveis á posição contratual do dono da obra, relativamente às que se encontravam previstas no Cód. Civil, “permitiu que a partir desse momento se pudesse falar da existência  de um sub-tipo contratual, denominado contrato de empreitada de consumo”, definido como aquele que é estabelecido “entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração”. E, após definir quais os direitos do dono da obra consumidor, bem como a forma como os mesmos se articulam com o regime do Código Civil, refere que enquanto neste regime “vigoram regras rígidas que estabelecem várias relações de precedência e subsidiariedades entre aqueles direitos, que condicionam severamente o seu exercício, no âmbito do DL nº 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito”. Assim, perante a existência de falhas ou deficiências de conformidade na obra realizada, o dono desta “pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art.º 4º, nº 1, do DL nº 67/2003. Essa liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses deve, contudo, respeitar os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art.º. 334º, do C.C.)” [22] [23].
Por fim, relativamente aos prazos de caducidade de 2 e 5 anos, realça tratarem-se de prazos que fixam o período em que a falta de conformidade se deve manifestar, “e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra, como sucede com iguais prazos consagrados no regime geral do contrato de empreitada”, pois estes, sendo de caducidade, o seu termo “determina a extinção dos direitos do dono da obra”, enquanto que aqueles, sendo de garantia, “fixam o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra consumidor os respectivos direitos”.
Ora, o imóvel adquirido pela Autora destinava-se à sua habitação própria, passando posteriormente a ser objecto de arrendamento – cf., factos c. a e..
Por outro lado, a venda do imóvel foi efectuada pela Ré, a qual, tratando-se de uma sociedade que tem por objecto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e a construção civil, adquiriu um prédio, constituiu-o em propriedade horizontal, promoveu no mesmo a construção de 18 moradias e procedeu à comercialização das fracções, o que preenche, manifestamente, os conceitos de vendedor e consumidor tipificados no regime legal em equação.
Pelo que, sendo este regime especial aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores – cf., o nº. 1, do artº. 1º-A -, é clara a pertinência da sua aplicabilidade, pois estamos efectivamente perante uma relação de consumo entre a Autora consumidora (que adquiriu o imóvel para uso não profissional) e a Ré que exerce profissionalmente aquela actividade de construção, ainda que por intermédio de terceiro na execução material dos actos de construção, de forma a daí retirar benefícios.
De acordo com este regime legal especial, a Autora deveria denunciar à Ré vendedora os defeitos detectados no prazo de um ano após tal detecção, possuindo, ainda, o prazo de três anos, a contar de tal denúncia, para o exercício do direito de acção – cf., os nºs. 2 e 3, do artº. 5º-A -, tendo-se em atenção o prazo de garantia de 5 anos inscrito no nº. 1, do artº. 5º.
Ora, tendo sido a denúncia operada, nos termos supra expostos, em 12/07/2013, e tendo a presente acção sido instaurada em 27/05/2014, constata-se, claramente, não ter decorrido aquele prazo de 3 anos previsto no nº. 3, do artº. 5º-A, do DL nº. 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo DL nº. 84/2008, de 21/05.
Pelo que, mediante a aplicabilidade deste regime especial de tutela relativo à venda de bens de consumo, e das garantias a ela relativas, o prazo para o exercício do direito de acção por parte da Autora mostra-se devidamente cumprido, o que determinava, também neste enquadramento, o não reconhecimento da aludida excepção peremptória de caducidade [24].
Conducente, igualmente, a juízo de improcedência da apelação interposta, com consequente confirmação da sentença recorrida/apelada.
*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Ré.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente/Apelante PARK RESIDENCE – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., em que figura como Autora/Recorrida/Apelada CM…, confirmando-se, consequentemente, a sentença apelada/recorrida ;
b) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Ré.

Lisboa, 05 de Março de 2020
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.
[3] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 464.
[4] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.
[5] Jorge Morais Carvalho, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. I, 2017, Almedina, pág. 1133.
[6] Idem, pág. 1134.
[7] Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, 2001, pág. 74, onde se enuncia ainda jurisprudência.
[8] Relator: Rui Maurício, Revista nº. 2987/07.
[9] Conforme douto aresto do STJ de 29/01/2008 – Relator: Silva Salazar, Revista nº. 4592/07 -, “embora o art. 917.º do CC se refira apenas à acção de anulação, justifica-se a sua aplicação extensiva às acções em que, baseadas em defeitos da coisa, se façam valer outras pretensões, designadamente de redução do preço, de reparação ou substituição da coisa, de resolução do contrato e de indemnização. Na hipótese de o vendedor não ser construtor do prédio, a acção em que se pretende a condenação do vendedor de imóvel destinado a longa duração por defeitos de construção que esta se recusa a reparar - deve ser intentada no prazo de 6 meses a contar da data da denúncia, sob pena de caducidade”.
[10] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª Edição, Almedina, 2008, pág. 165, 167 e 169.
[11] Assim, o douto Acórdão do STJ de 13/05/2014, Relatora: Maria Clara Sottomayor, Processo nº. 16842/04.5TJPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[12] João Cura Mariano ob. cit., pág. 52, 53 e 197.
[13] Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº. 3298/05.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[14] Relator: Moreira Alves, Processo nº. 378/07.5TBLNH.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[15] Relator: Alves Velho, Processo nº. 2576/10.5TBTVD.S1, in www.dgsi.pt .
[16] Ob. cit., pág. 98.
[17] Ob. cit., pág. 54.
[18] Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, ob. cit., pág. 1524.
[19] Vimos seguindo, de perto, Acórdão desta Secção e Relação, datado de 10/01/2019, subscrito pelos mesmos Relator e 1º Adjunto – Processo nº. 2720/17.1T8SXL-A.L1.
[20] Ob. Cit., pág. 112 e 113.
[21] Ob. Cit., pág. 229 e 232.
[22] Idem, pág. 257.
[23] Igualmente defendendo, á luz da Lei da Defesa do Consumidor – Lei nº 24/96 -, inexistir qualquer ordem sequencial sucessiva no exercício dos direitos de acção, mas entendo igualmente que tal ordem sequencial não é obrigatória no caso do art.º 1225º, “sob pena de o dono da obra ver frustrados muitas vezes as suas faculdades legais”, cf., o já citado douto Acórdão do STJ de 06/07/2004.
[24]. Reconhecendo a prevalência deste regime decorrente da Lei de Defesa dos Consumidores, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 17/10/2019 – Relator: Oliveira Abreu, Processo nº. 1066/14.1T8PDL.L1.S1, in www.dgsi.pt -, que:
“visando responder às distorções que o regime civil tradicional encerra em casos de cumprimento defeituoso, foi criada a Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (LDC), alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), cuja primeira alteração decorre do Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio que reconhece ao consumidor um direito à qualidade dos bens ou serviços destinados ao consumo, direito esse que é objecto de uma garantia contratual injuntivamente imposta, no âmbito da qual “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”, assegurando, inequivocamente, a protecção dos interesses dos consumidores nos contratos de transmissão de bens de consumo.
II. As normas contidas na Lei de Defesa dos Consumidores constituem normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando estas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação, que é o da relação de consumo, e como lei especial, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor”.