CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
MANDATO
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I- No que toca às acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns como é o caso dos autos o administrador do condomínio só tem legitimidade para agir em juízo mandatado que seja pelos condóminos em Assembelia Geral, como, claramente, resulta do art.º 1437/3 do Cciv, o que nos remete para as regras do mandato.
II- No mandato, o mandatário pratica actos jurídicos por conta de outrem (art.ºs 157 do Cciv), e o mandato especial como é o caso do mandato conferido pela Assembleia Geral ao administrador para certo acto específico, abrange, além dos actos neles referidos (consubstanciados na acta), todos os demais necessários à sua execução, estando o mandatário, além do mais, obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, seguindo as instruções do mandante (alínea a) do art.º 1161 do Cciv), só podendo afastar-se das instruções recebidas quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil (art.ºs 1162 do Cciv) e só pode considerar-se a aprovação tácita de uma eventual inexecução do mandato quando, comunicada a mesma ao mandante, este silencie a pronúncia (art.º 1163 do Cciv); o negócio que uma pessoa, sem poderes e representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a esta salvo se esta a ratificar (art.º 268 do Cciv), o que no caso não ocorreu.
III- Não só não ocorreu, como em bom rigor não existe, sequer, excesso de mandato, porquanto, ao que tudo indica, quando o senhor administrador falou com o intermediário da venda da fracção, manifestando concordância com um certo tipo de obras que poderiam ser realizadas na fracção, nem as obras tinham começado, por isso nem a questão, sequer ainda, tinha sido levada à Assembleia Geral dos Condóminos, o que só ocorreu depois, quando a A.G. deliberou conferir mandato ao senhor administrador para propor acção judicial para a reposição da fracção do prédio no estado em que se encontrava antes da obra, consequentemente, nem mandato para a questão das obras por parte da Assembleia Geral dos Condóminos existia e, por isso, nenhum abuso de direito por parte do Condomínio ou do senhor Administrador existe.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
APELANTÉ/RÉ: BLUE JOKER-Imobiliária, Ld.ª (representada, inicialmente pelo ilustre advogado JL…, com escritório no Funchal, Região Autónoma da Madeira, conforme cópia do instrumento de procuração de 21/4/2017, de fls. 36 que também constituiu advogado na pessoa do Dr. PQ… com escritório igualmente no Funchal conforme cópia do instrumento de procuração de 16/9/2019 de fls. 102).
APELADA/AUTOR: ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO … (representado, entre outros pela ilustre advogada TV…, com escritório no Funchal, Região Autónoma da Madeira,  conforme cópia da procuração de 2/2/2017, de fls. 21) 
Valor da acção: 35.500,00 euros (despacho de 16/7/2018 referência 45812727 de fls. 69)
I.1 Inconformada com a decisão de 7/7/2019 que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou a ilegalidade das obras efectuadas pela Ré, consequentemente, condenou a Ré a demoli-las repondo tudo como se encontrava anteriormente, dela apelou a Ré em cujas alegações conclui em suma:
1. Resulta dos autos a existência de uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que o Tribunal recorrido não verificou nem em qualquer momento foi sanada porque é aos condóminos e não ao administrador que é reconhecido o direito de reivindicar as áreas comuns do prédio salvo haja a este conferido mandato expresso nesse sentido pela Assembleia-Geral de Condóminos, tal mandato não consta dos autos que haja sido conferido, o que faz com os factos sejam insuficientes para que se alcance a sentença proferida, por falta de capacidade judiciária da Administração do Condomínio … para a presente lide deve a Ré ser absolvida da instância. [Conclusões I a VII]
2. Decorre do depoimento da testemunha RS… na passagem de gravação 8:30-10:42 que se transcreve que deveria ter sido julgado provado pelo Tribunal a quo o facto identificado com a letra L dos factos dados como não provados pela sentença recorrida o qual conjugado com o facto n.º 23 que o Tribunal recrriido deu como provado decorre que a propositura da acção constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factuum proprium, o comportamento do administrador do condomínio foi contraditório e violador dos princípios da boa-fé e da confiança que à recorrente, legitimamente, criou com base na qual a recorrnete agiu realizando as obras em questão, tendo a sentença violado os art.ºs 12/e, 23 do Código de Processo Civil e 334, 1405/2, 1436 e 1437 do Cciv.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva a Ré da instância ou do pedido.
I.2. Em contra-alegações conclui em suma o Autor:
a) No art.º 4 da p.i. e do documento n.º 2 junto com a p.i. resulta claro que na A.G de condóminos de 28/1/2017 a Administração do Condomínio foi expressamente autorizada a representar s condóminos nos presnetes autos estando observado o disposto no art.º 1437 do Cciv. [Conclusões 1 a 3]
b) Das declarações da testemunha RS… não resulta provado um compromisso do Administrador em apresentar à assembleia geral do condomínio de autorização para a alteração da finalidade da fracção, bem como de obras que alterariam o arranjo estético e a linha arquitectónica do edifício de que a Apelante é proprietária; quem tem intenção e fizer obras na sua fracção autónoma que vão alterar a finalidade da fracção, bem como o arranjo estético e a linha arquitectónica do edifício, face às obrigações que sobre si impendem nos termos do art.,º 1422/3 e 4 do Cciv não se conformará com uma simples conversa de corredor com um condómino que por acaso também é administrador e que, a título pessoa, lhe poderá ter dito que concordava com as obras, cabia ao proprietário pedir previamente à execução das obras as autorizações previstas nos dispositivos legais mencionados e só poderia concretizar tais obras caso obtivesse a aprovação com o quórum que a lei especifica, não tendo sido pedida a autorização à Assembelia nem obtida a votação necessária para o efeito a Apelante sabia que não estava legalmente habilitada efectuar tais obras, por isso a Meritíssima Juíza disse que irreleva a posição manifestada pelo administrador a respeito da concordância com a obra, sendo certo que, no caso concreto, as obras não foram autorizadas pela assembleia de condóminos no âmbito do n.º 4 do art-.º 1422 do Cciv; o apelante foi alvo de um embargo extra judicial de obra nova efectuado em 9/11/2016 quando a obra decorrida e que mesmo assim não suspendeu, violando a lei e o embrago levando a obra até ao seu termo utilizando, depois, a fracção para fim diverso do que se destinava, não havendo qualquer abuso de direito do Condomínio.[Conclusões 5 a 12]
c) Com o presente recurso a Apelante fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a finalidade de entorpecer a acção da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, devendo ser condenada nos termos do art.º 542 a pagar multa e indemnização à apelada de valo não inferior a 2.500,00 euros o que se requer. [Conclusões 13 a 15]
Termina pedindo a improcedência do recurso e manutenção da decisão e a condenação da Ré como litigante de má fé nos termos expostos.
I.3. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
I.4. São as seguintes as questões a dirimir:
a) Saber se ocorre a excepção dilatória da falta de capacidade judiciária da Administração do Condomínio … para a presente lide devendo, consequentemente, a Ré ser absolvida da instância; (art. ºs 12/e, do CPC, 1437/1, 2 e 34 e 1405 do Cciv)
B) Saber se ocorre na decisão recorrida erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de facto negativa constante de L dos factos dados como não provados cuja factualidade deve ser considerada provada;
c) Saber se, dando-se como provados os factos constantes do ponto 23 e L, que o Tribunal recorrido considerou provado e não provado, respectivamente, jamais poderia ser considerada irrelevante a conduta da Administração, sendo justificada a confiança investida pela recorrente comportamento esse que é contraditório com a propositura da presente acção que constitui um exercício ilegítimo por abusivo, do direito do senhor Administrador.
d) Saber se a apelante fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a finalidade de entorpecer a acção da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, devendo ser condenada nos termos do art.º 542 a pagar multa e indemnização à apelada de valo não inferior a 2.500,00 euros
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Deu o Tribunal como provados os seguintes facto não impugnados na decisão de recurso:
1. A 15 de Março de 2006, foi outorgada a escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio urbano localizado na Ponta Gorda, Sítio dos Piornais, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob a descrição ….
2. Em 6 de Fevereiro de 2016 foi eleita a administração do condomínio … e em 28 de Janeiro de 2017 foi reeleito o administrador em exercício, em assembleias gerais realizadas para o efeito.
3. Na Assembleia Geral de 28.01.2017, foram eleitos administradores os senhores: - AM…, NIF …-administrador; - VE…, NIF …-vogal da administração; -RM…, NIF …- Vogal da Administração.
4. A Ré é proprietária da fracção BC, do supra mencionado - prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº ….
5. De acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, mencionado no supra art. 1º e com a certidão do registo predial, a fracção BC é destinada a escritório.
6. Em Outubro de 2016, a Ré iniciou obras de transformação da sua fracção – BC – um duplex destinado a escritório, em três unidades de habitação, alterando também a fachada do edifício.
7. A obra que a Ré levou a cabo resultou numa diferente divisão interior da mesma, com a criação de mais divisões. A fracção BC foi alterada pela construção de 3 apartamentos, sendo dois no piso superior e um outro no piso inferior, onde antes se situava um estacionamento fechado, com porta basculante.
8. Os apartamentos, antes um único escritório, são constituídos, cada um dos três, por uma kitchenette, uma sala, um quatro e duas casas de banho.
9. A fachada do edifício foi parcialmente demolida no local onde se situa a fracção BC, tendo sido retirada a porta do estacionamento, bem como a porta envidraçada que dava acesso ao escritório. 
10. O alçado original era recuado, tendo sido alterado com a obra, que estendeu e aumentou a área útil da fracção sobre a zona de circulação de peões (passeio).
11. Tais obras foram efectuadas sem qualquer autorização da assembleia de condóminos, tendo tal sido expressamente informado à Ré, quer verbalmente pelo administrador, quer por carta enviada pela mandatária do condomínio em 27 de Outubro de 2016, nos termos constantes do documento 14 junto com a petição inicial, que aqui de reproduz.
12. Dada a urgência na suspensão da continuação das obras, a Autora, através do vogal da administração Sr. RM…, atenta a ausência em Portugal Continental do administrador, Sr. AS…, no dia 09 de Novembro de 2016, cerca das 10h e 30m, deslocou-se ao local, na presença de duas testemunhas, de nome MA… e ÁE…, notificando a Requerida para suspender imediatamente as obras.
13. Na ausência do dono da obra, solicitou-se a presença do responsável pela mesma, Sr. S…, tendo o funcionário da obra aí presente, Sr. M…, contactado telefonicamente o responsável, informando que estavam naquele momento uns senhores do condomínio a pedir a suspensão imediata da obra.
14. Ficou notificado para suspender de imediato as obras, o funcionário Sr. M… e telefonicamente, o responsável, Sr. S….
15. A Ré teve conhecimento do embargo. 
16. A obra, no entanto, continuou e não procedeu a Ré à reposição da situação existente antes do início da mesma, como lhe foi requerido na interpelação enviada em 27 de Outubro de 2016.
17. As obras alteraram a fachada, no piso inferior.
18. A fachada da fracção, no primeiro andar, manteve-se como estava anteriormente (antes das obras).
19. Nem todas as fracções têm porta de garagem.
20. Na fracção existe um pequeno ressalto que é a projecção vertical da fachada do piso superior, não tendo as obras se estendido para além dessa área.
21. Havia uma porta de garagem que foi retirada e que era recuada em relação à fachada do piso superior.
22. Já estiveram pessoas a habitar a fracção.
23. O Senhor administrador chegou a manifestar concordância com as obras e a afirmar que as iria apoiar
24. Com as obras supra referidas, a autora contratou um advogado para se aconselhar e executar o embargo extrajudicial, bem como para elaborar e acompanhar a providência cautelar de embargo de obra nova, que correu termos sob o n.º de processo …/…T8FNC na Comarca da Madeira, Instância Local Cível, J… e ainda para intentar a presente acção e acompanhar os presentes autos.
25. Também a autora contratou um zelador, que foi quem foi acompanhando a obra desde o início, tendo por diversas vezes interpelado os trabalhadores que estavam a executar a obra, para que suspendessem os trabalhos, por não terem autorização para a execução dos mesmos, bem como foi quem acompanhou o embargo extrajudicial e a ratificação judicial do embargo extrajudicial de obra nova, aquando da presença dos srs. Funcionários judiciais no local.
26. Dão-se por reproduzidas as fotografias juntas aos presentes autos e ao apenso A.
II.2 Deu o Tribunal recorrido como não provados os seguintes factos cujo sob a alínea “L” a apelante impugna no recurso:
A. Que a fracção BC esteja licenciada para comércio e serviços, pela Câmara Municipal do Funchal; B. Que a fracção esteja actualmente a ser utilizada para habitação; C. Que a obra não tivesse atingido espaços comuns; D. Que após os trabalhos efectuados pela Ré, a fachada não tenha sofrido qualquer alteração, relativamente às demais fachadas das fracções; E. Que o desenho das fracções tenha ficado ao sabor dos gostos dos respectivos proprietários, sem que tenha existido qualquer desenho “pensado”; F. Que a autora tenha contratado um Engenheiro Civil, para a melhor compreensão do que tecnicamente estava a ser feito na fracção em causa, por forma a depois poder actuar em conformidade cujos honorários custeou e que foram na quantia de € 1.000,00 (mil euros); G. Que a autora tenha gasto o valor de € 2.000,00 (dois mil euros) com serviços de advogado;
H. Que pelos serviços prestados pelo zelador, em razão das obras realizadas pela Ré, a autora tenha pago o valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);
I. Que a Autora tenha liquidado um valor total de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), em despesas com prestadores de serviços (advogado, engenheiro civil e zelador) decorrentes do caso em apreço nos presentes autos;
J. Que a Ré não tenha qualquer funcionário ao seu serviço, designadamente um de nome M… ou S…;
K. Que no momento em que a Ré tomou conhecimento do embargo extrajudicial, as obras já estivessem concluídas no exterior e que a Ré se limitou a continuar os trabalhos no interior da fracção; L. Que o Sr. administrador tenha dito que ia levar o assunto à assembleia mas que entendia que as obras eram melhores para o condomínio do que a situação que existia.
M. Que a Ré não tenha recebido convocatória para a assembleia.
N. Que a fracção tivesse sido utlizada para alojamento local e que a Ré tenha prestado serviços nesse âmbito de limpeza e substituição de roupas
III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3.Saber se ocorre a excepção dilatória da falta de capacidade judiciária da Administração do Condomínio … para a presente lide devendo, consequentemente, a Ré ser absolvida da instância (art. ºs 12/e, do CPC, 1437/1, 2 e 34 e 1405 do Cciv);
III.3.1. Aquando da p.i. e depois na aperfeiçoada de 16/6/2017 a Autora começou pela legitimidade do Administrador para a propositura da acção dizendo que na Assembleia Geral de 28/1/2017  foi deliberado no ponto 4 da ordem de trabalhos “(…) conferir mandato (à administração) para intentar a acção judicial para  a reposição da fracção BC no estado em que se encontrava antes da obra que ocorreu e que a alterou conferindo poderes específicos à administração do condomínio para que esta possa representar os condóminos em juízo, podendo mandatar um advogado que dê início ao respectivo processos judicial atrás mencionado.” Também no art.º 5.º da p.i, aperfeiçoada, a Autora, tal como inicialmente o fizera, invocando o art.º 1437/1, do Cciv, diz que, em face daquele mandato, a Adminstração tem legitimidade para intentar a presente acção. Na contestação que, oportunamente, apresentou a Ré referiu expressamente que “não recebeu a convocatória para a AG nem posteriormente a acta da mesma, por isso não pode estar presente e assunto decorreu nas suas costas” (art.º 24). A Ré assume, assim, na sua contestação ter conhecimento (apenas aquando da contestação) da realização daquele Assembleia Geral de 16/6/2017 cuja acta está por cópia a fls. 12/13 v.º por cópia e junto com a p.i. como documento 2. O Tribunal recorrido deu como não provada (e não é colocado em crise no recurso) a falta de recebimento da convocatória para essa Assembleia Geral como linearmente decorre do ponto M dos factos dados como não provados. Da acta da Assembleia Geral consta expressamente o ponto 4 da ordem de trabalhos “Apreciação e deliberação sobre a acção judicial contra a BlueJoker” e aquilo que está acima transcrito como como sendo a deliberação sobre o ponto 4. De modo que nenhuma dúvida existe sobre a legitimidade dos administradores do condomínio que foram reeleitos naquela Assembleia Geral AM… e RM… que outorgam em nome da Adminstração do condomínio a procuração a favor do excelentíssimo advogado que propõe a acção (cfr deliberação do ponto 3) e em relação à fracção BC aqui em causa, mal se percebendo a posição da Ré em recurso nesta matéria.
III.4. Saber se ocorre na decisão recorrida erro na apreciação dos meios de prova e subsequente decisão de facto negativa constante de L dos factos dados como não provados cuja factualidade deve ser considerada provada.
III.4.1. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (alínea b)”.
III.4.2. A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se, entre o mais, se ocorrer nas conclusões das alegações, a falta de indicação dos concretos pontos de facto que o apelante considera incorrectamente julgados e a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, podendo o apelante proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; trata-se de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.[2]
III.4.3. A Apelante cumpre o seu ónus pelo que o Tribunal está em condições de reapreciar a decisão em causa.
III.4.4. Na motivação da decisão sob L consta o seguinte: “ (…) embora tenha sido provado que o senhor Administrador manifestou que concordava e que apoiava a obra, não resultou provado, com a certeza necessária para o efeito o restante teor dessa conversa, conforme alegado”; o Tribunal não se convenceu  que o senhor administrador tenha referido em conversa informal que entendia que as obras eram, melhores para o condomínio do que a situação que existia. Do ponto 23 resulta já provado e sem mácula que o senhor administrador chegou a manifestar concordância com as obras e afirmou que as iria apoiar. E na motivação consta “(..) Quanto à concordância e apoio manifestados pelo senhor administrador, atendemos aos depoimentos da testemunha RS…”.
III.4.5. Ouvido o suporte áudio temos que o depoimento desta testemunha que foi intermediário na venda da mencionada fracção à BlueJoker se mostra, no mínimo, bastante confuso, não se alcançando bem o teor da conversa que terá tido com o senhor administrador ST… antes do início das obras. Entre o mais e com interesse disse. “…Quando vendo isso à BlueJoker… juntamente com o senhor do Condomínio fui falar…podíamos pôr uma empresa e começaram a nos dizer que com empresas era um entra e sai de carros de mercadorias e chegou pôr a hipótese de por lá uma empresa da TEKA…o senhor do Condomínio…sugeriu porque não fazer a habitação como os outros do lado fizeram tudo igual, garagens, lojas…transformada em habitação, não serviços mais uma fracção…o senhor do Condomínio propôs transformar aquilo mais para habitação…disse que queria e apoiava…muita gente depois reclamou…depois já não quis voltar a falar no assunto…” Daqui não pode resultar provado mais do que o que se deu como provado sob 23.
III.5. Saber se, dando-se como provados os factos constantes do ponto 23 e L, que o Tribunal recorrido considerou provado e não provado, respectivamente, jamais poderia ser considerada irrelevante a conduta da Administração, sendo justificada a confiança investida pela recorrente, comportamento esse que é contraditório com a propositura da presente acção que constitui um exercício ilegítimo por abusivo, do direito do senhor Administrador.
III.5.1. Não se alterou a decisão de facto negativa. Mas mesmo que se tivesse alterado tal decisão no sentido proposto sempre se dirá que tal alteração seria irrelevante para o desfecho da acção. A Meritíssima a Juíza refere na decisão recorrida e em sede de fundamentação da decisão que irreleva a posição manifestada pelo administrador a respeito da concordância com a obra sendo certo que no caso em apreço as obras não foram autorizadas pela Assembleia de condóminos, no âmbito do n.º 4, do art.º 1422, do Cciv. Ora, da matéria de facto dada como provada e que se mantém inalterada, designadamente dos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 25 resulta evidente que a Ré, após a aquisição a fracção do prédio licenciada para escritório em Outubro de 2016, iniciou as obras de transformação desse duplex para escritório licenciado, em 3 unidades de habitação, transformação essa que importou, para além da alteração da divisão interna da fracção, a parcial demolição no local onde se situa a fracção BC, com retirada da porta de estacionamento e da porta envidraçada que dava acesso ao escritório, o “estender” da fracção sobre a zona de circulação dos peões (passeio), ss quais foram levadas a cabo sem autorização dos condóminos ou sem a autorização verbal do administrador enquanto tal (ponto 11), houve embargo das obras promovido pela Adminstração do Condomínio (pontos 12, 13, 14, 15). Nenhuma dúvida de que essas obras prejudicaram a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício em que a fracção se insere, sem que a Ré se tenha munido previamente de autorização da Assembleia de Condóminos em violação do disposto no art.º 1422/2/a e 3, do Cciv, que importa o teor da decisão que o Tribunal recorrido tomou e cuja legalidade a apelante não contesta. Devendo configurar-se, igualmente, tais obras no que à parte da fachada comum concerne, como inovações, não é a mesma permitida (art.º 1425/2 do CCiv), isto para além de a sua realização exigir a maioria do n.º 1 do art.º 1425, do Cciv, no caso não ocorre, pelo contrário os condóminos deliberaram opor-se a essas obras. O que a apelante invoca agora, expressamente, em sede de alegações de recurso (nunca antes já que não o referiu na contestação, por isso não foi eleito como tema da prova) é que aquela posição assumida pelo senhor administrador ST…, ao que tudo indica a título pessoal, já que o fez em conversa informal com o intermediário na venda da fracção e antes do início da obra, no sentido de manifestar concordância com  a alteração do fim da fracção de escritório para habitação, constitui um comportamento que contraria o comportamento que assumiu depois e na sequência da Assembleia que o mandatou para propor embrago de obra e acção subsequente. Tal remete-nos para a questão do Administrador e das suas funções.
III.5.2. A ficção doutrinária de que o Condomínio é uma pessoa colectiva ou uma sociedade, não tem na letra da lei uma expressão mínima, mesmo até imperfeitamente expressa, nenhuma dificuldade existindo para que o legislador o dissesse expressamente, acresce que o art.ºs 12/e e o art.º 26 apenas atribuem personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal e circunscrito às acções que se inserem nos poderes do administrador. Sendo verdade que na propriedade horizontal existe um grupo organizado em que os condóminos concorrem para a formação a vontade do grupo segundo as regras da colectividade e que o condomínio recolhe ou empresta das pessoas colectivas alguns instrumentos e age nas relações externas quer nas internas como sujeito diferente dos condóminos, não há uma ligação necessária entre a colegialidade e a personalidade jurídica, não se deduzindo a personificação do grupo da organização de base colegial, não obstante o condomínio ter uma vontade própria que é formada, manifestada e actuada por órgãos próprios (assembleia de condóminos e administração), este sistema de gestão faz com que os actos legalmente formados sejam plenamente eficazes para todos os elementos do grupo ainda que ausentes e estranhos ao procedimento de formação da vontade, mas qualquer condómino continua titular dos seus direitos na medida em que o método colectivo respeita apenas ao seu meio de exercício. No que toca às acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns como é o caso dos autos o administrador só tem legitimidade para agir em juízo mandatado que seja pelos condóminos em Assembelia Geral como claramente resulta do art.º 1437/3 o que nos remete para as regras do mandato. No mandato o mandatário pratica actos jurídicos por conta de outrem (art.ºs 157 do Cciv), e o mandato especial como é o caso dos autos abrange além dos actos neles referidos (consubstanciados na acta) todos os demais necessários à sua execução, estando o mandatário, além do mais, obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, seguindo as instruções do mandante (alínea a) do art.º 1161 do Cciv), só podendo afastar-se das instruções recebidas quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil (art.ºs 1162 do Cciv) e só pode considerar-se a aprovação tácita de uma eventual inexecução do mandato quando, comunicada a mesma mandante, este silencie a pronúncia (art.º 1163 do Cciv); o negócio que uma pessoa, sem poderes e representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a esta salvo se esta a ratificar (art.º 268 do Cciv), o que no caso não ocorreu. Não só não ocorreu, como, em bom rigor, não existe, sequer, excesso de mandato, porquanto, ao que tudo indica, quando o senhor administrador falou com aquele intermediário, nem as obras tinham começado, por isso nem a questão, sequer ainda, tinha sido levada à Assembleia Geral dos Condóminos, consequentemente, nem mandato para a questão das obras por parte da Assembleia Geral dos Condóminos existia. Por todo o exposto e face à factualidade dada como provada é apodítico que nenhum abuso de direito por parte do Condomínio ou do senhor Administrador existe.
III.6. Saber se a apelante fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a finalidade de entorpecer a acção da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, devendo ser condenada nos termos do art.º 542 a pagar multa e indemnização à apelada de valo não inferior a 2.500,00 euros.
III.6.1. Aplicável a redacção do art.º 542 dada pela Lei 41/2013, com os seguintes dizeres:
“n.º 1 Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização a parte contrária, se esta a pedir. N.º2 Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devida ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
III.6.2. A lei e a doutrina distinguem a má-fé substancial que se consubstancia na violação do dever de verdade (art.ºs 542, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC) e a má-fé instrumental (art.º 542, n.º 2, alíneas c) e d) do CPC).
III.6.3. Em causa está sempre (seja ela substancial ou instrumental) um uso manifestamente reprovável do processo ou de meios processuais com um dos 3 fins enunciados no art.º 542 do CPC.[3]
III.6.4. Decisivo é que a litigância com violação do dever de boa-fé não atinja um direito ou posição jurídica substantiva concedida ou protegida pelo direito substantivo, já que os deveres atingidos são os deveres de colaboração e de probidade, deveres com relevância e interesse público. A proibição da litigância de má-fé apresenta-se como um instituto destinado a assegurar a moralidade e a eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça.
III.6.5. O pedido foi deduzido antes o tendo sido com base na alínea d) do n.º 2 ou seja “tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
III.6.6. Verdade que em relação à dedução, agora em sede de recurso, da excepção dilatória da falta de capacidade judiciária da Administração do Administrador do Condomínio, com base na falta de mandato que, manifestamente, existe e por isso improcede, a actuação da Ré fica a raiar a negligência grave (art.º 542/2/a), talvez apenas compreensível face à mudança do mandatário da apelante, já no tocante ao demais constante da apelação, tal se prende com a interpretação que a apelante fez dos depoimentos da testemunha e a apreciação comportamental do senhor administrador, tal cabe, ainda, na defesa admissível, pelo que não existe litigância de má fé da Ré.
IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
As Custas são da responsabilidade da apelante que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2)

Lxa.,  
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento a data da autuação a 14/2/2017 e a data da decisão recorrida que é de 7/7/2019; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, págs. 133/135
[3] Matéria muito discutida entre nós e sobretudo na dogmática jurídica alemã é a de saber se estamos perante ónus ou deveres processuais, sendo que na Alemanha não existe nenhuma norma que preveja  a culpa in procedendo à semelhança da norma que no direito civil prevê a culpa in contrahendo fundamentadora de responsabilidade civil tanto na Alemanha como em Portugal. Alguma doutrina alemã, à míngua de uma tal norma sustenta existir uma cláusula não escrita de honeste procedere concluem que é direito vigente daí retirando as respectivas consequências. Entre nós Teixeira de Sousa fala em honeste procedere e de dever de veracidade que não funda um a responsabilidade processual de natureza específica diferente da responsabilidade processual civil. O princípio de cooperação que está consignado no art.º 266 do Código do Processo Civil, e em paralelo com esse princípio vêm estatuídos o dever de litigância de boa fé  no art.º 266-A e a correspondente proibição de litigância de má fé nos art.ºs 456 e ss do Código do Processo Civil. Sobre as questões doutrinárias em torno da matéria e já relativas à reforma processual de 95 veja-se Pedro de Albuquerque in “Responsabilidade Processual por litigância de má fé, Abuso de Direito, e Responsabilidade Civil por actos praticados no Processo, Almedina 2006, págs. 48 e ss, e as referências doutrinárias nacionais e estrangeiras aí feitas.