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RECLAMAÇÃO
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Sumário
I - Não é recorrível a decisão judicial que, perante a discordância do executado, autoriza a Agente de Execução a prosseguir com a venda do prédio penhorado, conforme havia sido decidido pela mesma, por negociação particular e preço igual a 85% do valor base do prédio anunciado para a venda. II - A ser recorrível a decisão, o prazo para interposição do recurso seria de 15 dias, nos termos conjugados dos artigos 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, e 853.º, n.º 2, al. a), todos do CPC, não sendo admissível, por intempestivo, o recurso interposto fora desse prazo.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
JM…, Executado na ação executiva para pagamento de quantia certa intentada por “Finançor – Agro-Alimentar, S.A.”, veio reclamar do despacho de 03-07-2019 (do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – Juiz …), que não admitiu o recurso por si interposto em 30-05-2019.
Em 18-11-2019, a ora Relatora, admitindo que a reclamação pudesse ser indeferida com fundamentação diferente da constante do despacho reclamado (designadamente por se colocar a questão da intempestividade do requerimento de interposição de recurso), determinou que fosse cumprido o contraditório a esse respeito.
O Executado-Reclamante limitou-se a defender que “o art.º 644. 2 do C.P. não abrange o douto despacho que se pretende impugnar” e que “atendendo à importância para a vida das partes duma decisão (salvo o devido respeito) iníqua não deverá ser reduzido o tempo de recurso, o que se tornaria inconstitucional por violar o princípio da justa indenização [sic] pela perda da propriedade expressamente contido no artigo 62 da Constituição”.
Em 16-01-2020, foi, neste Tribunal da Relação, proferida, pela ora Relatora, decisão de indeferimento dessa reclamação, mantendo o despacho reclamado.
O Executado, ora Reclamante, vem agora impugnar esse despacho, nos termos do art. 652.º, n.º 3, aplicável ex vi do art. 643.º, 4, ambos do CPC, pedindo que sobre a matéria do mesmo recaia um acórdão.
A parte contrária nada disse.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Conforme se referiu na decisão de 16-01-2020, que seguiremos de perto, com pontuais aditamentos, destaca-se, compulsados os autos principais, o seguinte processado:
1. Em 21-10-2014, foi efetuada a penhora do prédio rústico sito à Lomba da Cruz e Lombinha, Murrão, freguesia de Candelária, concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º … da freguesia da Candelária, tendo a penhora sido registada mediante AP. 2310, de 21-10-2014.
2. Em 02-11-2016, data designada para abertura de propostas em carta fechada para venda do prédio penhorado (cujo valor base havia sido fixado em 210.000.00 €), foi proferido despacho que determinou, em face da inexistência de propostas, que a Sr.ª Agente de Execução iria proceder à venda do prédio penhorado mediante negociação particular, nos termos dos artigos 822.º, n.º 2, e 832.º, al. d), ambos do CPC.
3. No seguimento de despacho de 15-03-2018, que não admitiu a redução do valor de venda do prédio nos termos indicados pela Sr.ª Agente de Execução e determinou que esta o ajustasse, reduzindo-o eventualmente, em função de avaliação isenta que promovesse, veio a Sr.ª Agente de Execução, em 25-05-2018, juntar aos autos relatório da avaliação do prédio efetuada por perito avaliador, em que foi atribuído àquele o valor de 83.000 €.
4. Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a redução do valor base do prédio penhorado para o montante de 83.000 €, a Exequente disse aceitar essa redução e o Executado opôs-se.
5. Foi proferido, em 06-06-2018, o seguinte despacho (Ref.ª Citius 46607120): “A questão que pende nos autos reporta-se ao valor do bem... Para se determinar o valor de mercado do mesmo a Sra. Solicitadora de execução promoveu, socorrendo-se para tanto de um perito idóneo, a avaliação do mesmo alcançando-se o valor de mercado dele no montante de €83.000,00 - refª 2632793. O exequente aceita tal valor ... contudo ... o executado, pelo documento com a refª 2645968, vem dizer que tal valor é curto e por isso não o aceita. No seu requerimento o executado não impugna a avaliação no que diz respeito aos seus critérios ou acerto e não pede segunda avaliação apenas referindo que o valor da terra será, pelo menos, de €150.000,00 ... sem explicar em que critérios se baseia para alcançar tal montante. Ora face ao que se refere acima não podemos deixar de concluir que nenhuma razão assiste ao executado pois o bem foi avaliado por pessoa cuja competência ou idoneidade foi por ele não foi impugnada e o valor alcançado está justificado no relatório que apresentou ... razão pela qual indefiro tal reclamação a aceito como boa a avaliação o que não significa que na altura da venda o executado ou alguém que ele conheça adquira o bem pelo montante que ele entende ser o acertado. Notifique.”
6. Em 15-03-2019, foram as partes (Executado e Credores reclamantes) notificadas para se pronunciarem sobre a proposta de maior valor apresentado (70.550,00 €).
7. O Executado veio, em 25-03-2019, apresentar requerimento (Ref.ª Citius3084501), no qual consta a data de 22-03-2019, em que diz o seguinte: “vem (...) notificado da proposta de (...) informar o Tribunal de que o imóvel vale pelo menos 100.000 €, razão por que aquela pretensão está ainda abaixo do valor razoável, pelo que se opõe à venda por esse valor”.
8. Em 04-04-2019, a Sr.ª Agente de Execução tomou a seguinte DECISÃO (Ref. Citius 3102790), comunicando-a, na mesma data, ao Tribunal e às partes: “Exmo. Sr. Dr. Serve a presente para informar V. Exa. na qualidade de mandatário dos Executados, de que o imóvel penhorado nos autos, encontra-se em venda por negociação particular atendendo, à homologação da sentença de desistência do pedido. O processo encontra-se na fase de Venda por Negociação particular desde 02.11.2016, tendo sido nomeada Encarregada de Venda a Agente de Execução. No âmbito da referida venda, foi apresentada proposta para a compra do Prédio rústico sito à Lomba da Cruz e Lombinha, Murrão, freguesia de Candelária, concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº … inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …, secção …, daquela freguesia e concelho no valor de €70.550,00. Ora, Verifica-se que a proposta apresentada é igual a 85% do valor base, estando assim reunidas condições para que se concretize a adjudicação do bem ao proponente, logo que: a) O proponente deposite o preço e demonstre o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente a liquidação do IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e IS (Imposto de Selo), o que deverá fazer no prazo de 15 dias contados da notificação da presente decisão (nº2 do artigo 824º do CPC; b) Não sejam exercidos direito de preferência (no prazo de 10 dias), sem prejuízo de eventuais direito de remissão (artigo 842º do CPC), sendo que nos presentes autos há preferentes a notificar quanto a dois prédios; A demonstração da liquidação do Imposto de Selo e IMT é feita pela entrega ao agente de execução do duplicado da declaração modelo 1 de IMT/IS, a respetiva liquidação e o comprovativo de pagamento. Uma vez que se trata de venda judicial, a liquidação de IMT/IS é feita junto de qualquer serviço de finanças, devendo o adquirente juntar ao serviço de finanças a presente decisão. Adquirente: JM…, NIF: …, casado, residente na Rua …, n.º … Candelária, CP: …-… Ponta Delgada Executado(s): JM... , NIF: …, solteiro maior, Travessa …, nº …, Arrifes, Ponta Delgada Valor: €70.550,00 (Setenta Mil e Quinhentos e Cinquenta Euros) Bem a Adjudicar: Prédio rústico sito à Lomba da Cruz e Lombinha, Murrão, freguesia de Candelária, concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº … inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, secção …, daquela freguesia e concelho Após o depósito do preço e cumprimento das obrigações fiscais, será agendada a respetiva escritura de C/V”.
9. A notificação desta decisão (da Sr.ª Agente de Execução) ao Executado foi elaborada em 04-04-2019, mencionando-se que: “Fica V. Ex.a notificado (a), na qualidade de Patrono do Executado (a), da decisão da Agente de Execução proferida nos presentes Autos de Execução. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 723º do CPC, se o Executado, o Exequente ou um Credor Reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; A discordância da decisão deve ser suscitada perante o Juiz, no prazo de 10 dias.”
10. Em 24-04-2019, foi proferido o seguinte despacho (Ref.ª 48050813): “Ref. 3084501: Notifique o requerente da peça com a refª 3102790 que, naturalmente, tem base no despacho proferido nos autos com a refª 46607120...a venda está a ser feita por negociação particular e pelo valor legal (= 85% do preço fixado em razão da redução preconizada pelo despacho referido) razão pela qual deve prosseguir. Notifique...também a solicitadora de execução”.
11. A notificação deste despacho ao Executado (incluindo cópia do mesmo e também da decisão da Sr.ª Agente de Execução) foi elaborada em 29-04-2019.
12. Nessa mesma data, deu entrada requerimento do Executado (Refª 3131828), no qual consta a data de 26-04-2019, em que diz o seguinte: “vem (...) notificado da proposta de (...) informar o Tribunal de que o imóvel vale pelo menos 100.000 €, razão por que aquela pretensão está ainda abaixo do valor razoável, pelo que se opõe à venda por esse valor”.
13. Em 20-05-2019, foi proferido o seguinte despacho: “Refª 3131828: A questão foi apreciada e está resolvida pelo despacho com a refª48050813. Notifique.”
14. Em 30-05-2019, o Executado interpôs recurso de apelação (Ref.ª 32593641), cujo requerimento de interposição e respetiva alegação tem o seguinte teor: “(...) não se conformando com o douto despacho que mandou proceder à venda do imóvel ao proponente da exígua quantia de 70.550,00€, vem dela recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso de apelação que deverá subir nos autos, de imediato, com efeito suspensivo. VENERANDO TRIBUNAL: 1.- O imóvel penhorado foi avaliado pela própria execuente ([sic] em mais de 200.000,00€ pois trata-se de mais de 10 hectares de terra de pasto muito valiosa. 2.- Nesta execução foi ordenado a sua venda por 70.550,00€. 3.- Algo está incorreto nesta solução. 4.- Ou não foi feita a publicidade adequada, ou algo está mal no reino da Dinamarca com manifesta violação dos princípios constitucionais previstos, entre outros, no art.º 61 da C.R.P. 5. Formalmente pode estar correto o douto despacho que ordenou a venda do imóvel penhorado, única via de sobrevivência do recorrente como lavrador, pelo exíguo valor de 70.550,00€ mas não é possível que a lei permita que uma pessoa apanhada pela crescente crise bruta que nos aflige a todos, fique sem nada por lhe venderem ao desbarato os bens e ainda fique a dever dinheiro ao execuente (sic), só porque, no mercado dos Berardos deste mundo, estes estão à espreita para enriquecerem com a miséria dos que trabalham de sol a sol. 6. A douta decisão recorrida, salvo o devido respeito, deveria ter ordenado a reavaliação do imóvel penhorado por perito que ao menos saiba avaliar terra de lavoura nesta ilha de S. Miguel, e por isso não fez a melhor interpelação do disposto no art.º 816 do Código do Processo Civil pelo que deve ser mandada substituir, para evitar uma patente e intolerável exiguidade de valores unanimemente condenada pela jurisprudência superior. 7. A situação em causa nos autos não é uma venda em mercado livre, onde há sempre opção de vender ou não em determinado momento, mas sim uma venda judicial com regime legal específico. 8. À venda judicial não são aplicados os princípios imobiliários aplicáveis ao mercado livre, pelo que os fundamentos apontados no douto despacho recorrido no sentido de autoriza a venda ao proponente são ilegais e ilegítimos. 9. Autorizar a venda pelo preço proposto viola os princípios que norteiam o instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473º e seguintes do CC pois um património avaliado em €200.000,00€ por um valor de €70.000,00 muito inferior ao seu valor real, ficando nesta medida o executado empobrecido, com o concomitante enriquecimento sem causa do proponente. 10. A autorização desta venda pelos valores propostos viola claramente o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18º, nº 2 da CRP, na medida em que os Executados ficam totalmente desprotegidos perante uma aquisição do seu património por terceiros e por valores consideravelmente inferiores ao seu valor real. 11. O mercado da venda judicial, em apreço nos presentes autos, é um mercado reduzido, na medida em que se restringe somente às diligências efetuadas pelo Encarregado da Venda, estas desconhecidas dos Executados. 12. Pelo que não pode o Tribunal recorrido fundamentar a sua decisão numa peritagem que carece em absoluto de fundamentação mercantil, tanto mais que não se mantêm inalteradas as circunstâncias mercantis a considerar. 13. O Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, violou as regras dos artigos 18º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, artigo 473º do Código Civil e artigo 816º do Código Processo Civil pelo que não merece sobreviver. Assim, VENERANDO TRIBUNAL e CONCLUÍNDO: a.- A venda autorizada pelo douto despacho recorrido, conduz a preços duma patente e intolerável exiguidade de valores unanimemente condenada pela jurisprudência superior. b.- Ignorando-se os contatos e os fundamentos da venda por tal valor, foram violados os artigos 18º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 473º do Código Civil e no artigo 816º do Código Processo Civil. Deve assim, salvo o devido respeito, dar-se provimento ao recurso e revogar-se a douta decisão recorrida, no que se fará Justiça”.
15. Em 03-07-2019, foi proferido, a respeito do requerimento de interposição de recurso, o seguinte despacho (reclamado): “Fls. 56 e ss.: A questão que temos como pano de fundo corresponde ao valor de venda do bem penhorado...logo atinente a temática a que se reporta o art.º 812º. do CPC. Assim...como sai claro do disposto no nº. 7 daquele preceito legal...a questão decidida...venda do bem pelo valor da proposta obtida...não é suscetível de recurso...pelo que não admitido o interposto pelo executado. Notifique.”
16. Em 16-07-2019, o Executado apresentou reclamação contra este despacho de não admissão do recurso, argumentando que: “JM… vem nos Autos de Processo de Execução Sumária (Ag. Execução) — N.° 275/14.8T8PDL — Comarca dos Açores - Ponta Delgada, Instância Central — ….ª Secção Cível e Criminal — J… - reclamar nos termos do artigo 643 do Código do Processo Civil do douto despacho referência 48397425 que não recebeu o recurso por si interposto, referência 32593641. Na verdade, sendo a norma do artigo 812.7 in fine do Código do Processo Civil, inconstitucional, por violar o princípio contido no art.º 18.2 da Constituição, o seu recurso deveria ter sido recebido, porque a douta decisão recorrida impede o reclamante de exercer de forma eficaz o seu direito de propriedade dentro dos limites da razoabilidade, da justiça e da equidade, por aquela norma que diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial do artigo 62 da Constituição. Com efeito, o conceito de justa indemnização contido no art.º 62.2 daquele diploma essencial da vida jurídica, pode ser e in casu é fortemente restritivo deste direito fundamental da pessoa humana. Nestes termos; deve ser, salvo o devido respeito, deferida esta reclamação, ordenando-se outrossim o recebimento do seu recurso, como é de Justiça.”
Apreciando.
O despacho recorrido autorizou, no fundo, que se procedesse à venda do imóvel (por negociação particular) pelo valor que foi proposto por JMC…, de 70.550,00€, igual a 85% do valor base de 83.000 € anteriormente fixado, conforme havia sido decidido pela Sr.ª Agente de Execução.
Na decisão reclamada, considerou-se ser aplicável o disposto no art. 812.º, n.º 7, do CPC. Atentemos no teor deste artigo: “Artigo 812.º Determinação da modalidade de venda e do valor base dos bens 1 - Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender. 2 - A decisão tem como objeto: a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados; b) O valor base dos bens a vender; c) A eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunto de bens penhorados. 3 - O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) Valor de mercado. 4 - Em relação aos bens não referidos no número anterior, o agente de execução fixa o seu valor de base de acordo com o valor de mercado. 5 - Nos casos da alínea b) do n.º 3 e do número anterior, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda. 6 - A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos. 7 - Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso.”
Conforme resulta claro deste preceito legal, o mesmo apenas se reporta às decisões, nos autos de execução há muito proferidas, de determinação da modalidade de venda e do valor base do bem. Veja-se que, pelo menos, desde 06-06-2018, está decidido que o prédio será vendido, por negociação particular, pelo valor base de 83.000 €.
O despacho recorrido (datado de 24-04-2019) surge num momento processual posterior e diz respeito à concretização da venda, designadamente à aceitação da proposta apresentada.
Parece-nos, pois, que não é aqui aplicável o citado n.º 7 do art. 812.º do CPC, ficando prejudicada a apreciação da questão da inconstitucionalidade suscitada na reclamação em apreço.
Contudo, já se nos afigura defensável a irrecorribilidade do despacho em apreço à luz do disposto no art. 723.º, n.º 1, al. c), do CPC, na medida em que poderá ser considerado que se tratou de decidir uma reclamação de ato ou impugnação de decisão da Sr.ª Agente de Execução, qualificando como tal o requerimento do Executado de 29-04-2019. Não se está, importa salientar, perante uma decisão judicial que autorize a venda (por negociação particular) por preço inferior ao valor de 85% do valor base do prédio anunciado para a venda (cf. artigos 816.º, n.º 2, e 821.º, n.º 3, do CPC).
Mas, ainda que assim não se entenda, mostra-se incontornável a questão da intempestividade do requerimento de interposição de recurso, atendendo a que a notificação do despacho recorrido ao Executado foi elaborada em 29-04-2019 e aquele requerimento foi apresentado em 30-05-2019.
Não se reconduzindo o recurso em apreço à previsão dos n.ºs 1 e 3 do art. 853.º do CPC, nem das alíneas b) a d) do n.º 2 deste artigo, apenas poderá equacionar-se da recorribilidade do despacho por via da alínea a) do n.º 2, que remete para os “casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º”, considerando-se, porventura, o disposto na alínea h) do n.º 2 do art. 644.º. Aliás, a não se entender assim, então obviamente não seria sequer admissível apelação autónoma – cf. art. 644.º, n.º 3, do CPC.
Ora, conforme preceitua o art. 638.º, n.º 1, do CPC: o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º do referido Código.
A ser recorrível a decisão, o prazo para interposição do recurso terminava, pois, no dia 17-05-2019 (sendo a data limite, no máximo, o dia 22-05-2019 – cf. art. 139.º do CPC). Assim, o requerimento de interposição de recurso é intempestivo, pelo que não podia deixar de ter sido rejeitado, ao abrigo do disposto nos 638.º, n.º 1, 641.º, n.º 2, al. a), 644.º e 853.º, n.º 2, al. a), do CPC, cuja interpretação normativa não viola quaisquer regras ou princípios constitucionais.
O ora Reclamante nada acrescentou contra a argumentação constante da decisão ora impugnada, a qual reiteramos.
Em suma, o despacho em apreço, do qual o Executado pretende interpor recurso, mais não é, em termos substanciais, do que um despacho que confirmou a decisão da Sr.ª Agente de Execução de aceitação duma proposta concreta para a venda do prédio, no seguimento de duas decisões judiciais transitadas em julgado: a que determinou a venda do prédio por negociação particular e a que fixou o respetivo valor base.
Sendo certo que a venda ainda não se mostrava efetuada, tendo sido autorizada no despacho reclamado, conforme decidido pela Sr.ª Agente de Execução, por preço igual a 85% do valor base do prédio, a decisão não parece ser recorrível, pelas razões acima apontadas, tendo em atenção o disposto nos artigos 723.º, n.º 1, al. c), e 853.º, ambos do CPC.
A admitir-se, por hipótese, a recorribilidade do despacho, por subsumível na previsão de alínea do n.º 2 do art. 644.º aplicável ex vi da alínea a) do n.º 2 do art. 853.º do mesmo Código, mostra-se interposto fora de prazo (cf. art. 638.º, n.º 1), o que também obsta à sua admissão [cf. art. 641.º, n.º 2, al. a), do CPC].
Embora seja responsável pelo pagamento das custas da presente reclamação, não se condena o Executado-Reclamante no respetivo pagamento uma vez que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cf. ofício junto nos autos principais em 13-05-2019) - artigos 1.º e 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e 20.º, 26.º e 29.º do RCP.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se, em conferência, em manter a decisão singular de 16-01-2020 e, conforme aí já foi decidido, indeferir a reclamação apresentada contra o despacho do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada de 03-07-2019, que não admitiu o recurso interposto, em 30-05-2019, pelo Executado, ora Reclamante.
Não se condena o Reclamante no pagamento das custas da presente reclamação, atento o apoio judiciário de que beneficia.
D.N.
Lisboa, 05-03-2020
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua