INJUNÇÃO
FÓRMULA EXECUTÓRIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Sumário

De acordo com o acórdão n.º 264/2015, de 12.5, do Tribunal Constitucional, na redação anterior do art. 857.º, n.º1, CPC (anterior à que atualmente resulta da Lei n.º 117/2019, de 13/9), quando o regime de injunção não previa a notificação do requerido nos termos da citação pessoal, não o advertindo da preclusão dos meios de defesa que aí pudesse deduzir, poder-se-ia embargar a execução fundada em injunção com fórmula executória usando todos os meios previstos no art. 731.º CPC.

Texto Integral

Processo nº 4013/07.3YYPRT-A.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Por apenso aos autos de execução comum que B…, com domicílio em …, ..-8º Esq., Porto, instaurou contra C…, residente na Rua … , …, …, veio esta formular embargos de executado alegando ser nulo por vício de forma o mútuo de € 10.000,00, uma vez que não foi apresentado documento assinado pelo mutuário, nos termos do art. 1143.º CC.
Mais refere ter o embargado emprestado ao então marido da embargante, na época da circulação do escudo, a quantia de dois milhões de escudos que lhe foi paga por aquele no prazo de seis meses a contar do empréstimo, não tendo sido estabelecido qualquer compromisso entre as partes de pagamento dos honorários de advogado cujo valor agora também pretende cobrar.
Pretende a condenação do embargado como litigante de má-fé uma vez que deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
Não foi apresentada contestação.

A 25.6.2019, foi proferida sentença, julgando improcedentes os embargos e determinando o prosseguimento da execução.
Foram os seguintes os factos aí dados como provados:
A) Foi dado à execução o requerimento de injunção com o n.º 4025/06, com data de entrega a 13-2-2006, intentado pela exequente/embargado contra o executada/embargante, ao qual foi aposta força executiva a 18.4.2006.
B) A quantia reclamada pela exequente no requerimento de injunção diz respeito a contrato de mútuo com cheque e confissão de divida nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 10 dos autos de execução e cujo teor se dá aqui por reproduzido
D) Na petição de embargos não invoca a embargante a falta ou nulidade de citação para a injunção referida em A).
E) Na petição de embargos invoca a embargante, como se disse, a nulidade do contrato de mútuo por falta de forma; E o pagamento da quantia exequenda, (previamente à injunção).
F) A embargante foi notificada para os termos da injunção referida em A), e não lhe deduziu oposição.

Desta sentença recorre a embargante, visando a sua revogação e prosseguimento dos autos com base nos argumentos que assim conclui:
I - OBJETO E LIMITAÇÃO DO RECURSO:
1.º
Por apenso ao processo executivo contra si movido, a ora recorrente veio deduzir oposição mediante embargos de executado, invocando a nulidade do contrato de mútuo por falta de forma e, de todo o modo, o pagamento da quantia exequenda previamente à injunção que havia servido de base à execução.
2.º
O recorrido não contestou os embargos.
3.º
Inesperadamente, foi proferida a 25 de junho de 2019, através da qual foi julgada improcedente a oposição à execução apresentada pela embargante e determinado o prosseguimento da execução apensa, por imputadamente, se dever ter defendido em sede de oposição à injunção.
II - DA NULIDADE DA SENTENÇA:
4.º
Salvo o devido respeito, considera a embargante que a sentença ora em crise enferma de nulidade uma vez que não são especificados os fundamentos de direito em que assenta a decisão.
5.º
Para efeitos de julgamento da questão, o Tribunal não atendeu ao facto de que a norma constante do n.º 1 do artigo 857.º do CPC se encontra expurgada do ordenamento jurídico quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta fórmula executória.”.
6.º
Assim, fundamentando a sua posição em norma inexistente, terá que se considerar não terem sido especificados os fundamentos de direito em que assenta a decisão.
7.º
Ou seja, com o devido respeito, não se poderá considerar fundamentada uma decisão quando o fundamento legal, i.e., a norma, não existe.
8.º
Efetivamente, aquele dispositivo foi declarado inconstitucional – com força obrigatória geral – assente na violação do princípio da indefesa subjacente ao princípio constitucional do acesso ao direito, ao equiparar o título executivo fundado em sentença judicial ao requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória – cfr. acórdão do Tribunal Constitucional proferido sob o n.º 264/2015, in Diário da República n.º 110/2015, Série I de 2015-06-08.
9.º
Por força deste, o n.º 1 do artigo 857.º foi expurgado do ordenamento jurídico quando interpretado “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta fórmula executória.”.
10.º
Bem vista a situação, verificamos que a redação dada ao artigo 857.º do NCPC manteve assim a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 814.º do antigo CPC, por não ter sido acompanhada da supressão das deficiências existentes no processo de injunção português.
11.º
os termos do artigo 282.º da CRP “A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.”.
12.º
Resulta assim que, tendo uma norma sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral, a mesma considera-se expurgada da ordem jurídica, eliminando repristinatoriamente os efeitos jurídicos produzidos, vinculando, por força da sua eficácia erga omnes todas as autoridades públicas, nomeadamente o legislador, a administração e os tribunais, assim como todos os cidadãos.
13.º
Por ser considerada inválida a disposição prevista no n.º 1 do artigo 857.º, por não existir norma concreta a regular tais situações que pudesse vigorar no nosso ordenamento jurídico, e ainda por tratar de uma norma especial, considera-se que o executado poderá então deduzir qualquer fundamento admitido no processo de declaração.
14.º
A tal respeito, apontamos, a título meramente exemplificativo, o acórdão da Relação de Lisboa proferido a 1 de junho de 2017, sob o processo n.º 17633/13.8YYLSB-A.L2-2, ou ao da Relação do Porto, proferido a 7 de fevereiro de 2019, sob o processo n.º 1519/17.0T8PRT-A.P, ambos in www.dgsi.pt.
15.º
Já no que respeita ao entendimento de Salvador da Costa referido na sentença proferida, será de atentar que o mesmo consta do seu manual datado de 2008...
16.º
Logo dali se vê que o referido autor se reportava a 1) redação diferente dos normativos em crise; 2) a momento anterior à declaração de inconstitucionalidade de 2013; e, por inerência, 3) a momento anterior à declaração de inconstitucionalidade de 2015!
17.º
Repare este Tribunal que aquela doutrina versava legislação que não regulava ainda os meios de oposição à execução baseada em título de injunção!
18.º
Na sentença posta em crise, é transcrito, de forma parcial, o Acórdão da Relação de Lisboa de 1-06- 2017, o que terá levado a não considerar que o mesmo fixa, de forma absoluta, que:
“Em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 282º da Constituição da República, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, pelo que estando aqui em causa uma execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, a oposição à execução, mediante embargos deduzida pela embargante/apelante não está limitada aos fundamentos enunciados no 857º, nº 1 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, podendo basear-se em quaisquer outros factos ou circunstâncias que possam ser invocados no processo de declaração.
Considera-se, portanto, que atenta a natureza extrajudicial do título em questão, distinto das sentenças, sempre poderá o executado invocar, como fundamento da oposição à execução, qualquer fundamento susceptível de deduzir como defesa, no processo de declaração, com vista á destruição dos efeitos do título executivo e da execução, quer esses fundamentos sejam de natureza processual, quer sejam de natureza substantiva.
Assim sendo, entende-se que a circunstância da embargante/apelante não ter deduzido oposição ao requerimento de injunção, na sequência da notificação que lhe foi efectuada, não faz precludir a possibilidade de suscitar, posteriormente, os respectivos meios defesa, ainda que pudesse tê-los usado quando foi notificada, já que, neste caso, não tem aplicação o preceituado no artigo 573º, nº 2 do CPC, não se verificando, em sede de oposição à execução, mediante embargos, o efeito de preclusão de uma ampla defesa, podendo, em consequência invocar, como invocou, a prescrição do direito de que a exequente se arroga no requerimento executivo.”.
19.º
Aludindo ao caso concreto, continua aquele acórdão afirmando: “a embargante invocou nos embargos que deduziu a prescrição do crédito exequendo (decorrente de prestação de serviço telefónico), prescrição essa que alegadamente já se verificaria anteriormente à aposição da fórmula executória no requerimento de injunção, o que, como acima ficou dito, sempre poderá constituir fundamento de embargo a execução”.
20.º
Continuando a dissecar tal decisão, o que se vê é que os embargos improcederam porque, à data da entrada do requerimento injuntivo, a prescrição tinha um prazo mais alargado que aquele de que se quis defender o ali recorrente.
21.º
Visto e revisto o acórdão como um todo, nada, mas nada mesmo, é limitado em termos de fundamentos de embargos de executado.
22.º
O que resulta, sim, é que, se à data da injunção ainda não havia prescrito, não poderia o credor “perder esse direito” perante lei nova.
23.º
Prossegue a sentença posta em crise estabelecendo que “Os factos que agora invoca em sede de oposição à execução são anteriores à data de entrada em juízo do requerimento de injunção, não se vislumbrando razão (que alias nem sequer foi invocada) para aquele a opoente não se ter simplesmente oposto.”.
24.º
Mas, como dito no acórdão da Relação de Lisboa citado pelo Tribunal a quo, “a embargante invocou nos embargos que deduziu a prescrição do crédito exequendo (decorrente de prestação de serviço telefónico), prescrição essa que alegadamente já se verificaria anteriormente à aposição da fórmula executória no requerimento de injunção, o que, como acima ficou dito, sempre poderá constituir fundamento de embargo a execução”.
25.º
Por fim, uma norma declarada inconstitucional é uma norma considerada inválida, mais concretamente, uma norma nula, pelo que não só deve ser eliminada do ordenamento jurídico, como devem ser eliminados os efeitos jurídicos por si produzidos, salvaguardando a intangibilidade do caso julgado e as demais limitações admissíveis.
26.º
Assim, considerando que o Tribunal a quo apreciou as questões suscitadas ao abrigo de uma norma nula, estamos perante uma falta absoluta de fundamentos de direito.
27.º
Neste contexto, subscrevemos o entendimento de Paulo Otero que considera que “a sentença violadora da Constituição não se mostra passível de encontrar um mero fundamento constitucional indireto de validade e eficácia, devendo considerar-se nula” – in Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, Lex, Lisboa.
Subsidiariamente,
28.º
Considera a recorrente que a sentença padece de manifesto lapso do Tribunal a quo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC: “Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, pelo que estará a tempo de corrigir o mesmo.
29.º
Acrescentando ao exposto, diremos: no passado dia 13 de setembro foi publicada a Lei n.º 117/2019, que, entre outros, veio alterar o Código de Processo Civil e o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
30.º
A este regime foi aditado o artigo 14.º-A que, através do qual, agora sim, passarão a estar asseguradas as garantias processuais do procedimento injuncional português e, consequentemente, assegurado o exercício concreto da defesa do executado.
31.º
Não obstante esta redação não esteja ainda em vigor, será neste sentido que a questão deverá ser interpretada.
32.º
Por todo o exposto, considera a recorrente que é livre de se defender, em sede de oposição à execução baseada em injunção, com quaisquer fundamentos, pelo que considera que a sentença aqui em crise padece de erro na determinação da norma aplicável.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
Se são admissíveis os embargos de executado, nos termos do art. 857.º, nº1, CPC, da redação de 2013 do CPC, com base em factos que poderiam ter sido opostos perante o requerimento injuntivo, quando a execução se funda em injunção à qual foi oposta fórmula executória.
3. Fundamentos de facto
Os factos com relevo para a decisão são os constantes da sentença de primeira instância que acima se reproduziram.
4. Fundamentos de direito
O ora embargado deu à execução um título executivo formado a partir de um requerimento injuntivo[1] que não foi objeto de oposição e ao qual foi aposta fórmula executória.
Trata-se do título executivo emergente do disposto no art. 14.º, n.º 1 do Anexo ao DL 269/98, de 1.9[2], reconhecido pelo art. 703.º, n.º1 d) CPC, ou seja, um dos denominados por Lebre de Freitas como “títulos parajudiciais”[3] e por outros autores por “títulos judiciais impróprios”[4].
É um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória mas que não pode, todavia, ser equiparado a uma sentença, uma vez que se perfectibiliza sem qualquer decisão judicial e sem análise e conhecimento das razões de facto ou de direito, dos fundamentos invocados ou da verdadeira existência da obrigação, antes assentando na ausência de oposição expressa que faz presumir a existência da dívida que se executa[5].
O art. 857.º, n.º1 CPC tem atualmente a redação que resulta da L 117/2019, de 13.9[6].
Todavia, a redação aplicável era a vigente ao tempo dos embargos e que resultava da L 41/2013, de 26.6, estipulando então o n.º 1 daquele normativo que os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção são os previstos no art. 729.º (sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 que, para o caso dos autos, são irrelevantes).
O art. 729.º, por seu turno, estabelece os fundamentos da oposição baseada em sentença os quais não incluem aqueles que poderiam ter sido alegados no processo declarativo que culminou na sentença exequenda[7].
Sendo o título executivo formado a partir da inércia do requerido quanto à apresentação da defesa, questionava-se se a fórmula executória poderia afastar a possibilidade de invocação, pelo executado, em sede de embargos, de outros fundamentos que pudessem ser por si invocados em processo de declaração, como resulta do art. 731.º CPC para os fundamentos de oposição à execução baseada noutro título.
No âmbito do anterior CPC, o artigo 814.º, n.º 2, só permitia que a oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória (e desde que o procedimento de formação desse título admitisse oposição pelo requerido) tivesse por fundamento um daqueles que o n.º 1 admitia para a oposição à execução fundada em sentença.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 388/2013, de 9 de Julho de 2013, publicado no D.R., I Série de 24.09.2013, declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da constituição”.
Todavia, o art. 857.º do Código de Processo Civil, na redação de 2013, consagrou a regra da equiparação deste título executivo baseado em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executiva a título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que o mesmo acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado.
Referia-se no n.º 1 do artigo 857.º que:
Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
A expressão “com as devidas adaptações” visava substituir a expressão constante da alínea g) do artigo 729.º, quando ali se refere que “desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração”, por “posterior à aposição da fórmula executória ao requerimento de injunção”.
Já o alargamento dos meios de defesa dos nºs 2 e 3 do art. 857.º à falta de pressupostos processuais, à existência de excepções de conhecimento oficioso e a factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, desde que supervenientes ao prazo para oposição, não sanava as diferenças entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença, diferenças essas quer quanto ao modo como ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, quer no que respeita ao efeito cominatório e conteúdo da notificação, quer ainda no que concerne ao grau de intervenção judicial no processo.
Por isso, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 12.5, veio declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória».
Argumenta-se neste aresto que a equiparação entre a sentença judicial e o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução, traduzia uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo de forma célere e simplificada.
E que a ampliação dos meios de defesa produzida pelos nºs 2 e 3 do aludido artigo 857.º - e a consequente atenuação, por essa via, do efeito preclusivo da defesa perante a execução - não constituía uma modificação suficientemente relevante para dar resposta aos fundamentos do juízo positivo de inconstitucionalidade relativo ao regime anterior.
De modo quer a persistência que a regra de equiparação do requerimento de injunção objeto da aposição de fórmula executória ao título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que a mesma acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado, fazia permanecer inalterados os aspetos relativos ao regime específico da injunção com fundamento nos quais o Tribunal concluíra, no passado, pela inconstitucionalidade de solução legal semelhante.
Mais se afirma ali que para que exista um "processo justo" é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cf. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).
Citando Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira, enfatiza-se que «o exercício efetivo do contraditório em sede de injunção pressupõe que o requerido tome conhecimento do procedimento e dos efeitos preclusivos associados à falta de oposição. Ora, tal não é assegurado pela notificação pela via postal registada e/ou simples para um ou mais locais que podem não corresponder à morada ou sede do requerido nem pelo conteúdo da notificação».
Refere-se que a ausência de advertência, conjugada com a simplificação e desburocratização que carateriza o procedimento de injunção, significa que as vias de defesa no âmbito da injunção e no processo executivo não podem ser assimiladas, em termos de se conformarem como mutuamente equivalentes na perspetiva de quem organiza a sua defesa processual.
Por outro lado, enfatiza-se aí que o juízo de inconstitucionalidade que incide sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», funda-se no reconhecimento da incompatibilidade dessa interpretação com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, extraída da ponderação conjugada dos três seguintes elementos, convergentes na solução impugnada: i) o facto de a limitação dos fundamentos de oposição à execução ter subjacente um critério de equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado; ii) a circunstância de tal critério desprezar as diferenças existentes entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença judicial quanto ao modo como, no âmbito do processo que conduz à formação de um e outro título, ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, bem como quanto à probabilidade e ao grau de intervenção judicial; e iii) o facto de o desvio nessa medida verificado não se achar compensado pela obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.
Na mesma senda, face à postergação de meios de defesa inerentes ao processo de injunção, veio o acórdão n.º 99/2019, de 14.3, declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante dos nºs 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a EUR 15 000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição.
Na sequência dos acórdãos do Tribunal Constitucional e a despeito das vozes críticas aos entendimentos que sufragam[8], a jurisprudência dos tribunais judiciais tem sido a de afastar as limitações do art. 857.º aos embargos à execução fundada em injunção com fórmula executória quando entendido aquele normativo com proibindo a invocação de argumentos que pudessem ser opostos à injunção em fase declarativa.
Assim, na ac. RC de 24.2.2015 (Proc. 1328/12.2TJCBR-A.C1), onde se lê: é de subscrever “por inteiro o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 714/2014, de 28/10/2014, pelo que, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade aí formulado, entende-se não ser de aplicar a norma do artº 857º, nº 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, o que conduz a que não se considerem, relativamente aos fundamentos dos embargos deduzidos a execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, as limitações que aquela norma estabelece.
Também, no ac. RL, de 1.6.2017 (Proc. 17633/13.8YYLSB-A.L2-2), onde se lê: O acórdão do Tribunal Constitucional nº 274/2015, de 12 de Maio (Pº 208/2015), publicado no D.R. 1ª série, Nº 110, de 8 de Junho de 2015, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857º, nº 1 do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República. Não se consideram, consequentemente, em relação aos fundamentos dos embargos deduzidos a execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, as limitações que aquela norma estabelece, podendo o embargante invocar, na oposição mediante embargos, a excepção de prescrição do direito de crédito resultante da prestação de serviços telefónico de que a exequente se arroga.
Ac. RL de 27.6.2019 (Proc. 24103/16) em cujo sumário se escreve: Enquanto no regime jurídico da injunção não estiver previsto, entre o mais, que a notificação do requerido seja feita como a citação pessoal nos termos da parte geral do CPC e com a advertência de que ficam precludidos todos os meios de defesa que ele devesse ter deduzido na oposição, é possível deduzir oposição, na subsequente execução baseada na injunção, com todos os meios de defesa que possam ser invocados no processo de declaração (artigos 550/2-b e 857/1 do CPC, conjugados com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatório geral feita pelo acórdão do TC 264/2015, de 12/05/2015, publicado no DR 1.ª série, de 08/06/2015).
No mesmo sentido, ainda, o Ac. RL de 11.7.2019 (Proc. 16532/18.1T8SNT-B.L1-2), onde se escreveu, entre o mais: o n.º 1 do art.º 857.º do CPC determina que se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas poderão ser alegados os fundamentos de embargos previstos no art.º 729.º, com as necessárias adaptações, sem prejuízo das situações previstas nos n.ºs 2 e 3 (que irrelevam para o específico problema aqui em análise).
Daí adviria a necessidade de abordarmos os mencionados aspetos da superveniência dos fundamentos de oposição e dos meios de prova desses fundamentos. Porém, a verdade é que a aludida equiparação deste título executivo à sentença foi julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 264/2015, de 12.5.2015, publicado no D.R., 1.ª série, de 08.6.2015, por violação do princípio da proibição da indefesa. De facto, nesse aresto entendeu-se que a restrição dos meios de oposição dedutíveis contra execução assente em sentença não se justifica em relação a execução emergente de injunção não contestada, na medida em que são relevantemente diversas, na citação que antecede a sentença, e na notificação que antecede a aposição de fórmula executória no requerimento de injunção, as garantias de esclarecimento do devedor acerca dos efeitos preclusivos da sua inatividade na apresentação de defesa.
Por conseguinte, à oposição à execução que tenha como título executivo requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, não se aplicam as restrições ínsitas no art.º 729.º do CPC – antes se aplica o regime previsto no art.º 731.º do CPC.
Ora, ao tempo da injunção sub iudicio, a notificação não era realizada nos moldes da citação pessoal e nem estava prevista a notificação ao requerido da advertência de que ficam precludidos todos os meios de defesa que ele devesse ter deduzido na oposição, pelo que de acordo com a posição expendida pelo Tribunal Constitucional é possível deduzir oposição com base nos argumentos que pudessem ser invocados no processo de declaração.
Na situação dos autos, não resulta que à requerida no processo de execução, ora embargante, aquando da notificação, tivesse sido indicada tal preclusão pelo que os embargos com o fundamento agora invocado (nulidade do mútuo e pagamento do crédito exequendo), são de admitir, ao contrário do que considerou a sentença recorrida.
Não se nos afigura, contudo, dever a sanção do recurso consistir na declaração de nulidade da sentença como se de ausência de fundamentos de direito se tratasse ao aplicar uma norma – art. 857.º, n.º1 CPC – como se a mesma não houvesse sido expurgada do ordenamento jurídico pelo Tribunal Constitucional (nulidade essa extraída do disposto no art. 668.º, n.º 1 al. b) CPC).
É que a nulidade pressupõe a ausência de fundamentos de direito, mas o recurso, em sede de motivação jurídica, a normas julgadas inconstitucionais não pode considerar-se ausência tout court de fundamentação de direito.
Certo que, tendo sido banida do ordenamento jurídico uma norma jurídica, a fundamentação jurisdicional com base nesta funda-se num vazio legal, mas esse vazio não é de fundamentação (caso em que se estaria perante a nulidade), mas sim de regra jurídica a que a fundamentação remete.
Quando muito – caso o ordenamento processual civil consagra-se tal figura – estar-se-ia no domínio da inexistência jurídica.
Mas a sentença dos autos não omitiu fundamentação. Aliás, fundamentou a posição segundo a qual os embargos dos autos continham argumentação que o ordenamento não admitia.
Sucede, porém, que sendo verdade que o acórdão do Tribunal Constitucional de 2015 não postulou uma invalidade plena ou total do art. 857.º, n.º1, CPC, a verdade é que este se fundou na ideia de que, não tendo sido empregue um procedimento justo – como sucede quando o requerido é chamado à injunção por meio diferente da citação pessoal e não lhe é transmitida a consequência da revelia operante em moldes semelhantes ao processo de execução - de modo que, quando assim suceda – e nos autos não se diz que tenha ocorrido de outro modo – não pode operar a regra preclusiva do n.º1 do art. 857.º CPC.
Inexistindo esta regra, segue-se a formulação do art. 731.º CPC, admitindo-se como fundamento de embargos quaisquer outros que pudessem ser invocados como defesa no processo de declaração.
Considera-se, por isso, procedente o recurso.
5. Dispositivo
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e revoga-se a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Ds

Porto, 10.02.2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
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[1] Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro. – art. 7.º do Anexo ao DL 269/98, de 1.9.
[2] 1 - Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: 'Este documento tem força executiva’.
[3] Lebre de Freitas, “Ação Executiva”, 3ª ed., pág. 43.
[4] Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Executivo”, 2016, Almedina, pág.57.
[5] Em razão da diferente natureza da relação obrigacional subjacente, o procedimento de injunção obedece a dois distintos pressupostos: a) um, tendo por finalidade conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros, de acordo com o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada de tribunal de 1.ª instância, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, e publicado em anexo; b) outro, tendo por objetivo conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas, sucessivamente, pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, que transpôs para o ordenamento interno a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho de 2000, e pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, diploma que, com exceção dos respetivos artigos 6.º e 8.º (cf. artigo 13.º, n.º 1), revogou e substitui aquele primeiro, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais.
[6] 1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual. Por sua vez, o art. 14.º-A atual dispõe: 1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
[7] Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
[8] Neste sentido, Tânia Ferreira Pires para quem a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 857.º, n.º 1, do Código Processo Civil, poderá tornar o procedimento de injunção cada vez menos “atractivo” para os credores, dado que, ao permitir-se que os executados possam deduzir oposição à execução com base em tão amplos fundamentos (todos os que são admissíveis em processo declarativo), estamos a trazer, novamente, para os Tribunais as acções que o próprio Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, quis expressamente afastar com a “desjudicialização” deste tipo de litígios. Acresce que, inevitavelmente, estes processos executivos, cujo título seja uma injunção à qual foi aposta a fórmula executória, tornar-se-ão mais morosos e implicarão um aumento de custos para as partes. Entendemos que esta declaração de inconstitucionalidade concede uma segunda oportunidade de defesa que afronta o princípio da preclusão, consagrado no artigo 20.º, n.º 5 da Constituição – certos actos só podem ser praticados até determinada fase do processo ou dentro de um determinado prazo –, que se afiguraria apenas justificada nos casos em que por algum motivo o devedor não tomasse conhecimento do procedimento de injunção. Em «Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 12 de Maio (in DR I Série, n.º 110, de 8 de Junho de 2015) – Violação do princípio da proibição da indefesa», disponível em http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=52