CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA
PALAVRAS
PORNOGRAFIA
Sumário

(Crime de abuso sexual de crianças art.171º nº3 alínea b) do CP - conceito de “atuar sobre menor de 14 anos por meio de conversa”).
I “- O conceito de conversa embora implique uma relação com 2 ou mais pessoas, inclui no seu âmbito diálogos, comunicações e toda a forma discursiva que interaja com a vítima como outro interlocutor, bastando que o discurso lhe seja dirigido para que haja dois interlocutores e assim se integre no conceito de conversa.
II - Pouco interessará distinguir no conceito de conversa o discurso com ou sem troca de palavras, nada alterando o nível da agressão a circunstância da vítima retorquir algo.
III - Diversamente, o monólogo porque se expressa com um único interlocutor é uma forma de interacção consigo próprio, e se for uma representação, não sendo conversa, poderá assemelhar-se a um espectáculo formal ou informal (na via pública, no domicílio ou num palco), também integrador da mesma alínea.
IV - A comunicação do agente do crime através da conversação com conotação sexual, não exige diálogo, mas comunicação de significados e conteúdos através da palavra expressamente dirigida à vítima, o que ocorre quando através de onomatopeias se transmitem expressões sonoras próprias de actos sexuais, por isso perturbadoras do normal crescimento do menor, afetando de forma intolerável a liberdade na formação da sua sexualidade.”
(Da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Proc. n.º3533/17.6JAPRT.P1

***
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Em processo comum com intervenção do Tribunal Singular que correu termos no Juízo Local Criminal de Marco de Canavezes do Tribunal de Comarca do Porto Este, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferida sentença, sendo o arguido, ora recorrente, B… condenado, pela seguinte forma:
- pela prática, de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art.º 190.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- pela prática, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Operando o cúmulo jurídico das enunciadas penas parcelares, condeno o arguido B… na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
- Julgo o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência, condeno o arguido/demandado B… a pagar uma indemnização ao menor C…, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram da prática dos ilícitos criminais em apreço, no montante global de €7.343,00 (sete mil, trezentos e quarenta e três euros), absolvendo-o do demais peticionado
*
Não se conformando com a sentença o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes CONCLUSÕES:
A- O presente recurso incide sobre o teor da sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo que condenou o arguido B… pela prática em coautoria material e na forma consumada de um crime de perturbação da vida privada p.e p. pelo art. 190º nº 2 do CP e um crime de abuso sexual de criança, p.e p. pelo art. 171º nº 3 al. b) do CP na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
B- DO NÃO PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO TIPO DE ILICITO DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA , ART. 171º Nº 3 AL. B) DO CP :
ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
C - Por Sentença proferida nos autos de processo supra, foi entre o mais, o arguido, condenado em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo ar. 171º nº3 al. b) do Código Penal.
D - Ora, nos termos do mencionado normativo legal:
“Artigo 171.º
Abuso sexual de crianças
1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais;
é punido com pena de prisão até três anos.
4 - Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
5 - A tentativa é punível.”
E - Ora, do teor dos factos provados não resulta qualquer conduta perpetrada pelo arguido susceptível de integrar os elementos do tipo objectivo do ilícito em causa,
F - Isto porque, da factualidade provada, das condutas imputadas ao arguido, nas circunstâncias do caso concreto, as mesmas carecem de autonomia e idoneidade para prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual, ou, dito de outro modo,
G - Os mencionados “ gemidos” imputados ao arguido não têm a virtualidade para tentar satisfazer com o menor, ou através dela, interesses ou impulso de relevo, pelo que não se encontra preenchido o crime de abuso sexual, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 3, al. b), do CP.
H - Não olvidemos que a mencionada norma visa a tutela do bem jurídico da protecção da sexualidade durante a infância e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual, visando garantir a protecção da autodeterminação sexual.
I - Ora, em momento algum a conduta imputada ao arguido é idónea a tais fins,
J - Pelo que não se encontram preenchidos os elementos do tipo objectivo nem subjectivo do tipo de ilícito em causa,
K - Existindo uma errónea qualificação e imputação jurídica, impondo-se a necessária absolvição dos dois crimes de abuso sexual de criança em que o arguido foi condenado.
L - Porquanto o ilícito em apreço, concretamente o previsto na al. b) nº 3 do art. 171º, consubstancia o crime de atuação por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objectos pornográficos;
M - Ora, ambas as condutas imputadas ao arguido, quer os “ gemidos” quer a frase se queria ir dar uma volta, que ona factualidade provada iria buscar a casa, não revestem por qualquer forma a virtualidade de preenchimento do tipo objectivo plasmado no normativo em análise.
N - Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2018, processo nº351/16.2JAPRT.S1, disponível em www. dgsi.pt;
O - Inexistindo, como sucede in casu, imputação de consutas integradoras do ilícito em apreço, necessário é concluir que se impõe a necessária absolvição do arguido dos dois crimes de abuso sexual de criança.
P- Sem prescindir, e já quanto ao crime de perturbação da vida privada p. e p.pelo art.190º nº 2 do CP em que o arguido foi condenado, entende-se,
Q - Existir excesso da medida concreta da pena aplicada ao arguido, porquanto,
R - O art. 71.º do CP estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial.
S - Tal preceito deverá ser analisado e fundamentado á luz da individualidade do sujeito e do caso concreto.
T - Do teor da fundamentação resulta que o Tribunal a quo se limitou a enunciar os critérios legais sem depois concretizar individual e fundamentadamente, relativamente a cada um dos tipos de ilícito , a determinação da concreta medida da pena.
U - As imposições de prevenção geral são determinantes na fixação da medida das penas, reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da sociedade e para tranquilizar os sentimentos afectados na perturbação da normalidade da vivência do quotidiano.
V - Impõe-se no entanto a ponderação de tais valores com outras exigências quer de prevenção especial , quer de prevenção ao novel da integração do agente do facto no caminho do direito, com a ressocialização do agente infrator.
W - Devendo o Tribunal a quo ter realizado uma ponderação fundamentada de tais exigências, aplicando medidas consentâneas com as mesmas.
X - Ao contrário do que sucedeu, limitando-se a enunciar o dispositivo legal, não concretizando fundamentadamente e aplicando uma concreta medida da pena, desproporcional e desajustada.
Y - Pois que ao arguido e pela prática do aludido ilícito determinou a sua condenação na pena de prisão de 5 ( cinco) meses de prisão.
Z - Decidindo não suspender a mesma, atentos os antecedentes criminais do arguido e a existência prévia de uma pena suspensa no âmbito de um processo anterior pela prática de crime de idêntica natureza.
AA - Ora do teor do registo criminal do arguido não resulta prática de qualquer crime de perturbação da vida privada,
BB - O mencionado ilícito é punível com punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
CC - Valorando o ilícito globalmente perpetrado, ponderando os factos e a personalidade do arguido,
DD - Que o mesmo se encontra social e familiarmente integrado, tendo um filho menor, que durante o cumprimento da pena suspensa anteriormente aplicada o seu comportamento foi conforme,
EE - Cremos que deveria ter sido aplicada ao arguido uma pena de multa a fixar em conformidade pelo Douto Tribunal,
FF - Que não logo uma pena privativa da liberdade, e sem ponderação de suspensão, revelando-se esta claramente excessiva e desproporcional.
GG - Afastando assim uma pena detentiva lesiva do sentido ressocializador que deve presidir à execução da pena a aplicar.
HH - Permitindo outrossim que o menor filho d arguido e de cujo são desenvolvimento da personalidade depende a assistência do progenitor, possa beneficiar de tal apoio.
II - Pelo que, em face do exposto tendo em vista a culpa do arguido, e respeitando o efeito ressocilizador das penas deverá ao arguida ser aplicada uma pena inferior.
JJ - Nomeadamente uma pena não provativa da liberdade devendo optar o Tribunal por uma pena de multa.
KK - Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se equaciona, sempre se dirá que tal pena deverá ser suspensa na sua execução, pois que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva de 5 meses, acarreta efeitos nefastos devastadores na vida do arguido e imputáveis ao seu agregado, que se revelam desadequados aos fins das penas.
LL - Sendo que a suspensão terá um efeito verdadeiramente ressocializador, permitindo acautelar as exigência de prevenção geral e especial adequadas ao caso concreto.
MM - Podendo dizer-se que a simples ameaça de uma pena de prisão suspensa satisfaz as exigências de prevenção especial,
NN- É assim modesto entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá aplicar ao arguida uma pena mais harmoniosa, proporcional e justa face ás circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.° do Código Penal,
OO - Podendo e devendo em face do circunstancialismo supra exposto ser a arguida condenada numa pena não privativa da liberdade, uma pena de multa, satisfazendo as concretas exigências de prevenção geral e especial em face do caso concreto.
PP- Ou caso assim não se entenda, e mantendo a pena de cinco meses de prisão que a mesma seja suspensa na sua execução.
NESTES TERMOS DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA ONDE SE ABSOLVA O ARGUIDO DO CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA P. E P. ART.171º Nº 3 AL. B) DO CP E BEM ASSIM REDUZA A PENA APLICADA AO ARGUIDO PELO CRIME DE PERTURBAÇÃO DA VIDA PRIVADA P E P ART. 190º Nº 2 DO CP, CONDENANDO-O NUMA PENA DE MULTA, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA NUMA PENA DE PRISÃO MAS SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO.
*
O Digno Magistrado do MºPº apresentou contra-motivação sustentando que o arguido recorreu, alegando ser a mesma desajustada às normas e princípios aplicáveis, pugnando pela sua revogação, invocando a falta de preenchimento dos elementos típicos do crime de abuso sexual de criança, assim como contestando a pena concreta que lhe foi aplicada pela prática do crime de perturbação de vida privada.
A. Da falta de preenchimento do tipo objectivo do crime de abuso sexual de criança.
Com efeito, dispõe o art. 171.º do Código Penal, sob epígrafe abuso sexual de crianças que:
1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto
pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a actividades sexuais;
é punido com pena de prisão até três anos.
4 - Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
5 - A tentativa é punível.
No caso vertente, com relevo para a apreciação do presente recurso resultou como provada a matéria de facto seguinte:
9. No dia 20 de Outubro, imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, o arguido emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, tendo o ofendido desligado de imediato a chamada;
10. No dia 27 de Outubro, o arguido telefonou novamente para o n.º de telemóvel do menor ofendido e no 1.º telefonema efectuado, imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando, uma vez mais, o acto sexual;
11. Como o menor ofendido desligou de imediato a chamada, o arguido, não satisfeito, ligou novamente, quase de imediato e perguntou ao menor onde este estava, ao que este respondeu que estava em casa;
12. Como a ama lhe disse para perguntar quem estava ao telefone, o arguido respondeu que era o “D…” e perguntou de forma insistente ao menor se queria ir dar uma volta com ele, que o iria buscar a casa;
13. De imediato e sem que o menor tivesse tempo de reagir, o arguido, novamente, começou a emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual e desligou a chamada;
Nesta conformidade, a questão sub judice reside em determinar se a circunstância do arguido, em três distintas ocasiões, telefonar para o ofendido e emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, o faz incorrer no aludido crime de abuso sexual de menor, por entender-se que o mesmo actuou sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, (…) pornográficos.
Pois bem, o bem jurídico protegido por este tipo penal, inserido na secção II « Dos crimes contra a autodeterminação sexual», do já citado Capitulo V « Dos Crimes contra a autodeterminação sexual», do Titulo I do Livro II do Código Penal, é a autodeterminação sexual, que no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, surge “ numa forma muito particular: não face a condutas que representem a extorsão e contactos sexuais por forma coactiva ou análoga (…), mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual.
Na verdade, a criminalização do tipo de conduta prevista no art.171°, n° 3, al. b), de actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos, visa a tutelar o desenvolvimento sem entraves da criança, designadamente ao nível do desenvolvimento harmonioso da sua sexualidade.
A modalidade de acção no caso da alínea b), n.º 3, do art.171.º, do Código Penal, é o agente actuar sobre menor de 14 anos de idade, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos.
Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias «A conversa abrangerá seguramente qualquer forma de comunicação coloquial, seja levada a cabo directamente ou por qualquer outra forma, v.g. telefonicamente ou por meio informático, em suma, neste sentido seja qual for o seu “suporte”.
Ainda a este propósito refere o mesmo Professor que a utilização da palavra “sobre” menor não pressupõe a necessidade de contacto corporal entre o agente e a vítima e que “ Basta que o menor participe a qualquer título (…) da conversa, da leitura, do espectáculo (visual ou sonoro, v.g. certas hot lines ou certos discos) ou da observação do objecto pornográfico.”
O conceito de “pornográfico” terá que ver com a representação ou apresentação de pessoa
envolvida em comportamento sexual explicito, nomeadamente para fins sexuais.
Mas só em face do concreto conteúdo da conversa, escrito, espectáculo ou objecto, e do seu circunstancialismo se poderá dizer se estes meios são pornográficos, pois o que poderia prima facie considerar-se prejudicial ao desenvolvimento do menor de 14 anos, na esfera sexual, poderá não o ser se estes meios tiverem por exemplo finalidade educativa.
Aqui chegados, cumpre reverter as considerações jurisprudenciais e doutrinais quanto ao crime em apreço aos factos dados como provados e determinar se o arguido incorreu na facti species do mesmo.
Uma vez que o ofendido tinha à data da prática dos factos 10 anos é claramente menor de 14 pelo que mostra-se preenchido o primeiro requisito.
Por seu turno, atentas as palavras do Dr. Figueiredos Dias, uma vez que a conversa abrange
qualquer forma de comunicação coloquial, seja qual for o seu suporte, deve entender-se que também preenche a facti species do crime em causa a comunicação telefónica, também se referindo que actuação “sobre o menor” não pressupõe a contacto físico sobre o mesmo.
E o mesmo se diga quanto ao teor pornográfico da conversa na medida em que o arguido emite, de forma explicita, sons típicos de relação sexual, com vista a sua satisfação sexual.
Aqui chegados, a única questão que se poderá colocar é a de saber se estamos perante uma
“conversa”, tal e qual exigido pelo tipo objectivo do crime em questão, atenta a circunstancia do ofendido nada ter respondido, apesar de a ter ouvido.
Com efeito, rejeitamos a interpretação literal do termo “conversa” revertida em alguma doutrina e jurisprudência, tal e qual vem citado no recurso ora em apreço.
Na verdade, como supra se referiu, o bem jurídico protegido consiste na protecção da autodeterminação sexual, sobretudos face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual.
Assim sendo, interessa para integração da conduta do arguido no crime em causa - art° 171°, n° 3, al.b) do Código Penal – aferir se as palavras dirigidas pelo mesmo ao ofendido foram susceptíveis de perturbar o desenvolvimento harmonioso desta criança na esfera da sexualidade tal como o normativo em causa visa proteger.
Ora, a resposta a esta pergunta não pode ser outra que não afirmativa, sendo que o arguido, de verdade, com tais expressões causou um efectivo constrangimento ao menor ao ponto de prejudicar o seu sadio desenvolvimento sexual.
É verdade que o arguido não teve uma conversa no sentido em que este vocábulo vem definido nos dicionários, mas o arguido interpelou a criança através de palavra, de forma apta, idónea a perturbar, a comprometer o desenvolvimento harmonioso da mesma na sua esfera sexual.
Cumpre, no entanto, salientar que a mera circunstância de ser destinatário de uma conversa com o teor da supra descrito, atinge o núcleo essencial do bem jurídico que tal norma penal visa proteger, independentemente do visado responder ou não.
É, absolutamente incongruente exigir que a criança atingida desta forma tenha de retorquir de qualquer forma, encetando um dialogo com o sue agressor para beneficiar da protecção da norma.
Na verdade, o tipo legal refere, claramente, que o agente age “sobre” a criança ou seja impõe a sua vontade naquela, e não “com” a criança pressupondo a sua participação voluntária.
Acresce que, se analisarmos globalmente todos os elementos do tipo descritos na alínea em causa (conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográfico) facilmente se concluí que o termo conversa deverá ser entendido como um conjunto de palavras, escritas ou orais, dirigidas por um interlocutor (maior) a outro (menor) independentemente da sua resposta.
Neste sentido veja-se o acórdão do STJ de 05.07.2007 «No abuso sexual de crianças será sempre relevante qualquer actuação objectivamente libidinosa por mais simples que ela seja ou pareça ser, em virtude de tais menores não disporem do discernimento suficiente para se relacionarem sexualmente em liberdade» - cfr., CJSTJ 2/07, 242.
Deste modo, impõe-se em concluir que a conduta do arguido, ao emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, integra todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em causa, assim incorrendo o mesmo na prática do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171°, n.° 3, alínea b), do Código Penal.
B. Da medida da pena do crime de perturbação da vida privada.
Ora, na determinação da pena, recorre-se ao critério geral previsto no art. 71.º n.º 1 do CP, que dispõe que, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Dispõe o art. 40.º n.º 2, do mesmo diploma legal, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Por sua vez, o n.º 2 do aludido art. 71 do CP, estabelece que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.”
Para avaliar da medida da pena há que indagar, no caso concreto, factores que se prendam com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau de ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução. Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
No que tange ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua
condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta ilícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.
Assim, no que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (as pessoas são ciosas dos seus bens e valores, património) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que
importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Tendo em conta estes considerandos, importa referir que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam necessidade de punição.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos
cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Isto posto, no que diz respeito à medida concreta da pena afigura-se-nos que o tribunal ponderou correctamente:
- a sua actuação com dolo directo, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal;
- a forte intensidade do grau de ilicitude da sua conduta;
- o modo de execução dos factos, já que o arguido, de forma predatória, procurou no facebook por um número de uma criança de 10 anos, ligando-lhe de forma incessante;
- a motivação inerente à conduta do arguido no que esta parte diz respeito, já que visou desta forma satisfazer os seus impulsos sexuais lascivos.
- os antecedentes criminais que possui por crimes contra a autodeterminação sexual, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução;
- o arguido não assumiu o seu comportamento e não demonstrou qualquer arrependimento, o que indicia fraco juízo de autocensura e que ainda não interiorizou o desvalor das suas condutas.
- as necessidades prevenção geral, que neste caso são altíssimas, em face da exploração
vulnerabilidade de uma criança por parte do arguido.
Assim, ponderando os aspectos supra referidos, afigura-se-nos justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena concretamente aplicada nos autos pelo que deve a mesma manter-se, nos seus precisos termos.
Assim, em face a tudo o exposto, entendemos que se deve manter nos seus precisos termos a douta sentença ora recorrida.
CONCLUSÕES:
1. A questão sub judice reside em determinar se a circunstância do arguido, em três distintas ocasiões, telefonar para o ofendido e emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, o faz incorrer no aludido crime de abuso sexual de menor, por entender-se que o mesmo actuou sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, (…) pornográficos.
2. A criminalização do tipo de conduta prevista no art° 171°, n° 3, al. b), de actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos, visa a tutelar o desenvolvimento sem entraves da criança, designadamente ao nível do desenvolvimento harmonioso da sua sexualidade.
3. A modalidade de acção no caso da alínea b), n.º 3, do art.171.º, do Código Penal, é o agente actuar sobre menor de 14 anos de idade, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos.
4. Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias «A conversa abrangerá seguramente qualquer forma de comunicação coloquial, seja levada a cabo directamente ou por qualquer outra forma, v.g. telefonicamente ou por meio informático, em suma, neste sentido seja qual for o seu “suporte”.
5. Ainda a este propósito refere o mesmo Professor que a utilização da palavra “sobre” menor não pressupõe a necessidade de contacto corporal entre o agente e a vítima e que “ Basta que o menor participe a qualquer título (…) da conversa, da leitura, do espectáculo (visual ou sonoro, v.g. certas hot lines ou certos discos) ou da observação do objecto pornográfico.”
6. O conceito de “pornográfico” terá que ver com a representação ou apresentação de pessoa envolvida em comportamento sexual explicito, nomeadamente para fins sexuais.
7. O ofendido tinha à data da prática dos factos 10 anos é claramente menor de 14 pelo que mostrasse preenchido o primeiro requisito.
8. A conversa abrange qualquer forma de comunicação coloquial, seja qual for o seu suporte, deve entender-se que também preenche a facti species do crime em causa a comunicação telefónica, também se referindo que actuação “sobre o menor” não pressupõe a contacto físico sobre o mesmo.
9. E o mesmo se diga quanto ao teor pornográfico da conversa na medida em que o arguido emite, de forma explicita, sons típicos de relação sexual, com vista a sua satisfação sexual.
10. A única questão que se poderá colocar á a de saber se estamos perante uma “conversa”, tal e qual exigido pelo tipo objectivo do crime em questão, atenta a circunstancia do ofendido nada ter respondido, apesar de a ter ouvido.
11. Rejeitamos a interpretação literal do termo “conversa” revertida em alguma doutrina e
jurisprudência, tal e qual vem citado no recurso ora em apreço.
12. O bem jurídico tutelado pela norma penal consiste na protecção da autodeterminação sexual, sobretudos face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual.
13. Assim sendo, interessa para integração da conduta do arguido no crime em causa - art° 171°, n°3, al.b) do Código Penal – aferir se as palavras dirigidas pelo mesmo ao ofendido foram susceptíveis de perturbar o desenvolvimento harmonioso desta criança na esfera da sexualidade tal como o normativo em causa visa proteger.
14. Ora, a resposta a esta pergunta não pode ser outra que não afirmativa, sendo que o arguido, de verdade, com tais expressões causou um efectivo constrangimento ao menor ao ponto de prejudicar o seu sadio desenvolvimento sexual.
15. É verdade que o arguido não teve uma conversa no sentido em que este vocábulo vem definido nos dicionários, mas o arguido interpelou a criança através de palavras e sons, de forma apta, idónea a perturbar, a comprometer o desenvolvimento harmonioso da mesma na sua esfera sexual
16. A mera circunstância de ser destinatário de uma conversa com o teor da supra descrito, atinge o núcleo essencial do bem jurídico que tal norma penal visa proteger, independentemente do visado responder ou não.
17. É, absolutamente incongruente exigir que a criança tenha de retorquir de qualquer forma, encetando um dialogo com o seu agressor para beneficiar da protecção da norma, nem se consegue vislumbrar o que é que a resposta, e em que termos, acrescentaria à infracção da norma penal.
18. Na verdade, o tipo legal refere, claramente, que o agente age “sobre” a criança ou seja impõe a sua vontade naquela, e não “com” a criança pressupondo a sua participação voluntária.
19. Se analisarmos globalmente todos os elementos do tipo descritos na alínea em causa (conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográfico) facilmente se concluí que o termo conversa deverá ser entendido como um conjunto de palavras, escritas ou orais, dirigidas por um interlocutor (maior) a outro (menor) independentemente da sua resposta.
20. Neste sentido veja-se o acórdão do STJ de 05.07.2007 «No abuso sexual de crianças será sempre relevante qualquer actuação objectivamente libidinosa por mais simples que ela seja ou pareça ser, em virtude de tais menores não disporem do discernimento suficiente para se relacionarem sexualmente em liberdade» - cfr., CJSTJ 2/07, 242.
21. Deste modo, impõe-se em concluir que a conduta do arguido ao emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, integra todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal) assim incorrendo o mesmo na prática do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171°, n.° 3, alínea b), do Código Penal.
22. Ora, na determinação da pena, recorre-se ao critério geral previsto no art. 71.º n.º 1 do CP, que dispõe que, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
23. Dispõe o art. 40.º n.º 2, do mesmo diploma legal, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
24. Por sua vez, o n.º 2 do aludido art. 71 do CP, estabelece que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
25. No que diz respeito à medida concreta da pena afigura-se-nos que o tribunal ponderou
correctamente:
26. Isto posto, no que diz respeito à medida concreta da pena afigura-se-nos que o tribunal ponderou correctamente:
a. A sua actuação com dolo directo, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal
b. A forte intensidade do grau de ilicitude da sua conduta;
c. O modo de execução dos factos, já que o arguido, de forma predatória, procurou no facebook por um número de uma criança de 10 anos, ligando-lhe de forma incessante;
d. A motivação inerente à conduta do arguido no que esta parte diz respeito, já que visou desta forma satisfazer os seus impulsos sexuais lascivos.
e. Os antecedentes criminais que possui por crimes contra a autodeterminação sexual, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução;
f. O arguido não assumiu o seu comportamento e não demonstrou qualquer arrependimento, o que indicia fraco juízo de autocensura e que ainda não interiorizou o desvalor das suas condutas.
g. As necessidades prevenção geral, que neste caso são altíssimas, em face da exploração vulnerabilidade de uma criança por parte do arguido.
27. Assim, ponderando os aspectos supra referidos, afigura-se-nos justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena concretamente aplicada nos autos pelo que deve a mesma manter-se, nos seus precisos termos.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida.
*
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada mais foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art.410º nº 2 do CPP.

É assim composto exclusivamente por matéria de Direito, atinente à diversa interpretação dos factos sustentando-se a não subsunção do crime de abuso sexual de criança; assim como à alteração da pena e/ou do regime de execução da pena de prisão.
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Do enquadramento dos factos.
Matéria de facto provada:
1. O menor C… nasceu em 17/05/2007 e reside com a mãe no Marco de Canaveses;
2. O ofendido detinha, desde data não concretamente apurada mas anterior a 19 de Agosto de 2017, conta no facebook, de onde constava fotografia de perfil actual, referência ao estabelecimento de ensino que frequentava e o seu n.º de telemóvel – ……….;
3. Da fotografia de perfil do menor resultava inequivocamente a idade do menor;
4. O arguido B…, em data não concretamente apurada mas anterior a 19 de Agosto de 2017, visualizou o perfil do facebook do menor e dessa forma, obteve o n.º de telemóvel do ofendido menor – ………;
5. Assim, no dia 19 de Agosto de 2017, o arguido telefonou, através do seu telemóvel com o n.º ……….., para o n.º de telemóvel do menor ofendido supra mencionado:
- às 16h07;
- às 16h08;
- às 16h010;
- às 16h14;
6. No dia 09 de Setembro, o arguido voltou a telefonar para o n.º de telemóvel do menor ofendido:
- às 11h51;
- às 11h57;
7. Uma vez que o número de telemóvel do arguido era não identificado, o menor ofendido nunca atendeu tais telefonemas;
8. Todavia, nos dias:
- 20 de Outubro, pelas 16h27;
- 27 de Outubro, pelas 13h45 e pelas 13h46,
quando se encontrava em casa da ama E…, o menor atendeu os telefonemas efectuados para o seu n.º de telemóvel pelo arguido através do seu n.º ……….;
9. No dia 20 de Outubro, imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, o arguido emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, tendo o ofendido desligado de imediato a chamada;
10. No dia 27 de Outubro, o arguido telefonou novamente para o n.º de telemóvel do menor ofendido e no 1.º telefonema efectuado, imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando, uma vez mais, o acto sexual;
11. Como o menor ofendido desligou de imediato a chamada, o arguido, não satisfeito, ligou novamente, quase de imediato e perguntou ao menor onde este estava, ao que este respondeu que estava em casa;
12. Como a ama lhe disse para perguntar quem estava ao telefone, o arguido respondeu que era o “D…” e perguntou de forma insistente ao menor se queria ir dar uma volta com ele, que o iria buscar a casa;
13. De imediato e sem que o menor tivesse tempo de reagir, o arguido, novamente, começou a emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual e desligou a chamada;
14. O arguido B…, actuou de forma livre, voluntária e consciente, ao telefonar insistentemente para o n.º de telemóvel do ofendido, com o intuito concretizado de perturbar a sua tranquilidade;
15. Mais actuou o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a idade do menor ofendido C…, sabendo que este tinha 10 anos de idade e, não obstante tal conhecimento, quis telefonar ao menor, emitindo sons de cariz sexual e fazendo-lhe propostas para encontros de natureza sexual, estando ciente de que ao actuar da forma descrita perturbava e prejudicava de forma séria, como o fez, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual e colocava em causa o seu normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e da consciência sexual do menor;
16. Actuou o arguido com a intenção concretizada de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, ao actuar da forma descrita, ciente de que para além de perturbar o são desenvolvimento da personalidade do menor, lhe causaria, como causou, forte perturbação emocional, por fazê-lo recear ser raptado;
17. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;
18. Devido aos supra referidos acontecimentos, a vida pacata e normal, quer do C…, quer dos seus familiares, sofreu uma transformação brusca;
19. O Ofendido passou a viver em clima de permanente sobressalto, sempre com receio que o Arguido o voltasse a importunar, seja por contacto telefónico, Facebook, ou qualquer outro meio;
20. Com a agravante de que vivia (e ainda vive) aterrorizado com a perspectiva de o Arguido aparecer em sua casa, ou noutro qualquer local, interpelando-o para sair consigo, tal como já o fez anteriormente;
21. Pelo que não mais conseguiu ou pôde ficar sozinho, tal como acontecia anteriormente a este episódio;
22. Ao contrário do que ocorria anteriormente, o C… não mais voltou a deslocar-se de casa para a paragem do autocarro escolar, para casa dos vizinhos, ou para qualquer outro lugar, desacompanhado;
23. Tendo os progenitores necessidade de recorrer ao ATL para garantir que este estaria sempre acompanhado, nunca correndo o risco de se encontrar sozinho, inclusivamente em casa;
24. Uma vez que o pai se encontra emigrado na Bélgica, estando raramente em casa e a mãe trabalha fora de casa, só podendo estar com o Ofendido ao final da tarde;
25. Tal circunstancialismo provocado pelo arguido, para além da alteração de toda a dinâmica familiar, acarretou uma série de despesas adicionais de forma a que a família se pudesse proteger dos intentos do arguido;
26. A partir do momento em que o arguido praticou os actos supra descritos, a família viu-se forçada a contratar serviço de ATL incluindo o transporte do C… de casa para a escola e regresso, que ascende a um encargo mensal, desde Novembro de 2017, no valor de €165,00 (cento e sessenta e cinco euros), pelo que, nesta data, totaliza o valor de €2.640,00 (dois mil, seiscentos e quarenta euros);
27. Valor que, doutro modo, não teriam que suportar, uma vez que o C… sempre andou à vontade, sem receio de estar ou ficar sozinho, brincando com os amigos na rua, deslocando-se para a paragem do autocarro escolar sozinho, o que deixou completamente de fazer por terror de estar sozinho;
28. Para além da despesa supra aludida, logo após a descoberta desta situação, os pais viram-se na necessidade de proteger mais a residência, prevenindo qualquer tipo de tentativa de intrusão, pelo que instalaram um sistema de videovigilância, pelo qual despenderam o valor de €1.000,00 + IVA, totalizando, assim, €1.353,00 (mil, trezentos e cinquenta e três euros);
29. Logo que tomou conhecimento do sucedido, o pai do C… que está a trabalhar na Bélgica, veio imediatamente para Portugal, comunicando esse facto à sua entidade patronal;
30. Regressou a casa, onde esteve cerca de uma semana e atendendo a que aufere o equivalente ao Salário Mínimo Nacional, ficou privado de auferir uma semana de vencimento, valor que se computa em cerca de €150,00 (cento e cinquenta euros), valor esse que, de outra forma, auferiria normalmente;
31. Isto para além, das despesas com as viagens de vinda e regresso à Bélgica, cujo valor ascende a €200,00 (duzentos euros);
32. Toda a actuação do Arguido causou enorme transtorno no dia-a-dia do Ofendido, bem como do seu agregado familiar;
33. Provocando um estado de permanente desassossego, pela eventualidade de os factos supra descritos se poderem voltar a repetir, ou até mesmo de o Arguido poder vir procurar o Ofendido a casa deste, o que não seria descabido atentas as insistências daquele em ir passear com o C…;
34. Para além do natural sobressalto, desassossego e temor, há a ter em consideração que o Ofendido ficou completamente alterado em termos comportamentais, deixando de confiar nas pessoas que o rodeiam, bem como nos amigos, motivado pela insegurança que se apoderou de si, deixou de ir para a rua brincar com os amigos, deixou de ser alegre, bem disposto e comunicativo, características que o descreviam e que deixaram de fazer parte da sua personalidade;
35. Passando a ser uma criança que vive em permanente sobressalto, angustiada, desassossegada e que procura restringir ao máximo o contacto com as pessoas estranhas ao seu círculo familiar mais próximo;
36. Não conseguindo dormir sozinho, pelo que agora passou a dormir com a mãe, uma vez que o pai raramente se encontra em casa;
37. Devido à actuação do Arguido, o C… emagreceu cerca de três kgs, ficando com aspecto doente, designadamente, muito pálido;
38. O Ofendido teve necessidade de ser internado após uma consulta de urgência no Hospital F…, no Porto, internamento que decorreu entre o dia 04 de Dezembro de 2018 e o dia 10 de Dezembro de 2018;
39. Após observação e análises, foi diagnosticado que todo este episódio de urgência seguido de internamento, se deveu apenas a motivo do foro psicológico, designadamente, stress, que foi motivado pela actuação do Arguido;
40. Na presente data, encontram-se os pais do Ofendido a aguardar que seja remetido relatório clínico da ocorrência, tendo solicitado o mesmo ao Centro Hospitalar F…;
41. Apenas no dia 19 de Fevereiro do corrente é que foi dada alta definitiva ao C…, na sequência deste episódio de urgência e internamento;
42. O arguido B… é o oitavo de nove filhos de um casal de baixa condição socioeconómica. O processo de socialização terá decorrido num núcleo familiar normativo caracterizado por um quadro relacional estável e potenciador da interiorização de regras e valores socialmente adaptados. A frequência escolar, interrompida aos 14 anos de idade após a conclusão do 2º ciclo, não se encontra associada a problemas de adaptação a regras e normas. Abandonou o ensino, por sua opção, motivado pelo desejo de iniciar actividade laboral e assim contribuir para o orçamento dos pais. No início do seu percurso laboral desenvolveu funções como operário fabril. Posteriormente, após ter trabalhado um pequeno período de tempo como assalariado agrícola, começou a laborar na construção civil, inicialmente como servente e depois como pedreiro, actividade que desenvolveu durante 17 anos consecutivos para a mesma empresa do ramo da construção civil. Após um período de desemprego em que apoiou a mãe da companheira, reiniciou actividade profissional na construção civil, denotando hábitos de trabalho e empenho nas funções que lhe são atribuídas. Ao nível da sua vida afectiva/sexual, o arguido refere a primeira experiência sexual aos 17 anos, com uma jovem do seu escalão etário, com quem manteve um relacionamento superficial. Com 21 anos de idade iniciou o relacionamento afectivo com a mulher com quem virá a casar três anos depois, e de quem tem uma filha actualmente com 30 anos de idade. Avalia este período de vivência em comum, de cerca de 27 anos, como gratificante e satisfatório ao nível sexual. Há aproximadamente doze anos divorciou-se, atribuindo responsabilidades ao ex cônjuge. Em 2011, quando contava 50 anos de idade, iniciou uma relação marital com a sua actual companheira, 23 anos mais nova. Do qual resultou o nascimento de um filho, actualmente com 2 anos de idade. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, B… apresentava um estilo de vida que, na actualidade, não apresenta alterações significativas. Assim, no plano familiar integra o agregado constituído pela companheira (G…, 30 anos de idade, embaladora de fruta) e o filho de ambos, com 2 anos de idade. Tanto o arguido como a companheira, referem manter um relacionamento gratificante, ancorado em sólidos laços afectivos e sentimentos de interajuda e cumplicidade. Também na vertente da intimidade do casal, descrevem-na como “normal”, respeitadora do outro e com tendência para à realização de ambos. Ao nível profissional, B… exerce funções como operário da construção civil, através de uma empresa temporária de trabalho, com a qual celebrou um contrato de trabalho. Aufere um ordenado de cerca de €700. Para o orçamento doméstico contribui também o valor do vencimento mensal da companheira, de €600. Como despesas mensais mais significativas, refere o pagamento do empréstimo contraído para aquisição de habitação (€160), infraestruturas do imóvel (€100) e pagamento da ama que cuida do filho (€125). Avalia a sua situação como precária mas compatível com os compromissos assumidos e com a satisfação das necessidades de manutenção dos elementos do agregado. No plano pessoal apresenta competências que lhe permitem identificar causas e consequências do seu comportamento, compreendendo e valorizando o cumprimento das suas responsabilidades. Apresenta-se como um indivíduo com tendência para se autovalorizar, invocando a interiorização de sólidos valores morais, alegadamente incompatíveis com comportamentos criminais nomeadamente ao nível sexual. Na comunidade de residência, onde os factos pelos quais se encontra acusado são desconhecidos, é percepcionado como uma pessoa associado a um padrão comportamental normativo, convivendo com pares com as mesmas características pró sociais. O arguido foi condenado pela prática de um crime de natureza sexual, no âmbito do processo 814/12.9PBCLD, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha),numa pena suspensa com regime de prova e com acompanhamento pelos serviços da DGRSP que terminou dia 07.05.2019. No decorrer da execução da pena, nunca assumiu o crime pelo qual foi condenado, atribuindo responsabilidades à família da vítima, muito embora tenha cumprido as outras acções previstas no plano de reinserção social. A condenação do arguido não se constituiu como um foco de desentendimento entre o casal, até porque a companheira partilha a versão vitimizadora que o arguido sempre defendeu. B… foi avaliado numa consulta de psiquiatria, da qual teve alta por não reconhecer qualquer problema pessoal relacionado com a vivência da sua sexualidade. O percurso de vida do arguido B… decorreu num contexto de integração familiar e social aparentemente estável, sem registo de factores perturbadores do seu processo de desenvolvimento pessoal, nomeadamente ao nível da sua sexualidade. A condenação numa pena de execução na comunidade, cujo terminus ocorreu a 7 de maio de 2019, pela prática de crimes de natureza sexual com menores que o arguido nunca assumiu, persistindo numa reiterada atitude de negação e de atribuição externa de responsabilidades, comprometeu a continuidade das consultas de psiquiatria, e inviabilizou o diagnóstico e eventual intervenção na área da sexualidade;
43. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 07-02-2017 proferida no processo comum singular n.º 814/12.9PBCLD que corre termos no Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, pela prática, em 28-11-2012, de um crime de actos sexuais com adolescente e um crime de recurso à prostituição de menores na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, mediante acompanhamento da DGRSP.
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Factos Não Provados
Não se provaram outros factos relevantes para a discussão da causa para além ou em contradição com os que foram dados como assentes.
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A) Enquadramento jurídico-penal
Sendo este o quadro factual que resultou provado, importa agora, subsumi-lo às pertinentes normas de direito penal.
O arguido encontra-se acusado da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art.º 190.º, n.º 2, do C.P., em concurso real com dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal.
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Crime de perturbação da vida privada
De acordo com o disposto no art.º 190º nº 2 do Código Penal, comete o crime de perturbação da vida privada “(…) quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel”, sendo punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
O bem jurídico protegido pela norma citada é a paz e o sossego, o qual só é violado com uma particular forma de conduta: telefonar para a habitação ou para o telemóvel, com essa específica intenção. É que resulta do teor literal do citado nº 2 do art.º 190º do Código Penal.
O Prof. Costa Andrade, diz que tal norma não incrimina outras formas alternativas de atentado contra a paz e o sossego, como enviar mensagens ou apresentar-se diante do domicílio, ao contrário do que sucedia no domínio da Lei nº 3/73 de 5 de Abril (que veio a ser revogada pelo art. 6º do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro), que prescrevia na Base III que: “Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado”, numa época em que ainda não existiam telefones móveis (quereria o legislador referir-se às mensagens de voz, deixadas na caixa do correio do telefone fixo?). O novo texto, excluiu da sua redacção a expressão «através de mensagens».
Poder-se-á colocar a questão de saber se com tal eliminação, haverá necessariamente que se concluir que a conduta do agente que com a intenção de perturbar a paz e o sossego de outra pessoa, lhe enxamear o telemóvel de mensagens de voz ou escritas, não é criminalmente punível, de acordo com o princípio da legalidade penal consagrado no art. 29º nº 1 da C.R.P. e prescrito no art. 1º do Código Penal. Ou seja, apenas a palavra falada, circunscrita à troca directa de palavras entre chamador e receptor, ou a tentativa de o fazer, através do som de chamamento emitido pelo aparelho fixo ou móvel de comunicação à distância, é susceptível de perturbar a paz e o sossego de uma pessoa?
A perfilhar-se esta interpretação, está a restringir-se o significado de «telefonar» à comunicação directa e imediata entre o chamador e o receptor, através da troca de palavras faladas, ou ao sinal de chamamento emitido pelo aparelho fixo ou móvel.
Deverá então excluir-se do conceito de «telefonar», a mensagem de voz deixada na caixa do correio do telefone fixo ou móvel, quando o receptor não atende ao sinal de chamamento?
Vejamos.
O art. 190º do Código Penal insere-se no Capitulo VII, que tem por epígrafe «Dos crimes contra a reserva da vida privada». No preâmbulo do D.L. 400/82 de 23/9 diz-se a propósito que “Outra questão que suscitou particular interesse foi a da protecção da vida privada (…). É de todos sabido que a massificação no acesso a meios e instrumentos electrónicos veio a favorecer a intromissão na vida alheia e ilegítima na esfera da vida privada das pessoas. A isto há que atalhar, para protecção dos últimos redutos da privacidade a que todos têm direito, pela definição de específicos tipos legais de crime que protejam aquele bem jurídico. (…)”.
Apesar da anunciada intenção, nem no art. 176º nem no art. 180º, o legislador de 1982 cuidou de eleger como específico bem jurídico a paz e o sossego e tipificar os ataques ao mesmo através dos meios electrónicos existentes na altura.
Maia Gonçalves, em anotação art. 178º do Código Penal na redacção dada pelo D.L. 400/82, diz que “Este artigo mostra-se de algum modo incompleto e desactualizado, ao não contemplar o caso, muito frequente, do uso do telefone ou do envio de mensagens, ou ainda da apresentação diante do domicílio de outrem ou em lugar privado, sem justa causa e com o propósito de importunar as pessoas, que já constava da Lei nº 3/73 de 5 de Abril”.
Todavia, na revisão do Código levada a cabo pelo D.L. nº 48/95 de 15 de Março e por último, pela Lei nº 59/2007 de 4/9, introduziu-se o nº 2 ao art. 190º, punindo-se as condutas traduzidas «em telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel», com o específico propósito de incomodar. Há então que se recorrer ao significado de «telefonar». «Têle» vem do grego e exprime a ideia de longe, ao longe, à distância. Telefone é o aparelho que permite transmitir a palavra ou o som à distância. «Telefonar» significa falar pelo telefone ou comunicar pelo telefone.
O dicionário da língua portuguesa, distingue as duas situações que atribui ao significado «telefonar»: 1) falar pelo telefone; 2) comunicar pelo telefone.
A comunicação pelo telefone fixo faz-se apenas através da troca directa da palavra falada entre os interlocutores, ou através de mensagem de voz deixada na caixa do correio do destinatário, se este não atende ao som de chamamento. Ainda que o receptor da tentativa de comunicação de outrem no telefone fixo, não atenda a chamada, o crime p. e p. pelo art. 190º nº 2 do C.P. fica preenchido, se o agente se limita a dar toques para o telefone fixo instalado na habitação de outra pessoa, sem pretender com ela estabelecer qualquer conversa, apenas com a intenção de a incomodar.
Com o avanço da tecnologia a comunicação à distância pode fazer-se onde quer que se encontre o destinatário da notícia, através do telefone móvel, vulgo, telemóvel, que normalmente acompanha o portador.
A comunicação entre duas pessoas pode ser feita através da palavra falada ou escrita; o telefone móvel acrescenta ao aparelho fixo a particularidade de permitir conversar ou apenas transmitir uma qualquer notícia, através da palavra escrita, seja no espaço fechado da habitação, seja em qualquer outro local onde se encontre o seu portador.
Quando alguém pretende comunicar com outrem, seja pelo telefone fixo, seja pelo telefone móvel, estes aparelhos emitem um som de aviso, que também é accionado com a recepção da palavra falada em mensagem, no fixo e no móvel, e ainda com a recepção da palavra escrita/mensagem no telefone móvel.
É certo, que o telefone fixo, quando emite o som de aviso de que alguém quer comunicar ou comunicou através de mensagem de voz, retira a atenção do destinatário da tarefa que no momento o ocupa, ou do momento de lazer ou de descanso em que se encontra, para o colocar na disponibilidade imediata do chamador; tal já não sucede através da palavra escrita/mensagem, uma vez que o destinatário poderá deixar para momento posterior o acto de dela tomar conhecimento.
Ao telefone móvel, é possível retirar o som (como sucede com o telefone fixo) para que o seu portador não seja importunado; contudo, já não lhe é possível, nem que o queira, deixar de tomar conhecimento, pelo menos da recepção de uma qualquer comunicação escrita/mensagem ou mensagem de voz, enviada por outrem ainda que decida não tomar conhecimento do seu conteúdo.
Se ocorrer esta última situação, o certo é que a dita mensagem, sobretudo se for insistente, persistente e em número incontável, não deixa de perturbar a paz e sossego do respectivo destinatário, maxime, se ocorrer em momentos de reunião familiar, laser ou de repouso.
Não é exigível a ninguém que retire o som de aviso da tentativa de comunicação através da palavra falada ou da palavra escrita do seu aparelho de telefone fixo ou móvel, respectivamente; e mesmo que tal aconteça, a comunicação escrita ou mensagem de voz, em número excessivo, pode ocasionar a impossibilidade de o aparelho receptor receber outras comunicações escritas ou de voz, enquanto as anteriores não forem eliminadas. E essa tarefa não deixa de interferir com a paz e o sossego do respectivo destinatário.
Por isso mesmo, se nos afigura que o legislador elegeu «a vida privada, a paz e o sossego» a bem jurídico essencial à sã convivência dos homens numa comunidade organizada, reprovando normativamente e punindo, no art. 190º nº 2 do Código Penal, as condutas contra eles dirigidas.
Versando indirectamente a questão, decidiu o Ac. do TRC de 28-04-2009 (disponível in www.dgsi.pt) que “A circunstância de a queixosa ter denunciado contra desconhecidos factos susceptíveis de integrarem, além do mais, um crime de perturbação da vida privada p. e p. pelo art. 190º nº 2 do Código Penal e ter elaborado, por sua iniciativa, listagens das chamadas e mensagens recebidas no seu telemóvel – aquelas que entendeu revelar – não consente que se presuma que quis consentir na prestação de informações sobre todas e quaisquer chamadas e mensagens por si recebidas num determinado período”.
Concluindo, somos de entender que o art. 190º nº 2 do Código Penal, ao criminalizar a perturbação da vida privada, paz e do sossego traduzida no acto de, com essa específica intenção, telefonar para a habitação ou para o telemóvel de outra pessoa, quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de tais aparelhos, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua recepção emitem um som de aviso (neste sentido vd Ac. do TRP de 22-06-2011 disponível in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a específica intenção por parte do arguido de perturbar a vida privada, a paz e o sossego do menor, retira-se da quantidade de chamadas telefónicas que o arguido efectuou para o número de telemóvel utilizado pelo menor, a diversas horas do dia, bem como do respectivo teor, ao abordar directamente o menor, questionando-o sobre a sua localização, endereçando-lhe convites, fazendo-o temer pela sua liberdade de movimentos e circulação, sabendo o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Verificados que estão os elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito, resta concluir que o arguido cometeu este crime de que vem acusado.
Importa, assim, referir que não existem quaisquer circunstâncias susceptíveis de afastar a ilicitude e/ou a culpa.
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Crime de abuso sexual de crianças.
De acordo com o art.º 171.º, n.º 3, al. b) do Código Penal comete o referido crime “quem actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos”, sendo punido com pena de prisão até três anos.
O bem jurídico aqui tutelado incide imediatamente na protecção da sexualidade durante a infância e o começo da adolescência e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento, sendo esta uma das dimensões intangíveis da protecção da infância e da juventude (cfr. art.º 69.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1 da Constituição). Assim e só mediatamente se pode dizer que se protege a liberdade e a autodeterminação sexual, porquanto só mais tarde é que tais menores vão desenvolver estas suas vertentes.
Por isso, a graduação dos diversos tipos do abuso sexual de criança assenta na maior ou menor prejudicialidade do acto praticado em relação à protecção da sexualidade da criança – critério de protecção diferenciado em função do desvalor da acção.
Nesta conformidade, enquanto o tipo base se centra na prática de actos sexuais de relevo, o tipo qualificado já exige actos de cópula ou equiparados, quedando-se o tipo privilegiado pela prática de actos de importunação sexual ou então por conversas, escritos, espectáculos ou objectos pornográficos.
O bem jurídico protegido por esta a norma incriminadora é a liberdade e autenticidade de expressão, ao nível da sexualidade, de pessoas que, situadas abaixo de determinado nível etário, não são ainda suficientemente maduras para se autodeterminarem a esse nível – procura-se proteger a autodeterminação sexual “face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade” (Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 541).
Nas palavras de Teresa Pizarro Beleza “há uma convicção legal (iuris et de iure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de auto determinação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual” (In O Conceito Legal de Violação, Revista do Ministério Público, ano 15º, nº 59, pág. 56).
O Prof. Costa Andrade, por sua vez, refere que “(...) até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado de certos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em actividades sexuais” (In Consentimento e Acordo em Direito Penal, Coimbra Editora, 1993, pág. 391 e segs).
Assim, ainda que o bem jurídico protegido com a incriminação do abuso sexual de crianças seja também a liberdade e autodeterminação sexual, é primordialmente o livre desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual. Com efeito, a lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor, perante menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela podem ser perpetrados, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de acções sexuais bilaterais (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Setembro de 2007, Processo n.º 07P2273, disponível em www.dgsi.pt). Sucede, porém, que conforme supra se referiu mesmo dentro do art.º 171º do Código Penal são distinguidas diversas situações, de acordo com a sua gravidade objectiva.
A vítima do tipo de crime em análise é necessariamente uma criança ou um jovem menor de 14 anos, de qualquer sexo, e é tipicamente indiferente que seja ou não sexualmente iniciada, que possua ou não capacidade de entender o acto sexual em causa ou que lhe caiba uma intervenção activa ou passiva.
Tomando por base o bem jurídico aqui em causa, considera-se como actuar sobre o menor toda a acção com significado ou conotação sexual que é imposta a outrem, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos, por ser contra a sua vontade ou então quando a pessoa visada ainda não tem capacidade para manifestar esse consentimento, de modo a violar a protecção da sexualidade e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual dos menores de 14 anos.
Actuar sobre o menor significa pois tentar satisfazer com ele ou através dele, por meio de processos de característica sexuais, interesses ou impulsos de relevo, que todavia não têm, estes, de possuir natureza sexual, mas podem ser de natureza diferente. A utilização da palavra “sobre” não pressupõe por outro lado a necessidade de contacto corporal entre o agente e a vítima. Basta que o menor participe a qualquer título – ainda o mais radicalmente passivo- da conversa, da leitura, do espectáculo (visual ou sonoro) ou da observação do instrumento pornográfico (neste sentido vd Jorge de Figueiredo Dias, in op. cit., pág. 547).
Quanto ao elemento subjectivo do tipo de ilícito, exige-se o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades, sendo certo que o agente tem de estender o seu dolo a todos os elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito.
Descendo ao caso vertente, resultou provado que no dia 20 de Outubro de 2017 o arguido telefonou, através do seu telemóvel com o n.º ………, para o n.º de telemóvel do menor ofendido e imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, o arguido emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, tendo o ofendido desligado de imediato a chamada. Mais se provou que no dia 27 de Outubro, o arguido telefonou novamente para o n.º de telemóvel do menor ofendido e no 1.º telefonema efectuado, imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando, uma vez mais, o acto sexual. Como o menor ofendido desligou de imediato a chamada, o arguido, não satisfeito, ligou novamente, quase de imediato e perguntou ao menor onde este estava e se queria ir dar uma volta com ele, que o iria buscar a casa. De imediato e sem que o menor tivesse tempo de reagir, o arguido, novamente, começou a emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual e desligou a chamada.
Finalmente provou-se que o arguido actuou de forma livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a idade do menor ofendido C…, sabendo que este tinha 10 anos de idade e, não obstante tal conhecimento, quis telefonar ao menor, emitindo sons de cariz sexual e fazendo-lhe propostas para encontros de natureza sexual, estando ciente de que ao actuar da forma descrita perturbava e prejudicava de forma séria, como o fez, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual e colocava em causa o seu normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e da consciência sexual do menor. Actuou o arguido com a intenção concretizada de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, ao actuar da forma descrita, ciente de que para além de perturbar o são desenvolvimento da personalidade do menor, lhe causaria, como causou, forte perturbação emocional, por fazê-lo recear ser raptado. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Consideramos, assim, que os factos dados como provados preenchem os elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b) do Código Penal. Todavia, tendo em linha de conta que estamos perante uma reiteração de actos homogéneos perpetrados num mesmo contexto situacional, comandado por uma única resolução criminosa, somos do entendimento que se verifica apenas um crime de abuso sexual de crianças.
Não emergindo da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido não agiu no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, e muito menos coagido por uma situação apta a desculpar a sua conduta, terá o mesmo de ser condenado também pela prática deste crime que lhe é imputado.
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Escolha e medida da Pena
Posto isto, resta-nos determinar a pena concreta a aplicar ao arguido tendo em conta que conforme supra se mencionou o crime de perturbação da vida privada é punido, em abstracto, com uma pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias e o crime de abuso sexual de crianças é punido, em abstracto, com uma pena de prisão até 3 anos.
Ora, a aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º do Código Penal), devendo o juiz na operação de determinação da medida da pena, conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral, quer especial. Em sede de finalidade da aplicação das penas e natural critério concretizador das respectivas medidas, perfilha-se a orientação expendida por Figueiredo Dias (“As consequências jurídicas do crime”, págs 227 a 231), que, em síntese, confere à culpa o papel limitativo do máximo de pena e às finalidades de prevenção o papel preponderante na determinação da medida concreta da pena, sendo as exigências de ressocialização do delinquente os factores decisivos, em último termo, da medida concreta da pena a aplicar, na certeza de que toda a pena serve exclusivamente finalidades de prevenção geral e especial.
Na determinação da medida da pena deve o Tribunal tomar em conta, como directrizes fundamentais, conforme imposição legal do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos factores enunciados no nº 2 da norma acabada de enunciar.
Neste tipo de crimes são elevadas as exigências de prevenção geral tendo em conta que o bem jurídico protegido é o desenvolvimento sem entraves da personalidade das crianças e jovens, a exigir da sociedade uma resposta firme e adequada, de modo a desmotivar comportamentos deste jaez.
O arguido agiu com intenção da satisfazer os seus impulsos sexuais, pelo que é necessário fazê-lo sentir que errou e que a sociedade não tolera comportamentos como o dos autos. Nesse sentido, defronte das elevadas exigências ao nível da prevenção geral ou comunitária, desfavoravelmente contra o arguido impõe-se ainda considerar:
- a sua actuação com dolo directo, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal;
- a forte intensidade do grau de ilicitude da sua conduta;
- o modo de execução dos factos;
- os antecedentes criminais que possui por crimes contra a autodeterminação sexual, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução;
- o arguido não assumiu o seu comportamento e não demonstrou qualquer arrependimento, o que indicia fraco juízo de autocensura e que ainda não interiorizou o desvalor das suas condutas.
Favoravelmente, impõe-se considerar apenas a sua integração familiar e profissional.
Ora, aqui chegados, importa ponderar de forma determinativa os antecedentes criminais do arguido, tendo averbada uma condenação transitada em julgado em 07-02-2017 proferida no processo comum singular n.º 814/12.9PBCLD que corre termos no Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, pela prática, em 28-11-2012, de um crime de actos sexuais com adolescente e um crime de recurso à prostituição de menores, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, mediante acompanhamento da DGRSP. Verifica-se assim que o arguido cometeu os factos em apreço nestes autos entre Agosto e Outubro de 2017, logo em pleno decurso do prazo da suspensão da execução de pena de prisão que lhe foi imposta no supra id. processo e cujo término estava previsto apenas para 07-05-2019. Daí que, segundo as circunstâncias do caso, ao arguido deva censurar-se o facto de não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação anterior. Significa isto que tal pena de prisão suspensa na sua execução não serviu de suficiente advertência para afastar o arguido da prática de crimes contra menores, mas apenas contribuiu para o seu sentimento de impunidade. Na verdade, como deixamos exposto, o arguido mostra-se indiferente à condenação sofrida, a qual não veio a revelar qualquer efeito dissuasor no sentido de impedir a prática de novos crimes de natureza semelhante.
A prevenção especial não tem assumido relevante resultado – no sentido de ocorrerem reflexos visíveis no seu comportamento, conforme dá nota o relatório social ao referir que no decorrer da execução da pena o arguido nunca assumiu o crime pelo qual foi condenado, atribuindo responsabilidades à família da vítima, persistindo numa reiterada atitude de negação e de atribuição externa de responsabilidades, o que comprometeu a continuidade das consultas de psiquiatria, e inviabilizou o diagnóstico e eventual intervenção na área da sexualidade, sendo que o arguido foi avaliado numa consulta de psiquiatria, da qual teve alta justamente por não reconhecer qualquer problema pessoal relacionada com a vivência da sua sexualidade. Ora, as atitudes de negação, a par da fraca motivação para o eventual tratamento constituem-se como factores negativos que, em caso de condenação, podem comprometer o sucesso de uma eventual medida penal.
Opta-se então, pela aplicação da pena de prisão efectiva, em detrimento de qualquer outra, por se entender que apenas esta terá o efeito de prevenir a prática de delitos como o dos presentes autos, sendo ainda a única adequada a punir a actual conduta do arguido – a única suficiente para prevenir a prática pelo agente de futuros crimes e para repor a estabilidade da norma jurídica violada. Assim sendo, inexiste qualquer alternativa à pena de prisão, sendo que qualquer outra pena não privativa da liberdade, ou a substituição da referida pena de prisão por uma pena de suspensa na sua execução, não garante qualquer eficácia à pena, antes sendo um retrocesso porque não acautela que o arguido continue a praticar crimes contra a autodeterminação sexual enquanto em liberdade.
Temos, assim, por certo, no que às necessidades de prevenção especial respeita, que são muito elevadas no caso, pois o arguido manifesta uma propensão preocupante para a prática destes tipos de crimes contra a autodeterminação sexual, cometendo-os sempre que pode e alheando-se completamente do estado em que deixa as vítimas, revelando uma clara indiferença pelas consequências do seu comportamento.
Nestes termos, num juízo de ponderação global, salvaguardando as finalidades da punição que não eram asseguradas por uma pena não privativa da liberdade e atendendo, sobretudo, ao modo e gravidade dos factos perpetrados e sucessivamente repetidos pelo arguido, será adequado e proporcional aplicar-lhe a pena de 1 (um) ano de prisão pela prática do crime de abuso sexual de crianças e a pena de 5 (cinco) meses de prisão, pela prática do crime de perturbação da vida privada.
Em cúmulo jurídico e observando os critérios estabelecidos pelo art.º 71.º do Código Penal, devendo ser aplicada uma pena única situada entre o mínimo de 1 ano e o máximo de 1 ano e 5 meses, atendendo a tudo quanto acima se expôs, o tribunal considera adequada a aplicação da pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.
Finalmente importa referir que o Tribunal é do entendimento que o cumprimento de uma tal pena de prisão em regime de permanência na habitação nos termos do disposto no art.º 43º do Código Penal, por ser desacompanhada de qualquer acompanhamento clinico especializado (e para o qual o arguido não deu o seu consentimento, já que não reconhece os factos nem assume qualquer problema pessoal relacionado com a vivência da sua sexualidade, sendo certo que a anterior atitude de negação e de atribuição externa de responsabilidades, comprometeu a continuidade das consultas de psiquiatria e inviabilizou o diagnóstico e eventual intervenção na área da sexualidade no âmbito do processo em que foi condenado) não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, tanto mais que o arguido integra o agregado constituído pela companheira e o filho de ambos, também ele menor de idade.
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Cumpre apreciar.
A primeira questão que o recorrente apresenta no recurso é a divergência interpretativa dos factos, sustentando que os mesmos não subsumem o crime de abuso sexual previsto e punido pelo art.171º nº3 alínea b) do CP. Argumenta o recorrente que os gemidos imputados ao arguido não tem a virtualidade para se tentar satisfazer com o menor, e carecem de autonomia e idoneidade para prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual. Porém, sem razão, tal como o Tribunal “A Quo” sumariou, o recorte dos factos tem a seguinte expressão: “…resultou provado que no dia 20 de Outubro de 2017 o arguido telefonou, através do seu telemóvel com o n.º ………, para o n.º de telemóvel do menor ofendido e imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, o arguido emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual, tendo o ofendido desligado de imediato a chamada. Mais se provou que no dia 27 de Outubro, o arguido telefonou novamente para o n.º de telemóvel do menor ofendido e no 1.º telefonema efectuado, imediatamente após o menor ter atendido a chamada telefónica, emitiu sons inequivocamente de cariz sexual – gemidos -, simulando, uma vez mais, o acto sexual. Como o menor ofendido desligou de imediato a chamada, o arguido, não satisfeito, ligou novamente, quase de imediato e perguntou ao menor onde este estava e se queria ir dar uma volta com ele, que o iria buscar a casa. De imediato e sem que o menor tivesse tempo de reagir, o arguido, novamente, começou a emitir sons de cariz sexual – gemidos -, simulando o acto sexual e desligou a chamada.
Finalmente provou-se que o arguido actuou de forma livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a idade do menor ofendido C…, sabendo que este tinha 10 anos de idade e, não obstante tal conhecimento, quis telefonar ao menor, emitindo sons de cariz sexual e fazendo-lhe propostas para encontros de natureza sexual, estando ciente de que ao actuar da forma descrita perturbava e prejudicava de forma séria, como o fez, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual e colocava em causa o seu normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e da consciência sexual do menor. Actuou o arguido com a intenção concretizada de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, ao actuar da forma descrita, ciente de que para além de perturbar o são desenvolvimento da personalidade do menor, lhe causaria, como causou, forte perturbação emocional, por fazê-lo recear ser raptado. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.”
Perante as exigências da tipicidade prevista no art.171º nº3 alínea b) do CP, deve destacar-se a criminalização da transmissão de conteúdos pornográficos explícitos à criança, seja pela palavra dirigida à vítima; pela visualização de suportes escritos que lhe são exibidos, assim como de espetáculos e objetos. Sublinha-se que a abordagem do arguido foi telefónica com comunicação verbal expressamente dirigida à vítima (não se trata de um registo sonoro genérico), devendo entender-se que a conversação, como modo típico de abordagem, inclui as diversas formas de comunicação verbal/sonora, susceptível de transmitir conteúdos e significados pornográficos. O conceito de conversa embora implique uma relação com 2 ou mais pessoas, inclui no seu âmbito diálogos, comunicações e toda a forma discursiva que interaja com a vítima como outro interlocutor, bastando que o discurso lhe seja dirigido para que haja dois interlocutores e assim se integre no conceito de conversa.
Diversamente, o monólogo porque se expressa com um único interlocutor é uma forma de interacção consigo próprio, e para além de estar fora do que se discute nos autos; se for uma representação, não sendo conversa, poderá assemelhar-se a um espectáculo formal ou informal (na via pública, no domicílio ou num palco), também integrador da mesma alínea. Daí, pouco interessar distinguir no conceito de conversa o discurso com ou sem troca de palavras (sendo que até houve troca de palavras no 2º telefonema do dia 27 de Outubro, cfr.ponto 11 dos factos provados), pois, a acção do arguido concretizou-se num discurso dirigido especificamente à vítima o que por si só integra o conceito de conversa (com 2 ou mais interlocutores), nada alterando o nível da agressão a circunstância da vítima retorquir algo, como também não se exigem comentários da vítima quando visualiza um espectáculo ou tem acesso a um escrito ou a um objeto.
A expressão verbal do arguido foi expressamente linguística, teve capacidade de comunicação e foi inequívoca no significado pornográfico explicito quando transmitiu provocatoriamente o ambiente sonoro do acto sexual íntimo. Com efeito, usou repetidamente onomatopeias (que consistem na figura de retórica de imitação aproximada entre o som de uma palavra e a realidade que a mesma representa. A palavra tenta imitar o som natural da coisa significada), produzindo gemidos próprios dos parceiros do acto sexual. O uso de onomatopeias constitui um recurso construtivo linguístico e estilístico que aumenta a expressividade do discurso. No discurso de onomatopeias, o arguido usou fonemas (unidades sonoras articuladas) que formam palavras com uma ou duas sílabas, mas cujos sons visam, como se referiu, a reprodução, no caso, das expressões sonoras do acto sexual.
Como se referiu, a comunicação do agente do crime através da conversação com conotação sexual, não exige troca de palavras, mas a comunicação de significados e conteúdos através da palavra expressamente dirigida à vítima, o que ocorreu inequivocamente. Visando o arguido transmitir expressões sonoras próprias de actos sexuais, por isso perturbadoras do normal crescimento do menor, afetou de forma intolerável a liberdade na formação da sua sexualidade com 10 anos de idade, portanto a uma distância apreciável de amadurecer a sua sexualidade de forma correcta, no seu tempo e contextos adequados. Acresce que, como se provou, para além do seu discurso repetido, o arguido nesse contexto de provocação sexual, convida o menor para se encontrar com ele.
O arguido com a sua conduta tipicamente integrada na conversação com conteúdos sexuais atingiu directamente o bem jurídico tutelado. Da prova produzida são exuberantes os efeitos perturbadores provocados pelo arguido na vítima, que se viu claramente constrangida, apresentando padrões de sofrimento muito significativos.
Assim, mostrando-se subsumida a conduta do arguido no crime de abuso sexual de criança previsto no art.171º nº3 alínea b) do CP, deverão improceder as conclusões do recurso a este respeito.
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Devendo manter-se a condenação pela prática de dois crimes importa apreciar a pretensão do recurso quanto à opção e regime de execução da pena a cominar, pugnando o recorrente pela sua alteração para pena de multa (quanto ao crime de perturbação da vida privada previsto e punido pelo art.190º nº2 do CP), embora aqui com os pressupostos da absolvição do crime de abuso sexual de crianças e do consequente desfazer do cúmulo jurídico, circunstâncias que não ocorrem, mantendo-se aquela condenação assim como a necessidade de apreciar a decisão de cúmulo.
No sistema sancionatório português, as sanções privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, por influência dos princípios político-criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Como reflexo, a lei estabelece no artigo 70.º do Código Penal uma preferência pela pena não privativa da liberdade sempre que ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção, previstas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal.
Considerando o conteúdo normativo presente no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de uma pena visa assegurar exclusivamente finalidades de prevenção: geral positiva, traduzidas na proteção de bens jurídicos, e especial positiva, tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.
Prosseguindo finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, a pena é concebida “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, do ordenamento jurídico-penal”. Por sua vez, assegurando finalidades de prevenção especial positiva ou de socialização a pena visa, “com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas concepções sobre a vida e sobre o mundo, pela sua posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes”. (Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - Parte Geral I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2011, (2.ª reimpressão), págs. 51 e 55).
Assim sendo, a opção pela pena alternativa à pena de prisão terá que ser feita sempre e apenas nos casos em que através dela se possam realizar as finalidades da punição.
Por outro lado, para efeitos de determinação da medida concreta da pena a aplicar deve, impreterivelmente, o Julgador recorrer aos critérios legalmente definidos nos artigos 70º a 74º do Código Penal.
Nesta matéria refere o artigo 71º, nº 1 do citado diploma legal que: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção“, enumerando-se no nº 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias exemplificativas que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Os parâmetros fundamentais para o Julgador aferir da pena concreta a aplicar um arguido, são por um lado a culpa do mesmo (porquanto esta “não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo desta”) e, por outro as necessidades/exigências de prevenção geral e especial. No caso sob apreciação e analisada a motivação da Douta sentença, foi feita a ponderação de todos os factos que depõe a favor e contra o arguido.
A aferição da medida da culpa do arguido implica a ponderação da censura do facto cometido, o desvalor da sua atitude, a qual por vezes resulta do quadro de ilicitude cometida e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo agora ser apreciada em concreto.
Concretamente, ponderou e pesou-se no Tribunal “A Quo” a circunstância do arguido cometer os delitos apurados nestes autos em pleno período de suspensão da execução de uma outra pena de prisão cominada num anterior processo por delito de natureza similar, optando-se justamente pela pena de prisão (cfr.art.70º do CP), atento não só a indiferença manifestada pelo arguido, como igualmente a gravidade do comportamento assumido pelo mesmo nos factos destes autos, onde o dolo do arguido é intenso, denunciado por uma energia criminosa determinada. Somente a pena privativa da liberdade é suficiente para cumprir os seus fins.
O recorrente sustenta que o Tribunal “A quo” quanto ao crime de perturbação da vida privada não ponderou as circunstâncias do art.71º do CP face às exigências e prevenção, porém, como se constata, essa análise foi feita pelo Tribunal aqui citando apenas o trecho “Nesse sentido, defronte das elevadas exigências ao nível da prevenção geral ou comunitária, desfavoravelmente contra o arguido impõe-se ainda considerar:
- a sua actuação com dolo directo, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal;
- a forte intensidade do grau de ilicitude da sua conduta;
- o modo de execução dos factos;
- os antecedentes criminais que possui por crimes contra a autodeterminação sexual, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução;
- o arguido não assumiu o seu comportamento e não demonstrou qualquer arrependimento, o que indicia fraco juízo de autocensura e que ainda não interiorizou o desvalor das suas condutas.
Favoravelmente, impõe-se considerar apenas a sua integração familiar e profissional.
Ora, aqui chegados, importa ponderar de forma determinativa os antecedentes criminais do arguido, tendo averbada uma condenação transitada em julgado em 07-02-2017 proferida no processo comum singular n.º 814/12.9PBCLD que corre termos no Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, pela prática, em 28-11-2012, de um crime de actos sexuais com adolescente e um crime de recurso à prostituição de menores, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, mediante acompanhamento da DGRSP. Verifica-se assim que o arguido cometeu os factos em apreço nestes autos entre Agosto e Outubro de 2017, logo em pleno decurso do prazo da suspensão da execução de pena de prisão que lhe foi imposta no supra id. processo e cujo término estava previsto apenas para 07-05-2019. Daí que, segundo as circunstâncias do caso, ao arguido deva censurar-se o facto de não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação anterior. Significa isto que tal pena de prisão suspensa na sua execução não serviu de suficiente advertência para afastar o arguido da prática de crimes contra menores, mas apenas contribuiu para o seu sentimento de impunidade. Na verdade, como deixamos exposto, o arguido mostra-se indiferente à condenação sofrida, a qual não veio a revelar qualquer efeito dissuasor no sentido de impedir a prática de novos crimes de natureza semelhante.
A prevenção especial não tem assumido relevante resultado – no sentido de ocorrerem reflexos visíveis no seu comportamento, conforme dá nota o relatório social ao referir que no decorrer da execução da pena o arguido nunca assumiu o crime pelo qual foi condenado, atribuindo responsabilidades à família da vítima, persistindo numa reiterada atitude de negação e de atribuição externa de responsabilidades, o que comprometeu a continuidade das consultas de psiquiatria, e inviabilizou o diagnóstico e eventual intervenção na área da sexualidade, sendo que o arguido foi avaliado numa consulta de psiquiatria, da qual teve alta justamente por não reconhecer qualquer problema pessoal relacionada com a vivência da sua sexualidade. Ora, as atitudes de negação, a par da fraca motivação para o eventual tratamento constituem-se como factores negativos que, em caso de condenação, podem comprometer o sucesso de uma eventual medida penal.
Opta-se então, pela aplicação da pena de prisão efectiva, em detrimento de qualquer outra, por se entender que apenas esta terá o efeito de prevenir a prática de delitos como o dos presentes autos, sendo ainda a única adequada a punir a actual conduta do arguido – a única suficiente para prevenir a prática pelo agente de futuros crimes e para repor a estabilidade da norma jurídica violada. Assim sendo, inexiste qualquer alternativa à pena de prisão, sendo que qualquer outra pena não privativa da liberdade, ou a substituição da referida pena de prisão por uma pena de suspensa na sua execução, não garante qualquer eficácia à pena, antes sendo um retrocesso porque não acautela que o arguido continue a praticar crimes contra a autodeterminação sexual enquanto em liberdade.
Temos, assim, por certo, no que às necessidades de prevenção especial respeita, que são muito elevadas no caso, pois o arguido manifesta uma propensão preocupante para a prática destes tipos de crimes contra a autodeterminação sexual, cometendo-os sempre que pode e alheando-se completamente do estado em que deixa as vítimas, revelando uma clara indiferença pelas consequências do seu comportamento.”
Sendo manifesto que somente a pena de prisão poderá cumprir os fins da pena, atentas as pesadas exigências de prevenção assinaladas pelo Tribunal “A Quo”, nas quais se destaca a grave ilicitude dos factos, comprovada que estão as consequências nefastas que da acção do arguido resultaram para o menor, que muito sofreu, o que agrava superlativamente a culpa do arguido que sabendo da tenra idade da vítima não hesitou em expô-la repetidamente aos seus ímpetos sexuais, não podendo ignorar as sérias perturbações que as suas acções provocariam, sendo o próprio arguido quem demonstrou a ineficácia do regime suspensão da execução da pena, dado que escasso tempo após o trânsito em julgado da anterior condenação por crime com etiologia similar ao crime de abuso sexual (delito que atingindo dolorosamente a intimidade das vítimas, não deixa de estar associado também ao crime de perturbação da vida privada) onde havia sido condenado a pena de prisão suspensa na sua execução, não se impressionou com a mesma, evidenciando indiferença por essa pena, cometendo de forma enérgica e resoluta novos delitos.
Com efeito, não obstante a sua inserção social e familiar (parâmetros que moderam as exigências de prevenção especial), os factores de risco do arguido são muito elevados, não resistindo à sua compulsão sexual de efeitos muito negativos para as vítimas, mostrando que a mera ameaçada da pena não surte os desejados efeitos, não sendo por isso possível formular um juízo de prognose favorável sobre a eficácia de uma mera ameaça da pena como suficiente para cumprir os fins da pena condicionando positivamente o seu comportamento futuro (cfr.art.50º do CP).
O quantum concreto de cada pena parcelar foi correctamente mensurado pelo Tribunal “A Quo”, que por isso se deverá manter.
A ponderação da escolha e medida da pena associada ao cumprimento dos seus fins, visa, como se referiu, censurar o facto para assim reafirmar perante a comunidade o valor dos bens jurídicos lesados e promover a integração social e comunitária do arguido. Portanto, pese embora o julgamento incida sobre a reconstituição de um acontecer histórico, o essencial da ponderação da pena incide sobre o tempo futuro, sobre um tempo vindouro, onde se pretende apaziguar a comunidade para a validade das normas e, no mesmo passo ajustar a pena mais adequada ao arguido, medindo e aferindo os índices de risco do arguido, nos seus procedimentos futuros, na forma como se envolve e se tem e virá a relacionar com a comunidade, com “os outros”, nas suas dependências, compulsões e faltas de preparação, que a pena tem obrigação de prever e acautelar, promovendo a mudança interior do agente do crime, das formas como o mesmo interage com “o outro”.
Tendo como horizonte os referidos parâmetros de ponderação é insofismável que o seu registo criminal reveste gravidade pelo tipo de pena que lhe foi cominada, o que agrava as exigências de prevenção especial, assim como os níveis da censura do facto.
O conjunto das circunstâncias assinaladas torna desfavorável qualquer juízo de prognose sobre a conduta do arguido perante um cenário de mera ameaça da pena de prisão, a qual não tendo qualquer eficácia perante sua conduta futura, inviabiliza a suspensão da pena única cominada ao arguido (cfr.art.50º do Cód. Penal).
Como resulta dos fundamentos expostos, o recurso não poderá merecer provimento.
DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso penal totalmente improcedente e consequentemente, nos termos e fundamentos expostos, manter a decisão do Tribunal “A Quo” nos seus exatos termos.

Custas deste recurso que se fixa em 3 ucs a cargo do arguido recorrente - 513º, n.º 1 do Código Processo Penal).

Notifique.
Sumário:
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Porto, 29 de Janeiro 2020.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha