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AGENTE DE EXECUÇÃO
HONORÁRIOS
NOTA DISCRIMINATIVA
RECLAMAÇÃO
CRÉDITO À HABITAÇÃO
Sumário
I - Constitui um ónus do executado comprovar o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como, os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas, se pretende obter o reconhecimento do direito à retoma do contrato de crédito, ao abrigo do art. 28º DL 74-A/2017 de 23 de junho. II - Apresentada pelo agente de execução nota discriminativa de honorários e despesas, nos termos do art. 43º e 45º da Portaria 282/2013 de 29 de agosto pode, nos termos do art. 46º do mesmo diploma “qualquer interessado[…], no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria”. III - Por não se tratar de uma petição inicial, mas de um incidente - reclamação - cuja dedução está sujeita a prazo processual, formulada na pendência de um processo, a falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça fica sujeita ao regime próprio previsto no art. 570º e 642º CPC, por analogia com o regime que se aplica para a contestação.
*** Acordam neste Tribunal da Relação do Porto ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )
I. Relatório
Os executados B… e C…, residentes na rua …, .., …. - … … vieram em 22 de fevereiro de 2019 (REFª: 31652766 /ref Citius 5153198) requerer a suspensão dos termos da execução e ainda, em consequência, que ficasse sem efeito a venda marcada para o dia 6 de Março de 2019, cancelando de imediato o respetivo leilão eletrónico, com fundamento no facto de terem formulado junto da exequente pedido de retoma do crédito à habitação.
Alegaram para o efeito e em síntese, que os executados, mutuários e consumidores, B… e C…, mutuários do Banco D… ou/e do Banco E… vêm, neste processo, exercer o seu direito de retoma do contrato de mútuo reestruturado, conforme carta já junta ao processo, o que fazem dentro do prazo, uma vez que o podem fazer até à venda executiva, artigo 28.º, n.º 1 do DL 74-A/2017 de 23 de junho.
Consideram que a ter havido a resolução do contrato, considera-se ela sem efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º, mantendo-se o contrato de crédito reestruturado em vigor nos exatos termos e condições que constam do crédito reestruturado.
Não se verifica qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento.
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Em 26 de fevereiro de 2019 (ref. Citius 78894841) proferiu-se o despacho que se transcreve:
“Uma vez que não é demonstrada a aceitação da exequente e a retoma do crédito habitação como causa de inutilidade superveniente da lide, indefere-se o pedido de suspensão da execução.
Notifique o exequente que esclareça se foi retomado o contrato de crédito habitação nos termos requeridos pelos executado e se ocorre inutilidade superveniente da lide”.
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Por requerimento-resposta de 01 de março de 2019 (REFª: 31733548/ref. Citius 5173586) a exequente veio pronunciar-se, alegando para o efeito e em síntese, que os contratos de crédito habitação executados nos presentes autos não foram retomados nos termos requeridos pelos executados, não se verificando a invocada inutilidade superveniente da lide, porquanto o incumprimento inicial dos contratos de crédito de mútuo com hipoteca executados nos presentes autos ocorreu em 25/01/2012.
Face ao incumprimento dos executados o exequente, em 12 de Março de 2012, deu entrada à competente ação executiva, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo de Execução de Lousada - Juiz 2, sob o nº 392/12.9TBLSD.
No âmbito deste processo executivo, os Executados solicitaram ao Exequente a retoma das prestações vencidas, o que foi aceite pelo Exequente. Este facto foi comunicado aos autos pelo Exequente em 04 de Agosto de 2015. O referido processo foi extinto, nos termos requeridos pelo Exequente.
Os executados entraram novamente em incumprimento dos contratos de crédito de mútuo com hipoteca executados nos presentes. Face à persistência deste incumprimento o Exequente, em 13 de Fevereiro de 2017, deu entrada à presente ação executiva.
Na pendência da execução, os Executados requereram novamente ao Exequente a retoma dos contratos executados nos presentes autos. Face a este pedido, em 30 de Maio de 2017, o Exequente requereu a suspensão da ação executiva.
Os executados não liquidaram o capital vencido.
Em 27 de Outubro de 2017 o Exequente requereu o prosseguimento dos presentes autos.
Alega, ainda, que nos termos do disposto no nº 3 do artº 28º do Decreto-Lei n.o 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017 “O mutuante apenas está obrigado a aceitar a retoma do contrato duas vezes durante a respetiva vigência.”
Face aos sucessivos pedidos de retoma do contrato dos executados e consequente incumprimento dos executados, não pode o Exequente aceitar novo pedido de retoma de contrato.
Alegam, por fim, que após a entrada da presente ação e do registo da competente penhora pela Senhora Agente de Execução, os Executados transmitiram a propriedade do imóvel dado em garantia dos créditos executados nestes autos. Na presente data, os executados já não são proprietários do imóvel, não sendo possível proceder à retoma do contrato face à alteração da titularidade do imóvel dado em garantia pelos próprios executados.
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Em 28 de março de 2019 proferiu-se o seguinte despacho:
“Visto.
Determino a prossecução da execução.
Comunique à Agente de Execução”.
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Em 01 de abril de 2019 o agente de execução procedeu à notificação /comunicação da conta discriminativa e justificativa, conforme o disposto nos arts. 43º e 45º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto ( ref. Citius 5278726 ).
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Em 04 de setembro de 2019 (REFª: 33295562/ ref. Citius 5724126 ) vieram os executados apresentar requerimento de arguição de nulidades, com o teor que se passa a transcrever:
“1. Em 22.02.2019 os Executados deram entrada de um requerimento neste Tribunal exigindo ao Exequente a retoma do crédito à habitação nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 74- A/2017, de 23 de Junho de 2017, que substitui a Lei n.º 58/2012, de 9 de Setembro, transpondo parcialmente a Diretiva 2014/17/EU;
2. O Tribunal entendeu antes de se pronunciar sobre o direito de retoma do crédito à habitação por parte dos Executados dar ao Exequente prazo para o exercício do contraditório;
3. Efetivamente, o Exequente veio manifestar-se defendendo que não se verificou a retoma do crédito;
4. Ademais, depois disso deram entrada outros requerimentos tanto pelas partes como pela Senhora Agente de Execução.
5. Inclusivamente, a Senhora Agente de Execução comunicou ao Tribunal a aceitação de uma proposta em que o Exequente adjudicou o bem imóvel;
6. O certo é que até este momento o Tribunal não se pronunciou sobre se o direito de retoma do credito à habitação por parte dos executados se efetivou ou não e quais respetivos fundamentos;
7. Estamos assim perante uma omissão de pronuncia que constitui uma nulidade grave e que afeta todo o processado após o requerimento de 22.02.2019;
8. Nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1 e que aqui expressamente se invoca e que deverá dar lugar à anulação de todos os atos praticados no processo após a data de entrada do referido requerimento;
REQUER A V.EXA QUE SEJA DECLARADA A NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONUNCIA E EM CONSEQUENCIA ANULAR SE TODO O PROCESSADO AFETADO PELA MESMA”
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Em 17 de setembro de 2019 (REFª: 33419817/ ref. Citius 5753786) vieram os executados formular o requerimento, sob a designação de “Reclamação” que se transcreve:
“ 1. Os Executados apresentaram no dia 4 do corrente mês um requerimento – em boa verdade, no seguimento de outros – onde são arguidas várias nulidades do presente processo executivo e, em consequência, da própria venda judicial;
2. Pelo que, e apesar de ainda não existir uma decisão quanto àqueles, a verdade é que a adjudicação do imóvel em causa pode ser, por essa via, anulada;
3. Deixando, por isso, de fazer sentido nesse caso a rubrica referente ao produto da venda, e bem assim a liquidação apresentada;
4. Sendo certo que o normal seria a venda ser efetuada só depois de obtida uma decisão sobre os referidos requerimentos;
5. Pelo contrário, nos autos, a venda prosseguiu sem os requerimentos apresentados pelos Executados serem sequer considerados;
Além disso,
6. São indevidamente cobrados juros e comissões em flagrante violação do previsto no Decreto-Lei 58/2013, de 8 de Maio;
Senão vejamos,
7. No Requerimento Executivo no qual a Senhora Agente de Execução se baseou para fazer a liquidação consta a aplicação de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal até efetivo e integral pagamento;
8. Ora, de acordo com o regime em vigor, o Exequente deixa de poder fixar ou aplicar sequer essa cláusula penal;
9. Sendo também que a taxa sobre os juros moratórios a que alude se encontra também ela ferida de ilegalidade porquanto o limite máximo está previsto nos 3% e não nos 3,687% - artigo 8.º do referido Decreto-Lei;
Não fosse o bastante,
10. E o Exequente ainda se quer cobrar de comissões – não especificadas, note-se - no valor de 337.91€;
11. Uma vez mais ilegalmente, já que o Decreto-Lei 58/2013 proíbe genericamente a cobrança de quaisquer comissões ou outras quantias, mesmo que a título de cláusula penal moratória – artigo 9.º;
12. Estabelecendo no seu n.º 2 as condições e LIMITES para a sua aplicação e que no caso estão longe de ser respeitados;
Mais,
13. Na nota de liquidação são ainda peticionados 1.151,83€ a título de juros remuneratórios, valor que igualmente se impugna e do qual se reclama;
Porquanto,
14. No Requerimento Executivo nos pontos 7.º e 15.º - e fazendo menção ao Documento Complementar que integra a escritura de mútuo com hipoteca, que serve de título executivo à presente ação – é alegado que o incumprimento de uma das prestações nas datas previstas importa o vencimento das demais – al.b) do referido Documento, de acordo aliás com o artigo 781.º do Código Civil;
15. Acontece que o vencimento imediato das prestações restantes prende-se apenas com o capital e não com os juros, como facilmente se compreenderá;
16. Isto é, o incumprimento de uma das prestações implica o vencimento imediato das restantes apenas na parte do capital e não determinando o vencimento antecipado da prestação de juros;
17. Ora, o Exequente ao exigir a restituição imediata do montante global em dívida apenas o poderá fazer relativamente ao capital;
18. Não podendo, como bem explica o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2007 (Processo n.º 07A930), disponível em www.dgsi.pt “verse investido naquilo que o tempo não lhe deu, ou seja, no direito aos juros remuneratórios, o qual só pelo decurso do tempo até ao fim do contrato gradualmente nasceria, pois tais juros também só por esse decurso do tempo se venceriam”;
19. E ainda no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25.03.2009 (Proc. n.º 08A1992), disponível em www.dgsi.pt;
Por último, mas não menos importante,
20. O valor pelo qual o presente processo entrou e que o Exequente designa por “capital em dívida” já contempla juros moratórios;
21. O que significa, por outras palavras, que no capital em dívida foram já capitalizados juros de mora;
22. Querendo ainda o Exequente cobrar juros moratórios sobre esse valor;
23. Ora, a capitalização de juros moratórios não é permitida exceto no âmbito da reestruturação ou consolidação de contratos de crédito – artigo 7.º, n.º 5 do mesmo diploma;
24. Posto isto, vislumbra-se um dilema para o Exequente resolver;
25. Pois que, ou confirma a reestruturação de créditos que aliás o Executado sempre alegou e a capitalização de juros foi nesse âmbito realizada; ou o Exequente prossegue negando a reestruturação e a capitalização de juros feita é ilegal;
Termos em que se requer a V. Exa que anule a liquidação em causa por não corresponder ao crédito exequendo”.
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Proferiu-se em 30 de setembro de 2019 (ref. Citius 80694573)o despacho que se transcreve:
“ Uma vez que os executados não demonstram documentalmente que liquidaram o capital vencido e pagaram as prestações vencidas e não pagas, e face à oposição da exequente, indefere-se o pedido dos executados de retoma do contrato nos termos do artº 28 nº 1 do DL 74-A/2017 de 23 de junho.
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Os executados vieram deduzir incidente de reclamação em que pedem que se anule a liquidação em causa por não corresponder ao crédito exequendo.
A reclamação é um incidente autónomo e eventual da tramitação processual, pelo que incumbiria à parte que despoletou tal incidente proceder à autoliquidação de taxa de justiça.
Efetivamente, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), todos os processos estão sujeitos a custas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, considera-se como processo autónomo cada incidente que possa dar lugar a tributação própria.
Atento o disposto no artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, deveria o exequente com a apresentação do requerimento, ter procedido à autoliquidação da taxa de justiça, nos termos da Tabela II B–“Outros Incidentes”.
Assim por omissão do pagamento de taxa de justiça não se conhece da reclamação apresentada pelos executados.
N.
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Notifique a Agente de Execução para proceder á entrega do imóvel à exequente nos termos do artº 828 do Código Processo Civil desde já autorizando-se o auxilio da força publica de segurança, para efetivação da diligencia de entrega do imóvel, com recurso a arrombamento se necessário, conforme requerido pelo Agente de Execução.
Deve ser observado o disposto no artº 861 nº 6 do Código Processo Civil pela Agente de Execução”.
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Os executados vieram interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões: 1. Os Executados B… apresentaram, nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017 (que veio substituir a Lei n.º 58/2012, de 9 de Setembro, que transpõe parcialmente a Diretiva 2014/17/EU, que estipula o regime extraordinário de proteção de devedores do crédito habitação em situação económica difícil. 2. Sendo, por isso, estabelecido um procedimento excecional, relativamente a incumprimento de contratos de mútuos celebrados no sistema de crédito habitação do agregado familiar e que seja objeto de contrato de mútuo com hipoteca), designadamente com o pedido de retoma do crédito habitação, conforme Carta ao Banco E… e registo de envio dos CTT, que consta do requerimento datado de 22 de Fevereiro de 2019. 3. Uma vez apresentado o requerimento junto da Entidade Bancária Exequente, pelos Executados, a requerer a aplicação do Regime do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017, antes da realização da venda executiva, esta não poderia ter-se realizado sem que houvesse decisão sobre o mesmo. 4. Tal determinação legal resulta de vários Acórdãos de Tribunais da Relação, nomeadamente dos Acórdãos 6576/11.0TBSXL-B.L1-8, e 5273/16.4T8FNC.L1, do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a aplicação da Lei n.º 58/2012, de 9 de Novembro, nomeadamente o Artigo 8.º e 23.º B, que foi substituída pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017, que têm como temas o Direito dos Executados (mutuários e/ou consumidores) à Retoma do Crédito Habitação, Suspensão da Execução e Anulação da Venda marcada. 5. Assim, com o Pedido de Retoma do Crédito dos Executados ao Exequente E…, a designada venda, marcada para o dia 6 de Março de 2019, teria de ser dada sem efeito, devendo a execução ser imediatamente suspensa (sublinhado nosso) ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, 2.ª parte, por “ser este um motivo justificado”. 6. Tal consequência jurídica é retirada da letra da lei e do seu espírito, reforçado pelos Acórdãos acima referidos, como consta do Sumario do Acórdão n.º 6576/11.0TBSXL-B.L1-8, do Tribunal da Relação de Lisboa: “se estiver designada a venda terá de ser dada sem efeito, devendo a execução ser suspensa ao abrigo do disposto no art. 279, n.º 1, 2.º parte (atual art. 272.º, 1, 2.º parte do Código de Processo Civil) por “ser este um motivo justificado”. 7. Os Executados, mutuários e consumidores, B… e C…, mutuários do Banco D… ou/e do Banco E… não só exerceram extrajudicialmente o seu direito de retoma do contrato de mútuo reestruturado, como também o confirmaram no presente processo com o requerimento de 22 de Fevereiro de 2019. 8. E fizeram-no dentro do prazo, uma vez que o podiam fazer até à venda executiva, artigo 28.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. 8/31 9. Por tal, a ter havido a resolução do contrato considera-se ela sem efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º, mantendo-se o contrato de crédito reestruturado em vigor nos exatos termos e condições que constam do crédito reestruturado. 10. Neste caso, não se verifica qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento. 11. Em conformidade com o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017, o consumidor ou mutuário do crédito habitação não pode renunciar aos direitos que lhe são conferidos por força das disposições do presente decreto-lei, sendo nula qualquer convenção que os exclua ou restrinja. 12. Nos termos do disposto no artigo 36.º, nos casos da retoma do crédito pelo mutuário do crédito habitação, há a inversão do ónus da prova, competindo assim ao mutuante fazer prova do cumprimento das obrigações previstas no presente decreto-lei. 13. Por último, mas não menos importante o Legislador considera fraude à lei e feridas de nulidade, as situações criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicação do disposto no presente decreto-lei, nomeadamente a transformação de contratos de crédito sujeitos ao regime do presente decreto-lei em contratos de crédito excluídos do âmbito da aplicação do mesmo, n.º 1 e n.º 2, a), art. 37.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017. 14. O Banco E… veio responder que os contratos de crédito habitação não foram retomados nos termos requeridos pelos Executados. 15. Veio considerar ainda que o contrato de crédito foi retomado duas vezes, o que não corresponde à verdade. 16. Na verdade, houve sim uma reestruturação aceite pelo Banco D…, na altura, o Exequente, com a proposta final de acordos de reestruturação do crédito habitação, conforme Doc. n.º 1 que se junta; 17. Previamente a esses acordos foi condição sine qua non para que o Banco apresentasse uma proposta de reestruturação que os Executados procedessem ao pagamento dos montantes em atraso, Doc. n.º 2 que se junta; 18. Os referidos acordos de reestruturação foram devidamente assinados pelos mutuários, cujas assinaturas foram devidamente reconhecidas e o documento autenticado por Advogado, conforme exigência do Banco Exequente; 19. Entretanto, em 27 de Outubro de 2017 conforme afirmação do atual Exequente Banco E… este requereu o prosseguimento dos presentes autos, o que é um facto que consta do processo; 20. Contudo, enquanto aqui o Exequente o Banco E… refere no artigo 10.º da resposta ao Requerimento dos executados para retoma do crédito que o motivo, que estes não liquidaram o capital vencido – o que é falso porquanto no Doc. n.º 1 junto com este recurso o pagamento deste montante foi essencial para que o Banco apresentasse as propostas de reestruturação; 21. Curiosamente, no requerimento de 27 de Outubro de 2017 o Banco informa que “as negociações encetadas pelos executados resultaram gorada”; 22. Hoje, estamos em condições de afirmar que na verdade a reestruturação que foi proposta pelo Banco D… e aceite pelos Executados prosseguiu os termos normais conforme as cláusulas constantes no contrato, no entanto, quando se dá a incorporação do Banco D… no Banco E… por fusão o novo Exequente reverte à revelia dos Executados a reestruturação dos créditos; 23. E é um facto que a partir do terceiro trimestre do ano de 2017 passa a ser o Banco E…; 24. O certo é que aquando da venda do crédito de um Banco ao outro estava em vigor e em cumprimento o acordo de reestruturação celebrado com o Banco D…, do que o Banco E… fez tábua rasa de forma consciente e dolosa; 25. Acresce ainda que no Douto Despacho de que ora se recorre o Tribunal de Primeira Instância mandou desentranhar um requerimento apresentado pelos Executados que veio na sequência da apresentação pela Senhora Agente de Execução da liquidação do julgado, em que peticionam a sua anulação por não corresponder esta ao crédito exequendo; 26. Situação que, salvo o devido e maior respeito, com o qual não se concorda; 27. Isto porque, a liquidação que a Senhora Agente de Execução apresentou e da qual foram os Executados notificado corresponde, em rigor, a uma conta corrente do processo; 28. E que só surgiu na sequência da venda judicial operada; 29. Alterando-se inclusivamente, por via disso, a quantia exequenda; 30. Ora, a liquidação em causa reveste uma natureza estritamente provisória já que a venda foi objeto de arguição de várias nulidades e informativa; 31. E que enquanto “retrato do crédito exequendo” não se poderia consolidar no seu conteúdo sem que os Executados exercessem o real e pleno direito ao contraditório; 32. Até porque, com o requerimento referido não se põe em causa aspetos meramente formais, mas sim ilegalidades que o Tribunal tem de conhecer e sobre as quais tem de se pronunciar a fim de se fazer sã e cabal justiça; 33. Já que em causa está nomeadamente a aplicação de cláusulas penais, juros e comissões em flagrante violação do disposto e previsto no Decreto-Lei 58/2013, de 8 de Maio; 34. Mais importante ainda, é que de acordo com o predito diploma a capitalização de juros moratórios não é permitida, exceto no âmbito da reestruturação ou consolidação de contratos de crédito – artigo 7.º, n.º 5; 35. Assim, atendendo ao facto de que o Exequente, por um lado, tem vindo a negar a reestruturação e a retoma do crédito mas, por outro, procedeu à capitalização de juros moratórios, 36. Pois que, deveria o Tribunal ter-se pronunciado a fim de resolver esta questão, porquanto das duas uma: ou o Exequente confirma a reestruturação e retoma do crédito que os Executados aliás sempre alegaram e a capitalização de juros foi nesse âmbito realizada, deixando de fazer sentido o presente processo executivo e a venda realizada ser, em consequência, anulada; 37. Ou o Exequente mantém a sua versão dos factos negando a reestruturação do crédito e a capitalização de juros que foi realizada é nesses termos ilegal; 38. Razões pelas quais o requerimento não poderia deixar de ser atendido, no sentido de analisado, sobretudo pela razão que o Tribunal de Primeira Instância apresenta; 39. Pois que se sacrificou a boa e sã Justiça material em razão da hegemonia de critérios económicos aplicados de forma tão intransigente, que culmina no desentranhamento do referido requerimento; 40. A verdade é que, os Executados entendem que em virtude precisamente da natureza provisória e informativa da liquidação, e pese embora com ela não concordarem, a reclamação não está sujeita a tributação autónoma; 41. Já que não se trata da liquidação final de julgado; 42. Mas ainda assim e, se assim não se entender, antes do desentranhamento a secretaria deveria notificar os Executados para o pagamento da taxa de justiça ainda que naturalmente acrescida de uma multa; 43. E não ordenar de imediato o seu desentranhamento;
Termina por pedir a revogação do despacho judicial que decretou o indeferimento pelo Tribunal de Primeira Instância do Direito de Retoma do Credito Habitação pelos Recorrentes - devendo o presente ser suspenso em virtude do pedido de retoma do Crédito à Habitação pelos Executados ao Exequente Banco E…, nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho de 2017 - declarando sem efeito a venda realizada no dia 6 de Março de 2019, por Leilão Eletrónico e ainda que seja anulada a liquidação de julgado em causa.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
* II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- admissão dos documentos, juntos com as alegações de recurso;
- da verificação dos pressupostos de retoma do crédito;
- se a omissão de autoliquidação da taxa de justiça, determina desde logo a rejeição do requerimento de reclamação da nota de liquidação apresentada pelo agente de execução em 01 de abril de 2019.
* 2.Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.
* 3. O direito - Admissão dos documentos com as alegações de recurso -
Os apelantes nas alegações de recurso vieram requerer a junção de dois documentos com várias folhas (doc. nº 1, com quatro folhas e o doc. nº 2, com catorze folhas).
Em regra os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art. 423º/1 CPC.
A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art. 423º/2 CPC.
Contudo, a lei, no art. 523º/2 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[2].
A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade.
Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Como se prevê no art. 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[3].
A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que: “ As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe o art.425ºCPC: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando:
- a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva ( fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante ) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto);
- se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[4].
No caso em análise os apelantes não indicam o motivo pelo qual requerem a junção dos documentos com as alegações. Reportam-se aos documentos nos pontos 16 e 17 das conclusões de recurso, nos quais se faz alusão a acordos de reestruturação do crédito habitação, que se realizaram em 2017, em data anterior à instauração da execução.
Constata-se, porém, que o documento nº 2 (com catorze folhas) consta já dos autos, o qual se mostra junto com o requerimento apresentado pelos executados em 21 de fevereiro de 2019, motivo pelo qual não se pode admitir a sua junção.
Em relação ao documento nº1 (com quatro folhas, praticamente ilegíveis) verifica-se que representam movimentos de conta.
Não resulta dos autos que não tenha sido possível a junção deste documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância, o que é dizer até ao momento em que foi proferido o despacho que decidiu o incidente, porque os apelantes não tomaram conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a não lhes ter sido possível fazer uso dele.
Analisado o documento em confronto com os fundamentos dos articulados e com teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que na sentença o juiz do tribunal “a quo“ não veio invocar novos e diferentes argumentos.
A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5].
No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção dos referidos movimentos de conta, como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental. Com efeito, o pagamento das prestações vencidas constitui um facto alegado pelos apelantes e no qual fundamentam o pedido da retoma. Na data em que alegou tal facto tinha que dispor dos documentos adequados a demonstrar tal pagamento. Não constituía, por isso, uma questão nova apreciar do pagamento das prestações vencidas.
Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção dos documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
O incidente será tributado com custas a cargo dos apelantes, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 ( sessenta euro ) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ.
* - Da verificação dos pressupostos de retoma do crédito -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 6, os apelantes retomam os argumentos que constituíram o fundamento do recurso interposto em 03 de maio de 2019 (REF. 32320362) do despacho proferido em 28 de março de 2019 (ref. Citius 79139494).
O recurso não foi admitido por ser extemporâneo, motivo pelo qual se operou o trânsito em julgado de tal despacho, o que impede a sua reapreciação (art. 619º/1 CPC).
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 7 a 24, os apelantes insurgem-se contra o primeiro segmento do despacho, que se pronunciou sobre o pedido de retoma do crédito, formulado pelos executados em 21 de fevereiro de 2019.
O despacho recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:
“ Uma vez que os executados não demonstram documentalmente que liquidaram o capital vencido e pagaram as prestações vencidas e não pagas, e face à oposição da exequente, indefere-se o pedido dos executados de retoma do contrato nos termos do artº 28 nº 1 do DL 74-A/2017 de 23 de junho”.
Os apelantes depois de fazerem uma análise do regime jurídico da retoma de crédito previsto no DL 74-A/2017 de 23 de junho, concluem que na sequência da transmissão do crédito operada pelo Banco D… ao Banco E… estava em vigor um acordo de reestruturação que o Banco E… ignorou.
A questão que se coloca consiste em apreciar se estão reunidos os pressupostos para deferir a retoma do crédito, ao abrigo do regime previsto no art. 28º DL 74-A/2017 de 23 de junho.
Como se dispõe no preâmbulo do DL 74-A/2017 de 23 de junho, a “Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, alterada pelo Regulamento (UE) n.º 2016/1011, do Parlamento e do Conselho, de 8 de junho de 2016, consubstancia a primeira iniciativa de regulação da União Europeia no que respeita ao mercado de crédito para imóveis”.
Num quadro de crise financeira que surgiu em 2017 “ o legislador europeu entendeu criar um quadro normativo comum no espaço da União com vista a assegurar um nível adequado de tutela dos interesses dos consumidores que celebram crédito hipotecário, potenciando o desenvolvimento de um mercado de crédito mais transparente, eficiente e competitivo dentro do mercado interno. Em concomitância, promove-se, por esta via, a estabilidade financeira do sistema bancário”.
O diploma em causa procedeu à transposição para a ordem jurídica interna das disposições da referida diretiva que regulam a comercialização dos contratos de crédito com garantia hipotecária ou equivalente, estabelecendo nomeadamente as regras aplicáveis ao crédito a consumidores garantido por hipoteca ou por outro direito sobre coisa imóvel.
Conforme se prevê no art. 1º/1 do citado diploma, procedeu-se à transposição parcial para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa a contratos de crédito aos consumidores para imóveis destinados a habitação e que altera as Diretivas n.os 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.º 1093/2010, alterada pelo Regulamento (UE) n.º 2016/1011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016 (art. 1º/1).
Nos termos do art. 2º o presente diploma aplica-se aos contratos de crédito, celebrados com consumidores, para a aquisição ou construção de habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento (alínea a) ), contratos de crédito para aquisição ou manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou edifícios já existentes ou projetados (alínea b)) e contratos de crédito que, independentemente da finalidade, estejam garantidos por hipoteca ou por outra garantia equivalente habitualmente utilizada sobre imóveis, ou garantidos por um direito relativo a imóveis ( alínea c)).
Neste contexto, o art. 28.º do citado diploma passou a prever, a retoma do contrato de crédito, nos seguintes termos: “ 1 - O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto -lei ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas. 2 - Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento. 3 - O mutuante apenas está obrigado a aceitar a retoma do contrato duas vezes durante a respetiva vigência”.
Como se observa no Ac. Rel. Guimarães 03 de outubro de 2019, Proc. 2149/13.0TBGMR-B.G1 (acessível em www.dgsi.pt):”[t]rata-se notoriamente de um incidente, previsto em legislação avulsa, enxertado na execução, que não tem obrigatoriamente de ser deduzido por meio de embargos à execução e nesse prazo, podendo sê-lo até à venda do imóvel. Neste último caso constituirá um incidente inominado.
A retoma do contrato, ao revogar a resolução contratual anteriormente operada pelo Banco e que era a “causa de pedir na execução”, acarretará a extinção da execução”.
No caso presente conforme decorre do requerimento de execução os executados celebraram com o Banco D… dois contratos de mútuo, ambos garantidos por hipoteca. Estão abrangidos pelo regime previsto no DL 74-A/2017 de 23 de junho, por se enquadrarem na previsão do art. 2º c).
A execução foi promovida com fundamento na resolução do contrato, por incumprimento imputável os executados.
Quando os apelantes apresentaram o requerimento de 21 de fevereiro de 2019 não dirigiram ao tribunal um pedido de reconhecimento do direito à retoma do crédito. Pretenderam, apenas, obter a sustação da execução face ao pedido formulado junto da instituição bancária.
A instituição bancária não concedeu a retoma e os executados também não comprovaram o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas, nem ainda, que alcançaram um acordo extrajudicial de pagamento da divida.
Efetivamente, a verificarem-se as demais circunstâncias que a lei prevê, recaía sobre os executados o ónus da prova de tais factos, constitutivos do direito que se arrogam (art. 342º/1 CC), para beneficiarem da retoma do crédito e subsequente extinção a execução.
O regime previsto no art. 36º do citado diploma está circunscrito à matéria contraordenacional.
Nas conclusões de recurso, os apelantes não refutam os factos que sustentam a decisão, limitando-se a enunciar um conjunto de circunstâncias relacionadas com a transmissão do crédito, que constituem factos novos e sobre os quais o tribunal “a quo” não se pronunciou, estando por isso, o tribunal de recurso impedido de os apreciar, quando em recurso o tribunal se limita a reapreciar a decisão recorrida, não proferindo decisão sobre questões novas.
Neste contexto, não merece censura o despacho recorrido que se mantém.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 24.
* - Da omissão de autoliquidação da taxa de justiça -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 25 a 43 os apelantes insurgem-se contra o segundo segmento do despacho, que não apreciou da reclamação à nota de liquidação apresentada pela agente de execução.
Cumpre ter presente que contrariamente ao afirmado pelos apelantes não foi ordenado o desentranhamento do requerimento de reclamação formulado em 17 de setembro de 2019. O juiz do tribunal “a quo” limitou-se a não conhecer o requerimento.
Por outro lado, nas conclusões de recurso, sob os pontos 25 a 41, renovam-se, em parte, os argumentos apresentados no referido requerimento de reclamação, mas que não cumpre ao tribunal de recurso apreciar, porque sobre os mesmos não recaiu qualquer decisão.
Resta, pois, ao tribunal de recurso apreciar as conclusões, sob os pontos 42 e 43, nas quais se impugna os fundamentos do despacho recorrido.
Relembrando o despacho:
“Os executados vieram deduzir incidente de reclamação em que pedem que se anule a liquidação em causa por não corresponder ao crédito exequendo.
A reclamação é um incidente autónomo e eventual da tramitação processual, pelo que incumbiria à parte que despoletou tal incidente proceder à autoliquidação de taxa de justiça.
Efetivamente, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), todos os processos estão sujeitos a custas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, considera-se como processo autónomo cada incidente que possa dar lugar a tributação própria.
Atento o disposto no artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, deveria o exequente com a apresentação do requerimento, ter procedido à autoliquidação da taxa de justiça, nos termos da Tabela II B–“Outros Incidentes”.
Assim por omissão do pagamento de taxa de justiça não se conhece da reclamação apresentada pelos executados”.
Argumentam os apelantes que antes do desentranhamento a secretaria deveria notificar os Executados para o pagamento da taxa de justiça ainda que naturalmente acrescida de uma multa e não ordenar de imediato o seu desentranhamento.
A questão que se coloca consiste em apreciar se deve ser concedida a oportunidade ao reclamante de proceder ao pagamento da taxa de justiça, quando a mesma não foi efetuada e comprovada com a apresentação do requerimento de reclamação.
Os apelantes não questionam que a reclamação à nota de liquidação apresentada pelo agente de execução constitui um incidente do processo de execução e que como tal está sujeito a tributação. Limitam-se a questionar se a falta de autoliquidação da taxa de justiça não pode ser suprida com notificação para pagamento, acrescida de multa.
Apresentada pelo agente de execução nota discriminativa de honorários e despesas, nos termos do art. 43º e 45º da Portaria 282/2013 de 29 de agosto pode, nos termos do art. 46º do mesmo diploma “qualquer interessado[…], no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria”.
Nos termos do art. 530º/1 CPC “a taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais”.
De acordo com o art. 1º do Regulamento das Custas Processuais todos os processos estão sujeitos a custas.
Considera-se, no nº2 do mesmo preceito: “ como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.“
Decorre deste preceito que os incidentes são considerados processos para efeito de custas.
Determina o art. 7º/3 do mesmo diploma que: “ A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pela apresentação de requerimento de injunção, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a Tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento.“
Com a entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, o regime da omissão do pagamento da taxa de justiça passou a estar prevista no Código de Processo Civil.
Tal medida insere-se no âmbito dos objetivos do legislador de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais, prosseguindo a reforma já iniciada em 2003 no sentido de diminuir o índice de dispersão normativa existente.
Conforme decorre do preâmbulo do DL 34/2008 de 26/02 (que aprovou o Regulamento Custas Processuais) o legislador pretendeu concentrar no Regulamento das Custas Processuais as regras quantitativas e de procedimento sobre as custas devidas num qualquer processo (judicial, administrativo ou fiscal) relegando-se para as leis de processo as regras fundamentais de carácter substantivo.
A respeito da junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça estabelece o art. 145º CPC a seguinte regra geral:
“ 1.Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2.[…] 3. Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no nº1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos art. 570º e 642º. 4. Quando o ato processual seja praticado por transmissão eletrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no nº1 do art. 132º. 5.[…] 6.[…]”
No caso presente, verifica-se que a reclamação apresentada pelos apelantes, constituindo um incidente está sujeito a tributação, pelo que, com a apresentação do requerimento deviam os apelantes juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça, já que o ato foi praticado por recurso aos meios eletrónicos.
Considerou-se no despacho recorrido que a mera apresentação do requerimento sem comprovação do pagamento da taxa de justiça constituía fundamento para não apreciar o requerimento.
O despacho recorrido, sem o dizer expressamente, aplicou o regime previsto para a petição inicial.
Contudo, por não se tratar de uma petição inicial, mas de um incidente - reclamação - cuja dedução está sujeita a prazo processual, formulada na pendência de um processo, a falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça fica sujeita ao regime próprio previsto no art. 570º e 642º CPC, por analogia com o regime que se aplica para a contestação.
A reclamação assume a natureza de uma oposição e por isso, os motivos que justificam o regime previsto para a apresentação do comprovativo do pagamento da taxa de justiça na contestação, não podem deixar de relevar para esta situação.
Neste sentido e em relação ao incidente de reclamação danota discriminativa e justificativa de custas de parte (n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento de Custas Processuais), se pronunciou o Ac. Rel. Coimbra de 26 de março de 2019, Proc. 216/15.5T8GRD.C2 (acessível em www.dgsi.pt).
Em conformidade com o exposto, decorrido o prazo de 10 dias a contar da data da apresentação do requerimento sem estar comprovado o pagamento ou a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, devia a seção oficiosamente notificar os executados-reclamantes para, em 10 dias, efetuarem o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1UC, nem superior a 5 UC. Só depois de decorrido tal prazo devia o processo ser apresentado com conclusão ao juiz para proferir o despacho previsto no art. 570º/5 CPC.
Conclui-se que a mera omissão de autoliquidação da taxa de justiça, não constitui fundamento para rejeitar a reclamação, motivo pelo qual o despacho recorrido deve ser revogado.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
*
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.
* III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, o despacho e nessa conformidade, determinar a notificação dos executados-reclamantes para, em 10 dias, efetuarem o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1UC, nem superior a 5 UC, e subsequente cumprimento do art. 570º/5/6/7 CPC, caso subsista a omissão do pagamento.
*
Custas a cargo dos apelantes.
*
Desentranhe e devolva os documentos aos apelantes.
Custas do incidente a cargo dos apelantes, fixando-se a taxa de justiça em €60,00.
*
Porto, 10 de fevereiro de 2020
(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
_____________________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] Cfr. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pag. 6. [3] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11. [4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185. ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil,2ª edição, Revista e Actualizada, Coimbra, Coimbra Editora,Limitada, 1985, pag. 532. [5] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215.