PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
DÚVIDAS SOBRE O ÂMBITO DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
MANIFESTA INVALIDADE DA CONVENÇÃO
PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA DOS ÁRBITROS
Sumário


I- Instaurada ação nos tribunais estaduais e invocada a exceção de preterição de tribunal arbitral, só em casos de manifesta nulidade, ineficácia ou de inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a exceção.

II- A nulidade manifesta é a invalidade que não necessita de mais prova para ser apreciada, recaindo apenas na consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade. E mesmo nestes casos, quando existam dúvidas sobre a validade da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da exceção de preterição de tribunal arbitral voluntário.

III- As questões relacionadas com a inclusão do litígio na previsão da convenção devem primeiramente ser submetidas ao tribunal arbitral, por não serem de solução manifesta.

IV- Suscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Condomínio do Edifício … deduziu ação declarativa contra “X, Unipessoal, Lda.” pedindo que se declare que ocorreu a cessação do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, melhor descrito em 9.º a 34.º da petição inicial e respetivos documentos 1, 2 e 3, por resolução operada pelo autor por carta registada com aviso de receção, com data de 6 de julho de 2018, constante do documento 13 e efeitos a partir da receção da mesma pela ré, com justa causa fundamentada em incumprimento definitivo imputável à ré. Pede que a ré seja condenada a reconhecer tal pedido e a pagar ao autor a quantia indemnizatória devida pela contratação de outro empreiteiro para retomar e concluir os trabalhos inacabados deixados pela ré, no valor de € 37.100,00, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

A ré contestou, excecionando a incompetência absoluta do tribunal por as partes terem acordado que qualquer litígio decorrente da execução do contrato seria submetido a arbitragem, o que ficou consignado no artigo 9.º do contrato. No mais, contestou por impugnação, excecionou o abuso de direito e, em reconvenção, pediu que se declare a anulação do contrato e se condene o autor no pagamento à ré da quantia de € 12.622,84, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

O autor replicou, considerando que o litígio não é um conflito de consumo que possa ser submetido à arbitragem. No mais, manteve o já afirmado e contestou a matéria de reconvenção.

Teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferida sentença que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, absolveu a ré da instância.

O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1 - A recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que decidiu julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, por preterição do tribunal arbitral, tendo absolvido a R. da instância.
2 - A Recorrente e a Recorrida celebraram por escrito um contrato que denominaram de Contrato de Empreitada que no qual a Recorrente como segundo outorgante adjudicou à Recorrida como primeira outorgante a Empreitada de Requalificação do prédio …, sito no respetivo, no concelho de Vila Real, obrigando-se a R. a executar a obra correspondente aos trabalhos descritos na Cláusula 2a do contrato, que se encontra assinado por ambas as partes contratantes - Cláusula 1.ª OBJETO.
3 - A execução da empreitada "Conservação das fachadas" pressupôs os trabalhos melhor enunciados na Cláusula 2.ª - TRABALHOS A REALIZAR E VALOR, pelo preço de € 103 296,00 (Cento e três mil, duzentos e noventa e seis euros), acrescidos da taxa do valor IVA legal em vigor - Cláusula 2.ª TRABALHOS A REALIZAR E VALOR, sendo que o material necessário para a execução da obra ficou da responsabilidade da primeira outorgante - Cláusula 2.ª TRABALHOS A REALIZAR E VALOR, e o pagamento ficou de ser efetuado conforme constante na Cláusula 3.ª - PRAZO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO
4- O prazo contratual para a execução dos trabalhos foi o estipulado na Cláusula 4.ª - PRAZOS DE EXECUÇÃO, tendo a Recorrida e primeira outorgante ficado responsável pela boa execução dos trabalhos contratados obrigando-se a executar os mesmos de acordo com as normas e técnicas de boa execução e em cumprimento da legislação aplicável - Cláusula 5.ª GARANTIA.
5 - O prazo de garantia da obra objeto do contrato é de 5 anos, contados a partir da sua entrega, devendo o Primeiro Outorgante proceder às reparações e correções necessárias que resultem de deficiências de execução ou de vícios que lhe sejam imputáveis, logo que seja solicitado por escrito pelo Segundo Outorgante - Cláusula 5.ª GARANTIA, tendo o Primeiro Outorgante se obrigado a cumprir o presente contrato em conformidade e rigorosamente com os trabalhos descritos no orçamento apresentado, e legislação aplicável em vigor, dos quais declarou ter integral conhecimento e perfeito entendimento - Cláusula 6.ª - CONDIÇÕES GERAIS, bem como, se obrigou a assegurar o cumprimento das normas legais de Segurança, Higiene e Saúde do Trabalho - Cláusula 7.ª, 7.1 - MÃO-DE-OBRA.
6 - O Primeiro Outorgante obrigou-se a manter na obra apenas pessoal devidamente legalizado e a coberto do competente seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais - Cláusula 7.ª, 7.2 - MÃO-OE-OBRA, tendo o Primeiro Outorgante se comprometido a comparecer a todas as reuniões de obra sempre que tal tivesse sido convocado, pelos Segundos Outorgantes, com a antecedência de 48 horas - Cláusula 8.ª - REUNIÕES e no caso de não poder comparecer, teria que o comunicar com 24 horas de antecedência - Cláusula 8.ª - REUNIÕES.
7 - Ambas as partes reconhecem como válido em caso de conflito o Centro Nacional de Informação e Arbitragem e Conflitos de Consumo - Arbitragem de Consumo, autorizado por despacho n.º 20778/2009, de 8 de Setembro, de Secretário da Justiça, publicado no DR, 2.ª Série - n.º 180 de 16 de Setembro de 2009, aceitando a arbitragem como forma de resolução dos eventuais litígios que decorram se serviços prestados ou bens vendidos - Cláusula 9.ª -RESOLUÇÃO DE CONFLITOS.
8 - O artigo 18°, n.º 1, da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) determina que o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção, encontrando-se consagrado o princípio da competência.
9 - Estatui o artigo 5°, n.º 1, da mesma Lei que o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tomou ineficaz ou é inexequível.
10 - Não será assim quando seja manifesta a invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, pois, nesses casos, por razões de economia processual, deve o tribunal judicial julgar logo a questão - artigo 5°, n.º 1, parte final, da LAV, o que é o caso dos presentes autos.
11 - O presente litígio não é um conflito de consumo, que possa ser submetido à arbitragem.
12 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios - artigo 2°, n° 1 da Lei 24/96, de 31 de julho (versão atualizada), Lei de Defesa do Consumidor.
13- Consideram-se incluídos no âmbito da referida lei os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas coletivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos - artigo 2°, n° 2 da Lei 24/96, de 31 de Julho (versão atualizada), Lei de Defesa do Consumidor.
14 - O artigo 1.º - A, n° 2 do Decreto-Lei n° 67/2003, de 8 de Abril (versão atualizada), relativo à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, dispõe que: o presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.
15 - O Decreto - Lei 24/2014, de 14 de fevereiro ao transpor a Diretiva 2011/83/EU do Parlamento e do Conselho, de 25.10.2011, que, no artigo 2° define, para efeitos dela mesma "Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos peIa presente directiva actue com fins que não se incluam no âmbito da atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional,", veio a fazer constar como consumidor "a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional".
16 - Em todos estes normativos legais foi escolhido o conceito de consumidor stricto sensu, isto é, ficaram excluídos todos os consumidores que sejam pessoas jurídicas, desde logo, sociedades e pessoas coletivas. bem como as pessoas singulares que atuem no âmbito da sua atividade profissional.
17 - No caso concreto, a Recorrente é uma entidade resultante da situação em que uma coisa com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre frações determinadas, como entidade equiparada a pessoa coletiva com o NIF …, logo o condomínio aqui em causa e Recorrente não é pessoa singular, nem atuou no âmbito de qualquer atividade profissional, nem pode ser considerado consumidor.
18 - Dispõe o artigo 95°, n.º 1 do C.P.C. que as regras da competência em razão da matéria não podem ser afastadas por vontade das partes, verificando-se a nulidade e nenhum efeito da cláusula 9.ª do contrato celebrado entre as partes.
19 - Estamos perante uma convenção de arbitragem nula, ineficaz ou inexequível, tendo erradamente decidido o Tribunal a quo a preterição de tribunal arbitral voluntário que gera exceção dilatória.
20 - A decisão judicial deve ser revogada e substituída por outra que determine julgar improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, e em consequência, ordene o prosseguimento dos autos no Juízo Central Cível de Vila Real - Juiz 2.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa ...
JUSTIÇAl

A ré contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver prende-se com a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos com relevo para a decisão constam do relatório supra.

Vejamos.

A arbitragem voluntária, a par da instituição dos Julgados de Paz, da Conciliação e da Mediação, é um dos meios alternativos de resolução de conflitos, resultado da necessidade surgida, no desenvolvimento da vida moderna, de procurar uma justiça mais rápida, mais informal, confidencial ou mais adequada ao interesse das partes.
Tudo o que pode ser objeto de transação sobre o objeto do litígio pode ser objeto de arbitragem. No fundo, os direitos disponíveis.
Pela convenção de arbitragem --- um contrato entre particulares --- as partes obrigam-se a submeter o seu litígio à decisão de árbitros, sendo que a decisão arbitral, “tomada em termos necessariamente independentes e imparciais vincula os litigantes, forma caso julgado se não suscetível de recurso e consubstancia um título executivo” – cfr. Acórdão desta Relação de Guimarães de 30/01/2014, processo n.º 1257/13.2TBVCT.G1 (Filipe Caroço), in www.dgsi.pt.
Ou seja, a arbitragem não é um simples negócio entre as partes, não é um ato de conciliação, mas um mecanismo de resolução de litígios de dimensão pública, proveniente de um particular, ou particulares, dotados de poderes para decidir, com imparcialidade, autonomia e independência, mesmo contra a vontade material das partes relativamente à relação jurídica controvertida, tendo como objetivo a realização da justiça. “A arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado” - Carlos Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem: Conteúdo e Efeitos, 2008, páginas 2 e 3.
A celebração de uma convenção arbitral implica a perda da jurisdição dos tribunais judiciais sobre o caso - art.°s 96º, al. b), 278º, nº 1, al a) e 577º, do Código de Processo Civil.
Cada uma das partes adquire reciprocamente um direito potestativo e uma sujeição: não só tem direito a que o litígio seja resolvido por arbitragem, como assim fica obrigada se a parte contrária o quiser.

No caso dos autos, tendo as partes celebrado contrato de empreitada (com as cláusulas discriminadas nas conclusões 2.ª a 7.ª da apelação do recorrente), aí estipularam, na cláusula 9.ª, sob a epígrafe “Resolução de Conflitos”: “Ambas as partes reconhecem como válido em caso de conflito o Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos e Consumo – Arbitragem de Consumo, autorizado por despacho n.º 20778/2009, de 8 de setembro, do Secretário da Justiça, publicado no DR, 2.ª Série – n.º 180 de 16 de setembro de 2009, aceitando a arbitragem como forma de resolução de eventuais litígios que decorram de serviços prestados ou bens vendidos”
O autor sustenta a ação no incumprimento por parte da ré deste contrato de empreitada, alegando que os trabalhos não foram concluídos, nem a obra foi entregue ou recebida, o que conduziu à resolução do contrato com justa causa e obrigou o autor a contratar os serviços de outro empreiteiro, para concluir a obra.
A ré, logo no início da sua contestação, excecionou a incompetência absoluta do tribunal, por preterição da arbitragem, requisito necessário para que o tribunal possa conhecer desta exceção, uma vez que se trata de arbitragem voluntária – artigos 97.º, n.º 1 e 578.º do CPC.
Defende o recorrente que a referida cláusula 9ª do contrato é nula uma vez que o litígio dos autos não é um conflito de consumo que possa ser submetido a arbitragem e porque as regras da competência em razão da matéria não podem ser afastadas por vontade das partes, conforme decorre do artigo 95.º, n.º 1 do CPC.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que a referida cláusula 9.ª refere expressamente que as partes aceitam a arbitragem como forma de resolução dos eventuais litígios que decorram dos serviços prestados ou bens vendidos. Não foi colocada, aqui, a questão de alguma das partes ser ou não consumidor, nem tal se entende, uma vez que este contrato foi celebrado entre estas concretas partes – um condomínio e uma sociedade que se dedica à construção civil – e não entre quaisquer outras. Assim, não subsiste qualquer dúvida de que as partes quiseram que qualquer litígio emergente da execução do contrato em que se insere, frustrada que se mostrasse a via do diálogo, viesse a ser dirimido por arbitragem.

Não há dúvida que a convenção de arbitragem obedece aos requisitos de forma previstos no artigo 2.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro – LAV – e respeita a litígios que podem ser cometidos pelas partes à decisão de árbitros – artigo 1.º da referida LAV – litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial ou, não sendo de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transação sobre o direito controvertido.

Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 desta Lei, “o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.

Ou seja, não cabe ao tribunal estadual apreciar exaustivamente a jurisdição do tribunal arbitral, caso em que estaria a desrespeitar o princípio da autonomia privada, contrariando a vontade das partes no momento da celebração da cláusula arbitral, devendo apenas apreciar uma manifesta inexistência ou invalidade da convenção - Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Conflitos, Almedina 2011, pág. 120. e Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, Almedina, 2005, páginas 135 e 136.
“A nulidade manifesta é a invalidade que não necessita de mais prova para ser apreciada, recaindo assim apenas na consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade. E mesmo nestes casos, quando existam dúvidas sobre a validade da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da exceção de preterição de tribunal arbitral voluntário. Se estiver em causa a arbitrabilidade, a manifesta nulidade deve apenas incidir sobre aqueles direitos cuja indisponibilidade esteja fora de discussão doutrinária. Se estivermos perante direitos em que a doutrina se divide quanto à sua disponibilidade ou indisponibilidade e consequente arbitrabilidade, o tribunal judicial não deve tratar sequer da questão remetendo-a para o tribunal arbitral. É, mais uma vez, esta formulação que melhor respeita a autonomia das partes, a sua vontade, e, sobretudo, a autonomia da jurisdição arbitral, sem prejuízo de o tribunal estadual vir a conhecer da questão da competência em momento posterior, em recurso interposto da decisão do tribunal arbitral que dela conheça e nas condições em que a lei o admite. Ou seja, da competência do tribunal arbitral para decidir sobre a sua própria competência não decorre que esta decisão seja definitiva. Geralmente esta decisão está sujeita a um controlo dos tribunais estaduais em sede da impugnação da decisão arbitral (art.º 5º, n.º 3 da LAV)” – cfr. Acórdão deste Tribunal supra citado.

Como se refere no Acórdão do STJ de 12/05/2016, processo n.º 710/14.5TVLSB-A.L1.S1 (Oliveira Vasconcelos), in www.dgsi.pt: “Trata-se do acolhimento do princípio da competência da competência dos árbitros, não só com o seu efeito positivo – expresso do nº1 do artigo 18º da mesma Lei, em que se estabelece que “o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência” - mas também com o denominado efeito negativo. Entendido assim, aquele princípio faz dos árbitros, não os únicos juízes da sua competência, mas os primeiros desta, a não ser que seja manifesto que a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível. Dito doutro modo, em virtude do efeito negativo da competência da competência dos árbitros e salvo a verificação dos casos excecionais acima referidos, os tribunais estaduais só podem conhecer plenamente da competência do tribunal arbitral depois de este sobre isso se ter pronunciado, podendo fazê-lo em sede de impugnação dessa decisão dos árbitros, quer se tenha pronunciado sobre essa questão em decisão interlocutória – cfr. artigo 18º, nºs 8 e 9, da mesma Lei – ou na decisão final sobra o fundo da causa – cfr. artigo 18º, nº8, da mesma Lei”.

No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 20/03/2018, processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 (Henrique Araújo), www.dgsi.pt, onde se defende que os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação e que, suscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.
Do que temos vindo a expor decorre, desde logo, que a questão suscitada pelo recorrente e que se prende com o facto de a convenção de arbitragem não lhe ser aplicável, por não ser um consumidor, não é uma questão que, primariamente, conduza à nulidade da convenção de arbitragem, pois não se prende tal questão com os requisitos externos da mesma, como a forma ou a arbitrabilidade – artigos 1.º e 2.º da LAV – não sendo, portanto, motivo para o tribunal estadual deixar de absolver da instância a ré, nos termos do artigo 5.º da mesma LAV.
Não se trata de irregularidade óbvia ou manifesta, pelo que a exceção da preterição do tribunal arbitral tinha que proceder, como procedeu, “assim se fazendo jus à liberdade de que as partes usaram para criar um tribunal para a resolução dos potenciais litígios inerentes ao contrato em que se insere a convenção de arbitragem, com o beneplácito do Estado, afastando, tanto quanto a lei o consente ou impõe, temporária ou definitivamente, a intervenção dos tribunais estaduais no conhecimento dos mesmos litígios” – Acórdão desta Relação já citado.
Conforme já salientámos, no tribunal arbitral, as partes, querendo, poderão suscitar a questão da sua incompetência. A decisão que julga procedente a exceção da preterição do tribunal arbitral limita-se a absolver o réu da instância (art.ºs 96º, al. a), 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil); não vale como decisão definitiva de que é aquele, e não os tribunais estaduais, o competente para conhecer da matéria objeto do litígio, podendo o tribunal arbitral decidir sobre a sua competência e tal decisão ser impugnada por qualquer das partes perante o tribunal estadual (artigo 18.º, n.º 9 da LAV), bem como a sentença arbitral ser impugnada no tribunal estadual, designadamente pelos motivos previstos nas subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, que se prendem com a validade da convenção de arbitragem e com o conhecimento de litígios não abrangidos pela mesma – tudo de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 3 da citada LAV.

Entendemos, portanto, que não havia motivos para, invocada a exceção da incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral, na contestação da ré, não ser a mesma atendida, com a sua absolvição da instância.

Sempre acrescentaremos, no entanto, que concordamos com a sentença proferida em 1.ª instância quanto à improcedência da argumentação da recorrente, ao considerar que não é manifesto que não estejamos perante um conflito de consumo:

“O regime do DL n º 67/2003, de 08-04, na redação do DL n º 84/2008, de 21-05 é aplicável aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada, como decorre do art. 1º-A, n º 2 (sendo o que está em causa nos autos). A aplicação do regime do referido diploma legal pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro. E essa relação ocorre quando alguém destina a obra encomendada a um uso não profissional, sendo a obra executada por quem exerça, com caráter profissional, uma determinada atividade económica, onde se compreende a realização da obra em causa, mediante remuneração.
Se não há dúvida que, uma pessoa singular pode ser considerada consumidor, e uma pessoa coletiva assim não pode ser considerada, poderá, porém, questionar-se, se um condomínio (dono da obra), como é o caso do A., não poderá ser considerado consumidor.
A este propósito, Cura Mariano, em Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª ed., pags. 237 e 238, aceitando que as pessoas coletivas não podem ser consideradas consumidores, defende, porém que, o condomínio não integra o conceito de pessoa coletiva, e que, a qualificação do contrato de empreitada como de consumo, celebrado por esse condomínio, depende do tipo de utilização das frações que compõem o edifício a que respeita o condomínio em causa: “Se estas têm maioritariamente um destino de utilização profissional (…) o contrato relativo à realização de obras nas partes comuns, outorgado pelo administrador do condomínio, não pode ser qualificado como uma empreitada de consumo. Mas, se as fracções que integram o condomínio têm um destino maioritário não profissional (vg. a habitação), já aquele contrato deve ser qualificado como de empreitada de consumo”.
Como muito a propósito se diz no Ac. da RL de 10-10-17, na dgsi, “Seria mesmo um absurdo admitir que num prédio constituído sob o regime de propriedade horizontal todos os condóminos fossem consumidores relativamente à sua fracção e deixassem de o ser relativamente às partes comuns que adquirem por efeito da aquisição da sua fracção, não se destinando esta a uso profissional”.
O condomínio representa os condóminos, no que diz respeito às partes comuns, e assim sendo, o condomínio assume a qualidade de consumidor, se os condóminos também tiverem, ao menos maioritariamente, essa qualidade.
Como se diz no Ac. da RP de 26-06-2008, em www.dgsi.pt: “IV – O condomínio de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal cujo fim é a habitação deve ser tido por consumidor, para efeito de aplicação da “Lei de Defesa do Consumidor”, indo no mesmo sentido os Ac. da RL de 18-04-2013, 19-06-2014, 10-10-2017 e 17-01-2017, e da RP de 12-10-2017, 27-06-2019 e 25-10-2018, em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, não é “manifesto” que as frações do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, que constituem o condomínio, tenham um destino maioritário profissional, pois que, das 39 frações em causa, 37 têm por fim a habitação e apenas 2 têm por fim o comércio.
Assim, não é “manifesto” que não estejamos perante um conflito de consumo”.

De igual modo sufragamos o entendimento do tribunal recorrido, ao considerar que não tem aplicação ao caso dos autos o artigo 95.º, n.º 1 do CPC.

“O que ali se pretende é impedir que as partes subtraiam um litígio à apreciação do tribunal estadual competente em razão da matéria, da hierarquia e do valor e atribuam a sua apreciação a outro tribunal estadual que seja incompetente em razão da matéria, da hierarquia ou do valor, para dele conhecer.
Ou seja, o referido preceito tem aplicação apenas quando se atribui competência convencional a um tribunal estadual e não quando as partes cometam à decisão de árbitros, mediante convenção de arbitragem, a competência que, não fora a convenção de arbitragem, seria de um tribunal do Estado”.
Se assim não fosse, não seria possível às partes convencionarem a arbitragem como forma de verem decididos os seus conflitos.

Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

***
Guimarães, 27 de fevereiro de 2020

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes