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NULIDADES DA SENTENÇA
CAUSA PREJUDICIAL
FACTOS ALEGADOS
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário
I. As nulidades previstas no art.º 615º do Código de Processo Civil prendem-se com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual são decretadas, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal. II. Resulta do art.º 272º, n.º 1, do Código de Processo Civil que cabe ao Juiz ponderar se suspende ou não a instância ,caso se verifique a existência de causa prejudicial, pelo que, ao fazer prosseguir a acção proferindo a sentença agora em recurso, é manifesto que a Juiz a quo entendeu não se verificar motivo para a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, e nem estava obrigada a fazê-lo expressamente, uma vez que tal questão nem foi suscitada pelas partes nos presentes autos, nem se trata de questão de conhecimento oficioso que se imponha ao Juiz conhecer. III. Não ocorre qualquer nulidade da sentença por contradição ou omissão de pronúncia quanto à apreciação da questão de competência e pronunciando-se igualmente a sentença sobre a legitimidade e legalidade do Banco de Portugal para adoptar as deliberações invocadas, fazendo-o à luz do disposto pelo art.º 91º do Código de Processo Civil. IV. Nem ocorre nulidade por omissão de pronúncia uma vez que resulta da fundamentação da sentença que se considerou inexistir ilegalidade ou inconstitucionalidade das deliberações em causa. V. Resultando da p.i. que a A. fazia referência a factos ocorridos num lapso temporal para além do dia 3/8/2014, após as 20h00, devem os autos prosseguir para o julgamento desses factos .
Texto Integral
Acordam as Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
M…., S.A., intentou a presente acção contra Novo Banco, S.A. e Banco Espírito Santo, S.A. pedindo a condenação do Novo Banco a pagar à A. a quantia de 4.426.394,97 € (quatro milhões, quatrocentos e vinte e seis mil, trezentos e noventa e quatro euros e noventa e sete cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento; a título subsidiário deduz o mesmo pedido contra o BES.
Alegou para tanto que tal montante é devido por força da actuação ilícita de vários dos seus procuradores, ao movimentarem a conta DO n.º 0171 5288 0008 e também da má prática bancária que imputa ao BES e que perdurou por um período temporal que abarca vários anos, responsabilidade transferida para o R. Novo Banco.
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Citado regularmente, veio o R. Novo Banco S.A. apresentar contestação, invocando a sua ilegitimidade substantiva, uma vez que para o Novo Banco apenas foram transferidos os activos e passivos do BES devidamente registados na sua contabilidade, constituídos e consolidados. Também não foram transferidas as contingências decorrentes da actividade do BES.
O A. vem invocar o direito de ser pago com base em desvios de fundos perpetrados por funcionárias do A., ocorridos nos anos de 2002 a 2014. O Novo Banco é absolutamente alheio à factualidade alegada na medida em que foi só constituído em 3/8/2014, data posterior aos factos sub judice.
A alegada responsabilidade do BES ora peticionada à data de 3/8/2014 não constituía qualquer passivo constituído e consolidado registado na contabilidade, pelo que não ocorreu transferência para o R.
Acresce que as Deliberações do Banco de Portugal tomadas em 29 de Dezembro de 2015 excluem do âmbito da transferência todas e quaisquer responsabilidades peticionadas no âmbito do presente processo judicial. Qualquer responsabilidade excluída pelas deliberações do Banco de Portugal que viesse a ser imputada ao R. teria de se considerar retransmitida ao BES.
Impugna ainda, à cautela, os factos invocados pela A. na p.i.
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Contestou igualmente o BES, S.A. invocando a inutilidade da lide, na sequência da revogação da autorização para o exercício da actividade do BES efectuada pelo Banco Central Europeu, a qual tem os efeitos da declaração de insolvência; invoca a ilegitimidade passiva e, à cautela, impugna a factualidade alegada pela A.
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Por despacho de 14/12/2016 convidou-se a A. para identificar a acção administrativa mediante a qual pretende impugnar a deliberação do Banco de Portugal, a fim de verificar a existência de uma possível situação de prejudicialidade.
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Por requerimento de 19/1/2017 a A. veio prestar as informações em causa e sustentar a inexistência de qualquer questão prejudicial, não havendo assim lugar a qualquer suspensão da instância.
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Por despacho de 20/4/2017 ordenou-se a notificação das partes para, junta ulterior documentação, se pronunciarem sobre a suscitada questão de pendência de questão prejudicial.
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A A. manteve a sua posição de inexistência de qualquer questão prejudicial por requerimento de 11/9/2017.
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O R. Novo Banco por requerimento de 12/9/2017 entendeu que a acção administrativa onde a A. pretende impugnar judicialmente as deliberações tomadas na reunião do Conselho de Administração de 29 de Dezembro de 2015 e, mais concretamente, que sejam declaradas nulas ou anuláveis os pontos da deliberação “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014 (20.00h)” e “clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (17 horas)” é causa prejudicial e a presente acção deveria ser suspensa.
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Por requerimento de 20/11/2017 a A. deduziu ampliação do pedido, tendo os RR. reiterado a sua contestação.
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A ampliação do pedido foi admitida por despacho de 18/1/2018.
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A A. respondeu por escrito às excepções deduzidas pelos RR., concluindo pela sua improcedência.
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Procedeu-se à realização de Audiência Prévia, onde se tentou a conciliação das partes, sem sucesso.
Considerando o Tribunal que estava em condições de proferir decisão final, produziram-se alegações.
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Foi proferido saneador sentença onde se decidiu extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao R. BES, S.A. e julgar improcedente a acção intentada contra o R. Novo banco, S.A., absolvendo o mesmo do pedido.
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Inconformado com tal decisão, a A. veio dela recorrer formulando as seguintes conclusões:
“1. A Apelante não concorda com a decisão de mérito proferida (despacho saneador sentença proferida que absolveu o Réu Novo Banco do pedido) e o presente recurso versa sobre a matéria de facto e de direito aplicado.
2. Salvo o devido respeito, o Tribunal “ad quo” julgou incorretamente a matéria de facto incluída no ponto 2 dos factos considerados provados nos termos do n°1 do artigo 640° do C.P.C. e não valorou corretamente quer as alegações das partes quer toda prova documental junta aos autos.
3. A Autora/Apelante alegou na petição inicial os seguintes factos:
a. A Autora abriu a sua conta bancária de depósito à ordem n.° 017152880008 no BES no ano de 1995 - cfr. artigo 5 da petição inicial;
b. A 03 de Agosto de 2014 o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou aplicar uma medida de resolução ao BES no âmbito dos poderes de supervisão e competência que detinha cfr. factos alegados no artigo 15 da petição inicial e documento n.°4;
c. Nos termos dessa deliberação (medida de resolução) tomada pelo Banco de Portugal foi constituído o Novo Banco S.A e foram transferidos um conjunto de ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco Espírito Santo S.A. (BES) para o novo Banco S.A. cfr. factos alegados no artigo 16 da petição inicial e documento n.° 4;
d. A conta de depósito à ordem n° 017152880008 aberta pela Autora junto do BES foi transferida para Novo Banco com todos os seus ativos e passivos cfr. factos alegados no artigo 17 da petição inicial e documento n.° 5;
4. A Autora/Apelante juntou aos autos cópia das referidas Deliberações do Banco de Portugal (03.08.2014, 11.08.2014) e juntou uma cópia da ficha de alteração de assinaturas cfr. docs. 4, 5 e 52, juntos pela Autora a 29.07.2016 com as ref. Citius 23290769), ref. Citius 23290828 e ref. Citius 23293348;
5. Resulta do teor das deliberações proferidas pelo Banco de Portugal que as contas de depósito à ordem de todos os clientes abertas no BES foram transferidas para o Novo Banco S.A, e que os Réus Banco Espírito Santo S.A e o Réu Novo Banco S.A. nas contestações apresentadas não discutem que após a deliberação proferida pelo Banco de Portugal a 03.08.2014 a conta bancária de depósito à ordem n° 017152880008 aberta pela Autora/Apelante no BES foi transferida do BES para o Novo Banco, cfr. factos alegados pelo Réu Espírito Santo S.A nos artigo 49 da sua contestação e factos alegados pelo Réu Novo Banco S.A. no artigo 48 da contestação.
6. O que o Réu Novo Banco discute é que as obrigações do BES (passivo perante Autora), por factos ocorridos até 03.08.2014 não foram transferidas.
7. Nestes termos o Tribunal recurso deve alterar os factos considerados provados no ponto 2 da sentença proferida, para a seguinte redação:
“2. No ano de 1995 a Autora abriu a sua conta de depósito à ordem n.° 017152880008 que após a deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, passou do BES para o Novo Banco e que hodiernamente se encontra neste Banco".
8. Salvo o devido respeito, o Tribunal “ad quo” julgou incorretamente a matéria de facto que está incluída no ponto 3 dos factos considerados provados nos termos do n° 1 do artigo 640° do C.P.C. e não valorou corretamente toda a prova documental junta aos autos pelas partes e ordenada juntar pelo próprio Tribunal.
9. O Tribunal “ad quo” na sentença proferida (nos fundamentos) sustenta a sua decisão de mérito de absolvição do Réu Novo Banco S.A do pedido nos argumentos retirados de três deliberações do Banco de Portugal proferidas a 03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2014.
10. Com base no teor dessas Deliberações (03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2015) o Tribunal “ad quo” na sentença proferida conclui o seguinte:
(...) Conclui-se, pois que o Novo Banco não pode considerar-se responsável em virtude das deliberações do Banco de Portugal, pelo pagamento das quantias reclamadas nesta ação, não sendo relevante, designadamente o alegado quanto à data em que a Autora tomou conhecimento dos factos que alicerça a pretensão. (...)
11. Se o Tribunal “ad quo” fundamenta esta decisão nas três deliberações proferidas pelo Banco de Portugal (03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2015) não pode reduzir a matéria de facto considerada provada apenas a uma dessas deliberações de 03.08.2014.
12. Coerentemente com o que defende este Tribunal ad quo, este tinha o dever de incluir nos factos considerados provados no ponto 3 o teor das deliberações mencionadas na sua decisão, o que não o fez.
13. Nestes termos os factos considerados provados no ponto 3 na sentença proferida deverão ser alterados por este Tribunal de recurso passando a ter a seguinte redação:
“A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objeto de deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, tendo sido excecionadas quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; permanecendo as mesmas na esfera do BES.
A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objeto de deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, tendo sido excecionadas quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra- ordenacionais; permanecendo as mesmas na esfera do BES.
A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objeto de deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, tendo sido excecionadas quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES; permanecendo as mesmas na esfera do BES”.
14. O Tribunal ad quo não podia ter proferido uma decisão de mérito tendo em consideração apenas os factos mencionados nos pontos 1 a 3 da matéria de facto considerada provada.
15. Esta decisão sob recurso ignora factos essenciais que foram alegados pela Autora, ignora ainda prova documental e argumentos de direito invocados pela Autora que determinavam uma outra decisão quer sobre os factos e que sobre o direito aplicável.
16. A sentença que ora se recorre não se pronuncia sobre a ampliação do pedido deduzida pela Autora contra os Réus no valor de € 111.958,80, o qual foi deferido. Consequentemente esta sentença é nula por falta de decisão concreta sobre a ampliação do pedido da Autora/Apelante nos termos da alínea d) do n.°1 do artigo 615 do C.P.C. devendo a mesma ser revogada por este Tribunal de Recurso.
17. A sentença sob recurso não se pronunciou ainda sobre uma questão prévia essencial que é da prejudicialidade da ação administrativa sobre o resultado desta ação cível.
18. O Tribunal ad quo fundamentou a absolvição do Réu Novo Banco S.A. do pedido, utilizando argumentos retirados da Deliberação do Banco de Portugal proferida a 29.12.2015.
19. Antes de proferir esta decisão de mérito (absolvição de pedido) o Tribunal ad quo tinha de se ter pronunciado sobre os factos alegados pela Autora/Apelante diretamente relacionados com a deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015, e sobre a prova documental junta aos autos pela Autora e pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o que não fez.
20. A Autora alegou que tinha intentado uma ação administrativa contra o Banco de Portugal, contra interessados Banco Espírito Santo e Novo Banco S.A. requerendo a impugnação judicial das deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015 junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - cfr. factos alegados nos artigos 184 ao 202, 243 ao 247 da petição inicial e documentos 54,55 e 58 (respetivamente juntos aos autos nos requerimentos da Autora todos de 29.07.2108 (com as ref. Citius 23293495, 23293536, 23293652 e 23293698).
21. Encontra-se junto aos autos prova de que esta ação administrativa (processo 728/16.3BELSB) está pendente na fase dos articulados e está ainda junta cópia integral da petição inicial e dos documentos juntos, cfr. ofício do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 16/08/2017, ref. doc. 007497047, Ref. Citius 15996299.
22. O Tribunal não podia ignorar estes factos na decisão de mérito proferida visto que baseia a sua sentença também na deliberação do Banco de Portugal 20.12.2015 que foi previamente impugnada pela Autora/Apelante.
23. Antes de proferir esta decisão (absolvição do Réu Novo Banco S.A) o Tribunal tinha o dever de se pronunciar sobre a questão da prejudicialidade da ação administrativa sobre este litígio cível como tinha o dever de se ter pronunciado sobre o requerimento do Réu Novo Banco S.A. que requereu a suspensão da instância cível até ao trânsito em julgado da ação administrativa nos termos do n.°1 do artigo 272 do C.P.C.
24. A sentença despacho saneador refere expressamente que não existem “questões prévias” que o Tribunal deva conhecer ignorando completamente toda a prova produzida e os requerimentos das partes sobre a questão prejudicial.
25. Esta falta de pronúncia sobre a questão prejudicial (pendência da ação administrativa) é censurável visto que na decisão que se recorre o Tribunal ad quo menciona que o Tribunal Administrativo é o Tribunal competente para conhecer destas matérias. Ora se defende esta tese a pendência desta ação administrativa é uma questão prejudicial que interfere com resultado deste processo cível.
26. Nestes termos esta decisão sob recurso é nula nos termos da alínea d) do n.°1 do artigo 615° do C.P.C. pois não teve em consideração factos alegados pela Autora/Apelante, a prova documental junta aos autos e o pedido de suspensão desta ação requerido pelo Novo Banco S.A. que obrigavam a tomar uma decisão concreta sobre este ponto prévio, antes de ser proferida uma decisão de mérito absolvendo o Réu Novo Banco S.A do pedido.
27. Devendo o Tribunal de recurso revogar a decisão proferida e alterar esta decisão por outra, pronunciando-se concretamente sobre a questão prévia da prejudicialidade da ação administrativa pendente nos termos do n.°1 do artigo 272° do C.P.C.
28. Por um lado o Tribunal ad quo sustenta na decisão proferida que o Banco de Portugal é nos termos da lei a Entidade Reguladora de Supervisão com poderes para delimitar os ativos e passivos que foram transferidos do BES para Novo Banco e por outro lado defende que Apelante tem o dever de discutir estas matérias no Tribunal Administrativo.
29. A Autora/Apelante intentou uma ação administrativa declarativa de pretensão conexa com atos administrativos contra o Banco de Portugal S.A. contras interessados Novo Banco S.A. e Banco Espírito Santo requerendo a nulidade e anulabilidade das deliberações do Banco de Portugal de 29.12.2015 que são citadas na sentença que ora se recorre.
30. Nestes termos esta ação pendente no Tribunal Competente (segundo os fundamentos da sentença que se recorre), e o seu resultado final condicionam de forma crucial o resultado desta presente ação cível.
31. Caso seja mantida por este Tribunal Recurso a decisão de absolvição de pedido do Novo Banco S.A o Tribunal Cível está a proferir uma decisão de mérito, antes do Tribunal Competente (Administrativo) decidir de forma definitiva com trânsito em julgado, se a Deliberação de 29.12.2015 é nula ou anulável, não produzindo efeitos jurídicos perante a Autora.
32. Ora esta consequência jurídica é abusiva na medida em o Tribunal ad quo sustenta que Tribunal Administrativo é o único Tribunal que tem competência para decidir estas questões.
33. Se o Tribunal Administrativo é o único competente para decidir se os direitos da Autora foram ao não transferidos para o Novo Banco S.A. em virtude da nulidade da deliberação do Banco de Portugal de 29.12.2015, o Tribunal Cível não pode proferir uma decisão de absolvição do pedido sem esta questão estar regulada definitivamente pelo Tribunal Administrativo.
34. O Tribunal de Recurso deverá revogar a decisão proferida que absolveu o Réu Novo Banco do pedido e substituí-la por outra que suspenda a instância nesta ação cível nos termos do n.° 1 do artigo 272 do C.P.C. até ao trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal de Círculo de Lisboa no processo administrativo n° 727/16.3BELSB.
35. Mas mesmo que assim não entenda a Autora/Apelante não concorda com a sentença proferida a qual deverá ser revogada por outros fundamentos distintos dos supracitados.
36. Resulta claramente do conteúdo desta decisão que o Tribunal ad quo delimitou o objeto do litígio na sentença proferida à seguinte questão:
(...) A única questão a decidir é a de saber se pode considerar-se transmitida para o Novo Banco a invocada obrigação indemnizatória do BES. (..)
37. Com base nessa única questão o Tribunal ad quo determinou o seguinte:
(...) Como assim se descreveu a Autora pretende que o Réu Novo Banco seja responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de omissões que imputa aos empregados do BES.
No entanto tal responsabilidade foi excluída pelas resoluções acima explicitadas. Das mesmas decorre o afastamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES, incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias penais ou contra-ordenacionais, relativos a factos anteriores a 03.08.2014 (...) Cfr. sublinhados nossos transcrição parcial da sentença proferida
38. A Autora/Apelante não concorda com esta fundamentação e esta decisão deverá ser revogada por este Tribunal de Recurso.
39. Não está em causa nestes autos apenas a “alegada obrigação indemnizatória do BES”, visto que parte das transferências bancárias em questão nos autos foram executadas após a constituição do Novo Banco S.A. e depois da transferência da conta bancária da Autora do BES para o Novo Banco S.A. entre 03.08.2104 e 31.10.2014.
40. O Tribunal ad quo proferiu uma decisão de mérito (absolvição do pedido) com base num pressuposto errado de que todos os factos alegados pela Autora ocorreram antes de 03.08.2014
41. A ação intentada pela Autora/Apelante contra os Réus baseia-se também em transferências bancárias executadas após 03.08.2014 e que foram indevidamente autorizadas/permitidas pelos funcionários do Réu Novo Banco S.A. em clara contravenção das regras que vinculavam a conta bancária de depósito à ordem da Autora n.° 017152880008.
42. Parte da causa de pedir diz respeito aos seguintes factos alegados na petição inicial:
> Em 1995 a Autora abriu uma conta de depósito à ordem n.° 017152880008 no BES cfr. factos alegados no artigo 5 da petição inicial;
> Esta conta bancária movimentava-se com duas assinaturas- obrigatória uma de A (de um Administrador e um Procurador, ou de dois procuradores) - cfr. factos alegados nos artigos 34, 35, 43 ao 47, 50 ao 57, 65 ao 69,70,73 e 74 da petição inicial;
> A 3 de Agosto de 2014 o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou aplicar uma medida de resolução ao BES- cfr. factos alegados no artigo 15 da petição inicial;
> No âmbito dessa medida de Resolução e nessa data foi constituído o Novo Banco S.A. e a conta de depósito à ordem n.° 017152880008 aberta pela Autora junto do BES, foi transferida para o Novo Banco S.A. com todos os seus ativos e passivos -cfr. factos alegados nos artigos 16,17 e 18 da petição inicial;
> Em Outubro 2014, a Autora descobriu que a sua funcionária Paula Mendes executou um n.° muito elevado de transferências bancárias ilícitas da conta da Autora à ordem n.° 017152880008 para contas bancárias diversas (umas titulada por ela, outras dos seus familiares, ou sociedades detidas por estes) tendo iniciado uma auditoria- cfr. factos alegados nos artigos 80 ao 83 da petição inicial.
> Nessa auditoria a Autora descobriu os seguintes factos:
Entre o período 02.08.2002 a 14.10.2014 a sua funcionária Paula Mendes executou 250 transferências bancárias no montante total de € 2.833.922,27 (apenas com uma única assinatura da procuradora Paula Mendes) da conta da Autora à ordem n.° 017152880008 para contas bancárias diversas (umas titulada por ela, outras dos seus familiares, ou sociedades detidas pelos mesmos) cfr. factos alegados nos artigos 84 ao 101 da petição inicial e documentos n.°s 21,22 e 23 ;
Entre o período 04.01.2005 a 27.11.2013 a sua funcionária Maria de Lurdes Araújo apropriou-se de 544 cheques sacados da conta da Autora à ordem n.° 017152880008 no montante total de € 1.592.472,00 os quais continham apenas a sua assinatura (procuradora M…..) cfr. factos alegados nos artigos 102 ao 117 da petição inicial e documentos n.°s 30,31 e 32;
> Posteriormente no desenrolar dessa auditoria e numa fase posterior da aludida auditoria a Autora descobriu que:
Entre 20.01.2004 a 28.12.2004 a sua funcionária M…. apropriou-se de 37 cheques sacados da conta da Autora à ordem n.° 017152880008 no montante total de € 106.365,00 os quais continham apenas a sua assinatura (procuradora M…) cfr. factos alegados nos artigos 3 ao 16 da ampliação do pedido e documentos 1 e 2.
A sua funcionária Paula Mendes a 29.5.2013 executou 1 transferência bancária no montante de € 5.593,80 (apenas com uma única assinatura da procuradora P….) da conta bancária à ordem n.° 017152880008 para pagar uma viagem pessoal cfr. factos alegados nos artigos 17 a 24 da ampliação do pedido.
> A Autora apurou que todos os referidos movimentos bancários (transferências e cheques) foram feitos apenas com uma assinatura de uma das referidas procuradoras (P e/ou L..o) em clara violação das regras de movimentação da conta bancária à ordem n.° 017152880008.
> Todas as transferências bancárias executadas pela funcionária da Autora P…, entre 03.08.2014 e 31.10.2014, supra mencionadas e reclamadas nesta ação no valor parcelar de cerca de 250.000 Euros foram apenas autorizadas, pelos funcionários Novo Banco S.A. em clara contravenção das regras de movimentação da conta bancária da Autora.
43. O Réu Novo Banco S.A. na sua contestação refere que as obrigações do BES não haviam sido transferidas para o Novo Banco S.A. e impugnou as transferências, mas não respondeu concretamente a esta questão.
44. Dos factos supra citados resulta de que entre todos os movimentos bancários indevidamente autorizados, e reclamados pela Autora/Apelante, parte foram autorizados pelos funcionários do BES (executados até 02.08.2014) e outros foram autorizados pelos funcionários do Novo Banco após a deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014.
45. De acordo com teor da deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, junta aos autos, a 03.08.2014:
> O Novo Banco S.A foi constituído.
> Os funcionários do BES foram transferidos para Novo Banco S.A.; e
> A conta bancária da Autora foi transferida do BES para Novo Banco.
46. A partir de 03.08.2014 os atos e omissões praticados pelos funcionários do Novo Banco S.A. permitindo que a conta da Autora fosse movimentada apenas com uma assinatura, apenas se podem repercutir exclusivamente na esfera jurídica do Novo Banco S.A. e apenas a este responsabilizam.
47. Uma outra interpretação diferente viola claramente o conteúdo da deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014 que constitui o Novo Banco S.A. nessa data.
48. A deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014 concede poderes de gestão e administração ao Novo Banco S.A. de todas as contas bancárias transferidas do BES para o Novo Banco, cfr. deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, Anexo 1 (n.°1 do artigo 3 e n.°3 do artigo 13 dos Estatutos do Banco de Portugal) e Anexo 2 documento n.°4 junto com a p.i. (requerimento de 29.07.2014 ref. Citius 23290769).
49. Se esta nova instituição financeira (Novo Banco S.A) tem poderes de administração, das contas bancárias dos depositantes, na qual está incluída a conta de depósito à ordem da Autora, e permite que essas contas bancárias sejam movimentadas (entre 03.08.2014 e 31.10.2014), contra as regras de movimentação estabelecidas nas condições de abertura,
50. Esta instituição financeira (Novo Banco S.A.) responde exclusivamente pelos atos e omissões praticados pelos seus funcionários e por todos os movimentos bancários indevidos, ocorridos entre 03.08.2014 e 31.10.2014, cujos únicos responsáveis são os funcionários do Novo Banco S.A.
51. O Tribunal ad quo, na sentença proferida, não se pronunciou sobre estes movimentos bancários que são ocorridos a partir de 03.08.2014 até 31.10.2014 no valor de 250.000, e nestes termos esta decisão é nula nos termos da alínea d) do n.°1 do artigo 615° do C.P.C. visto que o Tribunal não se pronunciou sobre parte da causa de pedir e do pedido exclusivamente imputável aos funcionários do Novo Banco S.A.
52. O Tribunal ad quo não poderia ter absolvido o Réu Novo Banco do pedido, sem audiência e julgamento e produção de prova sobre todos os factos alegados pela Autora/Apelante (transferências bancárias executadas pela P… entre 03.08.2014 até Outubro de 2014 no valor de € 250.000).
53. Nestes termos este Tribunal de Recurso deverá revogar a sentença proferida que absolveu o Réu Novo Banco S.A. do pedido já no despacho saneador, modificando esta decisão e ordenando a produção da prova sobre os factos controvertidos alegados pela Autora/Apelante (transferências bancárias executadas pela P… entre 03.08.2014 até Outubro de 2014 no valor de € 250.000).
54. A decisão proferida sob recurso também é nula visto que se contêm contradição entre parte dos fundamentos e a decisão proferida nos termos alínea c) do n.°1 do artigo 615° do C.P.C.
55. Nesta ação cível a Autora/Apelante requereu que o Tribunal Cível de Lisboa conhecesse dos vícios da constitucionalidade e da legalidade das deliberações do Banco de Portugal tomadas a 29.12.2015 que transmitiam os créditos da Autora do Novo Banco para o BES.
56. Nesta ação cível a Autora/Apelante alegou factos que demonstram que a deliberação de 29.12.2015 é inconstitucional e ilegal por violação dos princípios constitucionais da confiança, da boa-fé, da igualdade e proibição do favorecimento dos credores, e constitui uma clara violação dos direitos do depositante (Autora) - classe de interesses que a medida de resolução visou em primeira linha proteger com prejuízo dos interesses dos acionistas e de outros credores (investidores em papel comercial) - cfr. factos alegados nos artigos 252 a 329 da petição inicial.
57. Sobre este concreto ponto o Tribunal a quo, nos fundamentos da sentença proferida, determinou que o Tribunal Cível de Lisboa não tem competência para apreciar a constitucionalidade e a ilegalidade das deliberações do Banco de Portugal (29.12.2015).
58. Visto que menciona expressamente o seguinte:
(...) Pretende a Autora que as resoluções do Banco de Portugal são ilegais e inconstitucionais. Porém a apreciação de tais matérias não cabe a este Tribunal. (…)
Na verdade, dos atos praticados pelos órgãos do Banco de Portugal, no exercício das suas funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou ação previstos na legislação própria do contencioso administrativo, incluindo os destinados a obter a declaração de ilegalidade de normas regulamentares o que tem aplicação às ações de responsabilidade civil por atos em que se atuem os referidos poderes públicos de autoridade (cfr. art. 39° da LOBP e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2111-2013, Processo 07623/11, relator António Vasconcelos).
Daqui decorre que a competência para aferir da validade ou invalidade das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal está subtraída aos tribunais judiciais cabendo, antes, aos tribunais administrativos (...) Cfr. Transcrição parcial da decisão proferida.
59. Se o Tribunal ad quo entende que não é competente para conhecer de grande parte do pedido da Autora, verifica-se no caso concreto, uma contradição entre estes fundamentos e a decisão de mérito proferida (absolvição do Réu Novo Banco S.A do pedido).
60. Se o Tribunal ad quo considera que não tem competência para decidir esta matéria, defendendo que o Tribunal Administrativo é o único competente para conhecer destas questões, a única decisão admissível e coerente com esta conclusão seria a da absolvição do Réu Novo Banco S.A. da instância nos termos do n.°1 do artigo 99°, alínea a) do artigo 96°, todos do C.P.C.
61. Resulta do teor da decisão proferida que o Tribunal ad quo não conheceu dos factos e argumentos invocados pela Autora/Apelante na petição inicial (artigos 252 ao 329) (por falta de competência em razão da matéria) e concluiu com uma decisão de mérito de absolvição do Réu Novo Banco S.A. do pedido violando assim as regras estabelecidas no artigo 99° do C.P.C.
62. Mas mesmo que assim não se entenda resulta claro que a Constituição da República Portuguesa é uma Lei Fundamental que em termos hierárquicos prevalece sobre todos as leis e decretos-leis, quer as que determinam quais os Tribunais competentes, quer as normas que regulam as Instituições Financeiras e o Banco de Portugal, e, contrariamente ao sustentado na decisão proferida, o Tribunal ad quo tinha poderes para conhecer da questão da constitucionalidade das medidas tomadas tendo em conta o caso concreto da Autora/Apelante, que é uma mera depositante e que reclama danos causados pela violação do contrato de depósito bancário.
63. O que não sucedeu e nesses termos a sentença proferida é passível também de crítica, visto que o Tribunal ad quo não se pronunciou sobre inconstitucionalidade das medidas tomadas pelo Banco de Portugal 29.12.2015, e sobre todos os factos alegados pela Autora/ Apelante sobre este ponto devendo ser revogada.
64. Mas mesmo que assim não se entenda o que não se concede,
65. O Tribunal ad quo não deveria ter proferido uma decisão de mérito (absolvição do Réu Novo Banco S.A.) no despacho saneador com base nos fundamentos incluídos na subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014 e 11.08.2014 tendo em conta os factos alegados pela Apelante e a prova documental junta aos autos.
66. Da sentença que se recorre retira-se que o Tribunal ad quo considerou que responsabilidade do BES não foi transferida para Novo Banco S.A. com base também no teor da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal 03.08.2014 clarificada pela deliberação de 11.08.2014.
67. A Autora/Apelante não concorda com tal argumentação e muito menos concorda que da interpretação literal da subalínea (v) do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal se possa em sede de despacho saneador absolver o Réu Novo Banco S.A do pedido.
68. A alínea (v) do Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, clarificada pela deliberação do Banco de Portugal de 11.08.2014 não se aplica ao caso concreto que se discute nesta ação.
69. A Autora/Apelante não intentou esta ação contra o Novo Banco S.A. e BES por atos fraudulentos, violação de normas penais, regulatórias e contraordenacionais cometidas pelos funcionários do Banco seja ele o BES ou o Novo Banco S.A.
70. O que se discute nesta ação é apenas a responsabilidade civil contratual bancária, fundada na violação dos deveres bancários, na omissão da obrigação de controlo e verificação dos poderes das procuradoras (M e P)permitindo que estas movimentassem a conta bancária da Autora com uma única assinatura, sem poderes para o fazer, visto que a conta bancária da Autora exigia sempre duas assinaturas.
71. Acresce que existe prova documental junta aos autos em contrário que não permitia ao Tribunal ad quo decidir esta questão já em sede de despacho saneador, sem a produção de mais prova.
72. A Autora/Apelante alegou na petição inicial os seguintes factos:
> A 19.12.2014 a Autora apresentou uma reclamação ao Banco de Portugal na qualidade de entidade de supervisão contra o Novo Banco S.A.- cfr. factos alegados nos artigos 149 da petição inicial e documento n.°47 junto com requerimento da Autora de 29.07.2016 (ref. Citius 23293280) e,
> A 27.01.2015 o Banco de Portugal respondeu à Autora informando-a que esta tinha direito de Recorrer aos Tribunais judiciais, no que diz respeito à reclamação apresentada contra o Novo Banco S.A.- cfr. factos alegados nos artigos 177 e 178 da petição inicial e documento n.° 53 junto com requerimento da Autora de 29.07.2016 (ref. Citius 23293348).
73. Nesta carta de reclamação apresentada pela Autora junto do Banco de Portugal estão incluídos os movimentos bancários indevidos detetados até essa data (transferências bancárias entre 2009 e 14.10.2014) e cheques entre (08.01.2013 e 27.11.2013) -cfr. documento n.°47 junto com requerimento da Autora de 29.07.2016 (ref. Citius 23293280) ;
74. Nestes termos existe prova documental junta aos autos produzida após as deliberações de 03.08.2014 e 11.08.2014 e emitida pelo próprio Banco de Portugal a 27.01.2015 que demonstram que o Banco de Portugal entendeu em Janeiro de 2015 que esta obrigação BES foi transferida para Novo Banco S.A.
75. O Tribunal ad quo com base nesta prova documental não podia “interpretar” a vontade da Entidade Reguladora e decidir que esta obrigação estava inserida no passivo do BES, com base nas deliberações de 03.08.2014 e 11.08.2014, sem produção de mais prova adicional em audiência e julgamento.
76. Perante os elementos de prova juntos aos autos, a mera alegação do Réu Novo Banco S.A. que estes créditos estavam excluídos (alegada na sua contestação com base nos fundamentos incluídos na subalínea (v) da deliberação de 03.08.2014 clarificada pela Deliberação de 11.08.2014) não podem destruir uma comunicação escrita enviada pelo próprio Banco de Portugal à Autora/Apelante informando-a que pode intentar medidas judiciais no que diz respeito à reclamação feita contra o Novo Banco S.A.
77. Nestes termos o Tribunal ad quo não podia proferir a decisão de mérito absolvendo o Réu Novo Banco do pedido, com base no conteúdo literal das deliberações do Banco de Portugal de 03.08.2014 e 11.08.2014 tendo em conta os factos alegados pela Autora nos artigos 149 e 177 e 178 e prova documental junta aos autos.
78. Em suma resulta claramente que o Tribunal ad quo não deveria ter proferido um despacho saneador sentença absolvendo o Réu Novo Banco do pedido, por todos argumentos invocados.
79. Esta decisão contém as nulidades acima elencadas e os erros de julgamento que terão de ser conhecidas e corrigidos por este Tribunal de recurso, devendo o despacho saneador sentença ser revogado e alterado pelo Tribunal nos termos acima indicados.
Nestes termos, e nos demais de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, alterando-se a sentença em conformidade com o acima exposto, a saber:
a. julgando-se procedentes as nulidades invocadas;
b. declarando-se a suspensão da instância cível por existência de questão prejudicial atenta a pendencia da ação administrativa; e
c. ordenando-se, em todo caso, a continuação dos presentes autos para conhecer da causa de pedir que se prende apenas com as transferências que ocorreram após 03.08.2014.”
*
O R. Novo Banco apresentou as suas contra-alegações concluindo do modo como se segue:
“a) A sentença do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não julgou incorrectamente a matéria de facto, nem tampouco deixou de valorar correcta- mente as alegações das partes e a prova junta aos autos.
b) Esta apreciação radicou inclusivamente no entendimento do Tribunal que o Novo Banco não pode considerar-se responsável em virtude das deliberações do Banco de Portugal pelo pagamento das quantias reclamadas nesta acção, não sendo relevante, designadamente, o alegado quanto à data em que a Autora tomou conhecimento dos factos em que alicerça a sua pretensão”.
c) Argumenta o Recorrente também que a matéria de facto considerada provada no ponto 3 dos factos provados foi incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo.
d) O mesmo não corresponde, salvo o devido respeito, á realidade fáctica, dado que a deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto, conforme seu preâmbulo, corresponde a uma “clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., transferidos para o Novo Banco, S.A.
e) O que significa, conforme se retira do exposto, que é uma mera clarificação das deliberações de 03 de Agosto de 2014, e desse modo, nesta integrante.
f) Pelo que a redação proposta pelo A., identificada no ponto 40 das Alegações de Recurso, carecem de factualidade, e deverão ser desconsideradas.
g) Carece a Recorrente de razão ao invocar a nulidade de sentença por falta de pronúncia quanto a ampliação do pedido.
h) Não só a requerida ampliação do pedido foi objecto de pronúncia, em 18.01.2018, pelo douto tribunal a quo, como, tal como a própria Recorrente confessa, tal pronúncia lhe foi inclusivamente favorável.
i) Ora, tendo a ampliação do pedido sido objecto de pronúncia por parte do tribunal a quo, razão não assiste à Recorrente ao invocar tal nulidade.
j) No que concerne a existência de eventual causa de prejudicialidade, discutindo-se nos autos a responsabilidade do aqui Recorrido no pagamento da quantia peticionada
k) Não se configura, como alegado pela Recorrente, a existência de questão prejudicial que seja da competência do tribunal administrativo, pois tal não se afigura como condição necessária para a decisão da presente causa, à qual apenas interessa o apuramento daqueles factos e a sua integração e valoração à luz das normas vigentes.
l) Pelo que, uma vez mais, não estamos perante qualquer omissão de pronúncia.
m) Quanto à alegada falta de pronúncia quanto a parte do pedido, a verdade é que somente em instâncias de recurso e confrontada com a bondade da decisão ora recorrida, vem a Recorrente, alegar, de uma forma concreta, a ocorrência destes hipotéticos factos.
n) Destarte, todo o pedido formulado pela Recorrente (e bem assim a causa de pedir) assenta na hipotética responsabilidade do Recorrido por via da transferência que incorrectamente julgou ter ocorrido do BES para o Novo Banco, decorrente das Deliberações do Banco de Portugal.
o) Nunca, em momento anterior, veio a Recorrente arguir a eventual responsabilidade do Recorrido por factos ocorridos já após a sua constituição.
p) Alega também a Recorrente a contradição entre a sentença e os seus fundamentos, defendendo que pelo entendimento do Tribunal a quo, deveria ser o mesmo considerado incompetente nesta matéria.
q) Não colhe, contudo, de razão os argumentos da Recorrente quanto à incompetência absoluta deste Tribunal, dado que o pedido e causa de pedir se fundamentou na violação de uma relação contratual, sendo deste modo competência dos Tribunais Judiciais, nos termos do artigo 64.° do Código de Processo Civil Português.
r) Assim, ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica qualquer nulidade, porquanto só existiria se entre a decisão e os motivos que a fundamentaram houvesse falta de conformidade, de tal modo, que os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo devessem naturalmente conduzir a resultado oposto ao que se chegou.
s) Defende, também, a Recorrente que não poderia o douto Tribunal a quo decidir esta a acção no despacho saneador com fundamento nas deliberações do Banco de Portugal já previamente enunciadas, em face da prova junta aos autos.
t) Ora, ainda que a Recorrente afirme em contrário, a causa de pedir do presente processo radica num eventual prejuízo directamente decorrente de práticas fraudulentas por parte de indivíduos inseridos na sua estrutura, ainda que, sem conceder tal realidade, acompanhada de uma laissez-faire por parte de funcionários pertencentes ao Banco Espírito Santo.
u) Ora, à transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco S.A. foram excepcionadas quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais, permanecendo as mesmas no BES, conforme (v) a (vii) da alínea (b) do n.°1 do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 03 e Agosto de 2014, na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014.
v) Pelo que carece de razão a Recorrente ao afirmar que o douto Tribunal a quo não podia decidir a presente acção por saneador-sentença, dado que se encontra, salvo entendimento em contrário, com todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa.”
Termina pedindo a improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação.
*
Foi ordenada a baixa dos autos para conhecimento das invocadas nulidades, nos termos do art.º 617º, n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo Civil, tendo a Juiz a quo proferido o seguinte despacho:
“Interposto recurso do saneador-sentença proferido nos autos, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que o Tribunal de 1ª instância deveria tomar posição sobre as nulidades invocadas, determinando que, nos termos do art.º 617º, n.º 5 do Código de Processo Civil os autos baixem à 1ª instância para tal efeito.
Nos termos do art.º 617º do Código de Processo Civil cumpre apreciar as nulidades invocadas:
São quatro as questões invocadas:
1. Nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre a ampliação do pedido:
2. Nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre a questão prévia de prejudicialidade entre a acção administrativa intentada pela A. contra o Banco de Portugal impugnando as deliberações de 29/12/2015 pendente no Tribunal Administrativo de círculo.
3. Nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre uma parte do pedido reclamado pela A.
4. Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
No que respeita às questões referidas em 1., 3., e 4., afigura-se inexistir qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Na verdade, a decisão sob recurso julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu Novo Banco do pedido. Ora, tal decisão abrangeu, naturalmente, a totalidade do pedido, cujo valor é a resultante da ampliação requerida e admitida por despacho de 18/01/2018, entendendo-se que a menção no relatório apenas do valor do pedido inicial ocorreu por mero lapso que, contudo, não gera nulidade da sentença.
Quanto às questões referidas em 3. e 4. Entende-se que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, mas apenas uma discordância da A. quanto aos fundamentos da decisão, o que se entende não configurar qualquer nulidade da decisão sendo uma questão de mérito a apreciar em sede de recurso.
No que respeita à invocada omissão de pronúncia sobre a questão prévia da prejudicialidade, verifica-se, da análise dos autos, que tal questão não foi suscitada pela A. que, aliás, por requerimento de 11/09/2017 expressamente afirma inexistir qualquer questão prejudicial opondo-se a eventual suspensão da instância.
Assim, entendo que, também nesta situação inexiste omissão de pronuncia por o Tribunal não ter deixado de apreciar qualquer questão suscitada pela Autora/recorrente.
Em face do exposto, nada mais se me oferece dizer sobre a decisão recorrida que, por isso, se mantém, na íntegra.”
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
***
II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto as questões a apreciar consistem em:
- Das nulidades da sentença por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão e, no que à questão da prejudicialidade respeita, saber se procede a mesma e se deve ser suspensa a instância;
- Da reapreciação da matéria de facto;
- Se ocorre erro de julgamento devendo ordenar-se a continuação dos autos para conhecer da causa de pedir que se prende apenas com as transferências que ocorreram após 03.08.2014.
***
III. Fundamentação:
Resulta provada em 1ª Instância a seguinte matéria de facto:
1. A Autora foi constituída em 1991 tendo por objecto comercial o exercício da actividade de agente de navegação.
2. No ano de 1995 abriu a sua conta de depósito à ordem n° 017152880008 que passou do BES para o Novo Banco e que hodiernamente se encontra neste último banco.
3. A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objecto de deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, tendo sido excepcionadas quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; permanecendo as mesmas na esfera do BES.
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IV. Das nulidades.
Nas suas alegações de recurso, a A. invoca:
- A nulidade da sentença nos termos da alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil, com fundamento na falta de pronúncia sobre a ampliação do pedido e na falta de pronúncia sobre a questão prévia de prejudicialidade entre a acção administrativa intentada pela Autora contra o Banco de Portugal, impugnando as deliberações de 29/12/2015, pendente no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, bem como a falta de pronúncia sobre uma parte do pedido reclamado pela Autora, visto que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre parte da causa de pedir relacionada com factos posteriores a 3/8/2014 e exclusivamente imputável aos funcionários do Novo Banco S.A., devendo a decisão proferida ser substituída por outra ordenando-se a produção da prova e julgamento destes factos englobados nesta acção
Invoca ainda a nulidade da sentença nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil por contradição entre o fundamentos e a decisão proferida, dado que, se o Tribunal Cível entende que não é competente deveria ter proferido uma decisão absolvendo o Réu Novo Banco S.A. da instância, nos termos da alínea a) do n.°1 do artigo 96° e n.°1 do artigo 99°, todos do Código de Processo Civil, visto que não tem competência para conhecer de parte da causa de pedir e do pedido.
Dispõe o art.º 615.º do Código de Processo Civil que são causa de nulidade da sentença, para o que aqui interessa:
“1 - É nula a sentença quando:
(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…) 4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Nos termos do art.º 617º, n.º 1 do Código de Processo Civil, após ter sido ordenada a descida dos autos à primeira instância para tanto, a Juiz a quo pronunciou-se sobre as invocadas nulidades, entendendo que as mesmas não se verificam, nos termos do despacho que supra se transcreveu.
Vejamos.
Antes de mais, atente-se que as nulidades previstas no normativo em causa não se prendem com o mérito da decisão, com um erro no julgamento dos factos ou de Direito que acarrete a revogação da decisão proferida, no todo ou em parte.
As nulidades previstas no art.º 615º do Código de Processo Civil prendem-se com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual são decretadas, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Estas nulidades, como refere Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., pág. 734, são vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.
Tais vícios não se confundem com os verdadeiros erros de julgamento, que se prendem com a apreciação da matéria de facto ou com a aplicação do Direito aos factos, estes passíveis de ser atacados por via de recurso e que determinam, em caso de procedência, a revogação da decisão e eventual prolacção de nova decisão ou anulação de julgamento. Da falta de pronúncia sobre a ampliação do pedido.
Posto isto, quanto à falta de pronúncia sobre a ampliação do pedido, a Juiz a quo veio referir que a sentença proferida abarca a totalidade do pedido, sendo que a ampliação do pedido foi já expressamente admitida nos autos por despacho de 18/1/2018 e a menção no relatório do valor do pedido inicial ocorreu por mero lapso.
Ora, lida a decisão, afigura-se que a mesma abarca sem dúvida quer o pedido primitivo, quer a ampliação efectuada pela A. e admitida nos autos.
A menção apenas ao valor do pedido inicial no relatório decorre de lapso manifesto, devendo em consequência ser rectificada, nos termos permitidos pelos artigos 613º e 614º, n.º 1 do Código de Processo Civil e art.º 249º do Código Civil, levando-se em consideração a ampliação pelo valor de 111.958,80 €, pelo que o valor da acção é de 4.538.353,77 €. A nulidade de falta de pronúncia sobre a questão prévia de prejudicialidade.
A Recorrente entende verificar-se omissão de pronúncia sobre a prejudicialidade entre a ação administrativa intentada pela Autora contra o Banco de Portugal, impugnando as deliberações de 29/12/2015, pendente no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e a presente causa, que fundamentariam a suspensão da instância.
Como refere a Juiz a quo no despacho a pronunciar-se sobre esta omissão, esta questão não foi suscitada por nenhuma das partes, que apenas foram convidadas a pronunciar-se sobre uma eventual questão de prejudicialidade pela Juiz a quo, o que fizeram, aliás, entendendo a Recorrente que tal não se verificava e o R. Novo Banco que esta efectivamente ocorria e devendo suspender-se a instância, ao contrário do que vêm agora sustentar em sede de recurso, dando o dito por não dito.
Ora, o Juiz apenas se pode pronunciar sobre questões ou conhecer de factos, em duas circunstâncias: quando tal lhe é imposto por lei, por ser de conhecimento oficioso ou, não sendo esse o caso, quando tal seja suscitado pelas partes – conforme artigos 3º e 5º do Código de Processo Civil.
Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, disponível em www.dgsi.pt:
“Os vícios a que se reporta este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608º do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”. Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, que na sua conceção clássica e tradicional significava que “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374), mas também do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem ativamente para a decisão a ser nele proferida. Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de exceção ou exceções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a decisão por omissão de pronúncia -, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da decisão, que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão.”
Vertendo ao caso concreto, resulta do art.º 272º, n.º 1, do Código de Processo Civil que cabe ao Juiz ponderar se suspende ou não a instância caso se verifique a existência de causa prejudicial - “O tribunal pode ordenar a suspensão…” (o sublinhado é nosso) não devendo ser declarada se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 desse normativo, ponderação que, mais uma vez, compete ao Juiz efectuar.
Ora, ao fazer prosseguir a acção proferindo a sentença agora em recurso, é manifesto que a Juiz a quo entendeu não se verificar motivo para a suspensão da instância por existência de causa prejudicial. E nem estava obrigada a fazê-lo expressamente, uma vez que tal questão nem foi suscitada pelas partes nos presentes autos, nem se trata de questão de conhecimento oficioso que se imponha ao Juiz conhecer.
Deste modo, a invocada nulidade não se verifica. A nulidade por falta de pronúncia sobre uma parte do pedido.
A este propósito invoca a A. que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre parte da causa de pedir relacionada com factos posteriores a 3/8/2014 e exclusivamente imputável aos funcionários do Novo Banco S.A., devendo a decisão proferida ser substituída por outra ordenando-se a produção da prova e julgamento destes factos englobados nesta acção.
Como supra referido, a nulidade em causa no art.º 615º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil reporta-se tão somente a vícios formais da sentença, vícios de estrutura que não se confundem com erros de julgamento.
Ora, lida a sentença, esta mostra-se devidamente fundamentada, de facto e de Direito, porquanto enuncia os factos que considera provados, aplica as normas jurídicas que julga adequadas à situação fáctica, decidindo em conformidade (independentemente de se saber se a decisão está correcta ou não) e fá-lo de forma coerente pois que não se vislumbra contradição entre a fundamentação e a decisão, nem se verifica que se tenha pronunciado sobre questão que não foi colocada, sendo coerente e lógica a decisão a que se chegou, e que se pronuncia sobre questões que foram efectivamente colocadas pelas partes.
Na realidade, a argumentação da Recorrente não se subsume à nulidade invocada, antes se prende com a alegação de um verdadeiro erro de julgamento.
Assim, julga-se que a decisão em análise não padece da invocada nulidade. Da nulidade por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão proferida.
Sustenta a Recorrente a este propósito que se o Tribunal Cível entende que não é competente deveria ter proferido uma decisão absolvendo o Réu Novo Banco S.A. da instância, nos termos da alínea a) do n.°1 do artigo 96° e n.°1 do artigo 99°, todos do Código de Processo Civil, visto que não tem competência para conhecer de parte da causa de pedir e do pedido.
A Recorrente entende que nesta ação cível a Autora/Apelante requereu que o Tribunal Cível de Lisboa conhecesse dos vícios da constitucionalidade e da legalidade das deliberações do Banco de Portugal tomadas a 29/12/2015 que transmitiam os créditos da Autora do Novo Banco para o BES.
Sobre este concreto ponto o Tribunal a quo, nos fundamentos da sentença proferida, determinou que o Tribunal Cível de Lisboa não tem competência para apreciar a constitucionalidade e a ilegalidade das deliberações do Banco de Portugal (29/12/2015).
Defende a Recorrente que, se o Tribunal a quo entende que não é competente para conhecer de grande parte do pedido da Autora, verifica-se no caso concreto, uma contradição entre estes fundamentos e a decisão de mérito proferida (absolvição do Réu Novo Banco S.A do pedido), uma vez que a única decisão admissível e coerente com esta conclusão seria a da absolvição do Réu Novo Banco S.A. da instância nos termos do n.°1 do artigo 99°, alínea a) do artigo 96°, todos do Código de Processo Civil.
Mais refere que a sentença proferida é passível também de crítica, visto que o Tribunal ad quo não se pronunciou sobre inconstitucionalidade das medidas tomadas pelo Banco de Portugal de 29/12/2015, e sobre todos os factos alegados pela Autora/ Apelante sobre este ponto, devendo ser revogada.
Ora, lida a sentença, afigura-se que também aqui não tem razão a recorrente.
Desde logo porquanto o Tribunal a quo não se declarou incompetente para conhecer do pedido da A., uma vez que o pedido formulado não é a declaração da nulidade ou anulabilidade das Deliberações do Banco de Portugal.
Mas analisemos a decisão em apreço a fim de verificar se pode proceder a argumentação da Recorrente.
Ora, se na decisão se refere que “Pretende a Autora que as resoluções do Banco de Portugal são ilegais e inconstitucionais. Porém, a apreciação de tais matérias não cabe a este Tribunal.” E bem assim, “Na verdade, dos actos praticados pelos órgãos do Banco de Portugal, no exercício das suas funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou ação previstos na legislação própria do contencioso administrativo, incluindo os destinados a obter a declaração de ilegalidade de normas regulamentares, o que tem aplicação às ações de responsabilidade civil por actos em que se atuem os referidos poderes públicos de autoridade (cfr. art. 39.° da LOBP e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-11-2013, Processo 07623/11, relator António Vasconcelos). (…) Daqui decorre que a competência para aferir da validade ou invalidade das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal está subtraída aos tribunais judiciais, cabendo, antes, aos tribunais administrativos.”; convém não esquecer o que igualmente na sentença em apreço se escreve a este propósito:
“O Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio (cfr. art. 1° da respectiva Lei Orgânica, aprovada pela Lei n° 5/98, de 31/01), a quem compete velar pela estabilidade do sistema financeiro nacional (cfr. art. 12.° al a)) e desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, o poder de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável (cfr. art. 17.°-A). A medida de Resolução adoptada não só tem pleno cabimento legal na ordem jurídica portuguesa como a competência para a sua adopção pertence, efectivamente, ao Banco de Portugal, que se limitou a, nos estritos termos legais, transferir, parcialmente, atividade do BES para uma instituição de transição, cuja componente patrimonial o Banco de Portugal entendeu por bem delimitar da forma como o fez, de harmonia com o disposto no RGICSF (cfr. arts. 139°, 145° G e 145° H). O Banco de Portugal goza ainda da faculdade de clarificar as suas deliberações e de, após a transferência, transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária (cfr. art. 145-H, n.° 5 al. b)), poderes que exerceu, de forma válida, através das deliberações de 11.08.2014 e 29.12.2015 (cfr. Acórdãos da RL de 03.12.2015, Proc. n.° 442- 14.4TYLSV-A.L1-8 e de 06-10-2016, Proc. n.° 1387-15.6T8PRT-A.L1-8). Importa ainda ter em atenção que a medida de Resolução tomada pelo Banco de Portugal não é "norma" para os efeitos previstos no art. 277° da CRP. A medida de Resolução tem a natureza de ato administrativo (neste sentido, vd. o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2015, Proc. N.° 2318-12.0TJLSB-A.L1-8, relatora Carla Mendes), que só pode ser nulo ou anulável nos termos gerais, perante os tribunais administrativos (art. 145.°-R, n.° 1 do RGICSF), presumindo-se válido até decisão do tribunal administrativo em contrário. (…) De resto, a lei estabeleceu um regime particular relativamente às deliberações do Banco de Portugal, sublinhando a função pública fundamental desta instituição, pois que, no âmbito das ações de impugnação dessas deliberações "presume-se, até prova em contrário, que a suspensão da eficácia determina grave lesão do interesse público" (cfr. art. 12°, n° 2, do RGICSF). Assim sendo, as deliberações do Banco de Portugal não são passíveis de providências para suspensão da respetiva eficácia, subsistindo os seus efeitos na ordem jurídica, sendo certo que só perante os tribunais administrativos poderão ser objeto de impugnação. Acresce que, sem a medida de Resolução, o BES teria entrado em liquidação, o que não só "representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira" como é certo que, nesse caso, a posição jurídica dos Autores não seria melhor. É que, não pode esquecer-se, as medidas de resolução são aplicáveis quando a deterioração da situação financeira e prudencial de uma instituição seja suscetível de pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro nacional, consistindo, precisamente, em isolar os ativos problemáticos da instituição, tendo em vista a sua posterior liquidação, e concentrar o essencial da atividade da instituição numa entidade devidamente capitalizada, tendo em vista a continuidade da prestação de serviços e a proteção dos clientes da instituição, dos contribuintes e do erário público. Ora, os custos de uma medida de resolução são, em primeiro lugar, suportados pelos accionistas e pelos credores da instituição em causa, de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe, e, posteriormente, pelo Fundo de Resolução, suportado pelo sector financeiro. De acordo com o artigo 145°-B do RGICSF, com a redacção vigente à data da deliberação de Resolução do BES e, nessa medida, enquanto princípio orientador da medida adoptada, na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que: a) Os accionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores; c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação. Resulta inequívoco do próprio teor das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal que não se pretendeu criar novos direitos a favor de quem não os tivesse, nem coartar direitos existentes. O regime de garantia dos potenciais credores de uma instituição financeira assenta, como em geral, relativamente a qualquer sociedade anónima, no respectivo capital social (cfr. artigo 14°, n° 1, al. d) e n° 3, do RGICSF). E, nos termos do art. 601° do Cód. Civil, "pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios". Tal como salienta Ana Mafalda Miranda Barbosa, in Direito Civil e Sistema Financeiro, 2016, p. 10, ao adoptar uma medida de resolução, "o Banco de Portugal actua orientado por dois princípios vectores: o princípio da legalidade e o princípio da eficácia administrativa, que se condicionam mutuamente. O primeiro reflecte-se na necessidade de se verificarem os pressupostos de aplicação das medidas enunciadas anteriormente; o segundo tem expressão na ampla liberdade de decisão que lhe é conferida a este nível. Na verdade (...) cabe ao Banco de Portugal decidir, em face da constatação de uma situação de insolvência ou de risco de insolvência de uma instituição de crédito e da falta de previsibilidade de que ela seja evitada num prazo razoável com recurso a medidas executadas pela instituição, à aplicação de medidas de intervenção correctiva ou à administração provisória, se devem ou não abrir-se as portas à aplicação de uma medida de resolução e, dentro das quatro possíveis a aplicar, a qual delas se deve dar preferência. Quer isto dizer que, embora sujeito à lei, o Banco de Portugal actua de forma livre. Tal liberdade é balizada por um princípio de eficácia. Se os objectivos das medidas de resolução são assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e proteger os fundos e os activos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação de serviços de investimento relacionados, a decisão de adoptar a medida e a conformação dessa mesma medida só são legítimas se e quando tais finalidades puderem ser alcançadas por essa via. Daqui decorrem duas consequências: a liberdade do Banco de Portugal de que se falava é uma liberdade funcionalizada, por um lado; e, por outro lado, o sistema tem de oferecer ao regulador uma margem de actuação tal que não condicione os resultados a obter. Tudo isto implica, por seu turno, que a actuação do regulador não possa ser objecto de uma fiscalização judicial prévia, tanto quanto a aplicação de uma medida de resolução não seja compatível com dilações temporais; e que se proscrevem todas as actuações abusivas, isto é, que não sejam ditadas por uma lógica de necessidade e de proporcionalidade, atentas as finalidades das medidas de resolução previstas no artigo 145.°-C do RGICSF".
Posto isto, é incontornável (e não foi posto em causa por qualquer das partes neste processo) que apenas aos Tribunais Administrativos e Fiscais compete a declaração de nulidade ou anulabilidade das Deliberações em causa, nulidade ou anulabilidade, aliás, que não é peticionada nestes autos, nem faz parte do objecto principal do processo.
Assim, nenhum vício há que assacar à sentença em recurso nesta parte.
Mas resulta igualmente dos autos que a questão suscitada teria de ser apreciada nos termos do art.º 91º do Código de Processo Civil, como efectivamente o foi, como resulta da fundamentação da sentença que acima se transcreveu.
De facto, o art.º 91º do Código de Processo Civil prescreve que:
“1 - O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.
2 - A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia.”
Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/2/2018, Proc. n.º 31811/15.1T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, a este propósito e pronunciando-se sobre questão idêntica: “O artº 91º do CPC insere-se num capítulo que respeita à extensão e modificação da competência. O problema da extensão da competência do tribunal da acção às questões incidentais que nela podem levantar-se surge porque, ao fixar-se a competência do tribunal para determinada acção, tem-se em vista apenas a sua natureza em face do pedido do autor, importando determinar em que medida o tribunal competente para a acção pode (deve) pronunciar-se (e com que valor) sobre questões que possam surgir no decorrer da acção. A palavra “incidentes” está usada em sentido amplo de questões que têm de ser previamente resolvidas pelo juiz para que possa estatuir sobre a pretensão do autor e não na acepção estrita dos artºs 292º e segs do CPC. Ao conferir ao tribunal o poder de decidir questões incidentais, pretende-se que o juiz não fique inibido de definir a questão submetida à sua apreciação, embora competente para conhecer dela. E nessas questões incidentais incluem-se matérias que, enquanto isoladamente consideradas, poderiam ser da competência, por exemplo, do foro administrativo (Cf. Ac. STJ de 09/01/2003, Ferreira de Almeida, CJ STJ, nº 166, tomo I, pág. 14). Não se confunde, pois, competência enquanto medida de jurisdição para conhecer o objecto da acção com competência incidental.»”, concluindo-se nesse caso que não ocorre qualquer nulidade da sentença por contradição ou omissão de pronúncia quanto à apreciação da questão de competência e pronunciando-se igualmente a sentença sobre a legitimidade e legalidade do Banco de Portugal para adoptar as deliberações invocadas.
Decorre ainda do que ficou dito na sentença em análise que a Juiz a quo afastou a possibilidade de suspensão da instância por verificação de causa prejudicial, ao tomar a posição que tomou relativamente à legalidade das Deliberações em causa, aplicando-as ao caso.
Deste modo, não se verifica a invocada nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
Nem ocorre omissão, uma vez que se considerou legais e válidas as Deliberações em causa e se entendeu que “Resulta inequívoco do próprio teor das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal que não se pretendeu criar novos direitos a favor de quem não os tivesse, nem coartar direitos existentes.”
Resulta daqui que, embora imperfeitamente expresso, tal sucinta fundamentação impede porém que se considere a nulidade da sentença por omissão, dado que outra conclusão não se pode retirar da fundamentação em causa em que se considerou inexistir ilegalidade ou inconstitucionalidade das deliberações em causa.
Pelo exposto, improcede a arguição da Recorrente quanto às nulidades da sentença.
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V. Da Reapreciação da Matéria de Facto.
Dispõe o artigo 640º do Código de Processo Civil, para o que aqui interessa:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto;
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. (…)”.
Mostram-se observadas pelo Recorrente as formalidades previstas por este preceito, entendendo que o Tribunal de recurso deve alterar os factos considerados provados no ponto 2 da sentença proferida, para a seguinte redacção:
“2. No ano de 1995 a Autora abriu a sua conta de depósito à ordem n.° 017152880008 que após a deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, passou do BES para o Novo Banco e que hodiernamente se encontra neste Banco".
Fundamenta a sua pretensão na prova documental junta aos autos, concretamente nos documentos 4; 5 e 52 juntos com a p.i., bem como na ausência de impugnação de tal facto pelos RR. - cfr. factos alegados pelo Réu Espírito Santo, S.A. no artigo 49 da sua contestação e factos alegados pelo Réu Novo Banco, S.A. no artigo 48 da contestação.
Lida a documentação em causa e da análise das contestações dos RR., conclui-se que cabe razão à Recorrente, passando o facto assente em 2. a ter a redacção proposta.
Pretende ainda a Recorrente que do facto assente em 3. deve constar o seguinte:
“3. A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objeto de deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, tendo sido excecionadas quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; permanecendo as mesmas na esfera do BES.
A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objeto de deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, tendo sido excecionadas quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra- ordenacionais; permanecendo as mesmas na esfera do BES.
A transferência de responsabilidades do BES para o Novo Banco foi objeto de deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, tendo sido excecionadas quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES; permanecendo as mesmas na esfera do BES”.
Refere o Recorrente que juntou aos autos a cópia das referidas deliberações e que se o Tribunal “a quo” na sentença proferida (nos fundamentos) sustenta a sua decisão de mérito, de absolvição do Réu Novo Banco, S.A. do pedido, nos argumentos retirados de três deliberações do Banco de Portugal, proferidas a 03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2014, não pode reduzir a matéria de facto considerada provada apenas a uma dessas deliberações de 03.08.2014.
Assim, alega a Recorrente, coerentemente com o que defende este Tribunal a quo, este tinha o dever de incluir nos factos considerados provados no ponto 3 o teor das deliberações mencionadas na sua decisão, o que não o fez.
De facto, julga-se que, uma vez que o Tribunal a quo fez constar nos factos provados o teor da deliberação de 3/8/2014 e socorrendo-se na sua decisão do teor das deliberações seguintes, deveriam as mesmas constar daquela matéria de facto, pelo que a redacção do ponto 3. passará a ter a redacção proposta pelo Recorrente.
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VI. Do Erro de Julgamento.
Finalmente, decididas nos termos supra as restantes questões invocadas pela Recorrente, há que averiguar se ocorreu erro de julgamento que determine que se ordene “a continuação dos presentes autos para conhecer da causa de pedir que se prende apenas com as transferências que ocorreram após 03.08.2014.” como pretende a Recorrente.
Antes de mais, desde já se adianta que a alteração da matéria de facto a que se procedeu em nada altera o sentido da decisão proferida em primeira instância, quanto aos factos ocorridos até às 20.00h do dia 3/8/2014, em consonância com a fundamentação que decorre da sentença em análise.
Vejamos porém se efectivamente é de alterar a decisão de absolver o R. Novo Banco de todo o pedido formulado, considerando os factos ocorridos após o dia 3/8/2014.
Desde já se adianta que sim.
Resultava da própria p.i. que a A. fazia referência a factos ocorridos num lapso temporal para além do dia 3/8/2014 (e não está aqui em causa apenas a data em que teve conhecimento de factos ocorridos anteriormente, mas factos efectivamente ocorridos após essa data), concretamente nos artigos 68º; 69º; 71º; 84º, alíneas b); d) e j) da p.i.
Não resultando da p.i. em concreto quais as quantias e datas específicas em causa nesse período compreendido entre 3/8/2014 e Outubro de 2014, sempre deveria ter sido proferido um despacho de aperfeiçoamento convidando a A. a efectuar tal concretização.
A A., em sede de recurso já veio referir que tais transferências, efectuadas pela funcionária da A. Paula Mendes, ascendem a cerca de 250.000 €; cumprirá porém concretizar ainda tal alegação, nos termos do art.º 590º, n.º 2, b) e n.º 4 do Código de Processo Civil.
Deste modo, nesta parte impõe-se concluir que assiste razão à Recorrente, devendo ser alterada a decisão proferida, restringindo-se a absolvição do pedido do R. Novo Banco, S.A. aos factos ocorridos até às 20.00h do dia 3/8/2014 e ordenando-se o prosseguimento dos autos, com prévia prolacção de despacho de aperfeiçoamento dirigido à A. para que concretize quais as quantias e datas específicas em causa nesse período efectuadas pela funcionária da A. Paula Mendes, prosseguindo após os autos os seus termos.
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VII. Das Custas
Vencidas parcialmente no Recurso, fixam-se as custas do recurso por Apelante e Apelada na proporção de 1/2 para a primeira e 1/2 para a segunda, nos termos do art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, deferindo-se a reapreciação da matéria de facto, e, consequentemente:
- Revoga-se parcialmente a sentença proferida, restringindo-se a absolvição do pedido do R. Novo Banco S.A. aos factos ocorridos até às 20.00h do dia 3/8/2014 e ordenando-se o prosseguimento dos autos, com prévia prolacção de despacho de aperfeiçoamento dirigido à A. para que concretize quais as quantias e datas específicas em causa no período posterior às 20.00h do dia 3/8/2014, prosseguindo após os autos os seus termos para conhecimento destes factos.
Custas do recurso por Apelante e Apelada na proporção de 1/2 para a primeira e 1/2 para a segunda,
Registe e notifique.
Lisboa, 3 de Março de 2020
Vera Antunes
Amélia Rebelo
Maria Manuela Espadaneira Lopes