MULTA CRIMINAL
NÃO PAGAMENTO
CONVERSÃO EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário


1. Após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória passou a recair sobre o condenado o dever inalienável de cumprir a pena.

2. No caso de aplicação de pena de multa, se o condenado tiver razões para maleabilizar o cumprimento da pena, terá de ser ele a levá-las à ponderação do tribunal, designadamente requerendo o pagamento fracionado ( art 47 nº 3 do CP e 489 nº 3 do CPP), ou a substituição por trabalho ( art. 48º do CP e art. 490º do CPP).

3. Perante o não pagamento de uma multa criminal, se o condenado nada tiver requerido e o ministério público promover a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, o contraditório fica assegurado com a notificação de tal promoção ao arguido, -por carta remetida para a morada do TIR- e ao seu defensor, não tendo o tribunal de proceder à audição presencial do arguido sobre as razões do incumprimento.

4. Contudo, o entendimento de que a prisão é sempre a ultima ratio impede a aplicação automática, pelo tribunal, da prisão subsidiária sem que seja ponderada a possibilidade da sua substituição, mesmo que o condenado e o ministério público a não requeiram ( art. 491 nº 3 do CPP).

Texto Integral


Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães:

I.
No processo sumário que, com o nº 180/18.9GBCMN, corre termos pelo juízo de competência genérica de Caminha foi proferida a seguinte decisão:

Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado e constante da acta com a referência 43051537, o arguido L. F. foi condenado na pena de 100 (cem) dias à taxa diária de € 5.50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o total de € 550,00.
A pena de multa deveria ter sido paga até 10-1-2019 – conforme resulta do histórico do processo.
Até ao momento, o arguido/condenado ainda não pagou sequer uma parte da pena de multa.
O Digno Magistrado do Ministério Público, anunciando que não vai instaurar execução, promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, conforme Vista promoção com a referência 44330863.
O arguido notificado para exercer o contraditório relativamente à conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, nada disse, nem justificou o seu incumprimento, mantendo o não pagamento da pena de multa.
O Ilustre Defensor Oficioso do arguido foi notificado.

Cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 do Código Penal,
“Se a multa que não tiver sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços”.
É o que cumpre fazer, nos termos da lei.
Nos termos do citado preceito, converte-se a pena de multa não paga em 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.
O arguido poderá ainda evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa em que foi condenado no valor de € 550,00.
Notifique.
Após trânsito, passe os competentes mandados de detenção do arguido/condenado e sua condução ao EP para cumprimento da pena de 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária, devendo dos mandados constar expressamente o valor da multa - atento o artigo 49º, nº 2 do Código Penal.

*
Inconformado com a decisão interpôs o arguido recurso, concluindo-o do seguinte modo (transcrição):

I. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho de 12/09/2019, o qual converteu em prisão subsidiária a multa em que o Arguido foi condenado.
II. Esse Douto Despacho foi proferido na sequência de Douta Promoção do Ministério Público, sem que previamente tivesse sido dada a possibilidade ao Arguido de apresentar justificação para o seu incumprimento, dado que a notificação que lhe foi remetida em 13/09/2019 por via postal simples foi devolvida ao remetente (Tribunal), ou seja, não chegou ao seu conhecimento efectivo.
II. Não pode o Arguido conformar-se com o teor desse Douto Despacho, nem com o facto de não ter sido pessoalmente notificado.
III. Atento o preceituado no art. 49º, nº3, do CP, assiste ao Arguido o direito de demonstrar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, podendo a execução da prisão subsidiária ser suspensa.
IV. Assistem também ao Arguido os direitos a um processo equitativo (art. 20º, nº4, da CRP), a um processo criminal que lhe assegure todas as garantias de defesa (art. 32º da CRP), a ser ouvido pelo Tribunal sempre que seja tomada decisão que pessoalmente o afecte (art. 61º, nº1, alínea b), do CPP).
V. Os Direitos enumerados na Conclusão antecedente foram ostensivamente violados com a prolação do Douto Despacho Recorrido sem prévia audição do Arguido no que à concreta razão do incumprimento respeita, decorrente da sua notificação através de via postal simples.
VI. Após a Douta Promoção do Ministério Público não foi dada ao Arguido a efectiva possibilidade de se pronunciar acerca das concretas razões pelas quais não procedeu ao pagamento da multa, pois a notificação que lhe foi remetida foi devolvida.VII. Reitera-se que, com tal omissão, foi o Arguido impedido de demonstrar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, ou mesmo de lhe ver ser aplicada a suspensão da execução da pena de prisão.
VIII.Assim se violando ostensivamente o princípio do contraditório, o qual é um elemento constitutivo do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no art.6, § 1º da CEDH.
IX. Essa violação do "Princípio do Contraditório" (consubstanciada na prolação do Douto Despacho após Douta Promoção sem previamente permitir ao Arguido justificar-se) integra a nulidade insanável consagrada no art. 119º, alínea c), do CPP, a qual deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.
X. Integra a mesma nulidade a notificação do Arguido através de via postal simples, porquanto «a preterição da formalidade da audição prévia do condenado deve ser enquadrada como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso enquanto a decisão que lhe suceder não transitar em julgado».
XI. Nesse mesmo sentido se pronunciaram os Doutos Acórdãos citados no corpo da Motivação (artigos 15., 17., 18., 19., 20 e 21.), os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos.
XII. Nulidades que, apesar de serem do conhecimento oficioso, expressamente se suscitam, com as legais consequências.
XIII. Violou o Douto Despacho Recorrido as normas do art. 49º do Código Penal, dos art. 61º e 119º do Código de Processo Penal, e ainda dos art. 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente, e, em consequência, apreciando-se a suscitada nulidade, deve o Douto Despacho Recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que, antes de conhecer da Douta Promoção do Ministério Público, expressamente ordene a notificação pessoal do Arguido e da sua Defensora para se pronunciarem acerca das razões do não pagamento da multa. Como é de JUSTIÇA!
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O recurso foi recebido.
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A ele respondeu o Ministério Público em primeira instância, defendendo entendimento de que o recurso não deveria proceder.
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Remetido o processo a este Tribunal, o Ministério Público expressou o parecer de que o recurso deve ser rejeitado.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), tendo em resposta o arguido reiterado a anterior pretensão.
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II.
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que são as conclusões do recorrente que delimitam o objeto do recurso - sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso - e que, de acordo com elas, há que apreciar se foi violado o princípio do contraditório pelo facto de o arguido ter sido notificado para se pronunciar sobre o não pagamento da multa por carta simples, com prova de depósito, e se a não notificação por contacto pessoal, nesta fase, constitui nulidade insanável, integrável na alínea c) do artigo 119º do CPP.
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É a seguinte a matéria de facto que se configura relevante para a decisão do recurso:

1- Em 25/09/2018 o arguido recorrente L .F. foi sujeito a TIR, tendo indicado como residência para receber notificações a rua … Vila Praia de Âncora.
2- Do Tir constavam as advertências legais previstas no nº 3 do artigo 196º do CPP, tendo-lhe sido dado conhecimento, designadamente:

(…)
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
3- Por sentença de 11/10/2018 foi o arguido recorrente condenado pela prática de um crime de desobediência, p.p. artigo 348º, nº 1 do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,5€ e na pena acessória de 4 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos a motor.
4- A sentença foi notificada ao arguido por contacto pessoal em 29/10/2018 e transitou em julgado em 28/11/2018.
5- O arguido não pagou a multa, nem requereu o pagamento em prestações ou a substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
6- Em 21/03/2019 o arguido deu entrada em estabelecimento prisional para cumprimento de 46 dias de prisão subsidiária à ordem de outro processo (126/18.4GBCMN) tendo sido restituído à liberdade em 03/05/2019.
7- Em 11/04/2019 foi determinada a notificação do arguido “para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da multa que lhe foi aplicada, com a advertência de que não o fazendo poderá a pena de multa ser convertida em prisão subsidiária”.
8- Ao arguido foi remetida carta com prova de depósito para a morada do TIR e aí foi depositada.
9- Em 04/06/2019 o arguido deu novamente entrada em estabelecimento prisional para cumprimento de outra pena de prisão subsidiária, agora de 66 dias, à ordem do processo 118/18.3GBCMN.
10- Aí foi, de novo, notificado por contacto pessoal, para no prazo de 10 dias proceder ao pagamento da multa com a advertência de que não o fazendo poderia a pena de multa ser convertida em prisão subsidiária.
11- Em 10/09/2019 o Ministério promoveu o seguinte:
“Desconhecendo-se bens suficientes e desembaraçados para garantir o pagamento coercivo de multa em execução, o Ministério Público promove a conversão da pena de multa fixada na sentença – 100 dias de multa à taxa diária de 5,5€-, em 66 dias de prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no artigo 49, nº 1 do Código Penal.”
12 - Em 12/09/2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado e constante da acta com a referência 43051537, o arguido L. F. foi condenado na pena de 100 (cem) dias à taxa diária de € 5.50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o total de € 550,00.
A pena de multa deveria ter sido paga até 10-1-2019 - conforme resulta do histórico do processo.
Até ao momento, o condenado ainda não pagou sequer uma parte da pena de multa.
O Digno Magistrado do Ministério Público, anunciando que não vai instaurar execução, promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, conforme Vista supra aludida em último lugar.

Cumpre decidir.

Atento supra exposto do qual resulta a falta de pagamento da pena de multa bem como o teor da supra aludida Vista e, para os devidos efeitos promovidos, considerando a morada do condenado constante dos autos, notifique o mesmo para proceder de imediato ao pagamento da pena de multa em falta.
Notifique-o, ainda, para, caso não proceda ao pagamento, exercer o seu contraditório quanto à conversão da pena de multa não paga em 66 dias de pena de prisão subsidiária, nos termos do artigo 492, n9 1 do Código Penal.
Notifique, fazendo expressa menção do montante que se encontra por liquidar”.
13- Este despacho foi notificado por carta, com prova de depósito, ao arguido e à sua ilustre defensora, que nada requereu.
14- A carta remetida ao arguido e depositada na morada do TIR foi devolvida ao tribunal com a menção “depois de devidamente entregue voltou ao correio”.
15- Em 06/11/2019 foi proferida a decisão recorrida.
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Apreciação do recurso.

Questão Prévia:

O presente recurso foi interposto em 08/11/2019, portanto, no prazo de 30 dias subsequentes à notificação da decisão datada de 06/11/2019 que converteu a multa em prisão e determinou o cumprimento efetivo de 66 dias de reclusão. É, pois, esta a decisão recorrida.

Quando o recorrente diz, na resposta ao parecer do Ministério Público nesta Relação, que o arguido não foi notificado da decisão recorrida porque a carta foi devolvida sem ter sido aberta, está a referir-se ao despacho proferido em 12/09/2019 e não ao que motivou e precedeu o recurso e que foi proferido em 06/11/2019. A questão da devolução da carta será também apreciada, porque invocada no recurso, mas a decisão recorrida é a proferida em 06/11/2019 e não a anterior de 12.09.2019.

Posto isto,

A questão nuclear a solver e trazida pelo recorrente é esta: perante o não pagamento da multa criminal, antes de converter a multa em pena de prisão subsidiária, nos termos do art.º 49º do Código Penal (CP), o tribunal tem de ouvir presencialmente o arguido sobre as razões do não pagamento, ou bastará conceder-lhe a possibilidade de se pronunciar, remetendo-lhe carta para a morada do TIR e concedendo-lhe prazo para esse efeito?

Dispõe o art.º 49º do CP: “1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”
(...)
Vejamos agora o que o CPP, estatui no que respeita ao cumprimento da pena de multa, nos art.º 489.º e 491.º.

Dispõe o art.º489.º do CPP:

1 - A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 - O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 - O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

O art.º 491º do mesmo Código com a epígrafe Não pagamento da multa estipula que:

1 - Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução patrimonial.
2 - Tendo o condenado bens penhoráveis suficientes de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue as disposições previstas no Código de Processo Civil para a execução por indemnizações.
3 - A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente.

Da conjugação das duas normas resulta que a pena de multa, uma vez imposta por sentença transitada em julgado, tem de ser paga no prazo de 15 dias. Se o não for e o condenado não requerer o pagamento em prestações, ou a substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, há lugar à execução patrimonial.

Esta realidade processual chama a atenção para a diferença do que se exige no comportamento do arguido antes e depois do trânsito em julgado de uma condenação. É que até ser condenado por sentença transitada em julgado, o arguido, porque goza de presunção de inocência, não tem qualquer ónus probatório nem sequer - embora tenha esse direito - tem de contradizer a acusação, ou colaborar com o tribunal, com a certeza de que a dúvida sobre os factos o beneficiará.

Mas, a partir da condenação transitada em julgado a passividade, a indiferença e o silêncio, que antes não desfavoreciam o arguido, agora acarretam consequências que o desfavorecem. De facto, repise-se, imposta uma multa ela pode ser paga voluntariamente, mas se o arguido a não puder pagar tem de ser o próprio arguido a requerer o pagamento em prestações (art.º 47.º nº 3 do CP), ou a requerer a sua substituição por trabalho (art.º 48º do CP).

Isto é, o condenado não pode estar à espera que seja o tribunal a descobrir as razões do não cumprimento. Já ficou para trás o tempo processual em que podia, sem danos, remeter-se ao silêncio. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória passou a recair sobre o arguido o dever primeiro e inultrapassável de cumprir a pena. Portanto, se tiver razões para maleabilizar o cumprimento terá de ser ele a levá-las à ponderação do tribunal.

O recorrente insurge-se contra o facto de não ter sido ouvido presencialmente, antes da conversão da pena de multa em dias de prisão. De facto, não foi, mas também não o requereu, mesmo quando lhe comunicada a intenção de conversão da multa em prisão por falta de pagamento daquela.

Portanto, o tribunal deu ao arguido a possibilidade de vir aos autos esclarecer a questão do não pagamento da multa. O arguido não o fez e não só não o fez, como devolveu a carta que lhe fora remetida para a morada do TIR, sabendo - porque estava avisado desde a prestação de TIR-, de que a partir desse momento os posteriores contactos do tribunal seriam feitos daquele modo, isto é, por carta depositada na caixa de correio. A devolução da carta é, portanto, um factum proprium do qual pretende agora, no recurso, tirar partido invocando que, uma vez que não a recebeu, não foi notificado da intenção de conversão da pena de multa em prisão. Este venire é contraditório com a posição anteriormente assumida e com ele não alcança o arguido o objetivo pretendido, o de não se considerar notificado. De facto, a remessa da carta para a morada do TIR e do seu depósito na caixa de correio, que ocorreu nos autos, basta para que a notificação se tenha por efetuada (art.º 113.º nº 1 al. c) e 5 do CPP).

Esta realidade processual remete-nos já para a consideração sobre se foi, ou não, violado o princípio do contraditório.

O princípio do contraditório, enquanto princípio relativo à prossecução processual, traduz o direito que os intervenientes processuais têm de se pronunciar sobre as alegações, as iniciativas, os atos ou atitudes processuais de qualquer um deles- (cfr. G. Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, 3ª ed, 71). Nela encontramos a tradução moderna das máximas audiatur et altera pars e nemo inauditu damnare potest.

Ao arguido foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre a intenção de reverter a multa não paga em prisão. Não a quis usar, mas foi notificado para tal, bem como a sua ilustre defensora. O facto de não ter sido notificado por contacto pessoal cara a cara e de não ter sido ouvido presencialmente em tribunal, não invalida que a notificação seja válida e plenamente operante. Portanto, o contraditório só teria sido violado se após a promoção do Ministério Público ao arguido não tivesse sido dada a possibilidade de se pronunciar.

É evidente que, recebida a notificação, se o arguido tivesse requerido que se procedesse à sua audição presencial, não deveria o tribunal deixar de deferir tal pretensão, mas o arguido nada requereu, pelo que não competia ao tribunal colmatar a inércia do arguido.

Aliás, se o legislador tivesse querido que o condenado em multa fosse presencialmente ouvido antes da conversão, tê-lo-ia previsto à semelhança do que ocorre, por exemplo, com a falta de cumprimento das condições de suspensão da pena (art.º 495.º nº 2 do CPP), e não o fez. Note-se que há até quem entenda que a notificação do arguido neste concreto momento processual é levar longe demais o princípio do contraditório- (cfr. Ac. a Relação do Porto de 28/11/2007 in CJ, V, 207, que mereceu ser adjetivado de “corretíssimo” por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao CPP, art.º 491.º, fls 1249)-. No referido acórdão é dito ( II e III do sumário) que o juiz não tem de ouvir o condenado antes de decretar a conversão da multa em prisão. Decretada a conversão da multa em prisão, o arguido pode requerer a suspensão da prisão subsidiária, devendo, nesse caso, provar que o não pagamento da multa lhe não é imputável”. E lê-se ainda no mesmo acórdão “o argumento de que ao arguido deve ser dada a oportunidade de contestar aquele despacho de conversão corresponde a uma leitura excessiva do contraditório em face da estatuição provisória e precária que tal despacho assume no contexto das normas enunciadas. Porque, como se disse, após o despacho de conversão de multa em prisão, o condenado terá conhecimento de tal conversão e poderá, se o entender, obstar à execução de tal despacho se provar que não paga a multa por razões desculpáveis. Afinal, uma repetição do que poderia fazer se fosse notificado para contestar a dita conversão da multa em prisão, com a diferença de que aqui, no caso de iminente execução de prisão subsidiária, aquela audição (contraditório) é obrigatória por imposição legal. Assim, dar a palavra ao condenado antes de proferir aquele despacho de conversão poderá configurar-se como um ato inútil ou, pelo menos, indiferente”.

Nos treze anos que nos separam deste acórdão, a jurisprudência foi maioritariamente entendendo que o condenado deve ser ouvido, se não presencialmente, pelo menos deverá ser notificado da promoção do MP que precede a decisão de conversão, numa divergência de entendimentos que há muito reclama o recurso ao disposto no art.º 437 nº 5 do CPP.

De todo o modo, não há dúvida de que o arguido foi notificado para se pronunciar, a sua ilustre defensora também o foi, não tinha de o ser presencialmente (pelas razões já expostas) pelo que nenhuma nulidade foi cometida.

Mas a concreta questão em apreciação não pode ficar por aqui.

É que há já uma outra realidade que já se evidencia nos autos e que impõe uma reflexão, qual seja a de considerar se o cumprimento efetivo desta pena de prisão pode violar os princípios que devem presidir à aplicação de qualquer pena maxime da pena de prisão efetiva em estabelecimento prisional: os princípios da necessidade, da proporcionalidade, da subsidiariedade e da sociabilidade. Princípios estes que quer o tribunal, quer o Ministério Público, mesmo perante o silêncio do arguido e mesmo nesta fase processual, não podem postergar.

É que se, como atrás se disse, compete ao arguido, se o entender, requerer o pagamento fracionado da multa, ou requerer a substituição por dias de trabalho, estando em causa o cumprimento de prisão efetiva não se pode esquecer que ao abrigo dos princípios da humanização e da individualização da execução das penas ( plasmados já desde o DL 402/82 de 24/09 – cfr ponto 7 do preâmbulo), se a dimensão da pena o permitir, a de prisão não deverá ser imposta automaticamente.

Nos autos constata-se que o arguido, desde que foi condenado neste processo até à decisão recorrida, já por duas vezes deu entrada em estabelecimento prisional para cumprir penas de prisão subsidiária. A primeira vez, em 11/03/2019 para cumprimento de 46 dias de prisão; a segunda vez em 04/06/2019 para cumprir 66 dias de prisão. É já a terceira vez que o arguido tem prisão subsidiária para cumprir.

O cumprimento intermitente de penas de prisão subsidiárias por falta de pagamento de multas impostas é fortemente indiciador de que o arguido vive uma situação financeira muitíssimo débil, ao ponto de não conseguir pagar a sua liberdade, apesar do não elevado montante de cada multa. Por outro lado, as sucessivas entradas e saídas de estabelecimento prisional prejudicam, necessariamente, o exercício de uma qualquer atividade profissional, que o mesmo é dizer, a capacidade de reintegração do arguido.

Tudo isto conjugado com a constatação de que a pena de prisão é sempre a ultima ratio e de que os comportamentos ilícitos do arguido não assumiram uma tal gravidade que impusessem ao tribunal o liminar afastamento da aplicação de penas de multa, leva a que se deva ponderar - o que a decisão recorrida não fez - a possibilidade da suspensão a execução da prisão subsidiária (possibilidade esta que – ao contrário do que ocorre com o pagamento em prestações ou a substituição por trabalho a favor da comunidade, como já atrás referido - a lei não exige que seja apenas da iniciativa do arguido ou dependa do seu consentimento- art.º 491 nº 3 do CPP), mediante a subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro ( art. 49º nº 3 do CP).

Assim, é pela consideração não apenas teórica, mas concretizável, caso a caso, de que a prisão é sempre a última das opções em qualquer momento da tramitação processual, que se respeitam, na vida do concreto condenado, os princípios de necessidade (por não se afigurar necessário, nem útil, o cumprimento pela terceira vez- como se de apenas um castigo se tratasse- de dias de prisão efetiva), da proporcionalidade (porque a gravidade da atuação do arguido não impõe necessariamente a opção pelo modo mais severo da execução da pena) da subsidiariedade (porque a prisão tem de ser efetivamente a ultima ratio) e sobretudo da sociabilidade (porque ao Estado incumbe o dever de ajuda e solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade- art..ºs 2.º e 9.º da Constituição da República Portuguesa).

Portanto, sempre que a lei permita que uma pena de prisão não seja efetivamente cumprida, o tribunal deverá ponderar a possibilidade de substituição, à semelhança do que ocorre no momento da condenação inicial. Só assim se afirma que o cumprimento de prisão efetiva em estabelecimento prisional é, de facto, a ultima ratio.

Ao omitir quaisquer considerações sobre a possibilidade de suspensão do cumprimento da pena de prisão permitida pelo art.º 491.º nº 3 do CPP, o tribunal decidiu de forma lacunosa, impondo a prisão efetiva automaticamente, perante a inexistência de património exequível.

E se é possível passar automaticamente do não pagamento da multa à execução patrimonial se o arguido - porque é a ele que cabe - não pedir o pagamento em prestações ou a substituição por trabalho, já não é possível passar automaticamente da inexistência de património exequível para a prisão efetiva, porque a lei prevê a possibilidade de suspensão da prisão, mesmo que o arguido a não peça (art.º 491.º, nº 3 do CPP).

Esta lacuna torna a decisão nula por omissão da pronúncia (art.º 379.º, nº 1 al. c) do CPP), nulidade que se entende que, à semelhança do que ocorre com a sentença, é de conhecimento oficioso no recurso interposto da decisão em apreciação, a qual constitui uma extensão da sentença proferida. (Como é dito no acórdão desta Relação de Guimarães de 7.5.2018 in www.dgsi.pt com a alteração do Código de Processo Penal operada em 1998, este artigo foi reformulado, aditando-se a al. c) ao n.º 1 e o n.º 2, cujo teor atual é o seguinte: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º4 do artigo 414º».

A expressão inovadora “ou conhecidas em recurso” deve ser entendida no sentido do conhecimento oficioso dessas nulidades, justificando-se o afastamento do regime do processo civil que, diversamente do penal, é enformado pelo princípio da livre disponibilidade das partes).

Em face do exposto, devendo improceder o recurso do arguido, não deverá, contudo, deixar de ser ponderada pelo tribunal a quo a possibilidade de suspensão da execução da pena subsidiariamente imposta, mediante o cumprimento pelo arguido de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, mesmo que aquele o não requeira, nos termos sobreditos, antes da emissão de mandados de condução do arguido a estabelecimento prisional.

III.
DECISÃO.

Em face do exposto, decidem os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

- Julgar improcedente o recurso do arguido;
- Julgar nula a decisão recorrida por omissão da pronúncia e determinar que outra venha a ser proferida que pondere a possibilidade de ser suspensa a pena de prisão subsidiária imposta ao arguido, mediante o cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Guimarães, 26 de fevereiro de 2020

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho