I - As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático:
- de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional;
- de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do artigo 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.
II - A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado.
III - Este regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral – e facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.
Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir, como já se disse, não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.
Por isso, admite-se agora expressamente que o condenado em pena de prisão efetiva não superior a dois anos possa cumprir a pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir.
A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.
Este regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral – e facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.
O regime de permanência na habitação tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento parcial ou continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.
A filosofia do preceito assenta numa evidente reação contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela rutura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral. Mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o condenado. É, antes de mais, indesejável que se projetem sobre a família deste consequências económicas desastrosas, sendo ainda indesejável a rutura prolongada com o meio profissional e social.
Vejamos
Aquando da prolação quer da sentença proferida em 1ª instância, em 21 de novembro de 2018, condenatória da arguida na aludida pena de prisão efetiva, quer aquando da prolação do Acórdão deste Tribunal da Relação em 18 de junho de 2019, que confirmou tal sentença, foi já considerada a suscetibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação, enquanto pena de substituição, e decidiu-se pela sua não aplicação.
Com efeito, decidiu-se na sentença de 1ª instância:
“Tendo sido aplicadas penas de prisão à arguida, torna-se necessário ponderar se estão verificados os requisitos formais das penas de substituição.
Uma vez que foi aplicada uma pena de 1 ano de prisão, estão observados os requisitos formais das penas de substituição de multa, regime de permanência na habitação, regime de semidetenção, prestação de trabalho a favor da comunidade e suspensão da execução da pena de prisão.
Estatui o artigo 43º, nº1, do Código Penal, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano (como é o caso) é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, salvo se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
No caso vertente, uma vez que à arguida já foram aplicadas penas de multa sem que as mesmas tenham surtido os efeitos desejados, não se considera possível proceder a esta substituição.”
E decidiu-se no Acórdão deste Tribunal da Relação de 18 de junho de 2019: “ Assim, apesar de ser patente a insuficiência económica e social em que vive a arguida e o papel que tal quadro não deixará de ter na aparente desestruturação da sua personalidade e, portanto, no seu percurso criminal, não vemos medida que, no panorama relativamente amplo das medidas alternativas à pena de prisão no nosso código penal, pudesse contribuir ainda de forma adequada e suficiente para a reintegração da arguida em liberdade.
Tanto mais que, conforme se refere na sentença recorrida, não há conhecimento de qualquer fator que se tenha alterado na vida da arguida desde a prática dos factos aqui descritos que pudesse fazer esperar que a arguida alterasse o seu comportamento, e a circunstância de a arguida viver em casa arrendada e sem rendimentos para proceder ao pagamento da renda, não asseguram que o RPH pudesse ser efetivamente cumprido, para além de nada apontar para que tal solução seja, sequer, pretendida pela arguida, que não tem igualmente demonstrado o mínimo de empenho no cumprimento da PTFC que noutro processo lhe foi aplicada.
Assim, não pode deixar de acompanhar-se o tribunal recorrido na conclusão de que neste momento não é possível um juízo de prognose favorável à reintegração da arguida em liberdade, pelo que, respeitando pelo estabelecido no C. Penal, máxime no seu art.40º, em matéria de finalidades das penas, não pode deixar de improceder o presente recurso.”
Verifica-se assim que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação já foi ponderada e afastada quer pela 1ª instância quer pelo Tribunal da Relação de Évora em sede de recurso interposto, com os fundamentos em ambos expostos, sendo certo que aí foram já ponderados fundamentos, designadamente as condições sócio- económicas e os antecedentes criminais da arguida.
Foram assim evidenciados os antecedentes criminais da arguida e a natureza das penas que lhe foram anteriormente aplicadas e cumpridas pela mesma, as quais não serviram de advertência para a prática de novos crimes.
As exigências de prevenção geral são fortes, sendo de atender à conduta anterior da arguida, onde sobressaem as condenações já sofridas, o que também permite concluir que as penas em que foi condenada não foram de molde a que não voltasse a violar o concreto bem jurídico tutelado.
Todos estes fatores agravam a prognose de prevenção especial relativa a esta arguida e propendem para elevar de forma relevante os fatores de risco de prática de novos ilícitos criminais, pois que as sucessivas condenações da arguida não lograram que esta se afastasse da prática de crimes.
A situação em presença constitui exemplo de ineficácia das penas substitutivas para atingir contramotivação idónea a prevenir a reincidência e que, a repetir-se, deixaria no cidadão perplexidade e desconfiança sobre a eficácia da norma penal infringida e da capacidade da administração da Justiça para a aplicar.
Num caso como o dos autos, em que à arguida já foram aplicadas penas de substituição, a execução em regime de permanência na habitação da pena de prisão aplicada não iria satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.
Neste caso o efeito de sharp-short-shock da pena de prisão mesmo que de curta duração configura-se como única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e mesmo de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida ( - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 360 e 390 e segs..).
Esta conclusão relativa às exigências de prevenção especial, a que acrescem as citadas exigências de prevenção geral, afastam a aplicação à arguida de qualquer pena não detentiva.
Afastada a ressocialização dos arguidos em liberdade em face de nova condenação, entende-se assim que o regime de permanência na habitação não é uma pena ou forma de cumprimento adequada à realização das exigências de prevenção especial e geral que o presente caso encerra pois, por um lado, a arguida já foi condenada a diversas penas de substituição, e nem isso a fez parar na repetição de comportamento delituoso e, por outro lado, a comunidade não compreenderia que, nestas circunstâncias, a arguida não cumprisse pena de prisão institucionalizada ( - São finalidades exclusivamente preventivas – de prevenção especial de socialização e de prevenção geral de defesa do ordenamento jurídico – que justificam a preferência por uma pena de substituição – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 331 a 333.).
Pode assim concluir-se que as condenações que lhes foram impostas não serviram de suficiente advertência para inibir a arguida da prática de novos crimes.
Com efeito, tais condenações não deixam de revelar uma personalidade da arguida indiferente ao ordenamento jurídico e ao sistema de justiça penal, acrescendo não se vislumbrar que nenhuma das condenações já impostas tenha sido idónea à cabal interiorização por parte da arguida da necessidade de se inserirem socialmente e passarem a pautar a sua conduta em conformidade com o direito.
Efetivamente, atentas as particularidades do caso concreto ressaltam prementes razões tanto de prevenção geral positiva como de prevenção especial, mostrando-se mais conveniente e adequada às finalidades da punição o cumprimento efetivo da pena de prisão em detrimento do pretendido cumprimento em regime de permanência na habitação com controlo eletrónico.
Cremos, pois, configurar o caso "sub judice" um caso em que a defesa da ordem jurídica, na afetação séria da fidelidade ao direito por parte da comunidade, levaria a entender-se o deferimento do pretendido cumprimento em regime de permanência na habitação com controlo eletrónico como uma injustificada cedência perante a criminalidade e ao abalo da confiança da comunidade na inviolabilidade do direito.
Assim sendo, entendemos que o pretendido cumprimento em regime de permanência na habitação com controlo eletrónico afetaria valores que a comunidade tem, fundadamente, como essenciais, pelo que a levaria a um afastamento da confiança nas instituições judiciais.
Termos em que improcede o recurso.
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Decisão
Face a tudo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- negar provimento ao recurso interposto pela arguida MM, mantendo a decisão recorrida.
- Condenar a recorrente em custas, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça .
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Évora, 18 de fevereiro de 2020
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Laura Goulart Maurício
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Maria Filomena Soares