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NULIDADE DA DECISÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
INSTRUÇÃO DO PROCEDIMENTO
NATUREZA DO PRAZO
CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário
I - O prazo para a conclusão da instrução do procedimento contra-ordenacional, previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, tem natureza meramente aceleratória e disciplinar, não implicando a sua inobservância nulidade do procedimento.
II - A falta de despacho de prorrogação do prazo, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, ou a falta de fundamentação deste, não implicam a nulidade da instrução.
III - O artigo 25º do RPACOLSS (artigo 58º do RGCO) regula de forma completa os requisitos da decisão administrativa. Não se exige na norma uma fundamentação nos termos de uma sentença judicial, limitando-se a exigir uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção.
IV - Havendo impugnação da decisão administrativa, esta, por força da norma do art. 62º nº 1 do RGCO, converte-se em acusação. Decisivo em tal circunstância é que tal decisão contenha os requisitos duma acusação.
V - A atenuação especial da pena é questão inclusa da aplicação da sanção, fixação do montante da coima ou outra medida. Apreciados que sejam os factos à luz do direito e das normas e concluindo-se por uma determinada pena, é impróprio dizer que ocorreu omissão de pronúncia por não se abordar a atenuação especial, que é matéria a conjugar naquela apreciação, ainda que o julgador não se refira expressamente a ela.
Texto Integral
Veio IRMANDADE ..., I.P.S.S.”, NIPC …, interpor recurso da decisão proferida pelo T.T...., que julgando parcialmente procedente o recurso interposto da decisão proferida pelo ACT, Unidade Local de Braga, decidiu:
“Perante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente impugnação judicial, e, em consequência, decide-se alterar a decisão recorrida, condenando a arguida, “IRMANDADE ..., I.P.S.S.”, pela prática de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 279º, nº 5 do Código do Trabalho e punível nos termos do disposto no artigo 554º, nº 4, alínea b) do Código do Trabalho, na coima de 3.264,00 €.”
Em síntese invoca a recorrente:
I - O Tribunal a quo não se debruçou sobre os vícios (nulidades) que decorrem da invocada violação dos deveres de Imparcialidade, da Boa-Fé, da Verdade Material e da Defesa.
II - Da mesma forma e substantivamente a Sentença nada nos diz ou se pronuncia sobre a Nulidade suscitada no Item II (ponto III das Conclusões) ou a suscitada no Item IV (ponto VII das Conclusões).
III - De igual modo a Sentença não se pronuncia sobre a aplicação, ou não, da atenuação especial da coima o qual se consubstancia num poder- dever vinculado que o Tribunal deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
IV - Por fim nada se diz, também, sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo 24.º da Lei 107/2009 – assim ponto II das Conclusões (item I da impugnação judicial).
V - Está, pois, a Sentença recorrida ferida do vício de nulidade por omissão de pronúncia nos termos conjugados dos artigos 60.º da Lei 107/2009, artigo 41.º do regime geral das Contraordenações e artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal (CPP).
VI - A ACT violou o prazo para a conclusão da instrução estatuído pelo artigo 24.º, n.º 1 da Lei 7/2009 de 14-9 sem que tenha havido – de que está dependente e apenas assim se entende a sua não perentoriedade – prorrogação mediante Despacho DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO – assim n.º 2 da referida norma – posto que a inquirição e demais diligências, bem assim o processo ficaram irremediavelmente inquinados por vício de nulidade.
VII - A omissão de qualquer despacho fundamentado de prorrogação do prazo consubstancia a violação da lei (o que implica a sua invalidade) mas, também, a violação do Princípio Constitucional do Dever de Fundamentação da Administração sendo a interpretação contrária a este entendimento violadora do que dispõe os artigos 2.º, 266.º e 268.º da CRP e, portanto, inconstitucional!
VIII - No âmbito da Resposta (fls. 85 a 99) da Arguida no Processo de Contraordenação suscitaram-se vícios de procedimento sob o item “Questão Prévia II” que a Autoridade Administrativa não conheceu, razão pela qual a omissão gera a nulidade da decisão o que, desde já, se invoca!
IX - O Auto de Notícia do Processo de Contraordenação que subjaz à condenação aqui recorrida está, ab initio, inquinado pela violação de princípios fundamentais, como do contraditório e direito à defesa.
X - Mas também se consideram violados os Princípios da Legalidade, Justiça, Razoabilidade, Imparcialidade, Defesa e Boa-Fé geradores de nulidades no que alicerça o processo de contraordenação, mormente o que sustenta o Auto de Notícia e o afeta na génese.
XII - Existe um Recurso Hierárquico com repercussões no processo administrativo, não havendo nada (nem no Estatuto da ACT) que exclua a possibilidade de reação perante um ato administrativo (tido por ilegal ou inquinado) nos termos e moldes definidos no CPA pelo que a “decisão” transmitida pela ACT de desconsideração daquele estava (e está) eivada de vício de nulidade que se deixa invocada para os devidos e legais efeitos, nomeadamente, no fenecimento do presente processo.
XIII - A matéria de facto dada por provada (sobre o que nada diz em relação aos factos trazidos ao processo pela então arguida) não se encontra motivada não bastando que se exponha a defesa da Arguida ou as declarações de testemunhas por esta indicada.
XIV - A Autoridade Administrativa enuncia as provas, mas não avança na sua problematização, inquinando a decisão de vício de nulidade por falta de fundamentação violando, nomeadamente, o que dispõe o artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 de 14-09.
XV - O Tribunal a quo, aplicando ou mantendo uma coima – o que fez – tem um dever de ponderar – já o dissemos – a possibilidade da atenuação especial aplicável nesta sede nos termos do artigo 72.º do CP.
XVI - Não se considerando os vícios – que entendemos respeitosamente existirem - seja na decisão administrativa, seja na decisão judicial, há que ponderar os factos e circunstâncias bastantes – que existem – que importariam a atenuação especial da coima.
XVII - Deverá ser considerado o mínimo e máximo da coima aplicável reduzidos a metade nos termos do que dispõe o artigo 18.º, n.º 1 do Regime geral das Contraordenações, não indo uma eventual coima – sem prejuízo de se defender a absolvição da Recorrente – além das 16 UCs na eventualidade da sua aplicação com o que, respeitosamente e pelas conclusões acima expostas, se discorda.
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exmo. PGA deu parecer no sentido da improcedência.
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Factualidade
a) A arguida IRMANDADE ..., tem sede e estabelecimento no Largo … Braga.
b) É uma Instituição Particular do Solidariedade Social que desenvolve atividades de apoio social para crianças e idosos com alojamento (CAE …), sendo associada da CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade.
c) Tem ao seu serviço várias trabalhadoras que se encontram sindicalizadas no CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (sindicato que se encontra filiado na FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços), nomeadamente, I. C., A. F., A. F., J. N., R. C., E. G., M. S., M. C., C. M., M. G., M. R., M. M., M. V., M. F., M. L., M. A., M. O., R. G., T. G., T. M. e F. F..
d) O Inspetor do Trabalho J. M., efetuou diversas visitas inspetivas ao estabelecimento da arguida, nomeadamente no dia 9 de novembro de 2015, pelas 14,30 horas.
e) No pagamento da retribuição relativa ao mês de outubro de 2015, a arguida procedeu a descontos correspondentes ao valor de 50% dos montantes pagos nos feriados trabalhados no período compreendido entre 01/01/2015 e 31/08/2015, no montante global de 4.986,08 €, relativamente às seguintes trabalhadoras:
… (desconto de 26,10 €);
… (desconto de 129,60 €);
… (desconto de 20,34 €);
… (desconto de 86,40 €);
… (desconto de 86,40 €);
… (desconto de 62,60 €);
… (desconto de 105,90);
… (desconto de 65,40 €);
… (desconto de 66,60 €);
… (desconto de 166,20 €);
… (desconto de 66,20 €);
… (desconto de 187,20 €);
… (desconto de 136,20 €);
… (desconto de 83,60 €);
… (desconto de 103,80 €);
… (desconto de 103,80 €);
… (desconto de 101 €);
… (desconto de 101 €);
… (desconto de 19,50 €);
… (desconto de 128,34 €);
… (desconto de 91,17 €);
… (desconto de 97,50 €);
…(desconto de 204,80 €);
… (desconto de 112,80 €);
… (desconto de 111,54 €);
… (desconto de 105,21 €);
… (desconto de 35,20 €);
… (desconto de 169,20 €);
… (desconto de 112,17 €);
… (desconto de 91,47 €);
… (desconto de 140,80 €);
… (desconto de 71,60 €);
… (desconto de 122,74 €);
… (desconto de 86,27 €);
… (desconto de 109,20 €);
… (desconto de 105,21 €);
… (desconto de 69,44 €);
… (desconto de 104,51 €);
… (desconto de 56,40 €);
… (desconto de 55,37 €);
… (desconto de 90,64 €);
…(desconto de 53,74 €);
… (desconto de 143,77 €);
… (desconto de 84,17 €);
… (desconto de 107,34 €);
… (desconto de 106,07 €);
… (desconto de 107,34 €);
… (desconto de 68,61 €);
… (desconto de 50,50 €);
… (desconto de 50,51 €);
… (desconto de 67,33 €);
… (desconto de 33,67 €);
… (desconto de 50,50 €);
… (desconto de 16,84 €);
… (desconto de 39,43 €); e
… (desconto de 16,84 €).
f) O que fez em resultado de ter decidido aplicar a todos os seus trabalhadores o CCT celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS), publicado no BTE nº 31, de 22/08/2015.
g) Em 16/11/2015 e em 17/12/2015, foi a arguida notificada para exibir nestes Serviços da ACT documentos comprovativos da reposição a todas as trabalhadoras dos valores referidos em e), o que não fez.
h) Em sede de instrução, a arguida apresentou comprovativos de ter efetuado a reposição dos descontos constantes do mapa de apuramento de quantias em dívida do auto CO0516500076 bem como respetivo valor de contribuições ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
i) A arguida tem ao seu serviço, entre outras, as trabalhadoras C. G., admitida em 23/06/1987, D. D., admitida em 04/02/1994 e M. H., admitida em 01/08/2003, todas com a categoria profissional de ajudantes de ação direta.
j) As trabalhadoras referidas em i), até Maio de 2015, inclusive, auferiam uma retribuição base de 762,00 €, passando a partir de Junho a auferir a retribuição base de 690,00€, o que aconteceu por terem passado a trabalhar 37 horas por semana – e não 38 horas semanais, como até ocorria –, como as demais trabalhadoras da arguida com a mesma categoria e função daquelas.
k) Em 15 de Novembro de 2014, a Arguida elaborou um regulamento interno que no seu artigo 8º prevê a possibilidade de ser efetuada uma avaliação de desempenho aos seus trabalhadores, a ser realizada no último mês de cada trimestre ou no último mês do ano, referindo o seu nº 6 que o sistema de avaliação de desempenho seria alvo de regulamento específico.
l) Foi afixado nas instalações da Arguida um comunicado datado de 3 de março de 2015 com o seguinte teor: “Por decisão da Mesa Gerente e na sequência da aprovação do “Regulamento Interno” e do seu apenso “Manual do Sistema de Avaliação do Desempenho”, comunica-se que, no decurso deste mês de abril, irá proceder-se à “Avaliação do Desempenho” do todos os funcionários desta instituição reportada ao 1º trimestre do ano em curso”.
m) Em 23/03/2015 a arguida foi formalmente notificada para, entre outros documentos, confirmar a realização da avaliação de desempenho e exibir nestes serviços o plano de objetivos contendo os parâmetros a utilizar na avaliação de desempenho e respetiva valorização e documento comprovativo da sua submissão a parecer prévio da comissão paritária.
n) Em resposta à referida notificação, a arguida apresentou na ACT os seguintes documentos: um ofício contendo a identificação dos elementos da comissão paritária, no qual constam como representantes as trabalhadoras P. O., P. N., M. O. e A. M., uma ata referente a uma reunião da comissão paritária da avaliação de desempenho datada de 25 de Março de 2015 e uma grelha com as competências a avaliar na avaliação de desempenho do 1º trimestre de 2015.
o) A arguida apresentou uma lista nominal das trabalhadoras que foram alvo da avaliação de desempenho referente ao 1º trimestre de 2015, a qual inclui as trabalhadoras sindicalizadas no CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.
p) Nas fichas de avaliação do desempenho dos trabalhadores J. L., A. F. e A. C., no campo destinado a “observações”, manifestaram a sua discordância com a forma como decorreu o processo de avaliação de desempenho, designadamente com a inadequada divulgação dos parâmetros da avaliação e com a sua adequação e valorização face às funções desempenhadas.
q) A arguida apresentou um volume de negócios de 848.824,00 €, de acordo com o Relatório Único referente ao ano de 2014.
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No recurso interposto da decisão administrativa a recorrente invocou além do mais:
- Nulidade da sentença - O Tribunal a quo não se debruçou sobre os vícios (nulidades) que decorrem da invocada violação dos deveres de Imparcialidade, da Boa-Fé, da Verdade Material e da Defesa, sobre a Nulidade suscitada no Item II (ponto III das Conclusões) ou a suscitada no Item IV (ponto VII das Conclusões), sobre a aplicação da atenuação especial da coima, sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo 24.º da Lei 107/2009 V - Está, pois, a Sentença recorrida ferida do vício de nulidade por omissão de pronúncia nos termos conjugados dos artigos 60.º da Lei 107/2009, artigo 41.º do regime geral das Contraordenações e artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal (CPP).
- Nulidade da decisão administrativa, pelas razões constantes das conclusões acima transcritas.
Conhecendo do recurso.
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Refere a recorrente que o Tribunal a quo não se debruçou sobre os vícios (nulidades) que decorrem da invocada violação dos deveres de Imparcialidade, da Boa-Fé, da Verdade Material e da Defesa e dos princípios da justiça e razoabilidade afirmados no art.8º, imparcialidade e boa-fé (arts. 9º e 10º).
Refere que a notificação efetuada antes do auto de notícia encerra um juízo prévio e uma decisão, a de que são devidas as retribuições aí trazidas à colação. Refere que os autos de notícia assumem um pré-juízo imbuído de parcialidade em violação do contraditório e direito de defesa. A notificação prévia ao auto não se vislumbra como se enquadra nas atividades e poderes dos inspetores de trabalho. Não se informa para que efeitos se pretendem os documentos e esclarecimentos.
Apresentou recurso hierárquico do ato administrativo em causa, tendo recebido informação no sentido de que as averiguações constituem processo inspetivo não passível de recurso hierárquico, a que respondeu.
O que tudo inquina o auto de nulidade.
A decisão recorrida elenca as nulidades, referindo não padecer a decisão administrativa de qualquer dos apontados vícios. Aprecia de forma circunstanciada a questão da ultrapassagem do prazo, referindo genericamente a inexistência dos restantes vícios. Não é o modo mais adequado, mas o julgador expressou a sua posição. A seguir se analisarão as invocadas nulidades, já que recolocadas em recurso para esta instância.
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Quanto à questão do recurso hierárquico, independentemente da sua admissibilidade ou não, nunca caberia nem cabe reação do mesmo para esta jurisdição. Notificado da não admissão do mesmo a ora recorrente não reagiu da forma devida, pelo que a questão não será apreciada.
Quanto à notificação, refere a recorrente que em 16/11/2015 (Ofício n.º 1783 a fls. 308) o subscritor do Auto de Notícia notificou a Arguida para facultar “documentos comprovativos da reposição a todas as trabalhadoras do valor …” e “documentos comprovativos…da reposição no mês de novembro de 2015…”, notificação que refere ferida na sua validade, inquinando o processamento subsequente. Alude a que a notificação encerra uma decisão, um juízo. Alude ao termo “devidas” para assim concluir. Refere que o auto de noticia assume um pré-juízo. imbuído de parcialidade, em violação do contraditório e direito à defesa.
Quanto a esta notificação, a recorrente se entendia não dever devolver as verbas porque não devidas, bastaria expor a sua posição e aguardar decisão pelas instancias competentes.
Resulta da lei a possibilidade de notificação para apresentação de documentos – vejam-se os artigos 10, 2, a) e art.11º da Lei 107/2009. Vejam-se ainda os poderes inspetivos – artigo 11 do D.L.102/2000 de 2/6. A apresentação de documentos encontra-se ainda prevista no art. 552º do C.T., onde se alude a notificação pelo serviço com competência inspetiva para apresentação ou entrega de documentos ou outros registos, constituindo contraordenação leve a violação do dever de apresentar. Acresce que ao procedimento administrativo são aplicáveis os princípios da adequação procedimental – artº 56º do CPA -, e inquisitório – artigo 58º do CPA -, que também dão cobertura ao ato.
A recorrente não pode “agarrar-se” aos termos em que o notificante se expressou para considerar que já havia uma decisão. A notificação deve ser lida à luz da normalidade das coisas, o inspetor estava convencido da ocorrência das irregularidades que refere para corrigir, nada mais, não proferiu qualquer decisão, tanto que veio a ser lavrado auto, à recorrente foi dada a possibilidade de se defender, o que fez, vindo depois a ser regularmente proferida a decisão administrativa. Não ocorrem os invocados vícios. Os termos da notificação estão em conformidade com o entendimento do instrutor, nada havendo a apontar.
Relativamente ao auto de notícia valem as mesmas considerações. O auto traduz naturalmente a opinião do autuante no sentido de que (ainda que indiciariamente), se verifica uma violação da lei. Nesta medida implica sempre um juízo indiciário. Não há outra maneira de fazer acusações ou de lavrar autos de notícia. À recorrente foi dada possibilidade de exercer o direito de defesa, que aliás usou. Não vemos que dos termos da notificação, dos autos de notícia e dos atos praticados resultem beliscados os princípios da imparcialidade e boa-fé.
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Quanto ao prazo para a conclusão da instrução, o mesmo é meramente ordenador, como defende jurisprudência e doutrina firme e unânime. O decurso dos prazos é sancionado com a prescrição do procedimento contraordenacional, que não ocorreu. É de acompanhar a fundamentação da sentença recorrida quanto a esta matéria.
Refere a recorrente a falta de qualquer despacho no sentido de prorrogar o prazo de instrução, em violação da lei (o que implica a sua invalidade) e a violação do Princípio Constitucional do Dever de Fundamentação da Administração sendo a interpretação contrária a este entendimento violadora do que dispõe os artigos 2.º, 266.º e 268.º da CRP. Ora, tratando-se de um prazo meramente ordenador, o que lhe diga respeito, relativo à sua ultrapassagem com ou sem despacho fundamentado ou não, não tem implicações relativamente aos direitos deveres e obrigações em apuro no mesmo (salvo o decurso do prazo prescricional), tendo apenas as referidas implicações internas.
A norma do artigo 24º da L. Lei 107/2009, não enferma de qualquer inconstitucionalidade. O arguido encontra-se a coberto de uma excessiva morosidade na instrução com as regras relativas à prescrição, imponto às entidades do Estado um dever de diligencia no andamento dos processos. Os prazos indicados, meramente ordenadores, podem ter isso sim repercussões internas, designadamente disciplinares.
Diga-se que sobre a questão do prazo se pronunciou devidamente a sentença recorrida, de acordo com o entendimento da jurisprudência. No caso não foi proferido qualquer despacho de prorrogação, pelo que impossível é uma violação do dever de fundamentação.
Este existe relativamente a decisões que sejam tomadas, não relativamente a decisões inexistentes. Um despacho não proferido não é um despacho deficientemente fundamentado, é um despacho inexistente. O que ocorre é antes uma preterição de formalidade – despacho fundamentado a prorrogar o prazo -. Ora sobre este foi proferida acertada pronúncia. A recorrente centra-se na questão da falta de fundamento, o que por falta de despacho não pode ocorrer, e inda que houvesse um despacho sem fundamentação, tal não implicaria as consequências que a recorrente pretende.
A lei não comina com nulidade a falta de tal ato, como não comina a falta de fundamentação. As nulidades são apenas aquelas que a lei comina e refere. A recorrente invoca a norma do artigo 161º, 2, d) do CPA, para sustentar que na falta de qualquer despacho fundamentado ou, sequer, de mera prorrogação do prazo inicial, tem de se entender que a inquirição e demais diligências e bem assim o processo ficou irremediavelmente inquinado. Refere a ofensa de conteúdo essencial de um direito fundamental. Ora o normativo não atribui um direito fundamental ao arguido.
A exigência do legislador no sentido de ser proferido despacho fundamentado para prorrogação do prazo, tem uma função eminentemente reguladora do serviço, visa a transparência da atuação destes. Não se pretendeu contudo prejudicar a ação do Estado, por causa da falha de um qualquer dos seus serviços, no que respeita às suas funções de fiscalização ordenadoras e decisórias. Não constitui um direito do arguido, se assim fora a lei tê-lo-ia deixado claro. Note-se que o arguido, como já referido, já se encontra protegido pelas regras da prescrição do procedimento contraordenacional.
Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta interpretação. A irregularidade cometida tem relevo a nível interno, designadamente disciplinar, não se vendo que cause qualquer prejuízo à parte. O prazo indicado não é preclusivo, não sendo primordialmente estabelecido em beneficio do arguido, embora este beneficie dela na medida em que a “justiça” enquanto valor social sai a ganhar com o cumprimento dos prazos, bem como a transparência da administração, dando a conhecer as razões pelas quais a instrução não é ultimada no prazo.
O entendimento de que se trata de um prazo aceleratório e disciplinar é unânime –Veja-se a título de exemplo, Vd. RP de 7/122/2017, processo nº 1164/16.7T8CVL.C1; Soares Ribeiro em “Contraordenações Laborais - Regime Jurídico Anotado”, fevereiro de 2000, Almedina, página 237; Relação de Évora de 20.03.12, processo nº 38/11.2TTSTB.E1, do qual se transcreve o seguinte trecho:
“Como decorre do artigo 60.º, deste compêndio legal, são aplicáveis às contraordenações laborais os preceitos reguladores do processo de contraordenação previsto no regime geral das contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10). Por sua vez, este diploma legal remete para a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (cfr. artigo 41.º). Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 118.º, do Código de Processo Penal, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei; nos casos em que a lei não determinar a nulidade, o ato ilegal é irregular (n.º 2 do mesmo artigo). Ou seja, o preceito em causa consagra o princípio da legalidade das nulidades (no sentido de que só são nulidades as expressamente previstas na lei) e de irregularidade de todos os demais atos ilegais (cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Edição, Universidade católica Editora, pág. 298). Pois bem: seja na referido regime processual que regula as contraordenações laborais e da segurança social (Lei n.º 107/2009), seja no regime geral das contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10), seja até no Código de Processo Penal, não se deteta a existência de qualquer norma que determine a nulidade (ou caducidade) do procedimento contraordenacional por inobservância do prazo de conclusão da instrução. De resto, contendo a Lei n.º 107/2009 regras sobre a prescrição do procedimento contraordenacional (cfr. artigo 52.º e segts.), não se apresentaria conforme com a harmonização do sistema jurídico que pretendendo o legislador assacar à violação do prazo da instrução a sanção (mais gravosa) de nulidade ou, se se quiser, de caducidade do procedimento contraordenacional, não o tivesse previsto expressamente”. Ainda RC de 7/12/2017, processo nº 1164/16.7T8CVL.
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Refere a recorrente nulidades da decisão administrativa.
As nulidades da decisão são as que resultam da lei. Quanto à decisão administrativa que aplica coima importa considerar que o artigo 25º do RPACOLSS (artigo 58 do RGCO) regula de forma completa os requisitos desta decisão.
Invoca a recorrente, reportando-se à decisão administrativa, que a matéria de facto não se encontra motivada, não bastando que se exponha a defesa da Arguida ou as declarações de testemunhas por esta indicada. Refere que a autoridade administrativa enuncia as provas, mas não avança na sua problematização, inquinando a decisão de vício de nulidade por falta de fundamentação violando, nomeadamente, o que dispõe o artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 de 14-09.
A decisão remete para a proposta do instrutor, o que é legalmente permitido, não se mostrando ferida do alegado vício.
O ilícito de mera ordenação social visa a proteção de bens jurídicos não fundamentais, não sendo adequado equiparar estas decisões a decisões penais. A decisão contém a descrição dos factos e a indicação das provas obtidas. A lei apenas exige uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção, “não impondo a menção das inferências dedutivas levadas a cabo ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas. Ou seja, não se exige que se indique as razões pelas quais se consideram não atendíveis as provas contrárias” – RP de 2/7/2008, processo nº 0840473.
A Lei n.º 107/2009 de 14-9, artigo 25º refere (na senda do estabelecido no n.º 1 do artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações):
“1- A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém:
a) A indicação dos sujeitos responsáveis pela infração;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
(…)
4- Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infração.
5- A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respetivo processo de contraordenação».”
As exigências de fundamentação são menores que as exigíveis a uma sentença judicial, sob pena de se transformar a decisão administrativa numa sentença. Quanto à fundamentação dos factos considerados, a lei refere a indicação da prova obtida, na qual naturalmente os factos devem encontrar respaldo. Não é exigível a uma autoridade administrativa que fundamente nos precisos termos em que devem ser fundamentadas as sentenças judiciais. Note-se que a decisão da autoridade administrativa, quando impugnada, passa a valer como “acusação”.
Como se refere no Ac. RE de 21/6/2016, processo nº 170/15.3T8GDL.E1; “decorre do disposto no acima citado artigo 62º, nº 1, do RGCO, havendo impugnação judicial da decisão administrativa, esta vale como acusação, no momento em que o Ministério Público torna os autos presentes ao juiz.
Ou seja, não é inteiramente correto determinar se a decisão da autoridade administrativa satisfaz (ou não) todos os requisitos de uma sentença condenatória (nomeadamente se fundamentou devidamente a decisão sobre a matéria de facto), quando é certo que, essa decisão, existindo impugnação judicial da mesma (como sucede in casu), não vale, no processo (até ser judicialmente confirmada), como decisão condenatória, mas tão-só como acusação.
Daí o acima aludido (quando iniciámos a apreciação do mérito do recurso e citámos o acórdão da R.P. de 20-10-1999) regime menos rigoroso e menos exigente da decisão condenatória da autoridade administrativa, quando comparado com os requisitos que a lei prescreve para a sentença condenatória penal.
Como bem se escreve na motivação do recurso (cfr. conclusão 6ª extraída da motivação), “resulta da interpretação conjugada dos referidos normativos, previstos nos artigos 58º, nº 1, e 62º, nº 1, do RGCO, um regime menos rigoroso da decisão condenatória da entidade administrativa, quando comparado com as exigências que a lei prescreve para a sentença penal. Havendo impugnação judicial, essencial é que seja submetida à apreciação do julgador uma peça processual que satisfaça os requisitos mínimos duma acusação: identifique o arguido; narre os factos imputados (dessa forma delimitando o objeto do processo); e indique as disposições legais violadas, as sanções aplicáveis e as provas - cfr. art.º 283º, nº 3, do CPP - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2014, processo 720/13.0TBFLG.G1”….”
No mesmo sentido veja-se RG processo nº 720/13.0TBFLG.G1, de 6/1/2014 onde se refere:
“ O RGCO regula no art. 58, de forma completa, os requisitos a que deve obedecer a decisão que aplica a coima. A questão que se poderá colocar é a da interpretação do alcance das normas deste artigo 58.
Também não existe razão para a aplicação subsidiária da nulidade prevista no art. 379 nº 1 al. a) do CPP para a sentença penal.
A solução está na conjugação dos arts. 58 e 62 nº 1 do RGCO.
Vejamos:
Havendo impugnação da decisão administrativa, esta, por força da norma do art. 62 nº 1 do RGCO, converte-se em acusação, no momento em que o Ministério Público torna os autos presentes ao juiz.
Ao impugnar os factos e ao oferecer prova, nomeadamente arrolando testemunhas, o arguido provocou que os factos, com toda a amplitude, fossem submetidos a julgamento judicial.
A decidida declaração de nulidade teria como efeito o regresso dos autos à entidade administrativa para que proferisse nova decisão, em que fosse suprida a nulidade. Seria um ato inútil, porque, no final, os factos sempre iriam ser julgados pelo juiz, cuja decisão prevalece Neste sentido v. António Beça Pereira, em anotação ao art. 58 do RGCO: “não se afigura correto aplicar subsidiariamente o art. 379 do CPP (nulidades da sentença), uma vez que, se o arguido interpuser recurso da decisão condenatória, esta, nos termos do art. 62 nº 1, converte-se em acusação” – Livraria Almedina ed. 1997.
. Seria mesmo um ato conceitualmente contraditório. Não faz sentido apurar se determinada peça do processo satisfaz todos os requisitos de uma sentença (nomeadamente se fundamentou devidamente a decisão sobre a matéria de facto), num momento em que é seguro que, essa mesma peça, não mais poderá valer como decisão condenatória, mas apenas como acusação.
Daí o regime menos “rigoroso” da decisão condenatória da entidade administrativa, quando comparado com as exigências que a lei prescreve para a sentença penal.
Havendo impugnação judicial, essencial é que seja submetida à apreciação do julgador uma peça processual que satisfaça os requisitos mínimos duma acusação: identifique o arguido; narre os factos imputados (dessa forma delimitando o objeto do processo); e indique as disposições legais violadas, as sanções aplicáveis e as provas – cfr. art. 283 nº 3 do CPP.
Esses requisitos constam da decisão condenatória da entidade administrativa…”
No domínio laboral veja-se o já referido artigo 25º e o artigo 37º, na linha do artigo 62º do RGCO.
No caso presente a decisão administrativa cumpre os requisitos do citado normativo. A proposta de decisão faz uma apreciação da factualidade, entrelaçada com a apreciação de direito, de forma suficiente para se perceber a razão da decisão.
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Refere ainda a recorrente omissão de pronúncia por parte da sentença por não ter apreciado a questão da atenuação especial da pena.
A atenuação especial da pena é questão inclusa da aplicação da sanção e fixação do montante da coima ou outra medida. Apreciados que sejam os factos à luz do direito e das normas e concluindo-se por uma determinada pena, é impróprio dizer que ocorreu omissão de pronúncia por não se abordar a atenuação especial, que é matéria a conjugar naquela apreciação, ainda que o julgador não se refira expressamente a ela. Pode é ocorrer erro julgamento, por ser de atenuar a pena.
A coima imputada é a prevista no artigo 279º, nº 5 do Código do Trabalho, em virtude de ter procedido a descontos na retribuição das suas trabalhadoras, aquando do pagamento do salário referente a outubro de 2015. Trata-se de coima considerada muito grave. A infração foi cometida por negligencia. A arguida decidiu aplicar a todos os trabalhadores o CCT celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a Federação nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTPS), publicado no BTE nº 31, de 22/08/2015. Refere que se não existia portaria a mesma era previsível. A arguida não podia proceder ao desconto no pressuposto de uma norma que ainda não existia. A invocação do principio da igualdade para sustentar a ação carece de sentido. Vem provado que a ré procedeu à reposição dos descontos. Considerou-se, sem reparo, na sentença sob recurso que a conduta é de mediana gravidade. Considerando o circunstancialismo e o volume de negócios da arguida aplicou-se uma coima de € 3.264,00, o valor mínimo.
Sobre a atenuação especial refere o artigo 72º do CP aplicável por força do artigo 32º do RGCO:
Atenuação especial da pena
1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.
As circunstancias que envolveram a prática da contraordenação não são de molde a justificar a atenuação especial. Na falta de portaria de extensão não podia a ré proceder do modo como procedeu, tanto que a contraordenação é considerada pela lei como muito grave – artigo 279, 5 do CT -, tendo-se aplicado a coima pelo mínimo.
Confirma-se a decisão na totalidade.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente o recurso confirmando o decidido.
Custas pela requerente.