Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARROLAMENTO
CONTA BANCÁRIA
Sumário
I - A notificação de terceiro para indicar os movimentos de conta de que é titular extravasa o âmbito do procedimento cautelar em que é requerido o arrolamento de saldos de contas bancárias. II - A haver sonegação de bens do património conjugal por um dos cônjuges, como alega a Requerente, o lugar próprio para discutir a prévia existência ou o paradeiro desses bens poderá ser o processo em que se discute a partilha (cf. artigo 1105.º, n.º 4, do CPC), sem prejuízo de outros meios processuais comuns considerados adequados.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
1. No presente procedimento cautelar especificado que CR… intentou, no dia 3.6.2019, contra AJ…, em que foi requerida a providência de arrolamento de bens, como preliminar da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, a Requerente interpôs recurso da decisão proferida a 28.11.2019, a qual indeferiu a notificação de terceiro para juntar aos autos cópia de extractos de conta com todos os movimentos bancários ocorridos entre os dias 29.8.2019 e 26.11.2019.
2. Após dispensa do contraditório ao abrigo do artigo 366.º, n.º 1, do CPC, foi proferida decisão a julgar procedente o procedimento cautelar e, em consequência, a decretar o arrolamento dos saldos das seguintes contas bancárias:
- no Banco Santander, conta a que corresponde o IBAN PT50 … (balcão de Lisboa - Hospital de Santa Maria);
- no Banco BPI, conta n.º … (balcão de Alcântara - Luís de Camões);
- no Banco BPI, conta a que corresponde o IBAN PT50 …;
- no Banco Santander, conta a que corresponde o IBAN PT50 … (balcão de Lisboa - Hospital de Santa Maria);
- no Banco Santander, conta n.º … (balcão de Lisboa-Hospital de Santa Maria);
- no Banco BPI, conta a que corresponde o IBAN PT50 …;
- no Banco BPI, conta a que corresponde o IBAN PT50 … (balcão 0566 de Carnaxide).
3. Notificada para se pronunciar sobre as respostas dos bancos, a Requerente expôs e requereu, no dia 26.11.2019, o seguinte:
«1- Nestes processos de arrolamento de bens comuns, nomeadamente de quantias monetárias, os requerentes andam muitas vezes a jogar o jogo do "gato e do rato", em que a requerente procura localizar onde se encontra o dinheiro e o requerido faz tudo para escondê-lo. 2- A requerente acaba de descobrir que o requerido solicitou ao seu amigo e testemunha JA… (..) que abrisse urna conta no BPI para utilização exclusiva pelo requerido. 3 - O referido JS… correspondendo ao pedido do seu amigo, abriu a conta e forneceu-lhe o cartão Pessoal de Coordenadas dos serviços BPI Direct / BPI Net e as Chaves de Acesso, compostas por número de adesão e código secreto (cfr. documentos que se juntam em anexo doc. n.ºs 1 e 2). 4 - E indicou os respectivos números de conta: …; NIB: … e IBAN: PT50 … (doc. nº 3). 5 - Na posse dos referidos elementos o requerido procedeu a um depósito de € 200,00 (duzentos euros) em numerário no BPI - balcão da Pontinha (cfr. documento assinado pelo requerido que se junta em anexo como doc. nº 4) cujo gerente Sr. DS… é um seu antigo conhecido. 6 - No dia 13-09-2019 o requerido procedeu ao depósito na conta referida, através da máquina de depósito (MDI), também em numerário, da quantia de € 3.200,00 (cfr. talão que se junta em anexo como doc. nº 5). 7 - No dia 14-09-2019 o requerido procedeu ao depósito na conta referida, através da máquina de depósito (MDI), também em numerário, da quantia de € 1.000,00 (cfr. talão que se junta em anexo como doc. nº 6). 8 - Estes dois depósitos foram efectuados através da caixa nº 0010/0566/02, conforme consta dos respectivos talões multibanco, instalada no balcão do BPI de Carnaxide, sito na Ava de Portugal, nº 24-F, em Carnaxide, perto da casa de requerente e requerido, facto que a requerente confirmou por ser coincidente com o número de caixa que consta do talão multibanco obtido pela requerente na data de hoje (doc. nº 7). 9 - A requerente suspeita que o requerido tem estado a fazer depósitos sucessivos das quantias que tinha escondido, na conta titulada pelo amigo JS…, sempre em numerário, "para não deixar rasto", e em montantes individualmente moderados, para não suscitar suspeitas de violação da legislação contra o financiamento do terrorismo e o branqueamento de capitais, 10 - Apesar de tais depósitos ocorrerem já depois de proposta a acção de divórcio, tratam-se de quantias obtidas antes daquele momento e portanto de um bem comum. 11 - Por razões de amizade e outras, como o facto do JS… já ter sido doente do requerido, é óbvio que o mesmo não transmite qualquer informação ou entrega qualquer evidência à requerente, nomeadamente não a informa dos montantes que têm sido depositados, respectiva origem e saldo actual da conta. 12 - A requerente enfrenta, assim, uma dificuldade séria que só pode ser ultrapassada ao abrigo do princípio da cooperação, com a intervenção do tribunal (art.º 7º do CPC). 13 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração, para a descoberta da verdade, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados, sob pena de condenação em multa (art.º 417º, nº 1 e 2 do CPC).» 14 - Termos em que requer a notificação de JA…, residente na Rua …, nº …, …-… PAREDE para, no prazo de 10 dias, juntar a estes autos cópia dos extractos com todos os movimentos bancários ocorridos entre o dia 29 de Agosto de 2019 e o dia 26 de Novembro de 2019, relativamente à conta do BPI n.º …; NIB: … e IBAN: PT50 …, sob pena de ser condenado em multa, caso não o faça.»
4. No dia 28.11.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Vem a Requerente requerer a notificação de JA…, para juntar aos autos cópia dos extractos com todos os movimentos bancários ocorridos entre o dia 29 de Agosto de 2019 e o dia 26 de Novembro de 2019, relativamente a conta bancária que identifica pelo NIB e que será titulada pelo referido JS… (o que resulta do talão de depósito junto com o aludido requerimento). A referida conta bancária não corresponde a qualquer uma das contas identificadas na decisão proferida nos presentes autos e que decretou o arrolamento. Por outro lado, para além das suas próprias suspeitas, não indica ou apresenta a Requerente qualquer meio de prova do qual se possa extrair, com um mínimo de segurança, que os fundos que se encontrem depositados na referida conta, titulada por um terceiro face à presente acção, constituam património comum do casal, ou de qualquer dos seus membros. Em face do exposto, e por se entender que o requerido extravasa, nos termos acima indicados, o âmbito do arrolamento decretado nos presentes autos, vai o mesmo indeferido. Notifique.»
5. Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1 - A recorrente solicitou ao tribunal “a quo” a notificação de JA…, para juntar aos autos cópia dos extractos com todos os movimentos bancários ocorridos entre o dia 29 de Agosto de 2019 e o dia 26 de Novembro de 2019, relativamente a uma conta do BPI de que é formalmente titular mas que é usada exclusivamente pelo requerido; 2 - O presente recurso vem interposto do despacho na parte em que refere que “A referida conta bancária não corresponde a qualquer uma das contas identificadas na decisão proferida e que decretou o arrolamento” ... “não indica ou apresenta a Requerente qualquer meio de prova que os fundos que se encontrem depositados na referida conta, constituam património comum do casal, ou de qualquer dos seus membros” ...”o requerido extravasa o âmbito do arrolamento decretado”. 3 - No âmbito de um procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns, prévio ao decretamento do divórcio, o tribunal pode, ao abrigo do princípio da cooperação (art.º 7º do CPC) do dever de cooperação para a descoberta da verdade (art.º 417º, nº 1 e 2 do CPC), por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes (art.º 436º, nº 1 e 2 do CPC), requisitar a terceiros cópia dos extractos bancários relativos a um determinado período de tempo, necessários ao esclarecimento da verdade material e da realização da justiça. 4 - Só desta forma será possível obviar à sonegação de bens por parte de um cônjuge que servindo-se da cumplicidade de terceiro, enquanto “testa de ferro”, utiliza uma conta bancária de que não é titular, mas de que tem o cartão multibanco, a chave matriz e os códigos de acesso à banca on fine, para os utilizar para ocultar a existência do dinheiro; 5 - A recorrente juntou aos autos documentos comprovativos dos depósitos efectuados pelo requerido, que permitem identificar o local onde foram efectuados, as quantias e o facto de serem em numerário; 6 - Juntou também comprovativos das referências bancárias, cartões e códigos de acesso “on line” à conta bancária aberta para aquele efeito; 7 - Apesar de tais depósitos ocorrerem já depois de proposta a acção de divórcio, trata-se de quantias obtidas antes daquele momento e portanto de um bem comum; 8 - Se os montantes que o requerido depositou fossem um bem próprio, era muito mais simples fazê-las por transferência bancária “on line”, ou por transferência multibanco, do que depositá-los em numerário, numa conta titulada pelo seu amigo JS…; 9 - Se os montantes depositados pertencessem ao JS…, era muito mais provável que escolhesse uma agência ao pé de sua casa, que fica na Parede do que a de Carnaxide, que fica ao pé de casa do requerido; 10 - Se os depósitos fossem efectuados pelo JS… o mais curial era que os talões de depósito ficassem com ele, e não com o requerido, como ficaram; 11 - A concretização da diligência pretendida em nada prejudicava o JS… nem extravasava o decidido; 12 - Ao decidir em contrário o despacho recorrido violou os artigos 7º, art.º 417º, nº 1 e 2 e art.º 436º, nº 1 e 2, todos do CPC indispensáveis ao esclarecimento da verdade material e da realização da justiça.».
6. O recurso de apelação foi admitido por despacho proferido no dia 19.12.2019, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:
- saber se o Tribunal a quo desrespeitou o preceituado nos artigos 7.º, 417.º, n.ºs 1 e 2, e 436.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, ao indeferir o requerimento de notificação de terceiro para juntar aos autos cópia dos extratos com todos os movimentos bancários ocorridos entre os dias 29.8.2019 e 26.11.2019, relativamente à conta do BPI n.º ….
*
III - Fundamentação Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o iter processual descrito no relatório. Enquadramento jurídico
a) A Apelante recorre do despacho proferido no dia 28.11.2019, que indeferiu a notificação de terceiro para juntar aos autos cópia de extratos com todos os movimentos bancários ocorridos entre os dias 29.8.2019 e 26.11.2019.
Sustenta que, no âmbito de um procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns, prévio ao decretamento do divórcio, o tribunal pode, ao abrigo do princípio da cooperação (artigo 7.º do CPC), do dever de cooperação para a descoberta da verdade (artigo 417.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes (artigo 436.º, nºs 1 e 2, do CPC), requisitar a terceiros cópia dos extratos bancários relativos a um determinado período de tempo, necessários ao esclarecimento da verdade material e da realização da justiça.
Argui que só desta forma será possível obviar à sonegação de bens por parte de um cônjuge que servindo-se da cumplicidade de terceiro, enquanto «testa de ferro», utiliza uma conta bancária de que não é titular, mas de que tem o cartão multibanco, a chave matriz e os códigos de acesso à banca on line, para os utilizar para ocultar a existência do dinheiro.
b) A questão em análise impõe uma prévia delimitação do objeto da providência cautelar de arrolamento.
O arrolamento constitui uma providência cautelar de garantia que visa impedir o extravio, a ocultação ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, sendo, por isso, dependente de uma ação à qual interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas - artigo 403.º do CPC.
No caso de divórcio, a lei prevê que, como preliminar ou incidente da respetiva ação, «qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sobre a administração do outro» (artigo 409.º, n.º 1, do CPC), sem que seja necessário sequer demonstrar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação (artigo 409.º, n.º 3, do CPC), por se presumir iuris et de iure que a rutura da sociedade conjugal propicia atuações ilícitas sobre o património dos cônjuges.
Neste contexto, o arrolamento tem ainda como objetivo acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do casamento, designadamente no eventual processo de inventário subsequente, em vista do qual se estabelece que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se» (artigo 408.º, n.º 2, do CPC).
É, pois, evidente a natureza preventiva e conservatória da providência cautelar de arrolamento (cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, vol. I, pp. 619-620, e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, pp. 268-269).
Nos termos do artigo 406.º, n.º 5, do CPC, são aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o regime do arrolamento ou a diversa natureza dessa providência.
Ora, um dos principais efeitos da penhora traduz-se, precisamente, na ineficácia, em relação à execução, dos atos de disposição ou oneração dos bens penhorados (artigo 819.º do Código Civil), sendo que esse efeito não contraria a natureza do arrolamento.
Impõe-se questionar se o depositário dos bens arrolados pode continuar a utilizar ou a fruir esses bens.
Citando Marco Gonçalves, «A este propósito, parece-nos que o regime da penhora deve ser aplicado, com as devidas adaptações, à natureza do arrolamento, atento o disposto no artigo 406.º, n.º 5, do CPC.» (texto da intervenção proferida no Centro de Estudos Judiciários no dia 16 de março de 2018, no âmbito da ação de formação contínua Temas do Direito Civil e Processual Civil, https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=760, p. 14).
«Por conseguinte, - continua o Autor - se o arrolamento tiver recaído, por exemplo, sobre bens móveis ou imóveis, afigura-se que o Requerido, sendo nomeado depositário desses bens, pode continuar a utilizá-los, já que essa utilização não é incompatível com a natureza do arrolamento. Assim, tendo sido arrolado, por hipótese, um veículo automóvel, tal não obsta a que esse bem continue a ser utilizado pelo requerido, não se aplicando, por isso, o regime da imobilização previsto para a penhora (art. 768.º, n.º 3, do CPC).» (ibidem)
É mais polémica a questão de saber se, tendo o arrolamento recaído sobre um saldo de um depósito bancário, este deve ficar bloqueado, por aplicação subsidiária do regime da penhora de saldos bancários, previsto no artigo 780.º do CPC, ou se, pelo contrário, o arrolamento não implica o bloqueio do saldo bancário, podendo o requerido continuar a dispor livremente desse saldo.
No primeiro sentido, pronunciaram-se os acórdãos do TRL de 23.4.2015 (p. 3376/14.9T8FNC-A.L1) e de 2.7.2015 (p. 4899/14.5T2SNT.L2-2), in www.dgsi.pt.
Na linha de entendimento da segunda alternativa seguem os acórdãos do TRP de 21.1.2008 (p. 0754997), do TRL de 12.11.2014 (p. 273/14.1TBSCR-B.L1-8), in www.dgsi.pt, decidindo-se neste último que «O arrolamento de depósitos bancários não invalida a sua possível movimentação pelo seu titular, já que este arrolamento especial não pretende impedir a normal utilização dos bens arrolados, mas obviar ao seu extravio ou dissipação, o que se atinge com a descrição, avaliação e depósito dos bens.»
Defendendo uma solução intermédia, o acórdão do TRG de 19.6.2014 (p. 1281/12.2TBEPS-B.G1, em www.dgsi.pt), decidiu que «Em caso de arrolamento de depósitos bancários, devem nomear-se como depositários desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção de metade do respectivo valor».
Neste particular, Marco Gonçalves alinha pelo diapasão da primeira tese, observando que, «se o arrolamento recair sobre um saldo de um depósito bancário, esse saldo deve ficar bloqueado, por aplicação subsidiária do art. 780.º. É que, se assim não se entendesse, a providência cautelar de arrolamento não cumpriria a sua finalidade, qual seja a de garantir a conservação dos bens em caso de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos, razão pela qual o requerente ver-se-ia forçado a complementar o arrolamento com o pedido de decretamento de uma outra providência cautelar (não especificada), tendente a impedir a movimentação da respetiva conta bancária – sob pena de, não procedendo deste modo, o requerido poder dissipar todo o dinheiro depositado na instituição bancária –, solução que não se afigura minimamente razoável ou sustentável.» (obra citada, p. 15).
Notoriamente, o Tribunal a quo seguiu a segunda tese, tendo feito constar da parte final da decisão que decretou a providência o seguinte:
«Uma vez que o arrolamento agora determinado não tem como consequência a indisponibilidade do montante dos saldos por parte dos respetivos titulares (não configura um arresto), que poderão continuar a movimentar as contas nos mesmos termos, indefiro a requerida nomeação de depositária. Faça constar, nos ofícios a remeter às instituições bancárias, que o arrolamento agora determinado não implica, nem tem como efeito a indisponibilidade pelo respetivo titular dos montantes respetivos, pelo que podem ser movimentados e não ficam à ordem do Tribunal.»
Porém, descendo ao caso concreto, verifica-se que a Apelante não se insurgiu contra a parte final desta decisão.
Caso o Tribunal a quo tivesse seguido a primeira corrente supra explanada, poder-se-ia equacionar a possibilidade de notificação de um terceiro (como outra entidade bancária) de que as contas do Requerido estão bloqueadas, como sucedeu no caso do citado acórdão do TRL de 2.7.2015.
De qualquer modo, seguindo qualquer uma das teses, sempre seria de reconhecer que a notificação de terceiro para indicar os movimentos de conta de que é titular «extravasa o âmbito da providência», como afirmou o Tribunal recorrido.
c) Objetar-se-á que a não averiguação dos movimentos para contas bancárias de terceiros pode prejudicar a posição da Requerente do arrolamento num futuro e eventual inventário, impedindo a justa partilha dos bens a que esse processo se destina.
Ora, como se decidiu no acórdão do TRE de 20.10.2010 (p. 13/08.4TMFAR-A.E1, in www.dgsi.pt), este putativo argumento encerra uma clara petição de princípio, pois não resulta do artigo 408.º, n.º 2, do CPC que no futuro inventário só possam ser considerados, como bens descritos e a partilhar, os bens arrolados. O auto de arrolamento constituirá, quando muito, uma primeira descrição de bens, que pode ser aditada ou alterada.
Essa evidência expressa-a Lopes Cardoso quando esclarece, a propósito do inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, que «ao cabeça-de-casal cumprirá relacionar os bens que hão-de ser objecto da partilha, na certeza de que da respectiva relação não farão parte os arrolados, dado o disposto no artº 426º, nº 3, [atual artigo 406.º, n.º 2] da lei processual» (in Partilhas Judiciais, vol. III, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1991, p. 364).
Como explica o Autor, é «necessário não confundir (…) o arrolamento requerido na conformidade do art. 1413º [atual artigo 409.º, n.º 1, do CPC] com o que se faculta como preparatório ou no decurso do inventário subsequente à dissolução do vínculo conjugal. Aquele objectiva os bens comuns e os bens próprios que estejam sobre a administração do outro cônjuge, que assim o dispõe o dito preceito, e importa acautelar o extravio de todos eles; este só os bens que efectivamente devam vir a ser partilhados entre os cônjuges no inventário aludido no artº 1404º do mesmo diploma, isto é, só são susceptíveis de arrolamento os bens comuns do dissolvido casal, pois a partilha do património conjugal restringe-se a estes bens» (ob. cit., p. 357).
Sendo assim, a haver sonegação de bens do património conjugal por um dos cônjuges, como alega a Requerente, o lugar próprio para discutir a prévia existência ou o paradeiro desses bens poderá ser o processo em que se discute a partilha, sem prejuízo de outros meios processuais comuns considerados adequados (cf. acórdão do TRE de 20.10.2010).
É o próprio regime legal do inventário que o prevê no seu artigo 1105.º, n.º 4, do CPC, segundo o qual:
«A existência de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando julgada provada, a sanção estabelecida no artigo 2096.º do Código Civil».
Evidentemente, a averiguação sobre a eventual existência de bens não pode, como se demonstrou, ter lugar no procedimento cautelar de arrolamento, pela própria natureza da providência em causa.
Nessa medida, assiste razão ao Tribunal recorrido ao indeferir a notificação de terceiro para a obtenção de extratos bancários, procurando apurar-se os movimentos verificados em conta bancária de terceiro.
d) Em face do exposto, é de confirmar o juízo decisório formulado pelo Tribunal a quo, não se mostrando violadas as disposições legais invocadas nas conclusões das alegações de recurso.
A apelação deve, pois, improceder.
Vencida a Recorrente, é responsável pelo pagamento das custas do recurso - artigos 527.º, n.º 1, 529.º e 607.º, n.º 4, do CPC.
* IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Recorrente no pagamento das custas do recurso.
*
Lisboa, 6 de fevereiro de 2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
Carlos Castelo Branco