FALÊNCIA
CADUCIDADE
ACÇÃO DE SEPARAÇÃO OU DE RESTITUIÇÃO DE BENS
Sumário

I- A previsão do n.º2 do art. 205.º do CPEREF, referindo-se embora exclusivamente à caducidade da reclamação de novos créditos, tal prazo será ainda aplicável também às acções de reclamação e verificação de direito á restituição de certo bem ou sua separação da massa falida.
II- Esta equiparação legislativa acaba por ser quebrada com a redacção dada ao art. 146.º n.º2 do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa).

Texto Integral

Agravo nº 4270/05-2.

Agravantes/Autores: B…………… e C…………….;
Agravada/Ré: D……………. e E………….


1) Relatório.

1.1) Os Recorrentes interpuseram em 13.12.02 por apenso aos autos de falência, acção sumária contra a massa falida de D……………. e E………….. para exercer direito à separação ou restituição de bens apreendidos no referido processo de falência.

1.2) Citados os Réus veio o «F……..» contestar, invocando a excepção de caducidade, por a acção ter sido interposta um ano após o trânsito em julgado da sentença que decretou a falência.
Contestou também a massa falida alegando a inexistência de direito real e consequente caducidade do direito de restituição.

1.3) Foi proferida a decisão que consta a fls. 224 a 228 destes autos, tendo-se determinado que:
"Pelo exposto, julgo procedente a excepção de caducidade invocada pelos Réus e, consequentemente, absolvo as Rés do pedido."

1.4) Em sequência vieram os Autores interpor recurso e alinharam as seguintes conclusões:

"A sentença ora recorrida ao julgar procedente a excepção de caducidade invocada e absolver os réus do pedido a acção improcedente, fez incorrecta interpretação e aplicação do artigo 205 do CPEREF;
O prazo de caducidade de um ano refere-se, desde sempre, apenas à acção de reclamação de novos créditos;
Se o legislador pretendesse que tal prazo abrangesse as acções de separação e restituição em tê-lo-ia previsto expressamente em qualquer dos diplomas entretanto publicados." – vd. fls. 12.

1.5) A Massa Falida veio apresentar as suas contra-alegações, bem como o «F………….» (fls. 23 a 35 e 54 a 59), defendendo a manutenção do julgado.

1.6) Correram e foram tomados os vistos legais.

2) Os factos provados e relevantes para a decisão a tomar são os que seguem:

2.1) D…………. e E…………… foram declarados falidos por sentença proferida em 26.5.00, já transitada em julgado em 29.6.00.

2.2) A sentença proferida foi publicada no DR de 19.6.00.

2.3) A presente acção foi instaurada em 13.12.02.

2.4) O teor da respectiva p.i. consta a fls. 85/87.

3) O Direito.

3.1) O nó górdio do presente recurso centra-se no entendimento a dar ao disposto no artigo 205 nº 1 do CPEREF, que há-de ter em conta, por razões de referência imediata, o âmbito de aplicação do seu nº2, preceitos que por sua vez, juntamente com as regras dos artigos 201 a 208 (mais cerceadamente 201 a 207), constituem um núcleo definido de regulação quanto às acções de separação e restituição de bens, que tenham sido levados à massa falida, prosseguindo aquelas a cessação da indivisão ou a evicção destes últimos, abrangendo certo bem ou alguns deles.
Estas regras legais integram-se por sua vez no capítulo VII do referido Código, que tem como epígrafe "Verificação do Passivo. Restituição e separação de bens."

3.2) Esta mesma matéria no âmbito do CPC de 1939 estava regulamentada a partir do artigo 1196, desdobrando-se o tratamento legal desta temática pelos artigos seguintes, até ao artigo 1203, tratando o artigo 1204 das custas.
O primeiro daqueles com a epígrafe "Acção para verificação ulterior de créditos ou do direito à restituição e separação de bens", impunha no seu corpo:
"Findo o prazo para as reclamações, poderão ainda verificar-se novos créditos e o direito à restituição ou separação de bens por meio de acção proposta contra o administrador e credores, fazendo-se a citação destes por éditos de 10 dias."
O seu parágrafo único impunha ao autor da acção a assinatura de termo de protesto no processo principal de falência, assinalando que os efeitos do protesto caducariam se aquele deixasse de promover os termos da causa por trinta dias. Tais efeitos eram depois explicitados no artigo 1197.
O artigo 1200 nº 1 do CPC de 39, cuja epígrafe era "Reclamações e verificações a que se aplicam os processos e prazos para a reclamação de créditos", rezava o que segue:
"Os processos e prazos para a reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
Às reclamações e verificação do direito de restituição, a seus legítimos donos, de fazendas ou outros bens que existam na massa falida e de que o falido fosse consignatário, comissário, credor pignoratício, depositário ou, por outro título, mero detentor;"
O nº 2:"À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjugue a separar da massa os seus bens próprios ou dotais ou a sua meação nos bens comuns";
O nº 3:"Às que se dirijam a fazer separar da massa os bens de terceiro que hajam sido indevidamente apreendidos e bem assim quaisquer outros, dos quais o falido não tenha propriedade, ou não a tenha exclusiva, mas que possuísse pró-indiviso, ou como usufrutuário, fideicomissário, ou por qualquer outro título não translativo de plena e exclusiva propriedade, ou que sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa".
Daqui se pode concluir que o Código de 1939 nesta matéria admitia, no artigo 1196, findo o prazo para as reclamações, a verificação de novos créditos e o direito à restituição ou separação de bens por meio de acção proposta contra o administrador e os outros credores, fazendo depois incidir os prazos da reclamação e verificação de créditos, nas acções que modularmente enumerava nos números 1, 2 e 3 do artigo 1200.
Só depois se encarregava de tratar o pedido de restituição ou separação de bens apreendidos tardiamente no artigo 1202, quando exarava que:
"No caso de se apreenderem bens para a massa depois de findo o prazo designado para as reclamações, poderá reclamar-se a verificação do direito de restituição ou separação de quaisquer desses bens no prazo de cinco dias posteriores à apreensão, por meio de requerimento, que será apensado ao processo principal…"
O tratamento processual desta matéria releva de dois pontos fulcrais.
O primeiro diz respeito à ultrapassagem dos limites próprios do princípio da preclusão, ao permitir que depois de esgotada a fase de reclamação e verificação de créditos, se pudesse em certas condições, ainda, reclamar créditos ou o reconhecimento de direito a restituição ou a separação de bens arrastados porventura indevidamente para a massa falida.
O segundo ponto diz respeito à enunciação clara das condições dessa operatividade, ao processo e aos prazos a aplicar, reconduzindo a tramitação à matriz primeira da reclamação e verificação de créditos, originalmente desencadeada e entretanto finda.
A disciplina legal operava uma conciliação: entre a necessidade de utilizar a reclamação e verificação de créditos para consolidar a massa falida, emprestando na medida do possível, estabilidade patrimonial ao conjunto de bens que depois seriam afectos ao pagamento das dívidas a satisfazer; e a preocupação, por intuito de justiça, de prevenir situação, em que bens pertencentes a terceiro, pelo menos parcialmente ou que se encontrassem indivisos, fossem utilizados para pagamento que lhes não cabia, afectando os direitos patrimoniais desses terceiros.

3.3) No CPC de 1961 tal matéria era abarcada pelos artigos 1237 a 1243.
Operou-se um rearranjo intra-sistemático quanto às situações concretamente previstas, alterando-se a ordem dos artigos correspondentes, mas a substância do tratamento legal não sofreu enviesamentos.
Assim, na linha de continuidade do anterior Código de Processo, o artigo 1241 nº 1 continuava a permitir que finda a original fase de reclamação e verificação de créditos, se pudesse reclamar e verificar novos créditos e o direito à restituição ou separação de bens por meio de acção proposta contra o administrador e credores, impondo o nº 2 a assinatura do termo de protesto, enquanto que no artigo 1237 continuava a dizer-se que:
"O processo e prazos para a reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
a) Às reclamações e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens que existam na massa falida, mas de que o falido fosse mero possuidor em nome alheio;
b) À reclamação e verificação do direito do cônjugue a separar da massa os seus bens próprios ou dotais ou a sua meação nos bens comuns;
c) Às que se destinem a fazer separar da massa os bens de terceiro que haja sido indevidamente apreendidos, e bem assim quaisquer outros, dos quais o falido não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou que sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa."

3.4) O artigo 205 nº 1 do CPEREF consigna que:
"Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer-se ainda novos créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, por meio de acção contra os credores, efectuando-se a citação destes por éditos de 14 dias";
O seu nº 2 enuncia:"A reclamação de novos créditos, nos termos do número anterior, só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da falência";
O seu nº 3 continua a referir a necessidade de assinatura por parte do autor do termo de protesto; caducando os efeitos do protesto, como desde 1939, se aquele deixar de promover os termos da causa durante trinta dias.
O artigo 201 nº 1 do mesmo Código menciona:"As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
"a) À reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa falida, mas de que o falido fosse mero possuidor em nome alheio;
b) À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjugue a separar da massa falida os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns;
c) À reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o falido não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à falência ou insusceptíveis de apreensão para a massa."
Encontramos no artigo 203 nº 1 a previsão respeitante à restituição ou separação de bens apreendidos tardiamente, mandando o seu nº2 seguir-se os termos do processo de verificação de créditos.

3.5) Este percurso legislativo que se fez à volta de um tema recorrente, nova reclamação e verificação de créditos e reclamação e verificação de direito a restituição de certo bem (ou separação), depois da fase central de reclamação e verificação de créditos, permite aferir que as grandes linhas de opção legislativa se têm mantido ao logo dos últimos sessenta e cinco anos, fazendo-se algumas actualizações (quanto aos bens dotais por exemplo), algumas mudanças de disposição formal, mas sobressaindo a razão de ser da regulamentação legal, mantendo-se a valorização conciliatória entre a estabilidade processual, ao instituir-se na tramitação falimentar uma fase principal de reclamação e verificação de crédito, e a tutela de situações jurídicas a merecer protecção, por relevarem de direitos de terceiro indevidamente violados, por força de apreensão de bens levados à massa.
No tratamento especial destas ocorrências (que não excepcional) o Legislador, para além de introduzir algumas pormenorizações previsivas, mantém em termos de direito de acção e no que toca à restituição ou separação de bens, uma mesma orientação (vg. o nº 1 do artigo 201 do CPEREF e seu artigo 205 nº1, confrontando-os com as disposições correspondentes dos "outros Códigos de Processo").
Quer tratando-se do artigo 1196 e 1200 do CPC de 1939, dos artigos 1237 e 1241 do CPC de 1961, ou dos artigos 201 e 205 do CPEREF.
Como sustenta uma mesma forma básica de tramitação dessas acções, ao fazer aplicar às mesmas a sequência processual da reclamação e verificação de créditos originária.
Daí que quando verificamos que a previsão do nº 2 do artigo 205 se refere directamente apenas à reclamação de novos créditos, nem por isso, concluiremos que tal prazo não será de aplicar também à acção de restituição.
Em primeiro lugar, bastava ao Legislador referir no mesmo número, um outro regime para a dita acção de restituição, para além do referido quanto a nova reclamação de créditos, eventualmente justificando tal opção.
Poderia ter escolhido um outro ponto de referência para a dedução de tal acção, como fez (tendo-o vindo a fazer anteriormente) para a restituição ou separação de bens apreendidos tardiamente, como foi solução no artigo 203.
Podia ter utilizado o espaço normativo da alínea a) e c) [estas com mais acuidade do que em relação à alínea b] do nº 1 do artigo 201 para explicitar prazos de interposição da acção de separação ou restituição.
Não o fez, limitando-se a invocar o que é dito no nº 2 do artigo 205, pois atendendo à articulação conjugada dos artigos 201 a 208 do CPEREF (reveja-se aliás a bem fundamentada argumentação da decisão da primeira Instância neste ponto), bem como à constante remissão para o processo de reclamação e verificação de créditos, dos termos a aplicar para as novas reclamações de créditos ou para as acções de restituição e separação, bastava atentar no dispositivo encontrado para o primeiro, para se determinar a solução para as segundas.
Como se isso não bastasse, todo o tratamento legal da matéria tem sido constante e consistente ao longo de décadas, viabilizando e confirmando o entendimento expendido supra.

3.6) Por último mas não por menos, refira-se que é com o artigo 146 nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (DL 53/04 de 18.3) que se quebra esta linha contínua a que temos aludido, quando ali se diz que: "O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo; porém a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior."
Ainda assim se acrescentará que se passarmos em revista os artigos 141 a 148 deste Decreto-Lei, encontraremos fundamentalmente a mesma lógica de raiz dos preceitos atinentes do CPC de 1939.
Se feita esta mutação manifesta, também por contraste de referencial, poderemos reaver mais um argumento a favor da nossa tese.

3.7) Chegados a este ponto, relembrando os factos provados e relativos à data de trânsito da sentença de falência, bem como à data de interposição da acção de recuperação, conferindo a interpretação conjugadamente a imprimir ao disposto no artigo 205, seus números 1 e 2, temos de concluir que quando aquela foi interposta, já o direito de acção correspondente tinha caducado.
Nada havendo a censurar à decisão recorrida.
Por esta via também não há necessidade de conhecermos de outras questões suscitadas, nomeadamente aquelas que são proficientemente explanadas nas contra-alegações de fls. 23 a 35, por se encontrarem prejudicadas, dada a solução aqui encontrada.


Decisão.
Pelo exposto acordam os Juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improvido o recurso de agravo interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos Recorrentes.
Notifique-se.
DN.

Porto, 5 de Dezembro de 2006
José Gabriel Correia Pereira da Silva
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos