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PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
CONVENÇÃO
REQUISITOS
REGULAMENTO Nº 1214/2012
Sumário
I- As partes podem, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade em matéria de competência internacional, eleger, mediante pacto ou convenção, a jurisdição com competência para dirimir um conflito que surja no desenvolvimento de uma relação contratual (substantiva) que as partes, com domicílio em distintos Estados, hajam contratualizado.
II- A convenção de foro de jurisdição tem de obedecer e observar os requisitos insertos nos instrumentos internacionais que regem para efeitos de atribuição do foro de jurisdição, notadamente, no caso de relações contratuais estabelecidas entre Estados participantes na União Europeia, no respectivo regulamento aplicável.
III- A simples menção, em rodapé/quadro na parte inferior do documento e em caracteres diminutos em facturas unilateralmente emitidas por um dos contraentes, que ambas as partes se submetem ao foro português, para resolução de todos os litígios decorrentes da relação comercial entre eles estabelecida, sejam os relativos aos fornecimentos em causa nas facturas reclamadas, sejam os emergentes do contrato em si não é idónea para, ainda que o declaratário não tenha manifestado oposição, atribuição do foro que nela se inscreveu.
IV - Tratando-se de uma cláusula inserta numa folha de feição de adesão, que não foi objecto de assinatura por qualquer das partes, a proposta nela inserta, de atribuição de jurisdição, teria de ser confirmada por escrito, ou por forma que demonstrasse, da parte do contraente que a recebe, que aceitaria o foro nela atribuído.
Texto Integral
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –
I. RELATÓRIO
Nos autos supra identificados em que figuram como autora X Texteis Sa e ré Golf Fashion-… foi proferida a seguinte decisão:
I. Audiência Prévia:
Considerando a simplicidade da causa de pedir dos autos e inexistindo qualquer excepção não debatida nos articulados (a autora por requerimento apresentado a 1.10.2019 pronunciou-se sobre a arguida excepção de incompetência internacional dos Tribunais portugueses – cfr. art. 3.º, n.º 4 do C.P. Civil) nos termos do disposto no art. 592.º, n.º 1, al. b) do C.P. Civil, não se realiza a audiência prévia.
Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 592.º, n.º 1, alínea a) e 595.º, n.º 1, alínea a), ambos do C.P.Civ, cumpre proferir: SANEADOR-SENTENÇA
II. Valor da Causa:
Nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 2, 301.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, todos do Cód. Processo Civil, fixa-se o valor da presente acção em € 90.891,00 (noventa mil oitocentos e noventa e um euros).
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III. Saneamento:
Da competência internacional dos Tribunais portugueses:
Na contestação deduzida de fls. 32 e seguintes dos autos (articulado de 17.05.2019) a ré invocou, entre o mais, defesa por excepção, alegando que o Tribunal português é internacionalmente incompetente para a causa, porquanto:
- está em causa um contrato internacional de compra e venda de bens, sendo competente para dirimir o litígio dele decorrente o tribunal do Estado-membro onde se prestou ou onde devesse ter sido prestado o serviço;
- estamos perante contrato de compra e venda de bens cujas entregas ocorreram na Alemanha, na morada da ré;
- segundo o art. 59.º do C.P.Civ os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artºs. 62.º (factores de atribuição da competência internacional) e 63.º (competência exclusiva dos tribunais portugueses) ou quando as partes lhes tenham atribuído competência, por designação convencional, nos termos do art. 94.º;
- não foi celebrado entre as partes qualquer instrumento convencional que estabelecesse a jurisdição competente para dirimir os litígios eventualmente decorrentes da sua relação jurídica;
- considerando que Portugal e Alemanha são Estados-membros da União Europeia, importa atentar às normas do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, nomeadamente ao disposto nos artºs. 4.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, alíneas a) e b);
- pelo que, como as partes não celebraram qualquer convenção sobre o foro competente, e estando em causa a responsabilidade contratual da ré, o critério determinante para aferir a competência será necessariamente o do lugar do cumprimento (onde os bens foram entregues): a Alemanha.
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Conferido prazo para exercício de contraditório, a autora manteve que o Tribunal português é competente alegando, em suma, que:
- aceita que ao caso é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012; - porém, quer da legislação europeia, quer da legislação portuguesa (art. 94.º do C.P.Civ), decorre que as partes podem convencionar a jurisdição competente para dirimir os litígios eventualmente decorrentes da sua relação;
- ao contrário do que é alegado pela ré, as partes no presente caso, convencionaram a jurisdição competente em caso de litígio, pois como resulta de todas as facturas juntas com a petição inicial consta o seguinte escrito em inglês: “Reserve of property: it is agreed that goods shall remain property of the seller until paid in full. In case of litigation, the jurisdiction is the judicial distrit of Barcelos – Portugal, with expressed rennounce to any other”;
- nunca a ré demonstrou ou comunicou de qualquer forma à autora o fim ou desagrado com o que havia acordado com a autora sobre essa matéria, sendo que as facturas juntas além de serem entregues em mão, eram enviadas por email para a ré.
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Cumpre decidir.
A questão que divide as partes prende-se com a existência juridicamente relevante de um pacto privativo de jurisdição em favor dos tribunais portugueses.
De facto, e em face da posição assumida pelas partes, importa saber se poderá ter-se por preenchida tal figura jurídica por a autora, nas facturas relativas a fornecimentos que ela própria emitiu, no âmbito e desenvolvimento da relação comercial que vem estabelecendo com a ré, fez constar, em menção integrada num quadro tipo rodapé de tais documentos particulares, que em caso de litígio as partes se submetem aos Tribunais portugueses, com renúncia a qualquer outro foro.
Aceitam a propósito ambas as partes que ao caso é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, uma vez que quer Portugal, país onde a autora se encontra sediada, quer a Alemanha, país do domicílio da ré, são Estados-Membros.
Indiscutida ainda é a prevalência daquela legislação sobre as regras de direito interno tal como, de resto, consta expressamente consagrado no art. 59.º do C.P.Civ, e resultava já do disposto nos artºs. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e art. 249.º do Tratado de Roma.
Mostra-se ainda assente nos autos sem controvérsia a qualificação do acordo celebrado entre autora e ré como de compra e venda/fornecimento, donde ser aqui aplicável a disposição do art. 7.º do aludido Regulamento.
Estatui o aludido preceito o seguinte: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: — no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, — no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a); (…)”.
Face ao assim preceituado tem sido comummente entendido, que motivado pela necessidade de garantir a segurança jurídica em matéria de competência internacional nos tipos de contratos mais comuns e, nessa medida, previsivelmente na origem do maior número de litígios a dirimir, o legislador comunitário consagrou, no caso dos contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, um conceito autónomo de lugar do cumprimento das obrigações deles emergentes, fazendo relevar o lugar do cumprimento da obrigação de entrega ou do lugar onde os serviços foram ou deveriam ser prestados, critério puramente factual - com dispensa, portanto, da intervenção do direito de conflitos do estado do foro – ao qual haverá que se atender, mesmo que o pedido formulado pelo autor seja o de condenação do pagamento do preço fundado no incumprimento dessas obrigações.
Neste sentido, consignou-se no acórdão do STJ de 3/3/2005, processo 05B316, acessível em www.dgsi.pt “(…) releva a alínea b) do referido n.º 1 do artigo 5. °, segundo o qual, para efeito da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues. É um normativo inspirado, por um lado, pela ideia divulgada pela doutrina nacional e estrangeira de que a prestação característica do contrato de compra e venda é a do vendedor, por assumir natureza não monetária (…). Decorrentemente, é fundado o entendimento de que a alínea b) do n.º 1 do artigo 5° abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato. Assim o “lugar do cumprimento da obrigação” é o local efectivo da entrega dos bens, sendo a jurisdição desse local (país Estado-Membro) a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço”.
Assim, feita consagração da regra de que na venda de bens só releva o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e na prestação de serviços o lugar do cumprimento da obrigação do prestador de serviços, a conclusão inevitável é a da irrelevância, para efeitos de determinação da competência do tribunal, do lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nesta obrigação (assim, Lima Pinheiro in "Direito Internacional Privado", vol. III, págs. 83 e 84).
No caso vertente está em causa a obrigação do pagamento do preço pela ré e que, nos termos alegados pela autora, deveria ter sido satisfeita na data do vencimento das facturas na sua sede, sita em ..., Barcelos, Portugal, o que é, como vimos, irrelevante à determinação da competência do tribunal português. Seria sim competente para a causa, por ser o correspondente ao lugar de cumprimento da obrigação de entrega dos bens, o tribunal alemão.
Porém, no entender da ré resulta existir acordo das partes no sentido de deferir a competência internacional para o julgamento de litígios decorrentes da relação das partes aos tribunais portugueses, porquanto nas facturas que emitia para liquidação dos bens fornecidos à ré, constava a menção de que “(…). Em caso de litígio, a jurisdição é a jurisdição judicial de Barcelos - Portugal, com expressa renúncia a qualquer outro.”, facturas que a ré aceitou e cujo conteúdo não impugnou ou reclamou.
Ora, é consabido que a “convenção em contrário” relevante para efeitos de afastamento da regra da al. b) do art. 7.º, n.º 1 do Regulamento citado é apenas a que decorre da celebração do pacto atributivo de jurisdição a que se reporta o art. 25.º, não valendo como tal o acordo sobre a forma e local do pagamento do preço.
Acresce que, segundo o art. 25.º do Regulamento: “1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;
b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou
c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão. (…)”.
Saliente-se que o pacto atributivo de jurisdição (como, aliás, qualquer pacto ou convenção de competência, celebrado pelas partes no exercício da respectiva autonomia da vontade) tem de exprimir um compromisso bilateral e inequívoco, concluído em termos e condições que não deixem margem para dúvidas razoáveis quanto à aceitação por ambas as partes do foro que, no pacto, haja sido designado. - cf. Mota Campos, “A Convenção de Bruxelas”, in Ver. Doc. e Direito Comparado, n.º 22, 1986, pág. 144 e Sofia Henriques, Os Pactos de Jurisdição, 2006, pág. 63.
É, pois, forçoso garantir que o consenso das partes se mostre efectivamente provado.
Como resulta do considerando 19 desse regulamento, é este acordo de vontades entre as partes que justifica o primado concedido, em nome do princípio da autonomia da vontade, à escolha de uma jurisdição diferente daquela que teria sido eventualmente competente por força do referido regulamento.
No caso dos autos, não se mostrando invocada qualquer situação susceptível de se enquadrar no preceituado nas alíneas b) e c) do n.º 1, restaria concluir pela aplicabilidade da alínea a) do n.º 1.
Ora, não só a simples menção unilateral, feita por um dos contraentes em documento particular por ele emitido, de que o foro convencionado para resolução dos litígios emergentes de certa relação contratual é o de determinado país, não corresponde a qualquer acordo escrito, nem a mesma preenche o requisito da bilateralidade do pacto.
De facto, a existência do consenso das partes quanto à eleição do foro não pode inferir-se da simples menção, em rodapé/quadro na parte inferior do documento e em caracteres diminutos, em facturas unilateralmente emitidas por um dos contraentes, que ambas as partes se submetem ao foro português, para resolução de todos os litígios decorrentes dos concretos da relação comercial entre eles estabelecida, sejam os relativos aos fornecimentos em causa nas facturas reclamadas, sejam os emergentes do próprio contrato em si.
E, inexistindo acordo escrito válido, importa verificar em que medida é que a referida menção constante das facturas, poderia valer como confirmação escrita de um - prévio - acordo verbal acerca do foro competente.
Como refere ainda Sofia Henriques (obra citada, pág. 68 e sgs.), não basta o acordo verbal específico sobre a atribuição de competência, sendo sempre necessária a sua confirmação escrita. No entanto, face à evolução jurisprudencial nesta matéria, podemos concluir que se exige que a convenção de atribuição de competência verse especificamente sobre a prorrogação de competência, que uma das partes a confirme por escrito e a outra parte receba essa confirmação escrita e não levante objeções.
Ou seja, incumbe à parte que invoca em seu benefício o pacto privativo de jurisdição a alegação e prova da existência de um prévio acordo verbal sobre tal matéria, constituindo a referida menção, inserida nas facturas emitidas, confirmação escrita desse prévio acordo informal.
Sucede que a autora, ao responder à excepção de incompetência internacional arguida pela ré na contestação, não alegou a existência de um prévio acordo verbal das partes acerca da jurisdição competente para a dirimição dos possíveis litígios emergentes das suas relações, mormente quanto aos fornecimentos titulados pela emissão de tais documentos – limitando-se a sustentar que:
- “As partes convencionaram a jurisdição competente em caso de litígio”;
- “E tal resulta das facturas porque as partes expressamente convencionaram conforme o supra descrito, e tanto assim é que nunca a ré demonstrou ou comunicou de qualquer forma à autora o fim ou desagrado com o que havia acordado com a autora sobre essa matéria”;
- “As facturas agora juntas além de serem entregues em mão, eram enviadas por email para a ré.”.
Portanto, e como tem sido também entendido pela jurisprudência do nosso STJ, tal menção incluída unilateralmente pela ré nas facturas que emitiu apenas poderia valer como proposta de celebração de um pacto atributivo de competência – e não como confirmação de um prévio acordo informal dos litigantes acerca da competência internacional.
Citando, mais uma vez, Sofia Henriques (ob. citada, pág. 69), é evidente que se torna indispensável destrinçar os planos da mera confirmação escrita de uma convenção prévia formalmente insuficiente (um acordo verbal acerca da competência) e da simples proposta, dirigida, pela primeira vez, por escrito por uma das partes à outra, visando a celebração de um pacto de jurisdição – sendo evidente que, neste último caso, sob pena de se pôr em causa a estruturalmente indispensável bilateralidade dos pactos de jurisdição, não poderá deixar de exigir-se a aceitação de tal proposta contratual.
Logo o facto de o co-contratante não levantar objecções não é suficiente para configurar uma aceitação do pacto de jurisdição.
Tendo em conta o estatuído no citado Regulamento da UE, a mera menção ao foro alegadamente eleito pelas partes, em nota de rodapé/quadro inferior da factura, em letra minúscula, não satisfaz o requisito inserto na alínea a) do n.º 1 do art. 25.º do mesmo instrumento de direito europeu.
Trata-se de uma menção dispersa e inserta após menção às mercadorias/bens fornecidos, às quantidades, ao preço unitário e ao preço total, além de aposta após uma outra menção relativa à propriedade dos bens/mercadorias até ao pagamento. Pelo que, nos surge como evidente que a parte contraente não dispensa à mesma menção uma atenção concreta e focalizada. Além disso, no caso que nos ocupa, as facturas referidas não se mostram sequer assinadas pela ré ou pelo seu representante em Portugal. E é a autora quem afirma que as mercadorias/bens vendidos apenas seguiam para a Alemanha, após verificação/conferência nas suas instalações em ..., Barcelos, da quantidade, qualidade e preço dos artigos, por colaborador da ré, que ali se deslocava para o efeito.
Por fim, saliente-se que não ignoramos que haja quem defenda que aquela menção pode ser aceite tacitamente.
Porém, mais uma vez no caso dos autos, não podemos considerar preenchidos os pressupostos da aceitação tácita do pacto de jurisdição proposto através da referida menção nas facturas emitidas pela autora, porque não foram sequer anexadas às facturas quaisquer cláusulas ou condições contratuais que – constando embora de escritos não assinados - titulassem o contrato e consubstanciassem minimamente uma cláusula de estipulação de foro.
E a este propósito cite-se o que vem afirmado no acórdão do STJ de 19.11.2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, cujo entendimento seguimos aqui: “Ora, neste circunstancialismo, é evidente que seria, desde logo, colidente com o princípio da boa fé contratual pretender extrair um efeito essencial do silêncio da contraparte – considerando que, pelo facto de esta não ter procedido à imediata devolução das facturas emitidas (pondo assim drasticamente em causa o relacionamento comercial em curso entre as sociedades), teria – só por isso - aceitado o proposto (de forma, aliás, encapotada) pacto atributivo de jurisdição: na verdade, ponderado aquele princípio estruturante da boa fé, é evidente que a mera aceitação/ não devolução das facturas emitidas não pode considerar-se comportamento concludente, que leve a ter por tacitamente aceite a pretendida submissão dos contraentes ao foro …, relativamente a todos os litígios que pudessem decorrer, não apenas do concreto fornecimento titulado por cada factura enviada, mas da relação fundamental e complexa de concessão comercial, alegada pela A. como elemento da causa de pedir. Ou seja: a aceitação ( não devolução) da factura unilateralmente emitida pela R. e o pagamento dos bens fornecidos não pode ter-se por comportamento concludente - que, com toda a probabilidade, revele a aceitação da cláusula de renúncia ao foro normalmente competente; como é evidente, são realidades bem diversas a aceitação das obrigações emergentes dos fornecimentos titulados por cada factura enviada e a aceitação da proposta de pacto de jurisdição nela encapotadamente incluída – não havendo qualquer elemento que, em termos minimamente consistentes, permita concluir que tal cláusula foi efectivamente apreendida, no seu real significado, pela A. e por ela aceite – em termos de abranger a dirimição de todos os litígios, mesmo que respeitantes à relação fundamental existente entre as partes, de modo a poder ter-se por verificado o requisito estruturante da necessária bilateralidade dos pactos de jurisdição.”. – Consultável na integra em www.dgsi.pt.
Concluindo, inexistindo qualquer acordo escrito ou acordo verbal com confirmação escrita, válidos à luz do direito europeu e interno, que as partes reconheçam bilateralmente, como sendo a atribuição da competência aos Tribunais portugueses da jurisdição para resolução dos conflitos decorrentes da sua relação, não é o Tribunal português o competente para a causa.
Sendo indiscutido nos autos que o lugar da entrega dos bens é (foi) a Alemanha, os tribunais portugueses são incompetentes, em razão da nacionalidade, para o julgamento da causa, excepção dilatória de conhecimento oficioso conducente à absolvição da ré da instância.
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Pelo exposto, julgo o Tribunal português internacionalmente incompetente para julgar a presente causa, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 96.º, al. a), 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. a), 578.º, todos do C.P.Civ, e, em consequência, absolvo a ré da presente instância.
Custas pela autora.
Registe e notifique.
Inconformada apelou a autora, formulando as conclusões que se transcrevem:
1º - A recorrente não concorda com a Douta Sentença proferida, que não merece outra apreciação que não seja a sua integral revogação e substituída por outra que ordene o prosseguimento da acção.
2º - A douta sentença agora recorrida absolveu a ré da instância, pois julgou o Tribunal Português internacionalmente incompetente para julgar a presente causa, isto porque entendeu que não existe entre as partes um pacto privativo de jurisdição em favor dos Tribunais Portugueses.
3º - A autora não se conforma com essa decisão, porque existiu e existe, celebrado entre a autora e a ré um pacto privativo válido de jurisdição em favor dos Tribunais Portugueses.
4º - Conforme resulta da petição inicial, e não contestado pela ré, a autora, com sede em Portugal, aqui recorrente, no exercício da respectiva actividade comercial, a pedido e sob encomenda da ré, com sede na Alemanha, forneceu-lhe as mercadorias identificadas nas 5 (cinco facturas) que juntou com a petição inicial, que aqui se dá como reproduzidas.
5º - As mercadorias foram fornecidas nas quantidades e pelos preços referidos nas supra identificadas facturas e cujo preço global orçou em €129.497,16 (cento e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e sete euros e dezasseis cêntimos).
6º - A ré, aqui recorrida, confirmou a encomenda, preço e fornecimento das mercadorias, mas alegou que não pagou a totalidade das supra mencionadas mercadorias por existência de defeitos/atrasos no fornecimento dessas mercadorias.
7º - A autora, aqui recorrente não aceita a existência desses defeitos/atrasos.
8º - Resulta quer do mencionado Regulamento (EU) nº 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012, quer da legislação Portuguesa, que as partes podem convencionar a jurisdição competente para dirimir os litígios eventualmente decorrentes da sua relação.
9º - Conforme resulta de TODAS as facturas juntas com a petição inicial consta o seguinte escrito em inglês:
“Reserve of property: it is agreed that goods shall remain property of the seller until paid in full. In case of litigation, the jurisdiction is the judicial distrit of Barcelos – Portugal, with expressed rennounce to any other”
Que desde já se apresenta a competente tradução:
“Reserva de propriedade: é acordado que os bens ficarão na propriedade do vendedor até pagamento integral. Em caso de litigio, a jurisdição é do distrito judicial de Barcelos – Portugal, com expressa renuncia a qualquer outra”.
10º - E tal resulta das facturas porque as partes expressamente convencionaram que em caso de litigio a jurisdição escolhida era a do Distrito Judicial de Barcelos, e tanto assim é que nunca a ré demonstrou ou comunicou de qualquer forma à autora o fim ou desagrado com o que havia acordado com a autora sobre essa matéria.
11º - As facturas agora juntas além de serem entregues em mão, eram enviadas por email para a ré.
12º - Dispõe o nº 2 do artigo 25º do mencionado regulamento que qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à forma escrita.
13º - Ou seja, as facturas, com o pacto escrito atributivo de jurisdição, eram enviadas por email, o que, conforme decorre do nº 2 do citado artigo, equivale à forma escrita da celebração do pacto.
14º - O Regulamento (EU) nº 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012, não exige que o pacto em questão seja assinado pelas partes, mas apenas que seja celebrada ou confirmada por escrito.
15º - Ainda que se entenda, que a confirmação escrita não foi preenchida pelo facto de as facturas terem sido entregues em mão e por email à ré, tendo sido observada a forma ESCRITA do pacto como sucede no presente caso, e que consta das facturas, HÁ também lugar à sua aceitação sob a forma tácita – (aquela que a não fez escrever como fazendo parte do acordo).
16º - Como foi referido pela autora, a ré, recebeu as CINCO faturas com o pacto escrito, ao longo de 6 meses, e não fez qualquer reserva à mencionada cláusula. – Aliás, nem o podia ter feito, pois a MESMA CONCORDOU com a autora, ANTES do fornecimento das mercadorias, e os dizeres que constam na factura são uma consequência dessa aceitação.
17º - Assim, com a aceitação das referidas facturas, não tendo feito qualquer reserva ao pacto aí escrito, a ré, aqui recorrida a ele aderiu. É um caso típico de acordo por adesão.
18º - Conforme resulta dos presentes autos, estamos perante uma encomenda no valor de mais de CEM MIL EUROS, para compra de um significativo número de peças de vestuário, em que a ré leu, compreendeu e aceitou o pacto que constava nas CINCO faturas enviadas.
19º - E que até a ENTRADA da presente acção não manifestou de qualquer forma não concordar com o previamente estabelecido.
20º - A ré revelou com a sua conduta que, com toda a probabilidade, conheceu a cláusula e a aceitou – mesmo sem a discutir com a autora e a assinar – que a ela aderiu, sem nada dizer.
21º - Assim, deve-se concluir que para a validade do pacto atributivo de competência internacional é bastante a aceitação tácita, por uma das partes, da cláusula apenas escrita pela outra.
22º - Conforme o alegado no art. 18º da PI, e que não foi EXPRESSAMENTE impugnado pela ré, sendo alvo apenas de uma impugnação genérica que depois não foi concretizada, as partes também convencionaram como local onde a obrigação de pagamento deve ser cumprida o lugar da sede da autora. – Ora o PAGAMENTO DO PREÇO também é uma das obrigações contratuais em causa – sem essa o contrato não se cumpre!
23º - Existe assim um pacto privativo de jurisdição em favor dos Tribunais Portugueses.
24º - Em suma, não se verifica a incompetência internacional do Tribunal Português para julgar a presente causa, pelo que deve a Douta decisão proferida ser revogada e substituída por outra a ordenar o prosseguimento da acção.
25º - A douta sentença recorrida violou entre outros o disposto no Regulamento (EU) nº 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012, artigos 7º e 25º, e 96º al. a), 99º, nº1, 278ºnº1 al. a), 576º al. a) e 578º, todos do C. P. Civil.
Termos em que
Deve dar-se provimento ao presente recurso, anulando-se e revogando-se a Douta decisão do Tribunal a quo, devendo a Douta Sentença em crise ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da acção.
Assim se fará JUSTIÇA.
A recorrida contra-alega pugnando pela manutenção da decisão recorrida, terminando com as seguintes conclusões:
A. O Tribunal decidiu a presente causa através de despacho saneador, com efeito de sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 e da parte final do n.º 3 do artigo 595.º do Código do Processo Civil.
B. Na referida decisão, o Tribunal considerou-se territorialmente incompetente para julgar a ação intentada pela Autora, ora Recorrente, uma vez que considerou que não foi celebrado entre as partes qualquer instrumento convencional que estabelecesse a jurisdição competente para dirimir os litígios eventualmente decorrentes da sua relação jurídica.
C. De facto, as partes não celebraram qualquer convenção sobre o foro competente, estando em causa nestes autos a responsabilidade contratual da Ré, ora Recorrida.
D. Como tal, critério determinante para aferir a competência do Tribunal será necessariamente o do lugar do cumprimento da obrigação (neste caso, onde os bens foram entregues): a Alemanha.
E. Portugal e Alemanha são Estados-membros da União Europeia, pelo que importa atentar, desde logo, às normas do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.
F. Quanto à competência judiciária das pessoas coletivas, estabelece o n.º 1 do artigo 7.º do referido Regulamento que, salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues (…).
G. Entende-se por convenção em contrário, para efeitos da alínea b) do artigo 7.º, a celebração de um pacto atributivo de jurisdição de competência (nos termos do 25.º do mesmo Regulamento).
H. O pacto atributivo de jurisdição tem de exprimir um compromisso bilateral e inequívoco.
I. A este respeito, afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19-11-2015, relator Lopes do Rego: “o pacto atributivo dejurisdição (como, aliás, qualquer pacto ou convenção de competência, celebrado pelas partes no exercício da respetiva autonomia da vontade) tem de exprimir um compromisso bilateral e inequívoco, concluído em termos e condições que não deixem margem para dúvidas razoáveis quanto à aceitação por ambas as partes do foro que, no pacto, haja sido designado.”
J. Afirma ainda que, mesmo que se admita a possibilidade de uma tal proposta ser objeto de aceitação ou adesão tácita, não constitui comportamento concludente a mera circunstância de a parte que recebeu faturas com tal menção as ter aceite.
K. Pelo que, conclui (e bem) que, neste circunstancialismo, colidiria com o princípio da boa fé pretender inferir do silêncio da parte a aceitação da proposta de pacto de jurisdição.
L. O artigo 59.º do Código do Processo Civil estabelece que, “semprejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.”
M. No presente caso não se verifica nenhum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º do Código do Processo Civil,
N. Nem, como se viu, as partes lhes atribuíram competência nos termos do artigo 94.º do mesmo diploma, como afirma a Recorrente.
O. Não basta, como alega a Autora, que as faturas relativas a fornecimentos que ela própria emitiu, no âmbito da relação comercial estabelecida com a Ré, ora Recorrida, tivesse feito constar, em menção integrada num quadro tipo rodapé de tais documentos particulares, que em caso de litígio as partes se submetem aos tribunais portugueses, com renúncia a qualquer outro foro.
P. É neste sentido que vai a sentença proferida pelo Tribunal a quo quando afirma que “não só a simples menção unilateral, feita por umdos contraentes em documento particular por ele emitido, de que o foro convencionado para resolução dos litígios emergentes de certa relação contratual é o de determinado país, não corresponde a qualquer acordo escrito, nem a mesma preenche o requisito da bilateralidade do pacto”.
Q. Inexistindo qualquer acordo escrito ou verbal com confirmação escrita, válidos à luz do direito europeu e nacional, que as partes reconheçam bilateralmente, como sendo a atribuição da competência aos Tribunais portugueses da jurisdição para resolução dos conflitos decorrentes da sua relação, não é o Tribunal português o competente para a causa.
R. O lugar do cumprimento da obrigação é a Alemanha.
S. Pois todas as entregas foram entregues na Alemanha.
T. A incompetência do Tribunal configura, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código do Processo Civil uma exceção dilatória, que implica necessariamente a absolvição do Réu da instância.
Nesses termos, pelas razões supra expostas, deve o recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o que foidecidido na douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sendo a Ré absolvida da instância.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.
Foram colhidos os vistos legais.
II. ÂMBITO DO RECURSO.
Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – artºs. 684/3 e 690 CPC – a questão a decidir consiste em saber se os tribunais portugueses, in casu, o Tribunal é ou não internacionalmente competente para conhecer da acção declarativa de condenação em causa.
III. FUNDAMENTAÇÃO
De Facto
A matéria factual a considerar para a decisão do recurso é a que consta do relatório que precede e ainda a seguinte que resulta dos autos e se considera relevante para a decisão.
- A autora, com sede social na Travessa …, Pavilhão …, da freguesia de ... em Barcelos, Portugal no exercício da respectiva actividade comercial, a pedido e sob encomenda da ré, com sede na Alemanha, forneceu-lhe as mercadorias identificadas nas 5 (cinco facturas) que juntou com a petição inicial, que aqui se dá como reproduzidas.
- As mercadorias foram fornecidas nas quantidades e pelos preços referidos nas supra identificadas facturas e cujo preço global orçou em €129.497,16 (cento e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e sete euros e dezasseis cêntimos).
- As mercadorias foram entregues na Alemanha.
- A ré, a confirmou a encomenda, preço e fornecimento das mercadorias, mas alegou que não pagou a totalidade das supra mencionadas mercadorias por existência de defeitos/atrasos no fornecimento dessas mercadorias.
- A autora, não aceita a existência desses defeitos/atrasos.
De Direito
Violação das regras de competência internacional.
A decisão recorrida concluiu pela incompetência dos tribunais portugueses em face ao Regulamento (EU) 1215/2012, quer nos termos da regra geral do artigo 4º, nº1, quer nos termos da competência especial estabelecida no artigo 7º, nº1/a e b/.
Em jeito de antecipação da conclusão final, referira-se desde já que essa é a interpretação mais correcta das normas do regulamento nº.1215/2012, e vai de encontro à orientação pacífica da jurisprudência, não podendo dar-se prevalência ao entendimento da autora no sentido que defende nas conclusões supratranscritas. Vejamos.
▪. Da competência internacional.
Discute-se na acção uma relação jurídica entre sociedades comerciais com domicílio em Estados-Membros da União Europeia, por isso é inquestionável que na determinação do tribunal internacionalmente competente para dirimir o litígio deve ser convocado o Reg. (UE) 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012 que prevalece sobre o ordenamento jurídico interno português - que a sua aplicação é obrigatória em todos os Estados-Membros isso decorre do artigo 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do nº 4 do artigo 8.º, da Constituição de República Portuguesa: «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Não havendo convenção escrita de um pacto de jurisdição (artigo 25º), como critério regra o artigo 4º, nº1 elege como internacionalmente competentes os tribunais do Estado-Membro onde o demandado tem o seu domicílio, e no caso não vem questionado que a ré tem o domicílio na Alemanha - o artº 63º considera que uma pessoa colectiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; b) a sua administração central; ou c) o seu estabelecimento principal.
Segundo o artº 5º, nº1, «as pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo», e na secção 2ª está inserido o artº 7º o qual prevê a possibilidade de as pessoas domiciliadas num Estado-Membro serem demandadas noutro Estado-Membro nas seguintes situações:
1. a). Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b). Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues;
- no caso de prestação de serviços, o lugar num Esto-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devem ser prestados;
c). Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);
No caso, o lugar do cumprimento do contrato é o domicílio da demandada, o lugar onde os bens foram e deveriam ser entregues e onde os serviços foram e deviam ser prestados, pelo que a competênciainternacional dos tribunais estrangeiros decorre tanto da regra geral do artigo 4º, nº1, como da regra especial estabelecida no artigo 7º, nº1, alínea b).
▪. Da Existência de um pacto atributivo de jurisdição.
Para a solução desta questão têm-se presentes as considerações da decisão recorrida porque acertadas.
Para vincar o acerto da decisão tomamos de empréstimo o bem elaborado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.11.2018 proferido no processo nº 6919/16.0T8PRT.G1. Si acessível in www.dgsi.pt segundo o qual:
Nos termos do art 25º, as partes podem celebrar pactos atributivosde jurisdição, ficando pressuposta, não constando acordo em contrário, a sua natureza como pactos privativos de jurisdição.
Os requisitos de forma aí estabelecidos replicam, no essencial, os contidos no art. 17º da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 e no art. 23º do Regulamento Comunitário (CE) nº 44/2001, que precedeu o presente regulamento (o art. 25º passa expressamente a ressalvar, quanto aos requisitos substantivos, que a validade destes deve ser aferida pela lei interna do Estado-Membro convocado[1]) – apenas tais requisitos de forma estão em causa.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJ) é clara quanto ao entendimento de que a noção de pacto atributivo de jurisdição (art. 23º do Regulamento 44/2001; art. 25º do Regulamento 1215/2012) é autónoma, relativamente ao direito interno de cada Estado-Membro – a validade do pacto de jurisdição deve ser, exclusivamente aferida (preenchida) à luz da própria disposição do Regulamento, ficando excluída a convocação, no caso e designadamente, do art. 94.º CPC e do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de Outubro). Este ponto tem sido reiteradamente assinalado na jurisprudência deste tribunal (ASTJ, de 31.4.2016, 17.3.2016, 4.2.2016, 26.1.2016 e de 11.2.2015, todos publicados, bem como os adiante referidos, em www.dgsi.pt).
Isso mesmo, genericamente, «decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nomeadamente, acórdão de 27 de junho de 2013, Malaysia Dairy Industries, C-320/12, nº 25 e jurisprudência referida)» (ATJ, de 5.12.2013, Vapenik v. Thurner, C-508/12, EU:C:2013:790, nº 23).
Sustenta a Recorrente, fundando-se na referida cláusula, esta conjugada com a cláusula 15ª, que «Não pode considerar-se atitude puramente omissiva ou de silêncio a do comprador que, apos receção das notas de confirmação de encomenda, não só recebe as mercadorias expedidas, como recebe as respetivas faturas, aceitando-as e não as devolvendo, prosseguindo com a realização de mais ordens de encomenda»; invoca, em defesa da sua tese, o ASTJ, de 8.10.2009 e alega que o entendimento da Relação contradita a jurisprudência comunitária (conclusões 5/9 e 12/14). A jurisprudência comunitária na matéria não vai, todavia, no sentido alegado pela Recorrente; ao invés, nela se deve acolher a decisão recorrida.
Não basta uma aceitação ou adesão tácita; exige-se certeza e clareza no estabelecimento do acordo de vontades entre as partes, acordo que deve ser escrito, ou sendo verbal, a sua confirmação por escrito – a existência de um documento escrito (de teor constitutivo ou confirmativo), nos precisos termos constantes da alínea a) do nº 1 do art. 25º, assume a natureza de formalidade ad substantiam.
Reiteradamente referido na jurisprudência comunitária que as exigências de forma [artºs. 17º da Convenção de Bruxelas, 23º, nº 1, alínea a) do Regulamento 44/2001, 25º, nº 1, alínea a) do Regulamento 1215/2012 têm por função assegurar que o consentimento seja efetivamente provado, cabendo ao juiz nacional aferir se a cláusula atributiva de competência constituiu efetivamente objeto do consenso das partes, claro e inequivocamente manifestado (veja-se ASTJ, de 19.11.2015, onde se dá nota da evolução da jurisprudência comunitária na matéria, no limite reportando-se o caso do ATJ de 11/7/85, Proc. 221/84, Berghofer/Asa, em que, ao conceder-se que o requisito da confirmação escrita se possa ter por preenchido quando o documento que a corporiza, enviado ao outro contraente, por ele recebido, não suscite qualquer objeção, se teve como pressuposta a existência de uma prévia convenção verbal; no mesmo sentido, ASTJ de 9.9.2014).
Compreender-se-á que, facultando o Regulamento a derrogação dos critérios gerais aí enunciados em matéria de competência e, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade das partes, concedendo a estas o primado na escolha da jurisdição (com exclusão dos casos imperativamente regulados nos artºs. 24º e 27º), em função da celebração entre elas de um pacto, autonomizando-o e reforçando a sua proteção jurídica, nos termos dos artºs. 25º, nºs. 1 e 5 e 31º, nºs. 2 e 3, tal pacto, pela relevância que lhe é assinalada, deva ser clara e inequivocamente comprovado.
Veja-se, por último, ATJ, de 8.3.2018, Saey Home & Garden v. Lusavouga, C-64/17, EU:C:2018:173, que, reafirmando a linha jurisprudencial, responde a pedido de decisão prejudicial apresentado pela Relação do Porto, cujos nºs. 23/29 seguidamente se transcrevem (realces acrescs.):
Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 25.o,n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição estipulada nas condições gerais de venda mencionadas nas faturas emitidas por uma das partes no contrato cumpre as exigências dessa disposição.
Segundo jurisprudência constante, as disposições do artigo 25.o do Regulamento n.o 1215/2012, uma vez que excluem quer a competência determinada pelo princípio geral do foro do demandado, consagrado no artigo 4.o desse regulamento, quer as competências especiais dos artigos 7.° a 9.° deste regulamento, são de interpretação estrita quanto às condições nele estabelecidas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2017, Leventis e Vafeias, C-436/16, EU:C:2017:497, n.o 39 e jurisprudência referida).
Mais especificamente, o juiz chamado a pronunciar-se tem a obrigação de analisar, in limine litis, se a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto de consenso entre as partes, que se deve manifestar de forma clara e precisa, tendo as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 25.o,n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 por função, a este título, assegurar que o consenso seja efetivamente provado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2017, Leventis e Vafeias, C-436/16, EU:C:2017:497, n.o 34 e jurisprudência referida).
O artigo 25.on.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 prevê que o pacto atributivo de jurisdição pode ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita.
Além disso, refira-se que, quando uma cláusula atributiva de jurisdição está estipulada nas cláusulas contratuais gerais, o Tribunal de Justiça já decidiu que essa cláusula é lícita caso o próprio texto do contrato assinado por ambas as partes remeta expressamente para cláusulas contratuais gerais que incluem a referida cláusula (Acórdão de 7 de julho de 2016, Hőszig, C-222/15, EU:C:2016:525, n.o 39 e jurisprudência referida).
No caso vertente, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o contrato de concessão comercial em causa no processo principal foi celebrado verbalmente, sem ulterior confirmação por escrito, e que as condições gerais que contêm a cláusula atributiva de jurisdição em causa só foram mencionadas nas faturas emitidas pela ré no processo principal.
Face a estes elementos e atendendo à jurisprudência recordada no n.o 27 do presente acórdão, uma cláusula atributiva de jurisdição como a que está em causa no processo principal não cumpre as exigências do artigo 25.o,n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
No caso dos autos, considerado o quadro factual apurado pelas instâncias, (i) não se verificou a existência de uma prévia convenção verbal; (ii) a cláusula atributiva de jurisdição apenas consta das notas de confirmação de encomenda emitidas pela autora; (iii) tal cláusula proposta não foi objeto de convenção escrita pelas partes.
A falta de pacto escrito não pode ser suprida com recurso à figura da aceitação tácita, como evidenciado na jurisprudência do TJ; no acórdão deste tribunal, de 8.10.2009 – relativamente ao qual a Recorrente afirma estar o aresto recorrido em contradição, sem que, todavia, demonstre a subjacente identidade de situações –, não vem confrontada a jurisprudência comunitária na matéria.
Aplicando estas considerações ao caso pela semelhança da situação concluímos que improcede a pretensão da Recorrente.
▪. Das custas
É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).
Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo da apelante que ficou vencida na sua pretensão de procedência do recurso.
**
Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que:
- As partes podem, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade em matéria de competência internacional, eleger, mediante pacto ou convenção, a jurisdição com competência para dirimir um conflito que surja no desenvolvimento de uma relação contratual (substantiva) que as partes, com domicílio em distintos Estados, hajam contratualizado.
- A convenção de foro de jurisdição tem de obedecer e observar os requisitos insertos nos instrumentos internacionais que regem para efeitos de atribuição do foro de jurisdição, notadamente, no caso de relações contratuais estabelecidas entre Estados participantes na União Europeia, no respectivo regulamento aplicável.
– A simples menção, em rodapé/quadro na parte inferior do documento e em caracteres diminutos em facturas unilateralmente emitidas por um dos contraentes, que ambas as partes se submetem ao foro português, para resolução de todos os litígios decorrentes da relação comercial entre eles estabelecida, sejam os relativos aos fornecimentos em causa nas facturas reclamadas, sejam os emergentes do contrato em si não é idónea para, ainda que o declaratário não tenha manifestado oposição, atribuição do foro que nela se inscreveu.
- Tratando-se de uma cláusula inserta numa folha de feição de adesão, que não foi objecto de assinatura por qualquer das partes, a proposta nela inserta, de atribuição de jurisdição, teria de ser confirmada por escrito, ou por forma que demonstrasse, da parte do contraente que a recebe, que aceitaria o foro nela atribuído.
**
IV. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)