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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIA
Sumário
1- A exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica controvertida que lhes é submetida pelo Autor a julgamento, tem de ser aferida pela relação jurídica delineada subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelo Autor na petição inicial.
2- A exceção em causa, salvo quando decorra da violação de pacto privativo de jurisdição, pode ser suscitada pelos interessados, e pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da sentença que conheça de mérito.
3- Condição à aplicação do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento e do Conselho de 12/12, é que à data da instauração da ação, a Ré tenha o seu domicílio num Estado-membro da União Europeia (critério geral) ou que se verifique um dos critérios especiais atributivos de competência internacional aos tribunais dos Estados-membros da União Europeia previstos taxativamente nas Secções 2 a 7 do Regulamento.
4- Quando tal não aconteça, o Regulamento não é aplicável, impondo-se verificar se os tribunais portugueses (onde foi instaurada a ação), são internacionalmente competentes para dela conhecer à luz do direito interno português, isto é, do disposto nos arts. 62º, 63º e 94º do CPC.
5- É sobre a Ré que invoca a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do litígio que lhe foi instaurado pela Autora que impende o ónus da alegação e da prova dos factos essenciais integrativos dessa exceção (não sobre a Autora).
6- Verificando-se que a Autora tem a sua sede em Portugal e que a mercadoria vendida à Ré (esta residente em Angola, país para onde destinava a mercadoria comprada) foi empacotado nas instalações da Autora, a fim de ser entregue à Ré, os tribunais portugueses, à luz do critério da causalidade enunciado na al. b) do art. 64º do CPC, são internacionalmente competentes para conhecer da ação instaurada pela Autora contra a Ré com fundamento no incumprimento do contrato de compra e venda celebrado, reclamando dela o pagamento do preço em dívida e os juros moratórios.
7- A exceção da prescrição da obrigação de pagamento de juros de mora vencidos há mais de cinco anos, à data em que a Ré foi citada para os termos da ação, não é do conhecimento oficioso do tribunal, tendo essa exceção de ser invocada pela Ré na contestação, sob pena de ficar precludido o seu direito a invocar essa exceção em momento posterior.
8- O contrato de compra e venda celebrado entre Autora, que é uma sociedade comercial e que, por isso, é comerciante, e que celebrou esse contrato com a Ré no exercício do seu comércio, é subjetivamente comercial, pelo mesmo que a Ré tenha celebrado esse contrato na qualidade “consumidora”, estando-se, nesse caso, perante um contrato de compra e venda unilateralmente comercial ou misto, o mesmo fica sujeito à regulação da lei comercial quanto a todos os contraentes (art. 99º do Cód. Com.), pelo que os juros de mora devidos, são os comerciais.
Texto Integral
Acordam, após vistos legais e em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente: A. F..
Recorrida: L. J. – Pronto-a-vestir M. S., Lda.
L. J. – Pronto-a-vestir M. S., Lda., com sede na Avenida … Bragança, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum (que deu entrada como requerimento de injunção), contra A. F., cuja residência, em sede de requerimento de injunção, vem indicada como se situando na Avª … Bragança, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 11.684,56 euros de capital em dívida, 8.071,19 euros de juros de mora vencidos e 153,00 euros de taxa de justiça paga, tudo acrescido dos juros de mora vincendos à taxa comercial.
Para tanto alega, em síntese, dedicar-se ao comércio de vestuário e pronto-a-vestir e que em 17/09/2008, vendeu à Ré, que igualmente se dedica ao comércio de vestuário de pronto a vestir, as peças de vestuário descritas e sob as quantidades e preços constantes das faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7, pelo preço global de 11.684,56 euros;
Acontece que apesar dessas faturas se terem vencido em 20/09/2008, a Ré não pagou o preço da mercadoria que a Autora lhe vendeu.
Frustrou-se a citação da Ré, pelo que se remeteu os autos à distribuição.
Citou-se editalmente a Ré, que contestou, indicando nesse articulado como residindo na Rua …, Angola, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, impugnando que se dedique à comercialização de qualquer tipo de vestuário, designadamente, na sociedade comercial da qual assume a gerência em Angola, sustentando que ainda que as vendas invocadas fossem verdadeiras, que a Autora nunca a poderia demandar a título pessoal, mas sim à sociedade de que é gerente;
Impugnou a generalidade dos factos alegados pela Autora, alegando que esta invoca dolosamente factos falsos e faz um uso reprovável do processo.
Conclui pedindo que se julgue a ação totalmente improcedente, por não provada e se absolva a mesma do pedido e se condene a Autora como litigante de má-fé em quantia de 2.000,00 euros.
Notificou-se a Autora para responder, querendo, à exceção dilatória da ilegitimidade passiva e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, o que fez, concluindo pela respetiva improcedência.
Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da ação em 19.755,75 euros, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou inadmissível o pedido de reembolso da taxa de justiça paga e conheceu-se da exceção dilatória da ilegitimidade passiva invocada pela Ré, julgando-a improcedente.
Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações.
Conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final.
Entretanto, tendo a Autora junto aos autos as faturas de fls. 44 a 60, a Ré veio invocar a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente ação, sustentando que essa competência pertence aos tribunais angolanos, uma vez que conforme resulta do teor das faturas juntas aos autos, o lugar de cumprimento da obrigação é a sede/residência da Ré, a qual se situa em Angola.
Aberta a audiência final, após observância do contraditório, proferiu-se despacho conhecendo da exceção em causa, que se julgou improcedente e que consta do seguinte teor:
“Veio a Ré invocar a exceção da incompetência territorial deste Tribunal, por não ser o do lugar do domicílio da Ré, nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.P.C., que expressamente invoca.
A Autora pugnou pela sua improcedência.
Vejamos.
Pese embora lhe chame incompetência territorial, resulta evidente que a Ré exceciona a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento da presente causa.
Estipula o artigo 573.º, n.º 1, do C.P.C. que “[t]oda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”.
Resulta deste normativo legal que as exceções dilatórias cujo conhecimento depende de arguição das partes têm de ser deduzidas na contestação, sob pena de preclusão do direito de arguição futura das mesmas.
Ora, no caso sub judice, a Ré, depois de finda a fase dos articulados, e após prolação do despacho de saneamento do processo – que se pronunciou expressamente sobre a competência do tribunal em razão da nacionalidade –, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, e de designação da audiência final, veio invocar a exceção dilatória da incompetência territorial do Tribunal, quando a contestação seria o momento próprio para o fazer.
Se fôssemos rigorosos quanto à específica exceção que foi invocada, teríamos de considerar extemporânea essa invocação, pois teria a Ré de o ter feito aquando da contestação, pois aí estava em condições de o fazer, não obstante justificar o momento em que o veio fazer, na véspera do julgamento, com o argumento de que só depois de notificada das faturas é que teve conhecimento de que o “lugar do cumprimento da obrigação” é o domicílio da Ré, o que não se aceita pois o que resulta das faturas é que as mesmas estão emitidas em nome daquela com a morada de Angola e que a mercadoria foi colocada à disposição daquela em 15 e 16 de setembro de 2008 através de «nossa viatura» (a menos que estivéssemos a falar de transporte aéreo ou marítimo, o que não parece ser o caso).
Sucede, porém, que o n.º 2 do artigo 573.º do C.P.C. prescreve que “[d]epois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
A competência internacional do tribunal trata-se de exceção que, além de poder ser arguida pelas partes, é do conhecimento oficioso (cfr. artigos 96.º, alínea a), e 97.º, n.º 1, do C.P.C.).
Pese embora o Tribunal se tenha pronunciado expressamente no despacho saneador sobre a questão, para quem entenda que o despacho meramente tabular não se pronuncia sobre o fundo da questão, sempre se reafirmará que, tal como feito constar no despacho saneador, “o Tribunal é competente em razão da nacionalidade”.
Com efeito, dispõe o artigo 59.º do C.P.C. que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
As normas de competência internacional definem a suscetibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras.
Os artigos 62.º e 63.º definem as situações em que a competência internacional dos tribunais portugueses tem origem legal. Como é sabido, essa competência pode ter origem também, quer em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, quer no acordo das partes, os chamados pactos de jurisdição (cfr. artigo 94.º do C.P.C.).
Deixando agora de parte o artigo 63.º, que regula as situações em que os Tribunais Portugueses têm competência exclusiva, a remissão para os elementos de conexão referidos no artigo 62.º do C.P.C. leva-nos à seguinte apreciação.
“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.
Temos aqui três critérios de atribuição da competência internacional com origem legal, aos Tribunais portugueses: os da coincidência [alínea a)], da causalidade [alínea b)] e da necessidade [alínea c)].
O critério da coincidência diz-nos que os Tribunais Portugueses serão internacionalmente competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (cfr. artigo 70.º e seguintes do C.P.C.).
O critério da causalidade determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que tenha sido praticado em território nacional o facto ou algum dos factos integradores da causa de pedir. Esta última referência diz respeito às causas de pedir complexas, compostas por vários factos, e em que a finalidade do legislador foi impedir a denegação da competência dos nossos tribunais sempre que um só dos factos, por mínimo que fosse, tivesse ocorrido em território estrangeiro (ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil, II, fls. 29).
O critério da necessidade alarga as situações de competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efetivar por meio de ação proposta em território português, ou em que seja apreciavelmente difícil para o autor a sua propositura no estrangeiro.
Tendo em conta a causa de pedir que serve de fundamento à presente ação podemos afirmar com segurança que os factos que constituem o crédito da Autora, ou seja, parte dos factos integradores da causa de pedir, foram praticados em território nacional: a Autora, que tem a sua sede em Bragança, vendeu peças de vestuário à Ré, residente em Angola, as quais lhe foram entregues em território português na expectativa do pagamento do respetivo preço.
Repare-se que o artigo 62.º, alínea b), do C.P.C. basta-se com a prática em território português de algum dos factos que integram a causa de pedir da ação.
Acresce que dadas as circunstâncias em que prepondera, por um lado, a sede da Autora em Portugal e consequente dificuldade de acesso à justiça angolana e, por outro, a facilidade com que a Ré se movimentará em Portugal, sempre a competência seria de atribuir ao tribunal português, nos termos da segunda parte da alínea c), do nº 1, do artigo 62.º do C.P.C., uma vez que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional há – já salientados – ponderosos elementos de conexão pessoal.
Em face da improcedência da exceção, terá a Ré de ser condenada em custas do incidente, fixando-se as mesmas em 1,5 U.C’s, tendo em conta os fundamentos legais inaplicáveis e o momento tardio em que a colocou ao Tribunal.
Pelo exposto, julgo não verificada invocada exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses, indeferindo-se a mesma.
Custas do incidente, cuja taxa de justiça se fixa em 1,5 U.C.’s, a cargo da Ré”.
Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação procedente por provada e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de 11.684,56 euros, acrescida de juros de mora contados desde 20/09/2008 até integral pagamento, tendo em conta as taxas semestrais aplicáveis, e julgando improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, absolvendo-a deste pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto: a) Julgo totalmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 11.684,56 (onze mil seiscentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora constados desde 20.09.2008 até integral pagamento, tendo em conta as taxas semestrais aplicáveis; b) Indefiro o pedido de condenação da Autora, como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e de indemnização à parte contrária.
*
Custas a cargo da Ré (cfr. artigos 527.º, n.º 1, e 607.º, n.º 6, do C.P.C.)”.
Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
1.º A Recorrente sindica a douta sentença recorrida nos seguintes parâmetros:
a)– decisão sobre a exceção incompetência territorial; b) decisão sobre a matéria de facto; c) – violação do princípio do ónus de alegação pelas partes dos factos essenciais da causa e do princípio da limitação dos poderes de cognição do Tribunal;
d) – apreciação dos pressupostos valoração da Prova Documental.
2.º O âmbito do presente recurso de apelação compreende desde logo, a reapreciação da prova gravada e consequentemente, a impugnação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto.
3.º Entende a Recorrente que da matéria de facto discutida nos autos foram incorretamente julgados os factos vertidos nos números 2., 3. e 4. da materialidade de facto considerada como provada.
4.º da Alegada Exceção Incompetência Territorial – Julgada Improcedente, no requerimento injuntivo a Autora/Recorrida alega simplesmente que os materiais e trabalhos foram colocados à disposição, por conta da Recorrente, sendo que só posteriormente, em data próxima da audiência de julgamento, foram efetivamente juntos os documentos – faturas – objeto da ação. – A Recorrente no seu legítimo direito contraditório, excecionou – dada a entendida incompetência territorial,
5.º Assim as regras de competência jurisdicional em razão da matéria e do território, nesta última hipótese, especialmente, as decorrentes dos artigos 74.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil»,
6.º Tendo em conta a causa de pedir articulada na Douta P.I., no âmbito da qual a Recorrida alega a existência de uma relação contratual entre a mesma e a Recorrente e reclama o pagamento de quantias que esta, ao abrigo dessa relação, lhe deveria ter pago, in casu a competência territorial é regulada no artigo 71.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.P .C..
7.º Assim, não justificando a A. /Recorrida, o recurso aos Tribunais Portugueses, sem mais considerandos, por desnecessários, deveria ter de se aplicar aos presentes autos o estipulado no art.º 71. n.º 1- primeira parte – o que expressamente a Recorrente invocou – exceção de Incompetência Territorial
8.º Da Ilegitimidade de Parte A Autora/Recorrida apresentou aos autos, como parte nesta demanda à Recorrente, reclamando hipotéticos direitos de responsabilidade – identificando a Recorrente – como sociedade comercial (impugnada)
9.º Nos termos do artigo 30.º n.º 1 C.P.C., que aqui se transcreve «o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer». A legitimidade das partes é aferida pelas regras constantes dos artigos 30.º e seguintes do C. P. C.
10.º De acordo com as mencionadas normas a Recorrente, tal como foi por ela invocado na Contestação, não é parte legítima porque não tem qualquer interesse,
11.º A legitimidade deve ser, pois, referida à relação jurídica objeto do pleito e determina-se averiguando quais são os fundamentos da ação e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos.
12.º Consequentemente, a falta do efeito acima mencionado gera a ilegitimidade da Recorrente, razão pela qual deveria ter sido absolvida, de acordo com o inserto nos artigos 278.º, n.º 1, al. d) e 576.º, n.º 2, todos do C. P. C.
13.º Desta forma, o Douto Tribunal Recorrido ao considerar as invocadas exceções improcedentes, consequentemente, decidiu pela procedência da ação – condenando a Ré/Recorrente, aos pedidos formulados na Conclusão da P.I.
14.º Impugna a douta decisão proferida sobre a matéria de fato a Recorrente vem “… indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, …” – cfr. art.º 640º, nº 2, al. a), CPC.
15º Assim, a Recorrente pretende ver reapreciada a prova produzida, quanto os factos, dispostos nos números 2., 3. e 4. da materialidade de facto considerada como provada, são então, as Declarações de parte e depoimento da Testemunha indicada pela A., portanto,
16.º Os Depoimentos a ser devidamente, Reapreciados, e que, conduzem a respostas negativas aos factos indicados 2, 3, e 4 - são: J. S., legal representante da A. (depoimento gravado em CD desde 26-02-2019 10:00:57 até 26-02-2019 10:17:40 – cfr. Ata da Audiência de Julgamento de 26/02/2019 e CD de gravação áudio), - M. A., legal representante da A. (depoimento gravado em CD desde 26-02-2019 10:17:41 até 26- 02-2019 10:29:49 – cfr. Acta da Audiência de Julgamento de 26/02/2019 e CD de gravação áudio), - E. P., testemunha e antiga funcionária da A. (depoimento gravado em CD desde 26-02-2019 10:29:50 até 26-02- 2019 10:44:14 – cfr. Ata da Audiência de Julgamento de 26/02/2019 e CD de gravação áudio),
17.º Reapreciada tal prova, encontramos sequentes contradições, nomeadamente entre as Declarações de Parte e o confronto com o Depoimento da Testemunha E. P., questionada que foi sobre quem teria empacotado a roupa, respondeu aos 5:37 “...eu e o M. A....”, aqui é de realçar que o sócio J. S., referiu nas suas Declarações ao 1:40 “...fui eu que embalei a roupa...”
18.º Do cheque junto aos autos – questionada a Testemunha E. P. (colaboradora)
– afirma perentoriamente – que viu a R. preencher e assinar o cheque, entregando-o depois,-), respondeu aos 7:59 “...questionada pela Meritíssima Juiz – viu a Ré (identificada pelo nome) preencher o cheque, em resposta “..sim..” confrontar com as Declarações de Parte – J. S.
19.º do Confronto ainda com a fundamentação da Douta Sentença, “”...de J. S., por ter sido quem vendeu e embalou a roupa em caixas e emitiu as faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7 e recebeu um cheque da Ré, já assinado, preenchido por ele próprio – confrontado com o cheque de fls. 35v, assegurou que “é tudo a minha letra, só mo deu assinado” –, sublinhado nosso.
20.º Devidamente conjugados e sopesados tais depoimentos, são claras e inquestionáveis as contradições encontradas, quer nas Declarações de Parte dos legais representantes da A., quer na Testemunha arrolada pela A.
21.º Haverá por isso, que considerar não provado os números 2, 3 e 4 que:
Não provado - No exercício da sua atividade, em setembro de 2008, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, as peças de vestuário tituladas pelas faturas n.º(s) 4, 5, 6 e 7 juntas a fls. 44-60, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no montante global de € 11.684,56.
Não Provado -. Apesar de as referidas peças terem sido entregues à Ré e de esta as ter feito suas para os fins que entendeu, tal montante não foi pago pela Ré, nem na data do vencimento das respetivas faturas nem posteriormente.
Não provado -. A Ré solicitou à Autora tais fornecimentos a título pessoal.(contradição absoluta com a descrição P.I.) Resulta do art. 6 da PI
22.º Ainda que não se considerem os argumentos quer da procedência das exceções quer da matéria de facto aqui impugnada, o que por mera hipótese académica admitimos, a douta sentença, reflete ainda errónea aplicação e perceção da aplicação das Taxas Legais – Juros, abalando a noção de juros comerciais e juros Civis.
23º Atente, o Tribunal a quo qualifica o negócio - como venda a consumidor final, e, condena a R. ao pagamento juros como crédito comercial -, juros calculados à taxa legal comercial!! – Por, ilegal e por contradição com a matéria de facto considerada provada, ainda que erroneamente, sempre a decisão quanto aos juros terá que ser alterada.
24.º Ora e sob a mesma orientação, para além da argumentação, por ilegal e inaplicável aos factos valorados e considerados provados – crédito para consumidor final .., ainda sob este prisma condena a Ré ao pagamento de juros entretanto prescritos – seja desde o ano de 2008... o que não se concebe, fatura 7...complementa que as faturas 4,5,6 afinal são datadas de 2018?!
25.º A Decisão em crise, condena a R, ao pagamento dos juros, para além do prazo legalmente admissível e estipulado – confr. Art.º 310 n. 1 al. d) do C.C. Como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil anotado, vol. I, pág. 200, «o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação.
26.º Em suma, a decisão – Sentença recorrida, a manter os seus termos e factos e consequências – colide, com os direitos fundamentais que à R. assistem, e, que de forma evasiva injustificada, desproporcional inclusive aos factos considerados como tal, o Tribunal a quo erroneamente decidiu de forma precipitada.
27.º Sendo que, tal factualidade além de conclusiva e genérica, encontra-se deviamente impugnada – por toda a documentação que foi junta pela própria A. – faturas – 2008/ 2017 – e NIF Inexiste, local e carga e transporte, quer pelos factos vertidos nos articulados, e documentos juntos pelas partes, não suscitam quaisquer dúvidas, para impor decisão diversa da recorrida.
28.º A Recorrente não pode aceitar quer os factos, quer a fundamentação, porque manifestamente traduz errada interpretação do vertido nos art.º 30.º , dos art.º(s) 278.º e 576.º, dos art.º(s) 71.º, 74.º e 104.º e 110.º, do art. 609.º do C.P.C., do art. 10 n.º 2 al. i do Decreto de Lei n.º 269798 de 01/09, do art.º 102 do C. Comercial, dos art.º(s) 306, 310.º, 466n.º 3, 804.º, 805.º, 806.º, 874 todos do C.C.
29.º Assim, em nosso entender, ao contrário da decisão proferida pelo tribunal a quo - dos autos resultou prova suficiente – de que a R./Recorrente não solicitou os bens dispostos nas faturas juntas pela A./Recorrida, cujos valores são peticionados nos presentes Autos.
TERMOS EM QUE, sempre com o douto suprimento de V. Excelências deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência: Ser revogada a douta sentença recorrida: Considerando como Procedentes às exceções Invocadas, por Provadas, Absolvendo a Ré. E, da matéria considerada como provada nos pontos 2, 3 e 4, sendo a mesma alterada para não provada, e considerados os pedidos da A./Recorrida como não procedentes.
*
A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:
a- se a decisão proferida na ata de audiência final de fls. 74 a 76, que conheceu da exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da relação jurídica controvertida que lhes foi submetida pela apelada, julgando essa exceção improcedente, padece de erro de direito;
b- se o despacho saneador, na parte em que se conheceu da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, julgando-a improcedente, padece de igual vício, isto é, de erro de direito;
c- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto nela julgada como provada nos pontos 2º, 3º e 4º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova dessa facticidade;
d- se na sequência da impugnação, com êxito, do julgamento de facto operado pela apelante, a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida, impondo-se a absolvição da apelada do pedido ou,
d.1- independentemente do êxito dessa impugnação do julgamento da matéria de facto, se essa sentença padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida quanto a juros, porquanto:
- o crédito de juros reclamado, vencidos há mais de cinco anos, à data da citação da apelante para os termos da presente ação, encontra-se prescrito;
- não são devidos juros comerciais, mas sim os civis.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1ª Instância considerou provada a seguinte facticidade:
1. A Autora dedica-se ao comércio de vestuário e pronto-a-vestir.
2. No exercício da sua atividade, em setembro de 2008, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, as peças de vestuário tituladas pelas faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7 juntas a fls. 44-60, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no montante global de € 11.684,56.
3. Apesar de as referidas peças terem sido entregues à Ré e de esta as ter feito suas para os fins que entendeu, tal montante não foi pago pela Ré, nem na data do vencimento das respetivas faturas nem posteriormente.
4. A Ré solicitou à Autora tais fornecimentos a título pessoal.
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E julgou como não provados os seguintes factos:
Nenhum dos restantes factos alegados com relevância para a decisão da causa resultou provado, nomeadamente que:
- a Ré destinou tais bens ao comércio de vestuário e pronto-a-vestir a que também se dedica;
- a Ré não comercializa qualquer tipo de vestuário no âmbito da atividade exercida em Angola pela sociedade X – Comércio Geral, Pesacas, Hotelaria e Turismo, Limitada, da qual é gerente;
- nas relações comerciais a Ré atua em representação da sita sociedade.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
B.1- Da exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica controvertida que lhe foi submetida a juízo.
Na sequência da junção aos autos pela apelada, após a realização da audiência prévia, das faturas de fls. 44 a 60, veio a apelante arguir a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica controvertida que lhe foi submetida pela apelada a julgamento, alegando que no requerimento injuntivo “a Autora alega, simplesmente que os materiais e trabalhos foram colocados à disposição, por conta da Ré, sendo que só, na presente data, foram efetivamente juntos os documentos – faturas – objeto da ação” e que “tendo em conta a causa de pedir articulada na p.i., no âmbito da qual a Autora alega a existência de uma relação contratual entre a mesma e a Ré e reclama o pagamento de quantias que esta, ao abrigo dessa relação, lhe deveria ter pago, in casu, a competência territorial é regulada no artigo 71º, n.º 1, 1ª parte do CPC”, pelo que resultando do teor dessas faturas que a Ré se encontra domiciliada em Angola, “não justificando a Autora/Requerente, o recurso aos Tribunais Portugueses, (…) ter-se-á por competente os Tribunais de jurisdição Angolana – neste caso – do local/cidade – sede da Ré, sendo territorialmente incompetente para os termos da mesma os Tribunais de Jurisdição Portuguesa”.
Debruçando-se sobre esta concreta exceção, considerou a 1ª Instância que “embora lhe chame incompetência territorial, resulta evidente que a Ré exceciona a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento da presente causa”, e conclui que não fora o disposto no art. 573º, n.º 2 do CPC, a invocação dessa exceção pela apelante seria intempestiva, uma vez que a mesma tinha de a ter deduzido em sede de contestação; no entanto, considerando que aquela a veio invocar, na véspera da audiência final, com o argumento de que só depois de notificada das faturas é que teve conhecimento de que o lugar do cumprimento da obrigação é o domicilio da Ré e que, em função do teor dessas faturas, esse domicílio se situa em Angola, acabou a 1ª Instância por, ao abrigo daquela dispositivo legal do n.º 2 do art. 573º do CPC, entrar na apreciação dessa exceção, fazendo-o à luz do quadro jurídico das normas do CPC, e conclui pela improcedência da mesma.
Insurge-se a apelante contra essa decisão imputando-lhe erro de direito, concluindo que a invocação da mencionada exceção em vésperas de audiência final é tempestiva, reafirmando que apenas com a junção aos autos pela apelada das faturas verificou que nos termos das mesmas, a própria apelante se encontrava domiciliada em Angola, que a invocada exceção é, inclusivamente, do conhecimento oficioso do tribunal, concluindo que “não justificando a A./Recorrida, o recurso aos Tribunais Portugueses, sem mais considerandos, por desnecessários, deveria ter-se aplicado aos presentes autos o estipulado no art. 71º, n.º1, primeira parte, o que expressamente a Recorrente invocou – exceção de incompetência territorial”.
Analisada esta alegação da apelante, que aliás, tinha sido aquela que a mesma já tinha invocado a fls. 71 a 73, em que veio invocar a exceção em análise, dir-se-á que a apelante confunde a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da relação jurídica controvertida que lhe foi submetida pela apelada a julgamento, com a exceção dilatório da incompetência territorial do Tribunal da Bragança para conhecer dessa mesma relação jurídica, posto que, por um lado, afirma e pede que se julgue a exceção que invoca “procedente por provada, pelo que para os presentes autos ter-se-á por competente os Tribunais de Jurisdição Angolana”, “sendo territorialmente incompetente para os termos da mesma, os Tribunais de Jurisdição Portuguesa” e, por outro, afirma que invoca a “exceção de incompetência territorial”, confusão essa em que reincide nas suas alegações de recurso, embora se esteja perante pressupostos processuais bem distintos, com finalidades bem distintas em que, inclusivamente, o pressuposto processual da competência (incompetência) internacional dos tribunais portugueses para conhecer da relação jurídica controvertida que lhe é submetida a julgamento é questão prévia ao pressuposto processual da competência territorial do concreto tribunal português em que a esta instaurou a ação, uma vez que o pressuposto da competência territorial tem a ver com a distribuição interna da competência jurisdicional dos tribunais portugueses entre eles em função do território, sabendo-se que essa competência jurisdicional interna dos tribunais portugueses está subdivida entre eles de acordo com vários critérios, um dos quais o território, abrangendo, por isso, a jurisdição de cada concreto tribunal nacional, os litígios que tenham determinados elementos de conexão com a fração do território português sobre a qual exercem jurisdição, o que naturalmente pressupõe que os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes para conhecer dessa relação jurídica controvertida.
Na verdade, conforme é bom de ver, pressuposto prévio à discussão sobre se a ação foi ou não proposta no tribunal com competência jurisdicional territorial interna para conhecer desse concreto litígio, coloca-se a questão de se saber se os tribunais portugueses em geral são ou não internacionalmente competentes para conhecer desse concreto litígio, ou se antes, essa competência internacional se encontra diferida aos tribunais de outro ou outros estados, que não o português.
Apenas uma vez concluído que seja que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer do litígio que lhe é submetido pelo autor é que naturalmente se passa à apreciação da competência interna, designadamente, em função do território, do tribunal português em que a ação foi intentada para conhecer desse concreto litígio, o que reafirma-se, já nada tem a ver com a divisão da jurisdição dos tribunais portugueses com a dos tribunais dos outros estados (competência internacional) mas com a divisão interna do poder jurisdicional dos tribunais portugueses entre eles.
Note-se que a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do litígio que lhe é submetido pelo autor, apenas se coloca quando esse concreto litígio seja plurilocalizado, isto é, apresente elementos de conexão com o estado português e, bem assim com outros estados, de modo que se torna necessário determinar quais os tribunais dos vários estados que mantêm conexões com esse litígio é o internacionalmente competente, sendo precisamente as normas sobre a competência internacional que cabe repartir o poder de julgar entre os tribunais das várias jurisdições com as quais o litígio tem contacto, determinando os fatores de conexão relevantes e, em função deles, determinar se os tribunais de alguma desses estados são competentes para resolver o conflito.
A competência internacional dos tribunais portugueses, conforme se escreve na decisão recorrida, é precisamente a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses, no seu conjunto, relativamente à fração do poder jurisdicional atribuída por leis nacionais estrangeiras ou tratados ou convenções internacionais, a tribunais estrangeiros sempre que o litígio seja transfronteiriço, isto é, quando apresente elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras(1).
Configurando a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de uma dada relação jurídica material que lhes é submetida, um pressuposto processual, isto é, uma das condições mínimas consideradas indispensáveis pela lei para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa, sem as quais não é consentido ao juiz entrar sequer na apreciação do mérito dessa causa, essa exceção dilatória tem de ser aferida atenta a forma como o autor configura subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) a relação jurídica controvertida que submete à apreciação do tribunal na petição inicial (2).
Por outro lado, conforme realça Teixeira de Sousa, em sede de regras relativas à competência internacional, a orientação dominante que vigora na ordem jurídica internacional, é que essa competência se afere pela lex fori, ou seja, é pela lei do estado onde a ação se encontra pendente que se há-de aferir da competência internacional do tribunal para conhecer desse concreto litígio, cabendo, por conseguinte, ao direito interno de cada estado regular a competência internacional dos seus próprios tribunais, determinando quais os fatores de conexão com o litígio que lhes é submetido que considera relevantes para efeitos de lhes atribuir competência internacional para conhecer do mesmo quando este seja plurilocalizado e sendo, por isso, a essas regras de direito interno que se impõe atender para efeitos de se saber se os tribunais desse estado são ou não internacionalmente competentes para conhecer do litígio que lhes é submetido (3).
Precise-se que de acordo com o CPC português, as regras atributivas da competência internacional dos tribunais portugueses encontram-se elencadas nos arts. 62º, 63º e 94º do CPC (art. 59º do mesmo Código) e que compulsado o art. 62º, verifica-se que entre os vários elementos de conexão atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses, conta-se o da al. a) desse preceito, onde se explana o critério da coincidência entre a competência internacional e a competência territorial.
De acordo com esse critério, os tribunais nacionais são internacionalmente competentes para conhecer do litígio que lhe é submetido pelo autor quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, fazendo, assim, este critério coincidir a competência internacional dos tribunais portugueses com a competência territorial, ou seja, se de acordo com as normas internas do CPC o tribunal português for territorialmente competente para conhecer do litígio que lhe é submetido, também são internacionalmente competentes os tribunais nacionais para conhecer desse concreto litígio.
Ora, conforme bem ponderou a 1ª Instância, a apelante ao invocar a exceção em análise e ao concluir o requerimento de fls. 71 a 73, pedindo que se julgue procedente por provada essa exceção (que suscita), devendo ter-se como “competentes os tribunais de jurisdição angolana – neste caso, do local/cidade – sede da Ré, sendo territorialmente incompetente para os termos da mesma, os tribunais de jurisdição portuguesa”, mais não faz que suscitar a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da relação jurídica controvertida que vem delineada subjetiva e objetivamente pela apelada no requerimento de injunção, o qual, neste tipo de ação especial, desempenha a função de petição inicial.
A apelante, com essa sua alegação não invoca a exceção da incompetência territorial do Tribunal de Bragança para conhecer desse concreto litígio, até porque, reafirma-se, antes de se passar à apreciação da competência interna, nomeadamente, a territorial, impõe-se averiguar da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer desse concreto litígio e só uma vez concluído que os tribunais portugueses são os internacionalmente competentes para dele conhecer é que se pode passar ao conhecimento da exceção dilatória da incompetência territorial do concreto tribunal em que a ação foi instaurada para conhecer desse concreto litígio.
Logo, salvo o devido respeito por entendimento contrário, com aquela sua alegação, a apelante não visou colocar, sequer colocou, em causa a competência interna, nomeadamente, a competência territorial do Tribunal da Bragança para conhecer do litígio que lhe foi submetido pela apelada a julgamento, mas o que questiona exclusivamente é da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer desse concreto litígio, pugnando que essa competência internacional pertence aos tribunais angolanos, interpretação esta que foi a feita pela 1ª Instância quanto à alegação da apelante vertida no seu requerimento de fls.72 a 73 e que aqui se subscreve.
Posto isto, a 1ª Instância considerou que tendo a exceção da incompetência internacional de ser suscitada pela apelante em sede de contestação, o que não aconteceu no caso, e tendo apenas esta invocada essa concreta exceção já após a audiência prévia, em vésperas da data designada para a realização da audiência final, que a arguição dessa exceção seria extemporânea.
Porém, continua aquele tribunal, tendo a apelante alegado que apenas teve conhecimento de que o “lugar do cumprimento da obrigação” é o do seu domicílio na sequência da notificação das faturas de fls. 44 a 60, valendo-se do disposto no art. 573º, n.º 2 do CPC, o tribunal a quo acabou por entrar no conhecimento dessa exceção e apreciou-a exclusivamente à luz das regras do CPC, o que não se subscreve integralmente, pelo menos, pela forma linear e simplista como essa apreciação foi realizada pela 1ª Instância.
Vejamos:
A exceção da incompetência dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica controvertida que lhes é submetida pelo autor a julgamento, configura uma exceção dilatória, que determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 96º, al. a) do CPC).
Regra geral, conforme bem diz a 1ª Instância, as exceções têm de ser deduzidas na contestação pelo réu, sob pena de ficar precludido o direito deste de as poder arguir em momento processual posterior (art. 572º, al. c) e 573º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
No entanto, essa regra geral comporta duas exceções taxativamente enunciadas no n.º 2 do art. 573º, a saber: a) se a exceção for superveniente, isto é, se os factos essenciais em que aquela exceção se baseia (art. 5º, n.º 1 do CPC) ocorrerem historicamente após a apresentação da contestação (caso de superveniência objetiva) ou apesar de terem ocorrido anteriormente, esses factos essenciais constitutivos da exceção em causa, por razões não imputáveis ao réu, eram dele desconhecidos, à data da apresentação da contestação (caso de superveniência subjetiva); e b) as situações em que a lei permite expressamente ao réu que após a contestação invoque a exceção em causa ou que o tribunal dela conheça oficiosamente.
Dir-se-á que a exceção da incompetência absoluta dos tribunais portugueses para conhecer da relação jurídica controvertida que lhe é submetida, atenta a gravidade da exceção em causa, pode ser arguida, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 97º do CPC, pelo réu em qualquer momento, até ao trânsito em julgado da sentença proferida sobre o fundo da causa, exceto se essa incompetência decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, podendo igualmente o tribunal dela conhecer oficiosamente até ao trânsito em julgado dessa sentença de mérito.
Estamos aqui claramente perante um dos casos excecionais previstos na lei processual civil em que esta admite expressamente às partes que invoquem a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses após a apresentação da contestação e até ao trânsito em julgado da sentença que conheça do mérito da causa e em que admite também ao tribunal que conheça oficiosamente dessa exceção após a prolação do despacho saneador e, inclusivamente, após a prolação da sentença que conheça do mérito da causa, enquanto esta não transitar em julgado.
Destarte, a exceção da incompetência absoluta do tribunal para conhecer do litígio que lhe é submetido, em que se insere a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do litígio que lhe foi submetido pelo apelado, com exceção dos casos em que a incompetência decorra da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário (n.º 1 do art. 523º) ou de violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais (n.º 2 do mesmo art. 523º), exceções essas que não estão indiscutivelmente em discussão nos presentes autos, onde apenas se discute a exceção da incompetência dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio, podia (e pode) ser suscitada pela apelante (ré) após a apresentação da contestação e, inclusivamente, até ao trânsito em julgado da sentença de mérito a proferir nos presentes autos, podendo, aliás, ser suscitada, pela primeira vez pela apelante em sede de recurso e, inclusivamente, após a prolação do acórdão a proferir no âmbito da presente apelação, enquanto este aresto não transitar em julgado, assim, como essa exceção é do conhecimento oficioso do tribunal até esse trânsito da decisão de mérito (4).
Significa isto que independentemente daquela que é a posição da apelante e que parece ser a posição do tribunal a quo, a exceção em causa podia ser invocada pela primeira e, bem assim assistia ao tribunal o poder-dever de dela conhecer oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão de mérito a proferir no âmbito dos presentes autos e isto independentemente da junção pela apelada das faturas de fls. 44 a 60, do teor dessas faturas e/ou das razões invocadas pela apelante para só ter vindo invocar essa exceção na sequência da junção dessas faturas aos autos (pretenso desconhecimento do lugar do cumprimento, de que só alegadamente tomou conhecimento com essa junção), já após a realização da audiência prévia, em vésperas da audiência final.
Reafirma-se, a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do litígio que a apelada lhe submeteu, delineando-o subjetiva e objetivamente na petição inicial, como exceção determinativa da incompetência absoluta do tribunal que é, pode ser arguida pelas partes e pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal até ao trânsito em julgado da sentença de mérito a proferir no âmbito dos presentes autos.
Logo, independentemente da junção aos autos das faturas de fls. 44 a 60, do teor dessas faturas e do pretenso desconhecimento invocado pela apelante quanto ao local em que teria de cumprir a obrigação do pagamento do preço que a apelada dela reclama nos presentes autos, a invocação da exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio submetido pela apelada a julgamento, foi tempestivamente arguida.
Acresce que o tribunal a quo, contrariamente ao que refere na decisão sob sindicância, antes da invocação dessa exceção pela apelante não se tinha pronunciado concretamente quanto à mesma, dado que o despacho saneador que proferiu quanto a essa questão limitou-se a declarar genericamente que “O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia” – cfr. fls. 39 verso -, sem que se tivesse debruçado, concreta e especificamente, sobre essa exceção e sem que tivesse, por isso, emitido pronuncia expressa e concreta sobre a mesma, sendo meramente tabular e não operando, por isso, caso julgado (n.º 3 do art. 594º do CPC).
Esclarecidos que estão os enunciados equívoco em que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, incorreram as partes (e em que reincidem nas suas alegações e contra-alegações de recurso) e, bem assim, o tribunal a quo, urge verificar se essa exceção carece de ser apreciada à luz das regras internas que regulam a competência internacional dos tribunais portugueses que se encontram enunciadas no CPC, tal como sustentam as partes acontecer e foi apreciado pela 1ª Instância, que se limitou a aplicar as normas do CPC na apreciação que fez dessa exceção, ou se essa exceção carece de ser apreciado à luz de legislação supranacional.
A este respeito, cumpre referir que embora em sede de regras relativas à competência internacional, a orientação dominante que vigora na ordem jurídica internacional seja a de que essa competência se afere pela lex fori, devendo, em caso de litígio plurilocalizado, para efeitos de se aferir dessa competência internacional do tribunal onde a ação foi instaurada, atender-se às regras de direito interno que fixam a competência internacional dos tribunais do estado em que a ação foi instaurada, (5) essa regra sofre as exceções que decorram de instrumentos internacionais a que o estado se auto vinculou (n.º 3 do art. 8º da CRP) ou as que decorram de atos legislativos supranacionais que o estado considera serem, direta e imediatamente, aplicáveis na sua ordem jurídica, como é o caso português, em relação às disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências (n.º 4 daquela art. 8º, n.º 4 da CRP).
Com efeito, sendo as normas que determinam a competência internacional dos tribunais de cada estado, normas de direito interno, fixadas unilateralmente por cada estado, compreende-se que estas, por um lado, não possam condicionar a competência internacional dos tribunais dos restantes estados (sujeitos às normas sobre competência internacional fixadas pelo seu próprio estado) e, por outro, que existindo direito supranacional imediatamente aplicável na ordem jurídica interna onde a ação foi intentada ou que derivem de convenções internacionais que o estado onde essa ação foi instaurada ratificou e a que auto se vinculou, que fixem um regime jurídico distinto do estabelecido no seu direito interno em sede de competência internacional, que essas normas supranacionais se sobreponham ao direito interno.
É assim que em consonância com o que se acaba de referir que o n.º 1 do art. 59º do CPC estabelece que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competente quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62º e 63º ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do art. 94º”.
Deste modo, nos termos dos arts. 8º, n.ºs 3 e 4 da CRP e 59º, n.º 1 do CPC, sempre que exista um litígio plurilocalizado, a fim de se aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer desse concreto conflito, impõe-se verificar se existem regulamentos europeus ou instrumentos internacionais convencionais a que o estado português se auto vinculou, que sejam aplicáveis, e que estabeleçam regras de competência internacional distintas das do direito interno, uma vez que caso estas sejam existentes, as mesmas prevalecem sobre o direito interno, isto é, sobre as normas dos arts. 62º, 63º e 94º do CPC (6).
Como referido, para que exista um problema de competência internacional para conhecer do concreto litígio que é submetido a julgamento pelo autor, é necessário que esse litígio seja plurilocalizado, ou seja, que de acordo com a relação jurídica controvertida configurada subjetiva e objetivamente pelo autor na petição inicial, este tenha pontos de conexão com vários Estados, como é o caso da presente ação, intentada pela apelada num tribunal nacional.
Na verdade, Portugal é membro da União Europeia.
Por sua vez, a apelada (Autora) tem a sua sede em Portugal (cfr. requerimento de injunção de fls. 2).
A apelada, no requerimento de injunção, alega ter celebrado o contrato de compra e venda alegadamente incumprido pela apelante (Ré), sem que discrime, nesse requerimento, o local em que celebrou esse contrato, sequer onde, em função desse contrato devia entregar e entregou à apelante a mercadoria vendida, sequer, ainda, o local em que esta ficou de lhe pagar a obrigação alegadamente incumprida de pagamento do preço.
No requerimento de injunção a apelada indica a apelante como residindo em Portugal (fls. 2).
No entanto, uma vez frustrada a citação da apelante na morada indicada pela apelada na petição inicial, sita em Portugal, na sequência das diligências encetadas para se apurar do paradeiro desta, no ofício de fls. 15, a PSP informou que a apelante se deslocou “há cerca de quinze anos, para Luanda, Angola, desconhecendo a sua morada naquele país”.
Esta informação da PSP não foi impugnada pela apelada, que antes requereu que se procedesse à citação edital da apelante.
Por sua vez, citada editalmente a apelante, esta veio apresentar contestação, onde se identifica como residente na Rua …, Luanda (cfr. fls. 24 verso).
Esta é igualmente a residência da apelante que figura na procuração que a mesma outorgou à sua mandatária (cfr. fls. 28).
A apelante figura igualmente como sendo residente em Angola no cartão de cidadão emitido pelo estado angolano e cuja fotocópia se encontra junta aos autos a fls. 29.
Todos os identificados documentos não foram impugnados pela apelada.
Logo, é indiscutível que a apelante, à data da instauração da presente ação, residia em Angola e que, consequentemente, o presente litígio é plurilocalizado, uma vez que tem pontos de conexão, pelo menos, com o estado português, local onde se situa a sede da apelada e, bem assim, com o estado angolano, local onde se situa a residência da ré à data da instauração da presente ação.
Neste contexto, urge indagar da aplicação aos autos do regime jurídico do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento e do Conselho de 12 de dezembro, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial.
Na verdade, conforme decorre do art. 81º desse diploma, o regime jurídico supranacional que consagra é imediatamente aplicável na ordem jurídica nacional (art. 8º, n.º 4 da CRP), a partir de 10 de janeiro de 2015, com exceção dos seus arts. 75º e 76º, que se aplicam a partir de 10 de janeiro de 2014, sendo, por isso, vigorante, em 04/08/2017, data em que a apelada instaurou a presente ação, dando entrada em juízo do requerimento de injunção de fls. 2.
Por outro lado, com exceção das matérias elencadas no n.º 2 do seu art. 1º e, bem assim de matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas e as relativas à responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado, matérias estas que não se encontram manifestamente em discussão nos presentes autos, o n.º 1 do art. 1º do Regulamento, declara que o seu regime jurídico é aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição.
Destarte, sendo o pressuposto da competência internacional dos tribunais portugueses aferidos pela relação jurídica controvertida tal como a apelada a configura na petição inicial, e visando nela esta exercer o seu pretenso direito ao preço da mercadoria pretensamente vendida à Ré com fundamento no instituto da responsabilidade civil contratual, decorrente do incumprimento do contrato de compra e venda que sustenta ter celebrado com a última, ao não lhe pagar o preço da mercadoria que lhe vendeu, é indiscutível que o presente litígio não só é plurilocalizado, como versa sobre matéria eminentemente civil e que, por isso, esse concreto litígio é suscetível de ficar sujeito ao regime jurídico previsto no identificado Regulamento, vigente à data da instauração da presente ação.
Posto isto, conforme resulta dos considerandos exarados no Regulamento n.º 1215/2012, mediante a consagração do regime jurídico nele consagrado, foi propósito assumido pelo legislador comunitário “manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça” dentro do espaço territorial da União Europeia, “nomeadamente facilitando o acesso à justiça” e eliminado nele as “disparidades das regras nacionais em matéria de competência e de reconhecimento de decisões judiciais” que “dificultam o bom funcionamento do mercado interno”, para cuja concretização considera indispensável a adoção de “disposições destinadas a unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial”, concluindo que “para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária (…) sejam determinadas por um instrumento legal da União vinculativo e diretamente aplicável” (considerando 3 e 4 do Reg.).
Na concretização desse seu desiderato, em sede de regras de conflito de jurisdição, considerou o legislador comunitário que “deverá haver uma ligação entre os processos a que o presente regulamento se aplica e o território dos Estados-Membros. Devem, portanto, aplicar-se, em princípio, as regras comuns em matéria de competência sempre que o requerido esteja domiciliado no território do Estado-Membro”, as quais devem “apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido”, devendo os tribunais “estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria do litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão inerente … (considerandos 13 e 15 do Regul. – sublinhado nosso).
Especificando quais sejam essas situações “bem definidas em que a matéria do litígio” justifica o afastamento da regra geral do domicílio do demandado, no considerando 16, lê-se que: “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça”, esclarecendo que “a existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele”.
Em consonância com os identificados considerandos e explanando-os em letra de lei, dispõem os preceitos legais que se passam a transcrever, o seguinte:
Art. 4º
“1- Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
2- As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado-Membro em que estão domiciliadas ficam sujeitas, nesse Estado-Membro, às regras de competência aplicáveis aos nacionais”.
Art. 5º
“1- As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas Secções 2 a 7 do presente capítulo”.
Art. 7º
“1- As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
a- Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou devia ser cumprida a obrigação em questão.
b- Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento em questão será:
- no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens forem ou devam ser entregues.
Art. 62º
“1- Para determinar se uma parte tem domicílio no Estado-Membro a cujos tribunais é submetida a questão, o juiz aplica a sua lei interna”.
Resulta linearmente das disposições legais que se acabam de transcrever que o princípio geral vigente em sede de Regulamento é o de que a competência internacional tem por base o domicílio do requerido, ou seja, no caso, da apelante (ré), independentemente da nacionalidade desta.
Este critério geral tem por escopo, segundo Dário Moura Vicente, poupar o réu às dificuldades inerentes à condução da sua defesa perante um tribunal estrangeiro (7).
Trata-se, por conseguinte, da conjugação do princípio actur sequitur forum rei, o qual visa assegurar a proteção legal das pessoas domiciliadas na União Europeia.
De acordo com o enunciado princípio geral, ainda que as partes tenham nacionalidade extra união europeia e mesmo que os factos que integram a causa de pedir que suporta o pedido formulado pela demandante na petição inicial tenham ocorrido fora do território da União Europeia, os tribunais dos Estados-Membros da União, mais concretamente, os tribunais do Estado-Membro em que a demandada se encontre domiciliada na data da propositura da ação, é internacionalmente competente para conhecer do litígio.
À luz do princípio da perpetuatio fori, vigente igualmente na ordem jurídica interna (art. 260º do CPC), aquilo que releva para o legislador comunitário é, pois, o domicílio da ré (apelante), à data da propositura da ação, sendo este o elemento de conexão geral atributivo da competência internacional aos tribunais nacionais que se situem dentro do território da União Europeia, sendo irrelevantes quaisquer alterações posteriores do domicílio desta (8).
Desde que a ré tenha o seu domicílio, à data da propositura da ação, dentro de um estado que integra a União Europeia, ainda que seja uma cidadã cuja nacionalidade seja extra comunitária e, reafirma-se, ainda que os factos que integrem a causa de pedir que a autora alegou para suportar a sua pretensão de tutela judiciária (pedido) tenham ocorrido fora do território da União, os tribunais do Estado-Membro onde a ré se encontra domiciliada são internacionalmente competentes para conhecer desse concreto litígio.
Note-se que este critério geral eleito pelo legislador comunitário como elemento de conexão relevante e geral para atribuir a competência internacional aos tribunais dos Estados-Membros da União Europeia visa proteger os cidadãos que residam no território da União e assume tal importância ao ponto do legislador comunitário, no considerando 11, enunciar que os tribunais do domicílio da ré devem “estar sempre disponíveis”, exceto em alguns casos “bem definidos”, “em que a matéria do litígio ou a autonomia das partes” justificam o recurso a outro critério de conexão (9).
Esses outros elementos de conexão alternativos e especais em relação ao critério geral são exclusivamente – “só” – os que se encontram enunciados nas Secções 2 a 7 do Regulamento (art. 5º, n.º 1), que uma vez percorridos, não têm manifestamente aplicação ao caso em apreço, com exceção do elencado no n.º 1, als. a) e b) do art. 7º.
De acordo com este critério especial previsto no art. 7º, n.º 1, als. a) e b) do Regulamento, confere-se igualmente competência internacional aos tribunais de outro Estado Membro da União Europeia, em matéria contratual, em que se situe o lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, compreendendo-se para esse efeito, salvo convenção em contrário, no caso de venda de bens, o lugar situado no Estado Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
Significa isto que, em matéria contratual, nos termos do Regulamento, a ação pode ser proposta, à escolha da autora/demandante, tanto no Estado-Membro em que a ré tenha o seu domicílio (critério geral) ou no Estado-Membro que, nos termos do contrato de compra e venda celebrado, os bens foram ou devam ser entregues (critério especial).
Ora, no caso dos autos, nenhum dos enunciados critérios (geral e especial) atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses previstos no Regulamento se encontram preenchidos, uma vez que à data da instauração da presente ação, a demandada/apelante não tinha residência num Estado Membro da União Europeia, designadamente, em Portugal, na medida em que residia em Angola, estado este que não faz parte da União Europeia, pelo que não se verifica o enunciado critério geral, e a apelada (Autora), não alegou sequer que, nos termos do contrato de compra e venda pretensamente celebrado com a apelante (Ré) os bens vendidos foram ou deviam ser entregues num Estado Membro da União Europeia, nomeadamente em Portugal, sendo o requerimento de injunção absolutamente omisso quanto à ausência de qualquer alegação sobre o local onde, de acordo com o contrato, os bens alegadamente vendidos por si à apelante, foram ou deviam ser entregues, pelo que também não se verifica o critério especial.
Note-se, porém, que nos casos em que não se verifique nenhum dos enunciados critérios de conexão eleitos pelo legislador comunitário para conferir competência internacional aos tribunais dos Estados Membros para conhecer do litígio que lhes seja submetido, o Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12/12, não é aplicável, restando verificar se o tribunal do Estado-Membro onde a ação foi proposta é internacionalmente competente para conhecer desse concreto litígio à luz do seu direito interno, isto é, no caso português, das normas elencadas nos arts. 62º, 63º e 94º do CPC.
Na verdade, condição à aplicação do regime jurídico previsto no Regulamento é que a apelante (ré) tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia ou que se verifique um dos elementos de conexão especiais previstos no Regulamento na sua Secção 2 a 7 (10).
Quando tal não aconteça, o Regulamento n.º 1215/2012, não se mostra aplicável, pelo que a competência internacional dos tribunais do estado em que a ação foi instaurada carece de ser aferida à luz do direito interno desse estado.
Neste sentido pronuncia-se Marco Carvalho Gonçalves (11), onde a fls. 420, escreve que “O âmbito de aplicação do Regulamento n.º 1215/2012 é delimitado em função do preenchimento cumulativo de três critérios, referentes, respetivamente, ao tempo, ao objeto e aos sujeitos”.
Debruçando-se sobre o critério dos sujeitos, o mesmo autor postula, a fls. 423 a 426, que o “Regulamento n.º 1215/2012 estabelece, como critério geral de competência, o domicílio do réu (…). Assim, se o réu tiver o seu domicílio ou sede num dos Estados-Membros da União Europeia este deve ser demandado, independentemente da sua nacionalidade, junto dos tribunais desse Estado-Membro (art. 4º, n.º 1) (…). À luz do princípio da perpetuio fori, aquilo que releva é que o réu se encontre domiciliado no território da União Europeia no momento quem a ação é proposta (…). Se o réu não tiver o seu domicílio ou sede num Estado-Membro da União Europeia, em princípio o Regulamento n.º 1215/2012 não pode ser aplicado, atenta a circunstância de não se encontrar preenchido o seu âmbito subjetivo. Nessa eventualidade a competência internacional para o conhecimento do litígio será definida pela lei interna do Estado no qual foi proposta a ação. No caso português, a competência internacional será regulada pelo disposto nos arts 62º, 63º ou 94º do CPC” (sublinhado nosso).
Assente nestas premissas, como já enunciado, a apelante (ré) encontra-se domiciliada em Angola, pelo que não se verifica o critério geral de aplicação do Regulamento.
A apelada não alegou, na petição inicial (requerimento de injunção de fls. 2), qual o local em que os bens objeto do contrato de compra e venda pretensamente celebrado com a apelante, foram, ou deviam ser entregues, nos termos desse contrato, pelo que também não é possível concluir estar preenchido o critério especial previsto no art. 7º, n.º1, als. a) e b) do Regulamento, nomeadamente, que esse local se situe em Portugal.
Aqui chegados, impera concluir que o Regulamento (EU) n.º 1215/2012, não é aplicável à relação jurídica litigiosa submetida pela apelada aos tribunais portugueses sobre que versam os presentes autos.
Resta verificar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer do presente litígio à luz das regras de competência internacional internas, fixadas no CPC.
O art. 94º do CPC, rege sobre as situações em que as partes tenham celebrado um pacto privativo e atributivo de jurisdição, o que não é o caso dos autos.
Por sua vez, o art. 63º do mesmo Código estabelece os casos em que os tribunais portugueses são os exclusivamente internacionalmente competentes para conhecer do litígio, sendo indiscutível que o presente litígio não se subsume a nenhuma das alíneas previstas neste preceito.
Deriva do que se vem dizendo, que a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio que lhes foi submetido pela apelada apenas pode derivar dos critérios atributivos dessa competência que se encontram elencados no art. 62º do CPC.
Neste preceito, que corresponde ao art. 65º do CPC de 1961, são enunciados três critérios de atribuição da competência internacional com origem legal aos tribunais portugueses, habitualmente designados por critério da coincidência (al. a)), da causalidade (alínea b)) e da necessidade (alínea c)).
Pelo critério da coincidência, quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer desse concreto litígio (al. a) do art. 62º).
De acordo com este critério, se de acordo com as normas internas portuguesas, o tribunal nacional for competente, em razão do território, para conhecer do litígio, também o será internacionalmente competente para dele conhecer, acabando, assim, a normas internas que fixam a competência, em função do território, por desempenhar uma dupla função, ao determinarem, por um lado, de entre os tribunais nacionais, qual o tribunal territorialmente competente para conhecer do concreto litígio submetido pelo autor a julgamento (competência territorial) e, em simultâneo, por lhe assegurar a competência internacional para conhecer desse concreto litígio.
As normas que regulam a competência territorial interna entre os diversos tribunais nacionais, encontram-se elencadas nos arts. 70º a 90º do CPC, sendo a aplicável aos autos, em que a apelada pretende obter a condenação da apelante a pagar-lhe o preço da mercadoria que alvitra ter vendido à última, com fundamento no alegado incumprimento por parte desta do contrato de compra e venda que diz ter celebrado com a mesma, a do n.º 1 do art. 71º do CPC, nos termos da qual a ação “é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumpria, quando o réu seja pessoa coletiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.
Aplicando os enunciados critérios atributivos de competência territorial (interna), dir-se-á que no caso, o Tribunal Judicial de Bragança, onde a presente ação foi instaurada, não dispõe de competência territorial (e, consequentemente, pelo critério da coincidência, também lhe falece, à luz desse critério, competência internacional para conhecer do presente litígio), uma vez que o domicílio da ré (apelante) não se situa na área territorial de competência do Tribunal Judicial de Bragança, mas antes em Angola.
Acresce que também lhe falece essa competência quando se atende aos critérios especais daquele n.º 1 do art. 71º do CPC, que confere à autora (apelada) o direito a optar pelo tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa coletiva (o que não é o caso), ou quando, situando-se o domicílio da autora na área metropolitana de Lisboa e do Porto (o que também não é o caso, dado que Bragança não faz parte das áreas metropolitanas de Lisboa ou do Porto), o domicílio da Ré se situe na mesma área metropolitana (o que também não é o caso, dado que o domicilio desta se situa em Angola).
Tal significa que pelo critério da coincidência elencado na al. a) do art. 62º do CPC, falece competência internacional aos tribunais nacionais para conhecerem do presente litígio.
Passando ao critério da necessidade, previsto na al. c) daquele art. 62º, mediante este alarga-se, a título excecional, a competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efetivar por meio de ação proposta em território português ou quando seja apreciavelmente difícil para o autor a propositura da ação no estrangeiro e desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa exista um elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
O critério em análise visa prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações com claro recorte objetivo de denegação de justiça, quer os decorrentes de impossibilidade absoluta, quer os de impossibilidade relativa, ou de dificuldade em tornar efetivo o direito por meio de ação instaurada em tribunal estrangeiro.
Essa dificuldade “tem se ser manifesta: a oneração do autor com a propositura da ação no estrangeiro tem como limite a razoabilidade do sacrifício que lhe é exigido, à luz do princípio da boa fé” e “em qualquer das duas categorias de situações, a impossibilidade (absoluta ou relativa) tanto pode ser jurídica como de facto ou material. Verifica-se a primeira hipótese quando nenhuma das jurisdições com as quais o caso se encontra conexo se considera competente para o conhecimento da ação ou quando a jurisdição estrangeira não reconhece, em abstrato, o direito carecido de tutela”, como é o caso de portugueses residentes em país estrangeiro que não conheça o divórcio e que por isso instauram a respetiva ação em Portugal, e “na segunda hipótese incluem-se tradicionalmente as situações de guerra ou de ausência de relações diplomáticas” (12).
Note-se que este alargamento excecional da competência internacional dos tribunais para conhecerem do litígio que lhes é submetido, decorrente do princípio da necessidade, por impossibilidade absoluta ou relativa do autor de instaurar essa ação no tribunal estrangeiro, depende ainda da verificação de um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real, entre o litígio e a ordem jurídica portuguesa, visando este requisito evitar a conversão do critério da necessidade numa lição de altruísmo judiciário por parte dos tribunais portugueses.
No caso, dir-se-á que não existe possibilidade absoluta da apelada de instaurar a presente ação nos tribunais angolanos, local onde, à data da instauração da presente ação, a apelante (ré) tinha o seu domicílio, uma vez que o Estado Angolano dispõe de tribunais e o respetivo ordenamento jurídico sanciona o alegado incumprimento do contrato de compra e venda celebrado em que a apelada estriba o seu pedido.
Igualmente não existe qualquer impossibilidade relativa da apelada de instaurar essa ação junto dos tribunais do Estado Angolano, quando se verifica que já à data em que a apelada entregou a pretensa mercadoria vendida, a apelante já residia em Angola, tanto assim que nas faturas de fls. 44 a 60, consta a apelante como residindo em Angola.
Logo, quando a apelada alegadamente celebrou o contrato de compra e venda e expediu a mercadoria objeto dessa compra e venda, já tinha perfeito conhecimento que a apelante residia em Angola e que, em caso de incumprimento desse contrato por parte da última, teria de instaurar a presente ação junto dos tribunais angolanos, sem que tal tivesse sido entrave à celebração do enunciado contrato, sequer à entrega da mercadoria objeto do mesmo, que sabia destinar-se a Angola, onde a apelante residia, e sem que esse facto tivesse sido fator para a celebração entre elas de um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais portugueses em caso de incumprimento do alegado contrato de compra e venda celebrado.
Destarte, não se sufraga o entendimento subscrito pela 1ª Instância na decisão recorrida, quando nela se escreve que “…dadas as circunstâncias em que prepondera, por um lado, a sede da Autora em Portugal e consequente dificuldade de acesso à justiça angolana e, por outro, a facilidade com que a Ré se movimentará em Portugal, sempre a competência seria de atribuir ao tribunal português nos termos da segunda parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 62º do CPC (…).
Resta verificar se se verifica o fator atributivo de competência internacional aos tribunais portugueses que decorre do critério da causalidade previsto na al. b) do art. 62º do CPC, nos termos do qual os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram, tenha sido praticado em território português.
Este critério tem aplicação nos casos de causa de pedir complexa, constituída por uma pluralidade de atos ou factos jurídicos, e nele consagra-se a orientação que já antes do DL n.º 329-A/95, era dominante na doutrina e na jurisprudência e que foi adotada no assento n.º 6/94, publicado no DR de 30/03/94, em que estava em causa a responsabilidade civil extracontratual cuja conexão com o território nacional se limitava à celebração dum contrato de seguro. A consagração do critério da causalidade e o consequente reconhecimento de competência internacional para conhecer desse litígio era impedir a denegação da competência internacional aos tribunais portugueses sempre que um só dos factos por mínimo que fosse, tivesse ocorrido em território estrangeiro (13).
Note-se que mediante o enunciado critério da causalidade, o aresto do STJ de 30/13/2013 (14, julgou bastar a passagem em Portugal de procuração para atos de administração a praticar no estrangeiros para os tribunais portugueses serem internacionalmente competentes para a ação de prestação de contas.
No caso, a apelada, não alegou, em sede de petição inicial, o local onde foi celebrado o contrato de compra e venda, sequer o local ou locais em que, em função desse contrato, a mercadoria vendida devia ser entregue à apelante, sequer o local onde esta tinha de lhe pagar o preço.
No entanto, como bem realça a 1ª Instância, compulsadas as faturas juntas aos autos a fls. 44 a 60, respeitantes à mercadoria vendida em virtude do contrato de compra e venda pretensamente celebrado com a apelante e em cuja celebração e incumprimento pela última a apelada ancora a causa de pedir que serve de base ou de fundamento ao pedido que formula contra a última, nessas faturas lê-se que a mercadoria nelas discriminada foi carregada – “Local de Carga” – na “Nossa Morada” -, isto é, na morada da apelada, que se encontra identificada nas faturas em referência (cfr. fls. 50 verso, quanto à fatura n.º 4; fls. 53 verso, quanto à n.º 5; fls. 57, quanto à n.º 6; e fls. 60, quanto à n.º 7).
Por sua vez, lê-se nessas faturas que a morada da apelada que nelas é mencionada se situa na Avenida … Bragança.
Por conseguinte, a mercadoria objeto do contrato de compra e venda, em cuja celebração e respetivo incumprimento a apelada ancora o seu pedido e que, por isso, consubstancia a respetiva causa de pedir que a mesma alega em sede de petição inicial, para suportar o pedido que aí formula, foi carregada em Portugal, mais concretamente, na Avenida … Bragança.
Destarte, os factos que consubstanciam, em parte, a causa de pedir que serve de suporte à pretensão de tutela judiciária deduzida pela apelada contra a apelante nos presentes autos, ocorreram em Portugal.
Nestas circunstâncias, tal como entendeu a 1ª Instância, por força do critério da causalidade consagrado na al. b), do art. 62º do CPC, os tribunais nacionais são internacionalmente competentes para conhecerem do litígio sobre que versam os presentes autos.
Precise-se que ao que se acaba de concluir não obsta a circunstância de, no requerimento de fls. 71 a 73, em que a apelante pronunciou-se quanto às faturas juntas pela aos autos pela apelada a fls. 44 a 60 e veio arguir, pela primeira vez, a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio, com o argumento de que, nos termos do n.º 1 do art. 71º do CPC, “para a tipologia de ação in casu, destinada a exigir o cumprimento de obrigações por falta de cumprimento”, é competente o “tribunal do domicílio do réu” e que “das faturas apresentadas resultar – o lugar do cumprimento da obrigação – é a sede/residência da Ré”, que se situa em Angola, tenha sustentado que “por mera hipótese académica – em caso de improcedência da exceção – vão os mesmos impugnados”, posto que essa forma de impugnação daqueles documentos, ou seja, só para o caso da exceção em causa vir a improceder (posto que, de contrário, a apelante não impugna as faturas em causa, tendo-as como boas e certas), é totalmente contrária aos princípios da boa fé e, por isso, inadmissível.
Com efeito, não se pode ter como processualmente admissível que a apelante aceite o teor das faturas juntas aos autos pela apelada a fls. 44 a 60 no caso de procedência da exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecer do presente litígio, isto é, para o caso do teor dessas faturas lhe ser favorável, mas que já possa pretender impugnar o teor das mesmas no caso dessa exceção vir a improceder.
A apelante impugna ou não impugna as faturas em causa, não podendo pretender não impugná-las para uns efeitos – quando o respetivo teor lhe seja favorável -, mas, em simultâneo, pretender impugná-las para o caso de improcedência daquela exceção e, por conseguinte, caso o teor das mesmas lhe seja desfavorável ou se mostre imprestável para os seus interesses.
Acresce dizer que independentemente do que se acaba de referir, configurando a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio uma exceção dilatória, nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1, 96º, al. a), 97º, 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. a) do CPC e 342º, n.º 2 do CC, tendo essa exceção, no caso, sido invocada pela apelante (ré), o ónus da alegação dos factos essenciais integrativos dessa exceção e, bem assim, o ónus da prova desses factos essenciais, impendia sobre a apelante, ou seja, é sobre a apelante (e não sobre a apelada) que impende o ónus da alegação e da prova dos factos essenciais em que baseia a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio.
Esse ónus de alegação que impende sobre a apelante não se compadece com a mera impugnação pela mesma do teor das faturas juntas aos autos a fls. 44 a 60, já que para proceder essa exceção, para além daquela ter de impugnar o teor dessas faturas (como fez, embora pela forma enviesada e lesiva da boa fé que atrás se referiu), teria de fazer prova que, contrariamente ao que consta dessas faturas, a mercadoria nelas descriminada, não foi carregada nas instalações da apelada (Autora), sitas na Av. … Bragança, sequer noutro ponto do território nacional, posto que só assim poderia afastar a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio que o princípio da causalidade lhes reconhece, ónus da prova esse que ficou por fazer, a qual, reafirma-se, nada alegou nesta sede, limitando-se a invocar a exceção em causa, a impugnar pela forma enviesada e lesiva da boa fé o teor dessas faturas naquilo que não lhe interessa, isto é, no caso de improcedência da exceção que invoca e sem cuidar em alegar quaisquer factos que não fosse a circunstância da residência daquela se situar em Angola (facto esse insuficiente para fazer proceder a exceção em causa).
Aqui chegados, impõe-se concluir que a decisão recorrida, que julgou improcedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio, não padece dos erros de direito que a apelante lhe assaca, impondo-se, embora por razões não totalmente coincidentes das sufragadas pela 1ª Instância, confirmar essa decisão.
Termos em que na improcedência dos enunciados fundamentos de recurso, confirma-se a decisão sob sindicância, que julgou improcedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem do presente litígio.
B.2- Da exceção dilatória da ilegitimidade passiva
A apelante imputa erro de direito à decisão proferida em sede de despacho saneador, em que se conheceu da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, julgando-a improcedente, pugnando que tal como já sustentara na contestação, a versão dos factos alegada pela Autora não é verdadeira, na medida em que aquela “nunca comercializou qualquer tipo de vestuário na sociedade comercial da qual assume a gerência – em Angola - (…) que não tem qualquer amplitude em Portugal (objeto comercial – pesca e hotelaria”, acrescentado que “ainda que do objeto comercial fossem admissíveis tais atos de comércio (…), não poderia a aqui recorrente, enquanto pessoa jurídica a demandar, mas antes a identificada sociedade da qual a recorrente assume o cargo de gerência. Não podia o douto tribunal recorrido, sobre eventuais atos de comercialização da dita sociedade – responsabilizar a aqui recorrente”.
Analisada esta argumentação da apelante, que já fora a por ela utilizada na sua contestação, dir-se-á ser manifesta a falta de razão que lhe assiste nas críticas que assaca à decisão sob sindicância, confundindo a mesma indiscutivelmente a ilegitimidade passiva enquanto pressuposto processual, com a ilegitimidade passiva substancial, a qual contende com o mérito da causa.
Vejamos:
Tal como escrevemos no nosso aresto de 17/12/2019, Proc. 5834/17.4T8BRG.G1, in base de dados da DGSI e é a posição uniforme da doutrina e da jurisprudência (pelo que mal se compreende que as partes continuem a confundir o que seja o pressuposto processual da ilegitimidade com a ilegitimidade substantiva), perante um determinado litígio que a Autora lhe submeta e que delineou subjetiva e objetivamente na petição inicial, o juiz terá de aferir se perante essa relação material controvertida estão ou não recolhidos os elementos mínimos, considerados indispensáveis pela lei processual civil que lhe possibilitem entrar na apreciação do mérito – são os denominados pressupostos processuais.
Com efeito, os pressupostos processuais “são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa. Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito” (15).
A ausência de um pressuposto processual impõe ao juiz que profira uma decisão meramente processual, isto é, de forma, sem entrar na discussão do mérito da causa, isto é, nos bens discutidos no processo, absolvendo o réu da instância ou, se esse for o caso e se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos legais, remetendo o processo para o tribunal competente (art. 576º, n.º 2 do CPC).
Atendendo ao fim visado almejar com os pressupostos processuais, compreende-se que estes tenham de ser, em princípio, aferidos por referência à relação material controvertida tal como esta é delineada, subjetiva e objetivamente, pelo autor na petição inicial.
Um desses pressupostos processuais é o da legitimidade das partes, a que alude o art. 30º do CPC.
Mediante o pressuposto processual da legitimidade exige-se que para que o juiz possa entrar na apreciação do mérito da relação jurídica que lhe é submetida pelo autor, julgando a ação procedente ou improcedente, que naquele concreto processo figurem como autor e como réu as “partes exatas” dessa relação jurídica controvertida submetida pelo autor ao tribunal.
“Ser parte exata no processo”, ou parte legítima neste, significa que nele tem de figurar como autor a pessoa que tem o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo, e como réu aquele que tem o poder de dirigir a defesa contra essa pretensão.
“A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida. Se assim não suceder, a decisão que o tribunal viesse a proferir sobre o mérito da ação, não poderia surtir o seu efeito útil, visto não puder vincular os verdadeiros sujeitos da relação controvertida ausentes da lide” (16).
Deste modo, exige-se que entre quem figure na ação como autor e como réu e o objeto dessa ação interceda uma certa relação, de forma que se possa afirmar que esses sujeitos são as partes certas dessa relação (17).
O pressuposto processual da legitimidade exprime-se precisamente pela relação que, segundo a lei processual civil, tem de existir entre as partes (sujeitos) que figuram no processo e o objeto desse processo (pedido e causa de pedir), sem o que não poderá o juiz entrar na apreciação do mérito.
Dito por outras palavras, tal como no campo do direito material, onde há que se aferir, em função da lei substantiva, pela titularidade dos interesses em jogo, isto é, se aquele que se arroga o direito contra determinada pessoa é efetivamente titular desse direito face à lei substantiva (ex: titular do direito de propriedade, credor da prestação contratual alegadamente incumprida, etc.), e se o demandado, em caso da violação desse direito alegada na petição inicial, é devedor da prestação pretendida pelo autor à luz dessa lei substantiva, de molde a que se julgue procedente ou improcedente o pedido deduzido - legitimidade substantiva -, também em sede de pressuposto processual da legitimidade (exceção dilatória), há que se averiguar, se de acordo com a lei processual civil e, em regra, atenta a relação jurídica delineada pelo autor na petição inicial, figura no processo como autor e como réu quem deva deter essas posições processuais.
De acordo com os n.ºs 1 e 2 do art. 30º do CPC, o autor é parte legítima quando tenha interesse direto em demandar, o que se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação; e o réu é parte legítima quando tenha interesse direto em contradizer, o que se exprime pelo prejuízo que da procedência da ação lhe advenha.
Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3 daquele art. 30º do CPC).
Significa isto que de acordo com os enunciados comandos legais, para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, terá, em sede de pressuposto processual da legitimidade que considerar, em regra (“na falta de indicação da lei em contrário”), a relação jurídica delineada pelo autor na petição inicial, atentos os elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) nela delineados e terá em função dessa relação jurídica controvertida, verificar se o autor é efetivamente a pessoa que deve assumir o estatuto de parte legitima para discutir em juízo esse direito, por ser o titular incontestado desse direito e, bem assim, se nele figura como réu aquele que por referência a essa mesma relação jurídica delineada na petição inicial, deve deter essa qualidade jurídica, por ser aquele que tem interesse direto em contradizer.
Note-se que de acordo com o n.º 1 do art. 30º, para que o pressuposto processual da legitimidade ativa ou passiva se afirme, não basta que exista da parte de quem figura no processo como autor e como réu um qualquer interesse, ainda que jurídico, respetivamente, na procedência ou improcedência da ação.
Exige-se antes que as partes que figurem no processo como autor e como réu tenham um interesse jurídico direto, seja em demandar, seja em contradizer.
Não basta assim, à afirmação do pressuposto processual da legitimidade que em função da relação jurídica delineada pelo autor na petição inicial, as partes tenham um interesse moral, científico ou afetivo em demandar ou contradizer, sequer que o interesse jurídico que aquelas eventualmente tenham em discutir essa relação jurídica delineada na petição inicial seja meramente indireto, reflexo ou derivado.
Deste modo, conforme ponderam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o promitente comprador não tem legitimidade ativa para requerer a declaração judicial de validade do contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a coisa prometida vender-lhe de terceiro, embora tenha um interesse indireto na manutenção do contrato. O sublocatário, pela mesma ordem de razão, carece de legitimidade passiva para intervir como réu na ação de despejo intentada pelo senhorio contra o locatário, apesar de ser indiretamente prejudicado com a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre senhorio e locatário (18).
Quanto à relação jurídica controvertida a considerar, como referido, estando-se no âmbito da apreciação de um pressuposto processual, essa relação é, em princípio, a desenhada pelo autor na petição inicial.
Deste modo, de acordo com o comando do n.º 3 do art. 30º do CPC, para se aferir do pressuposto processual da legitimidade, tem que se atender única e exclusivamente (salvo disposição legal em contrária) à relação controvertida tal como esta vem delineada, subjetiva e objetivamente, pelo autor na petição inicial e indagar se, no pressuposto desses factos alegados pelo último virem a ser provados, se de acordo com o direito substantivo aplicável, aquele é o titular do direito que pretende exercer na ação, caso em que se concluirá pela respetiva legitimidade ativa; e, por outro lado, verificar se aquele contra quem é exercida essa pretensão, é de facto aquele que de acordo com a lei substantiva, é o sujeito passivo (devedor da prestação) dessa relação jurídica delineada na petição inicial.
A apreciação que em sede de pressuposto processual da legitimidade que tem de ser realizada é, assim, meramente abstrata, teórica ou hipotética, uma vez que é feita a partir dos factos alegados na petição inicial e no pressuposto que o autor os venha efetivamente a provar.
Anote-se e reafirma-se que uma coisa é saber se as partes são os sujeitos da pretensão formulada pela autora para efeitos do pressupostos processual da legitimidade, em que apenas se impõe, em regra, atender à relação material controvertida desenhada pela última em sede de petição inicial, independentemente dos factos alegados serem verdadeiros ou falsos ou de a autora os vir ou não a provar, e outra, bem diversa, é apurar se a pretensão que a mesma deduz nos autos existe efetivamente, ou seja, se a autora celebrou efetivamente o contrato de compra e venda que alega ter celebrado com a ré e se esta última incumpriu efetivamente esse contrato de compra e venda, não lhe pagando o preço acordado relativo à mercadoria vendida, o que já nada tem a ver com o pressuposto processual da legitimidade passiva, isto é, com a exceção dilatória da legitimidade, mas única e exclusivamente com o mérito da ação, isto é, com a legitimidade substantiva, por estar dependente da verificação dos requisitos de facto e de direito que condicionam o nascimento dessa obrigação, o seu objeto e a sua perduração (19).
Significa isto que o legislador nacional, mediante a consagração do n.º 3 do art. 30º CPC veio pôr termo à discussão clássica entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, optando pela tese deste último mestre, ao estatuir que ao apuramento da legitimidade apenas interessa, por regra, a relação jurídica controvertida desenhada pelo autor na petição inicial, independentemente da prova dos factos que a integram (20).
Destarte, independentemente dos factos alegados pela apelada no requerimento de injunção (petição inicial) integrativos da causa se pedir, que suporta o pedido que nela formula contra a apelante, serem ou não verdadeiros e da apelada vir ou não a provar esses factos, em sede de pressuposto processual de legitimidade apenas se impõe atender aos mesmos a fim de se verificar se a apelante tem ou não interesse direto em contradizer, concluindo-se pela legitimidade passiva desta em caso afirmativo.
Caso esses factos alegados pela apelada no requerimento de injunção, uma vez produzida a prova, venham a verificar-se serem inverídicos ou caso a apelada não os logre provar, tal circunstância nada tem a ver com o pressuposto processual da legitimidade, mas exclusivamente com a legitimidade substantiva, isto é, com o mérito da causa, operando a improcedência da ação, com a consequente absolvição da apelante (Ré) do pedido.
Assente nestas premissas, revertendo ao caso em análise, nele a apelada, alegou, em sede de requerimento de injunção, que no exercício da sua atividade de comércio de vestuário e pronto-a-vestir, vendeu à apelante as peças de vestuário, pelas quantidades e preços que se encontram descritas nas faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7 e que apesar do vencimento dessas faturas, em 20/09/2008, a última não lhe pagou o preço acordado pela compra e venda dessa mercadoria (pontos 1 a 5 do requerimento de injunção).
Deste modo, de acordo com a relação jurídica controvertida, tal como a apelada (autora) a delineia, subjetiva e objetivamente, no requerimento de injunção, é indiscutível que a apelante, pessoa singular, dispõe de interesse direto em contradizer, uma vez que a vir a primeira a fazer prova dessa facticidade que alega, em função da qual celebrou o contrato de compra e venda com a apelante, pessoa singular, e que esta não lhe pagou o preço da mercadoria objeto dessa compra e venda, na data de vencimento constante das faturas, a ação terá de proceder e a apelante terá de ser condenada, total ou parcialmente, no pedido.
Sustenta a apelante que essa versão dos factos apresentada pela apelada no requerimento de injunção não é verdadeira, uma vez que a última não celebrou consigo os referidos contratos de compra e venda, sequer lhe entregou a mercadoria discriminada nessas faturas.
No entanto, dir-se-á que tal alegação da apelante em nada contende com o pressuposto da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, mas exclusivamente com o mérito da causa, isto é com a legitimidade substantiva.
Com efeito, a não vir a apelada a fazer prova dos factos que alega em sede de requerimento de injunção, nomeadamente, que o contrato de compra e venda foi por si celebrado com a apelante A. F., pessoa singular, mas eventualmente com uma sociedade de que esta era gerente, tal facto, porque respeita já ao mérito da causa, isto é, com o fundo desta (e não com o pressuposto processual da legitimidade passiva), determinará a improcedência da ação, com a consequente absolvição da apelante do pedido, e não da instância, mera decisão de forma, como é típico da procedência do pressuposto processual da ilegitimidade passiva.
Deste modo, porque tal como a apelada delineia a relação jurídica controvertida em sede de requerimento de injunção, em que alega ter sido com a apelante, pessoa singular, que celebrou o contrato de compra e venda que aí descreve e que foi esta última que incumpriu esse contrato ao não lhe pagar o preço da mercadoria que lhe vendeu, na data de vencimento das faturas que emitiu e enviou àquela, é apodítico que a apelante dispõe de legitimidade passiva para a presente ação, pelo que bem andou a 1ª Instância em julgar improcedente a mencionada exceção.
Nesta conformidade, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, julga-se improcedente a apelação nesta parte e confirma-se a decisão sob sindicância, que julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva.
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Antes de entrarmos na impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que a apelante opera, cumpre referir que a mesma alega, em sede de motivação de recurso, sindicar a sentença recorrida de acordo com os vários parâmetros que enuncia a fls. 88, entre os quais aponta, na al. c): a“ violação do princípio do ónus de alegação pelas partes dos factos essenciais da causa e do princípio da limitação dos poderes de cognição do tribunal”.
Acontece que lidas e relidas as alegações de recurso não descortinamos que em sede de motivação das alegações de recurso a apelante desenvolva o por si invocado identificado parâmetro.
Acresce que lidas e relidas as conclusões de recurso, as quais delimitam o objeto do recurso (art. 635º, n.º 4 do CPC), verifica-se que nelas a apelante limita o recurso ao erro de julgamento que imputa à decisão que julgou improcedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente causa (conclusões 4ª a 7ª); ao erro de julgamento que imputa ao despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade passiva (conclusões 8ª a 13ª); ao erro de julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo quanto à matéria que considerou provada nos pontos 2, 3 e 4 da sentença recorrida (conclusões 14ª a 21ª); ao erro de direito que imputa à decisão de mérito explanada nessa sentença no pressuposto da impugnação, com êxito, do julgamento da matéria de facto que impugna (conclusão 22ª); ao erro de direito que, independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que opera, imputa à decisão de mérito explanada na sentença recorrida, na parte em que a condena a pagar juros de mora, à taxa supletiva aplicável às empresas comerciais (conclusões 22ª a 23ª) e por nessa sentença se ter condenado aquela ao pagamento dos juros vencidos há mais de cinco anos sobre a data da sua citação para os termos da presente ação, quando esse crédito aos juros de mora se encontra prescrito (conclusões 24º a 25º).
Com efeito, o teor das conclusões 26ª é patentemente conclusivo e o da conclusão 27ª tem a ver com a valoração da prova documental em sede probatória, nada tendo, por isso, a ver com as questões da pretensa violação dos ónus da alegação pelas partes quanto aos factos essenciais integrativos da causa de pedir ou das exceções invocadas e/ou com o pretenso princípio da limitação dos poderes de cognição do tribunal a quo que alegadamente terá sido infringido.
Neste contexto, impunha-se, em princípio, rejeitar o recurso de apelação interposto pela apelante nesta parte, por falta de indicação do respetivo objeto.
No entanto, para que não venhamos a ser acusados de termos incorrido em nulidade por falta de pronúncia, incumbe referir que a falta de alegação dos factos essenciais integrativos da causa de pedir invocada pela apelada, em sede de requerimento de injunção, para suportar o pedido que aí formula, caso efetivamente se verifique, consubstancia o vício da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir (art. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC).
Essa ineptidão configuraria exceção dilatória, que teria de ser suscitada pela apelante até à contestação ou neste articulado (art. 198º, nº 1 do CPC) e apenas podia ser conhecido oficiosamente pelo tribunal no despacho saneador ou não havendo lugar a este (conforme houve), até à sentença final (arts. 196º e 200º, nº 2 do CPC).
Tal significa que não tendo a apelante suscitado a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial na contestação, sequer tendo a 1ª Instância conhecido oficiosamente dessa exceção no despacho saneador, encontra-se precludido o direito da apelante a invocar esse vício em sede de recurso.
Avançando.
Quanto aos factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, para além dos mesmos terem sido alegados, estes constam dos temas da prova explanados a fls. 41, da qual as partes inclusivamente não reclamaram, e onde foram fixados os seguintes temas da prova:
“1. No exercício da sua atividade de comércio de vestuário e pronto a vestir, em 15/09/2008, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, peças de vestuário no montante global de 11.684,56 euros?
2- Tal montante não foi pago pela Ré, nem na data do vencimento das respetivas faturas nem posteriormente?
3- A Ré solicitou à Autora tais fornecimentos a título pessoal e destinou tais bens ao comércio de vestuário e pronto a vestir a que também se dedica?
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4- A Ré não comercializa qualquer tipo de vestuário no âmbito da atividade exercida em Angola pela sociedade X – Comércio Geral, Pescas, Hotelaria e Turismo, Limitada, da qual é gerente?
5- Nas suas relações comerciais a Ré atua em representação da dita sociedade?
Destarte, não se vislumbra que o tribunal a quo, em sede de matéria que julgou como provada ou não provada, tivesse incorrido em qualquer violação dos princípios do dispositivo ou do contraditório.
Acresce referir que se os factos que se quedarem como provados são ou não suficientes para suportar o pedido de condenação deduzido pela apelada contra a apelante, é questão a tratar em sede de mérito, onde naturalmente, no caso desses factos que se vierem a apurar, não serem suficientes para, em face do quadro jurídico aplicável, levar à condenação da apelante determinada na sentença recorrida, tal significa que essa sentença padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferido, pelo que se impõe revogar a parte dispositiva da mesma e absolver a apelante do pedido.
Por outro lado, se a apelante impugnou os documentos juntos aos autos pela apelada, nomeadamente, as faturas juntas aos autos a fls. 44 a 60 (como impugnou, embora da forma enviesada já referida) e se essas faturas padecem das omissões e/ou incongruências que a apelante lhes imputa na conclusão 27ª, tal facto contende com o valor probatório dessas faturas, em nada se relacionando com o âmbito de cognição do tribunal, isto é, com uma eventual omissão ou excesso de pronúncia em que a 1ª Instância possa ter incorrido.
Acresce dizer que tendo a apelante impugnado esses documentos, independentemente das omissões e/ou incongruências de que aquela lhes imputa, essas faturas, como prova documental que são, ficam sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que naturalmente podem e devem ser apreciados pelo tribunal ao abrigo desse princípio.
Coisa diversa é saber se a verificarem-se as invocadas omissões e/ou incongruências, se tais documentos, conectada com a restante prova produzida em audiência final, designadamente, a pessoal, permitem ou não extrair o juízo de provado que foi emitido pela 1ª Instância em relação à facticidade dos pontos 2º, 3º e 4º da sentença recorrida, questão esta que, mais uma vez, nada tem a ver com os poderes de cognição a que o tribunal se encontra adstrito, mas unicamente com um eventual erro de julgamento em que possa ter incorrido a 1ª Instância em sede de matéria de facto.
Deste modo, independentemente da apontada falta de objeto da apelação quanto ao referido parâmetro invocado pela apelante, analisado esse “parâmetro” nas suas várias dimensões possíveis, impõe-se concluir pela improcedência do mesmos nessas suas várias dimensões.
Termos em que, sem mais considerandos, improcedem os enunciados fundamentos de recurso aduzidos pela apelante.
B.3- Da impugnação do julgamento da matéria de facto.
Advoga a apelante que a prova produzida não consente que se tivesse concluído pela prova da facticidade enunciada nos pontos 2º, 3º e 4º dos factos provados na sentença recorrida, mas antes impunha que se concluísse pela respetiva não prova, sustentando que os depoimentos prestados por J. S. e M. A., legais representantes da apelada, e pela testemunha E.P., antiga funcionária desta, se apresentam contraditórios, nomeadamente entre as declarações de parte prestadas pelos primeiros entre si e o depoimento prestado por esta última testemunha, além de que a facticidade considerada como provada no ponto 4º se encontra em absoluta contradição com o que se encontra alegado no art. 6º da p.i..
Que dizer?
Em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto impõe-se ter presente que da conjugação do regime jurídico enunciado nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC, é pacífico o entendimento segundo o qual, perante o direito positivo processual vigente, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, o Tribunal da Relação tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade (21).
Mais se precise que não foi propósito do julgador permitir recursos genéricos, sequer transformar o recurso da matéria de facto na repetição do julgamento realizado na 1ª Instância e daí que tenha imposto ao recorrente o cumprimento de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.
De acordo com esses critérios, para além do recurso da matéria de facto se restringir à matéria de facto impugnada (22), estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal ad quem a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu a 1ª Instância ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a concreta matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida quanto à mesma, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada como provada ou não provada pelo tribunal a quo (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC).
Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe àquele, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, daqui deriva que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada a essa facticidade.
Já quanto aos demais ónus, estes, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentá-lo, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Deste modo, sintetizando, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (23), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Assente nestas premissas, dir-se-á que a apelante cumpriu com os enunciados ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto, o que nem sequer é colocado em crise pela apelada, na medida em que indica, nas conclusões do recurso, os concretos pontos da matéria de facto que impugna (pontos 2º, 3º e 4º dos factos considerados provados na sentença) e qual o concreto julgamento que entende dever recair sobre essa facticidade (sufragando a não prova da mesma) e indica, em sede de motivação do recurso e, inclusivamente, erroneamente, nas conclusões (sem que daqui derive qualquer consequência jurídica, dado tratar-se de um excesso), quais os concretos elementos de prova que suportam esse julgamento de facto diverso que propugna (em síntese, a prova pessoal produzida em audiência final e a documental junta aos autos), e o porquê desses meios de prova, na sua perspetiva, imporem esse julgamento de facto diverso que sufragam (o ónus da prova dessa facticidade impende sobre a apelada e os depoimentos de parte prestados pelos legais representantes da apelada e o depoimento prestado pela testemunha E. P., antiga funcionária desta, apresentam-se contraditórios e os documentos juntos aos autos apresentam omissões e contradições).
Quanto à prova gravada, a apelante indica o início e o termo dos excertos dos depoimentos pessoais que suportarão esse julgamento de facto diverso que sufraga, procedendo, inclusivamente, à transcrição desses excertos.
Deste modo, tendo a apelante cumprido com todos os ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto que impugna, nada obsta a que se conheça da impugnação do julgamento da matéria de facto que opera.
No entanto, antes de avançarmos para a apreciação dessa sindicância que a apelante faz em relação a esse julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, impõe-se referir que se é certo que o Tribunal da Relação deve realizar um novo julgamento em relação à facticidade impugnada, estando neste novo julgamento sujeito aos mesmos princípios que o tribunal da 1ª Instância, embora naturalmente limitado pelos princípios da mediação e da oralidade, que para que seja possível ao Tribunal da Relação alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do disposto no art. 662º, n.º 1 do CPC, não é suficiente que a prova indicada pela apelante, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento diverso que postula, mas antes que o imponha.
Essa exigência decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
Deste modo, nos casos em que os factos em julgamento vêm este submetido ao princípio da livre apreciação da prova, tendo presente aqueles princípios e, bem assim, que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não obstante impenda sobre o Tribunal da Relação fazer um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada, formando a sua própria convicção quanto à mesma, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Do que se acaba de referir deriva que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise crítica da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Tal significa que “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (24).
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, urge entrar na apreciação da impugnação feita pela apelante em relação ao julgamento da matéria de facto operado pela 1ª Instância quanto aos pontos 2º, 3º e 4º da facticidade considerada provada na sentença sob sindicância.
Nesses pontos, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
“2- No exercício da sua atividade, em setembro de 2008, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, as peças de vestuário tituladas pelas faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7, junta a fls. 64 a 60, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no montante global de 11.684,56 euros.
3- Apesar de as referidas peças terem sido entregues à Ré e de esta as ter feito suas para os fins que entendeu, tal montante não foi pago pela Ré, nem na data do vencimento das respetivas faturas nem posteriormente.
4- A Ré solicitou à Autora tais fornecimentos a título pessoal”.
Por sua vez, a 1ª Instância motivou este julgamento positivo nos seguintes termos:
“O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e global dos depoimentos das testemunhas ouvidas, na parte em que tinham conhecimento direto dos factos, em conjugação com as declarações de parte prestadas pelos legais representantes da Autora e os documentos juntos aos autos, tudo ponderado à luz das regras atinentes à repartição do ónus da prova e das regras da experiência e do senso comum.
Assim, foram atendidos os depoimentos das testemunhas E. P. e M. G., ela ex-funcionária da Autora e ele cliente da Autora, na parte em que relataram factos que surgem confirmados por documentação junta aos autos, mais concretamente com as faturas de fls. 44-60: a primeira referiu que conhece a Ré de ter sido cliente da loja da Autora e que foi quem preparou as caixas para embalar a roupa adquirida por aquela (circunstanciou no espaço e no tempo o momento em que foi feito o carregamento das caixas, estando presentes também os patrões e a Ré), sabendo que as mesmas iam para Angola, referenciando a entrega (“troca”) de um cheque que aconteceu na sua presença, começando por afirmar ter sido assinado pela Ré para depois, confrontada com o facto de o cheque não estar assinado por aquela, dizer que viu-a entregar um cheque; a segunda, esclarecendo que conhece muito bem a Ré (alugou um carro à filha e é amigo de um irmão dela), assegurou que, numa ocasião, viu uma série de caixas na cave da loja, tendo-lhe sido dito que era roupa que tinha sido vendida à Ré para levar para Angola.
Também as declarações de parte prestadas pelos legais representantes da Autora foram atendidas nos termos do disposto no artigo 466.º, n.º 3, do C.P.C., já que os mesmos, de forma sincera, explicativa, coerente, consistente e coincidente com a demais prova, testemunhal e documental, circunstanciaram o negócio do resto de uma coleção que fizeram com a Ré, sobretudo as de J. S., por ter sido quem vendeu e embalou a roupa em caixas e emitiu as faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7 e recebeu um cheque da Ré, já assinado, preenchido por ele próprio – confrontado com o cheque de fls. 35v, assegurou que “é tudo a minha letra, só mo deu assinado” –, o que M. A. confirmou, tendo J. S. ainda referido que a Ré era cliente habitual e antiga da loja, razão pela qual confiou na sua palavra de que a mercadoria iria ser paga, ou através do cheque que lhe entregou, e que veio a saber mais tarde pertencer a uma irmã da Ré (o que é confirmado pelo teor das certidões de assento de nascimento juntas a fls. 60v-63), ou em dinheiro, o que nunca veio a suceder.
Surge-nos, pois, como séria e credível a versão apresentada pelos legais representantes da Autora, sustentada por faturas de cuja veracidade não se dúvida quanto a todos os seus elementos descritivos (identificação do beneficiário, artigos faturados e data de emissão), tal qual documento que atesta uma transação comercial entre duas pessoas ou empresas. Mais, os legais representantes da Autora explicaram que os dados identificativos da Ré que constam das faturas foram fornecidos pela própria Ré, sendo compreensível que não tivesse sido conferido o n.º de contribuinte.
De resto, os legais representantes da Autora e a testemunha E. P. foram absolutamente coincidentes na descrição do momento da entrega da mercadoria à Ré, identificando uma carrinha branca a esta pertencente para onde foram carregadas as caixas.
Assim, pese embora das faturas conste «viatura nossa» como o meio de transporte para entrega da mercadoria, foi assegurado pelos legais representantes da Autora e pela testemunha E. P. que as caixas de roupa foram carregadas à porta da loja para uma carrinha da Ré, tendo todas as referidas pessoas participado no carregamento (percebendo-se que aquela menção é um mero “proforma”)”.
Precise-se que analisamos toda a prova documental junta aos autos e ouvimos a totalidade da prova pessoal produzida em audiência final e não detetamos as pretensas contradições que a apelante imputa às declarações de parte prestadas pelos sócios gerentes da apelada em audiência final e entre essas declarações e os depoimentos prestados pelas testemunhas E. P., que trabalhou para a apelada durante mais de vinte anos, mais concretamente, de 1996 até 2014, e M. G., este reformado da Brigada de Trânsito e cliente da Autora, que se afirmou muito amigo dos sócios gerentes da apelada (o J. S. e o M. A.), de molde a que a prova produzida não mereça o convencimento do tribunal, antes pelo contrário.
Ouvida integralmente a prova pessoal produzida em audiência final, não se nega que ocorreram divergências (a única) entre as declarações de parte prestadas por J. S. e as que foram prestadas pelo seu sócio e também gerente da apelada, M. A., e o depoimento prestado pela testemunha A. F., a propósito de quem encaixotou a roupa vendida pela apelada à apelante A. F., uma vez que J. S. afirmou que quem empacotou essa roupa foi o próprio, enquanto M. A. e A. F. disseram terem sido ambos que procederam ao empacotamento da roupa vendida pela apelada à apelante.
No entanto, dir-se-á que ouvida a prova produzida, ficamos inclusivamente na dúvida se essa divergência entre, por um lado, as declarações de parte prestadas por J. S. e, por outro, por M. A. e A. F. se traduz numa efetiva contradição (aliás, perfeitamente justificável e compreensível quando se atenta ao longo período de tempo decorrido entre o momento em que ocorreram os factos e o momento em que J. S. prestou declarações de parte em audiência final) ou se, inclusivamente, se se está perante um simples lapsos linguae em que terá incorrido o identificado J. S., ao acabar por afirmar ter sido ele que empacotou a roupa vendida quando esse empacotamento foi operado por M. A. e E. P., conforme estes últimos referiram concordantemente.
Seja como for, quer se trate de uma efetiva incongruência entre, por um lado, a versão dos factos apresentada por J. S. e, por outro, a apresentada por M. A. e pela testemunha E. P. a propósito de quem procedeu ao empacotamento do vestuário vendido, quer se esteja perante um simples lapsos linguae de J. S., cumpre referir que diversamente do pretendido pela apelante não detetamos entre as declarações de parte prestadas pelo identificado J. S. e as prestadas por M. A. e/ou a versão dos factos que apresentaram as testemunhas E. P. e M. G. quaisquer outras contradições, antes pelo contrário, deparamo-nos com versões de factos perfeitamente coincidentes entre si e, inclusivamente, com a prova documental junta aos autos, além de declarações de parte e depoimentos testemunhais, enxutos, isentos, congruentes e até eivados de uma certa simplicidade e ingenuidade na forma de ser de quem os prestou, pelo que mal compreendemos a pretensa incoerência e falta de isenção que a apelante lhes pretende assacar, quando nem sequer uma única testemunha cuidou em trazer perante o tribunal suscetível de colocar, ao menos, em dúvida, a versão dos factos por eles apresentadas, não cuidando sequer em trazer perante o tribunal a titular da conta do cheque de fls. 35 verso, A. C., pessoa que mais não é do que a irmã da apelante, conforme foi unanimemente referido por J. S., M. A. e E. P. e é corroborado pelas certidões de nascimento da identificada A. C. e da apelante A. F., juntas aos autos a fls. 61 e 62 verso, a fim desta explicar a razão desse cheque se encontrar na posse da apelada, tanto assim que esta o juntou aos autos.
A propósito do depoimento de E. P., dir-se-á que não vislumbramos o intuito recorrente prosseguido pelos apelantes, que insistem, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, em agarrar-se a imprecisões nos factos que foram relatados pelas testemunhas, transcrevendo esses excertos, quando essas testemunhas tiveram oportunidade de posteriormente, ao longo dos respetivos depoimentos, esclarecer cabalmente essas imprecisões e o sentido dos respetivos depoimentos, sem que os apelantes cuidem em transcrever esses esclarecimentos, omitindo-os totalmente, como se estes nunca tivessem acontecido, numa atitude de clara violação dos princípios da boa fé e da cooperação a que se encontram vinculados (arts. 7º e 8º do CPC), esperando certamente que o tribunal a quo não vá ouvir a totalidade dos depoimentos pessoais produzidos em audiência final e não se aperceba do acontecido, como, na nossa perspetiva, deverá fazer, posto que só assim poderá efetivamente formar a sua própria convição e concluir pela existência ou inexistência do erro de julgamento que os apelantes imputam ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.
O que se acaba de dizer é inequivocamente o que acontece no caso vertente em relação ao depoimento da testemunha E. P., que há data dos factos, era funcionária da apelada e que não tendo atualmente qualquer vínculo contratual com esta, não tem naturalmente qualquer interesse no desfecho da presente lide.
E. P. iniciou o seu depoimento, referindo ter sido ela e o M. A. (o outro legal representante da apelada, para além de J. S.) que empacotaram a roupa vendida pela apelada à apelante nas caixas, a fim desta ser levada pela última para Angola, conforme era do seu conhecimento.
Mais relatou que quem carregou as caixas foram “eles” porque as caixas eram pesadas, referindo-se aos sócios e gerentes da apelada, J. S. e M. A..
Logo no início do seu depoimento, E. P. referiu efetivamente ter sido a apelante que veio recolher essas caixas, contendo a roupa vendida que antes ela e o M. A. tinham empacotado, numa carrinha branca e referiu que, nesse dia, viu a apelante “a passar um cheque”, referindo que se “lembra da senhora a preencher um cheque”.
No entanto, questionada, logo de seguida àquela resposta, sobre se viu a apelante a preencher ou entregar o cheque? E. P., respondeu: “a entregar o cheque”.
Questionada sobre quem era o cheque? Respondeu “era dela” (referindo-se à apelante).
Perguntada: “Como sabe?” respondeu: “suponho que o cheque era dela”, ela “não ia passar um cheque que não fosse dela”.
Enuncie-se que porque o sentido do depoimento de A. F. não era efetivamente claro a propósito da questão do cheque, terminada a instância dos ilustres mandatários da partes, a Meritíssima Juiz abordou novamente este assunto, perguntando a E. P. “se ela tinha efetivamente visto a D. A. F. (a apelante) a preencher o cheque?” ao que E. P., ficou hesitante, justificando-se espontaneamente: “já passou tanto tempo” (o que significa que estava na dúvida, aliás, justificadas perante o longo período de tempo que já tinha decorrido sobre a data dos factos a que estava a ser questionada).
Após nova insistência da Meritíssima Juiz sobre se tinha ou não visto a apelante a assinar o cheque, E. P. respondeu “eu não sei se a vi assinar”.
Segue-se nova insistência da Juiz, ao que E. P. respondeu: “Eu não vi o cheque” (referindo-se ao respetivo teor), “o que vi foi a mercadoria a ser trocada por um cheque e presumi que o cheque era dela” (da apelante).
Dir-se-á que neste contexto, apenas por desatenção é que pode afirmar-se que a testemunha E. P. se limitou a fazer aquelas afirmações iniciais, como efetivamente fez, ignorando-se, contudo tudo o quanto depois a mesma esclareceu de forma cabal, escorreita e isenta, e pretender-se colocar em crise a isenção e bondade do seu depoimento.
Prosseguindo, dir-se-á que J. S. afirmou que a apelante A. F. lhe entregou o cheque de fls. 35 verso no dia em que veio recolher a roupa comprada, facto esse que, como referido, é corroborado por M. A. e E. P..
De resto, estando esse cheque comprovadamente na posse da apelada, tanto assim que foi esta quem o juntou aos autos, e tendo o mesmo sido comprovadamente sacado sobre uma conta titulada pela irmã da apelante, A. C., é inquestionável que o mesmo apenas podia ter sido entregue pela própria apelante à apelada (conforme referiram J. S., M. A. e E. P. ter acontecido), ou pela própria A. C. (pessoa esta que, relembra-se e reafirma-se, curiosamente a própria apelante nem sequer cuidou em trazer a audiência final, a fim de nela explicar a sua versão dos factos sobre a razão desse cheque ter chegado às mãos da apelada, o que diga-se, não podemos deixar de estranhar, até porque, a não ser certa a versão dos factos apresentadas pelos identificados J. S., M. A. e E. P., como é, que foram unânimes e perentórios em afirmar que esse cheque foi entregue pela apelante, no dia em que esta se deslocou ao estabelecimento comercial da apelada para recolher as caixas contendo a roupa comprada à última, em negócio cujos termos foram negociados entre o sócio-gerente da apelada, J. S., e a própria apelante, certamente que seria fácil à última fazer comparecer a sua própria irmã, em audiência final, para nela apresentar essa explicação – se não o fez, lá o saberá porquê!).
Note-se que J. S. referiu que a apelante era cliente habitual e de há longos anos do estabelecimento comercial da apelada quando se deslocou a esse estabelecimento comercial propondo-lhe a compra de restos de coleção de roupa para a levar para Angola e que essa qualidade de cliente habitual e antiga da apelante do estabelecimento em causa, à data dos factos a que se reportam os autos, é confirmada unanimemente por M. A., o outro sócio gerente da apelada e, bem assim pelas testemunhas E. P. e M. G., que, respetivamente, eram, à data dos factos, funcionária da apelada nesse estabelecimento comercial, e cliente deste.
J. S. refere que em data que não sabe precisar, mas que situa no final do verão de 2008, a apelante se dirigiu a esse estabelecimento comercial onde já era cliente de há longa data, perguntando-lhe se ele tinha restos de coleção para esta comprar, a fim de a levar para Angola, ao que ele respondeu positivamente, vendendo-lhe essa roupa, que tinha em armazém, por se tratar de restos de coleção, com um desconto de 50% sobre o preço que nela se encontrava marcado, e esta versão dos factos mostra-se concordante com o teor das faturas juntas aos autos a fls. 44 a 60, que têm como data de emissão os dias 17 e 19 de setembro de 2008 e, bem assim com as declarações de parte prestadas por M. A., que não só confirmou que a apelante já era cliente há vários anos do estabelecimento comercial da apelada, como que o negócio foi feito entre J. S. e a apelante A. F., e que o J. S. é quem, em regra, faz os negócios com os clientes, limitando-se ele, M. A., em regra, a atender clientes e a tratar de outros assuntos do estabelecimento e, no caso, a empacotar a roupa em caixas e a carregar essas caixas contendo a roupa vendida numa carrinha, que a apelante trouxe no dia em que veio recolher a roupa comprada, a fim de a transportar para Angola, país onde esta última tinha familiares e onde ocasionalmente se deslocava, mas para onde dizia ir emigrar, em definitivo, na data em que ocorreram os factos.
Essa versão dos factos é também corroborada por E. P., que referiu ter sido ela e o identificado M. A. que procederam ao empacotamento da roupa comprada pela apelante para esta a transportar para Angola (o que se mostra concordante com a circunstância de M. A. ter afirmado ser o seu sócio, isto é, J. S., quem, em regra, faz os negócios com os clientes do estabelecimento comercial, e não o próprio, que se limitava, em regra, a atender clientes e a tratar de outros assuntos do estabelecimento), mercadoria essa que se encontrava em armazém, tratando-se de restos de coleção, tendo sido “os patrões”, isto é, J. S. e M. A. que procederam ao carregamento das caixas contendo a roupa vendida, na carrinha que a apelante trouxe e que estacionou em frente do estabelecimento da apelada quando aí se deslocou para proceder à recolha da mercadoria comprada.
Tal versão é ainda confirmada pela testemunha M. G., que sendo cliente do estabelecimento comercial da apelada e amigo dos sócios gerentes desta, J. S. e M. A., confirmou que a apelante era efetivamente cliente desse estabelecimento comercial há anos e que, numa determinada altura, cuja localização temporal já não soube precisar, tendo-se deslocado a esse estabelecimento, viu uma série de caixas, contendo roupa no respetivo interior, esclarecendo que, na altura, J. S. e M. A., lhe disseram que essa roupa ia para Angola, por a terem vendido à apelante.
J. S. refere ter sido ele que emitiu as faturas juntas aos autos a fls. 44 a 60, apondo nelas o nome, o número de contribuinte e a morada da apelante, elementos esses que lhe foram fornecidos pela própria apelante, factos esses que se mostram concordantes com as declarações prestadas por M. A., que afirmou que o negócio foi feito entre J. S. e a apelante A. F. e que foi o primeiro quem igualmente emitiu as faturas e, bem assim, pela circunstância de naquelas faturas constar inscrito o nome completo da apelante e uma morada desta, sita em Angola, quando a mesma, na altura, foi efetivamente, em definitivo, residir para Angola.
Note-se que confrontados pela mandatária da apelante com a circunstância do número de contribuinte aposto nas faturas não ser verdadeiro, J. S. e M. A. mostraram-se surpreendidos, afirmando desconhecerem esse facto, esclarecendo J. S., quando questionado, que o seu contabilista não os tinha alertado para essa circunstância.
Acontece que longe desse facto colocar em crise a bondade das declarações de J. S., a mesma corrobora-as e é bem ilustrativo da simplicidade e até ingenuidade de J. S., apesar de se estar perante um comerciante.
Com efeito, não tendo o número de contribuinte que se encontra aposto nessas faturas qualquer correspondência possível com um número de contribuinte real e verdadeiro, J. S., como referiu, limitou-se a apor nessas faturas o número de contribuinte que a apelante lhe forneceu, sem que jamais desconfiasse que esse número de contribuinte não era verdadeiro, apesar deste não ser patentemente um número de contribuinte que pudesse ter qualquer correspondência com a verdade, dado que como é do conhecimento das pessoas minimamente atentas, os números de contribuinte são compostos exclusivamente por algarismos (não por algarismos e letras).
Acontece que à luz das regras da experiência comum não se antolha como razoável aceitar-se outra versão dos factos que não seja a apresentada por J. S., na medida que aquele não iria manifestamente apor, nessas faturas, um número de contribuinte sem qualquer correspondência com a realidade, de motu próprio e consciente, posto que não ignorava, sequer podia ignorar, que essa não correspondência com a realidade dos factos do número de contribuinte aposto nas faturas seria facilmente detetada e fragilizaria a posição da apelada em caso de litígio.
Logo, a única explicação plausível para a aposição desse número de contribuinte patentemente inverídico nas faturas juntas aos autos é a versão dos factos apresentada por J. S. em função da qual o número que apôs nestas, é o número de contribuinte que a própria apelante lhe forneceu, não atentando o mesmo que esse número não fosse verdadeiro e desconhecendo-o, até a mandatária da apelante o ter alertado para esse facto em audiência final.
Aliás, nessas faturas, como referido, encontra-se igualmente aposto o nome completo da apelante e uma morada sita em Angola, como sendo a morada desta, elementos estes que J. S. refere terem-lhe igualmente sido fornecidos pela apelante, local para onde a apelante foi efetivamente, em definitivo, residir, logo após os factos sobre que versam os autos, o que também corrobora aquela versão dos factos apresentada por J. S..
J. S. refere que no dia aprazado para a recolha da mercadoria, a apelante deslocou-se ao estabelecimento da apelada, com uma carrinha, onde foram carregados as caixas contendo a mercadoria comprada, e esse facto é corroborado, como já referido, por M. A. e E. P., sem que esse facto seja minimamente beliscado pela circunstância de nas faturas em análise constar que o transporte da mercadoria foi efetuado em “Nossa viatura”, até porque a extensão das faturas em causa, aliado à circunstância daqueles terem duas datas de emissão distintas – 17/09/2008 (as n.ºs 4, 5 e 6) e de 19/09/2008 (a n.º 7) –, evidencia que as mesmas foram emitidas em duas datas distintas, as primeira em 17/09 e a última em 19/09, o que se mostra concordante com a circunstância da roupa em causa estar em armazém, ser múltipla e diversa e do empacotamento da mesma ter sido realizada por M. A. e E. P., os quais foram naturalmente fornecendo o número de peças de roupas empacotadas a J. S., à medida em que a iam empacotando, o qual, por sua vez, foi elaborando as faturas, por forma a tudo estar pronto quando a apelante se deslocasse ao estabelecimento da apelada para efetuar o carregamento das caixas contendo a roupa e pagar, não cuidando manifestamente J. S. de alterar essa menção que já constava nas faturas que tinha pré-elaborado.
J. S. refere que, nessa altura, a apelante não lhe pagou o preço da mercadoria comprada, mas limitou-se a entregar-lhe um cheque assinado, não reparando aquele que esse cheque não era da própria apelante, e esse facto é corroborado por M. A. e E. P. que viram a apelante a entregar um cheque a J. S., corroborando, por sua vez, o teor do cheque de fls. 35 verso, que esse cheque não é sacado sobre uma conta da própria apelante.
J. S. refere que na altura em que a apelante lhe entregou o cheque de fls. 35 verso, este apenas tinha aposta uma assinatura e que a apelante lhe pediu para não apresentar esse cheque a pagamento, uma vez que, posteriormente, ou ela lhe dava o dinheiro (do preço da compra) ou lhe dizia para preencher o cheque e apresentá-lo a pagamento, ao que o mesmo acedeu, acabando apenas por preencher esse cheque na sequência da apelante ter desaparecido, não lhe pagando, sequer lhe dando instruções para preencher o cheque, e esta versão dos factos mostra-se concordante com o teor do cheque de fls. 35 verso, onde se vê que a pessoa que o assinou não tem correspondência com aquela que nele apôs os restantes dizeres que nele se encontram inscritos.
J. S. afirma que já depois da apelante lhe ter entregue o cheque, veio a aperceber-se que este nem sequer tinha sido sacado sobre uma conta titulada pela primeira, mas sobre uma conta de uma irmã desta, o que se mostra concordante com o teor do cheque de fls. 35 verso e com o teor das certidões do assento de nascimento de fls. 61 e 62 verso, onde se vê que o cheque foi sacado sobre uma conta da irmã da própria apelante e que, relembra-se, esta nem sequer cuidou em trazer a audiência final a fim de nela explicar o porquê desse cheque ter sido entregue e se encontrar na posse da apelada.
J. S. refere que na sequência de ter preenchido esse cheque, deslocou-se pelo menos, uma vez ao banco para verificar se este tinha provisão e perante a informação negativa que aí obteve, acabou por não o apresentar a pagamento com vista a evitar o custo que daí decorreria para a apelada, o que também é corroborado pelo teor do verso desse cheque, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 36.
Em síntese, resulta do que se vem dizendo que a versão dos factos que foi apresentada por J. S. em audiência final é corroborada pela restante prova pessoal produzida nessa audiência, a saber pelas declarações nela prestadas por M. A. e pelos depoimentos testemunhais de E. P. e M. G. e que essas declarações e depoimentos se mostram perfeitamente conformes à prova documental junta aos autos e supra identificada.
Logo, longe da prova produzida impor que se conclua pela não prova da facticidade considerada como provada pela 1ª Instância nos pontos 2º, 3º e 4º, aquela impõe que se conclua pela respetiva prova, até porque, à luz das regras da experiência comum, não se descortina qualquer motivo plausível para a apelada ser portadora do cheque de fls. 35 verso, sacado sobre uma conta da irmã da apelante; para nas faturas constar o nome completo da apelante e uma morada sita em Angola e, inclusivamente, um número de contribuinte que não tem patentemente qualquer correspondência possível com a realidade, e para, inclusivamente, a apelada não ter instaurada a presente ação contra a irmã da apelante (titular da conta sobre a qual foi sacado o cheque de fls. 35 verso), mas sim contra a própria apelante, que não a apresentada por J. S..
Sustenta a apelante que os factos considerados provados no ponto 4º da sentença encontram-se em contradição absoluta com a descrita no art. 6º do requerimento de injunção, mas sem razão.
Com efeito, basta a mera leitura do requerimento de injunção para se verificar que a apelada é sempre expressa em alegar que o negócio de compra e venda foi celebrado entre aquela e a apelante, esta a título pessoal.
Assim, para além de nesse requerimento de injunção a apelada identificar a requerida como “A. F.”, no ponto 1º desse requerimento, alega ter “vendido à requerida as peças de vestuário …”; no ponto 3º, reafirma que “os artigos faturas foram colocados à disposição da adquirente em 15/09/2008”; no ponto 4º, alega que “a requerida, apesar do vencimento das mesmas faturas …”; no ponto 5º sustenta que “… a requerida devedora se constitui em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor” e, no ponto 6º desse requerimento, alega que “por se tratar de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora sendo que, no caso concreto, são devidos os juros comerciais, por se tratar de transação comercial entre duas empresas comerciais, já que a requerida se dedica também ao comércio de vestuário e pronto a vestir (…)”.
Precise-se que contrariamente ao que parece ser o entendimento da apelante, o conceito de “empresa” ou “empresa comercial” não equivale a pessoa coletiva, designadamente, a “sociedade”.
Em termos correntes e jurídicos, uma “empresa” é uma organização destinada a desenvolver uma atividade económica produtora, prestadora ou fornecedora de bens e/ou de serviços.
Pode tratar-se de um organização industrial ou comercial produtora de bens ou transacionadora de bens e/ou serviços ou uma organização, como um escritório, em que se prestam serviços, mormente de advocacia, contabilidade, etc.
Logo, essa organização pode ser detida e a atividade a que se destina e que nela é desenvolvida, pode ser exercida, através de uma pessoa singular ou de uma pessoa coletiva.
Por conseguinte, diversamente do pretendido pela apelante uma “empresa industrial, comercial ou prestadora de serviços” não tem de ser detida, sequer de ser explorada, por uma pessoa coletiva, mormente, por uma sociedade comercial, mas pode sê-lo exclusivamente por uma pessoa singular.
Destarte, não existe qualquer incompatibilidade entre a facticidade alegada pela apelada em sede de requerimento de injunção, nomeadamente, no art. 6º desse articulado, e a facticidade considerada como provada no ponto 4º da sentença recorrida, mas antes pelo contrário, total correspondência entre a facticidade alegada nesse requerimento de injunção e os factos considerados provados (bem) pela 1ª Instância.
Aqui chegados, a prova produzida, reafirma-se, não impõe que se conclua pela não prova da facticidade dos pontos 2º, 3º e 4º, mas antes impõe que se conclua pela prova da mesma, dado que esta tem pleno acolhimento na prova produzida, correspondendo à própria convicção desta Relação após, reafirma-se, análise de toda a prova documental junta aos autos e de audição de toda a prova pessoal produzida em audiência final.
Nesta conformidade, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, mantêm-se inalterados os factos considerados provados nos pontos 2º, 3º e 4º da sentença recorrida.
B.4- Do mérito.
Tendo-se mantida inalterada a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida e cujo julgamento de facto vem impugnado pela apelante, é indiscutível que o pretenso erro de direito que a apelante assaca à decisão de mérito proferida nessa sentença, por na sua perspetiva, se impor que a mesma tivesse sido absolvida do pedido, tem de soçobrar.
Com efeito, esse pretenso erro de direito encontrava-se, total e absolutamente, dependente da impugnação, com êxito, do julgamento da matéria de facto impugnado pela apelante.
Ora, tendo essa impugnação do julgamento da matéria de facto soçobrado, é de manter, na integra a subsunção jurídica da factualidade apurada operada na sentença sob sindicância, quando nesta se conclui que a matéria apurada sob o ponto 2, evidencia que em setembro de 2008, entre a apelada e a apelante foi celebrado um contrato de compra e venda (aliás, conforme infra se verá, subjetivamente comercial), mediante a qual a primeira transferiu para a segunda a propriedade sob as peças de vestuário que se encontram discriminadas nas faturas n.ºs 4, 5, 6 e 7, juntas aos autos a fls. 44 a 60, mediante o preço global de 11.684,56 euros, sabendo-se que nos termos do art. 874º do CC, compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.
Trata-se de um contrato oneroso e sinalagmático, uma vez que ambos os contraentes assumem obrigações contratuais, a saber: o vendedor assume a obrigação de entregar a coisa vendida ao comprador e este último assume a obrigação de pagar ao vendedor o preço acordado pela venda da coisa, intercedendo entre ambas essas obrigações um nexo de correspetividade, em que uma prestação é contrapartida da outra que recai sobre o outro contraente.
De resto, o contrato de compra e venda tem como efeitos essenciais, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito do vendedor para o comprador, a obrigação do vendedor de entregar a coisa ao comprador e a obrigação do comprador de pagar o preço acordado ao vendedor (art. 879º do CC).
No caso presente, apurou-se que apesar da apelada ter entregue à apelante as peças de vestuário que lhe vendeu e desta as ter feito suas para os fins que as entendeu, com que a primeira cumpriu o contrato de compra e venda mercantil celebrado, a apelante não lhe pagou o preço acordado na data de vencimento das faturas de fls. 44 a 60, sequer posteriormente (cfr. ponto 2 da matéria apurada).
Consequentemente, ao não pagar o preço das peças de roupa que comprou à apelada, nas datas de vencimento apostas nas faturas de fls. 44 a 60, conforme se encontrava contratualmente obrigada a fazer, a apelante incumpriu o contrato de compra e venda, constituindo-se em mora (arts. 804, n.º 2 e 805º, nº 2, al. a) do CC).
As faturas n.ºs 4, 5 e 6, juntas aos autos a fls. 44 a 57, no montante de, respetivamente, 2.934,32 euros, 2.922,36 euros e 2.970,12 euros, têm como data de vencimento o dia 18/09/2008, enquanto a fatura n.º 7, junta aos autos a fls. 57 verso a 60, no montante de 2.857,76 euros, tem como data de vencimento o dia 20/09/2008, pelo que em consonância com o regime jurídico dos arts. 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2, al. a) do CC, a apelante constitui-se em mora em relação ao preço da mercadoria comprada e identificada nas faturas n.ºs 4, 5 e 6 a partir de 18/09/2008 e quanto ao preço de mercadoria comprada e identificada na fatura n.º 7, a partir de 20/09/2008.
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do art. 804º do CC).
Nas obrigações pecuniárias, como é o caso, essa obrigação corresponde aos juros de legais, a contar do dia da constituição em mora até efetivo pagamento (art. 806º, n.ºs 1 e 2 do CC).
Apesar da apelante se ter constituída em mora em relação ao preço da mercadoria comprada referente às faturas n.ºs 4, 5 e 6, a partir de 18/09/2009, cingindo a apelada o seu pedido aos juros de mora sobre o preço em divida relativo à totalidade da mercadoria que vendeu à apelante, a partir de 20/09/2008, sob pena de se incorrer na nulidade a que aludem os arts. 609º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. e) do CPC, por condenação ultra petitum, impõe-se condenar a apelante a pagar à apelada a quantia global de 11.684,56 euros, correspondente ao valor total do preço da mercadoria comprada pela primeira à última, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir de 20/09/2008 até integral pagamento, tal como decidido na sentença recorrida.
B.4.1 – Da exceção da prescrição da obrigação de juros.
Acontece que a apelante imputa erro de direito à decisão recorrida ao condená-la no pagamento dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos à data da sua citação para os termos da presente ação, advogando que, nos termos do disposto no art. 310º, al. d) do CC, esses juros de mora encontram-se prescritos.
Que dizer?
Dúvidas não subsistem que a obrigação de juros encontra-se submetida ao regime geral do art. 310º, al. d) do CC, nos termos da qual prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos.
Trata-se de uma prescrição de curto prazo, destinada essencialmente a evitar que o credor retarde em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (25).
No entanto, contrariamente ao entendimento sufragado pela apelante, a referida exceção de curto prazo não opera ipso jure a extinção do direito da apelada aos juros vencidos há mais de cinco anos à data da sua citação para os termos da ação, mas necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público (art. 303º do CC).
Tal significa que a exceção da prescrição da obrigação de juros não é do conhecimento oficioso do tribunal, que apenas pode dela conhecer desde que invocada por aquele a quem aproveita, isto é, no caso, pela apelante, no momento processualmente fixado para o efeito (26).
Trata-se de uma exceção perentória, pelo que nos termos do disposto no art. 573º do CC, a apelante tinha de a ter invocado em sede de contestação, sob pena de ficar precludido o seu direito de vir a invocar posteriormente.
Ora, não tendo a apelante invocado a exceção da prescrição do crédito de juros em sede de contestação, encontra-se precludido o seu direito processual de o vir a fazer posteriormente, designadamente, em sede de alegações de recurso.
Consequentemente, ao condenar a apelante a pagar à apelada juros de mora, à taxa legal, sobre o capital em dívida, no montante global de 11.684,56 euros, contados a partir de 20/09/2008 até integral pagamento, a sentença recorrida não padece do invocado erro de direito que lhe é imputado pela apelante, uma vez que a exceção da prescrição da obrigação de juros vencidos há mais de cinco por referência à data da citação da apelante para os termos da presente ação não é do conhecimento oficioso do tribunal e a apelante não invocou essa exceção em sede de contestação, não podendo, por isso, invocá-la agora, em sede de alegações de recurso, numa altura em que esse direito se encontra precludido e quando os recursos, por natureza, são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se visa obter o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, visando-a modificar, e não criar decisões sobre matéria nova que não seja do conhecimento oficioso do tribunal (27).
Termos em que improcede este fundamento de recurso.
B.4.2 – Da taxa de juro de mora aplicável.
Na sentença recorrida, a1ª Instância condenou a apelante a pagar à apelada juros de mora, à taxa supletiva fixada para os créditos comerciais, com o argumento que o contrato de compra e venda de cujo incumprimento emerge a obrigação de pagamento de juros de mora, é comercial.
Imputa a apelante erro de direito a essa decisão, advogando que a 1ª Instância qualificou o contrato de compra e venda incumprido como tendo sido celebrado pela apelante enquanto consumidora final, concluindo que os juros moratórios legais devidos são, por isso, os civis.
Vejamos se assiste razão à apelante na crítica que assaca à sentença recorrida.
A este propósito diremos que os juros mais não são que frutos civis, constituídos por coisas fungíveis, que representam o rendimento de uma obrigação de capital (art. 212º, n.ºs 1 e 2 do CC) e cujo montante varia em função de três vetores: o valor do capital, o tempo durante o qual este é utilizado ou disponibilizado ao obrigado, e a taxa de remuneração, que pode ser fixada por lei ou por acordo das partes (28).
Embora a obrigação de juros pressuponha a obrigação de capital, da qual é dependente ou acessória, essa dependência é meramente relativa uma vez que nada obsta que ambas as obrigações, nalguns casos, sejam autonomizáveis, conforme é ilustrado pela circunstância do art. 310º, al. d), do CC estabelecer um prazo prescricional específico para a obrigação de juros, o qual não tem de coincidir com o prazo prescricional fixado para a obrigação principal – a de juros. Aliás, pode acontecer que a obrigação de juros esteja prescrita (no que tange aos juros vencidos há mais de cinco anos à data da citação da Ré para a ação) e não esteja prescrita a obrigação de capital, assim como pode acontecer estar prescrita a obrigação de capital e não estar a de juros (os vencidos até ocorrer a prescrição da obrigação de capital e que se venceram há menos de cinco anos sobre a data da citação da Ré para os termos da ação) (29).
De entre as várias categoria classificativas dos juros, estes podem ser classificados em civis ou comerciais, consoante a natureza dos intervenientes na operação de que emergem (arts. 559º do CC e 102º do Cód. Com.).
Os juros podem ainda ser legais, quando resultem da lei, ou convencionais, quando sejam estabelecidos por acordo das partes (art. 559º do CC).
Entre os juros legais, contam-se os juros de mora, uma vez que tendo a obrigação natureza pecuniária, caso o devedor se atrase no cumprimento – mora -, são imediatamente, por imposição legal, devidos juros de mora, a título de indemnização pelos danos causados ao credor pelo atraso no cumprimento da obrigação, à taxa legal, exceto quando já anteriormente à mora, for devido um juro mais elevado ou quando as partes tiverem estipulado um juro moratório diferente (arts. 804º e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC).
A taxa de juro moratória legal civil incide sobre as obrigações exclusivamente civis e encontra-se fixada em 4% ao ano desde 01/05/2003 (arts. 559º, nº 1 do CC, e 1º da Portaria nº 291/2003, de 8/04).
Por sua vez, a taxa de juro legal comercial é aplicável aos casos em que por força da lei (como é o caso dos juros de mora) ou de convenção haja lugar à contagem de juros e as partes nada tenham expressamente convencionado sobre a taxa e o ato ou negócio de que emerge a obrigação de pagar juros seja tida como “ato comercial” nos termos das disposições do Código Comercial.
Deste modo, nos termos do art. 102º do CCom., em todos os atos ou negócios classificados de “comerciais” à luz do Código Comercial, isto é, que sejam subsumíveis a uma relação jurídico-mercantil de acordo com esse diploma, no silêncio das partes, há lugar ao pagamento de juros, sempre que nos termos da lei civil haja lugar à contagem de juros, como acontece nas obrigações pecuniárias em relação às quais se verifique uma situação de mora e em que, consequentemente, são devidos juros de mora à taxa supletiva relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas (arts. 102º §3 do Cód. Com., 559º, 804º, n.º 1 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC).
A aplicação ou não da taxa de juro legal comercial, nomeadamente, da taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, depende assim, do ato ou negócio jurídico de onde emerge a obrigação de pagamento dos juros ser ou não qualificável como “ato comercial” à luz do Código Comercial.
Neste domínio impõe-se ter presente que o Código Comercial prevê como atos comerciais, os atos objetiva e subjetivamente comerciais e os atos unilateralmente comerciais ou mistos.
São atos objetivamente comerciais aqueles que se encontram especialmente regulados pelo direito comercial, independentemente de ser ou não comerciante quem os pratica (art. 2º, 1ª parte do CCom.).
A qualidade comercial de tais atos é-lhes intrínseca e decorre da própria lei, como é o caso dos contratos de compra e venda previstos no art. 463º do Cód. Com.
Já são atos subjetivamente comerciais todos aqueles (contratos e obrigações) que são praticados pelos comerciantes, que não tenham natureza exclusivamente civil, se o contrário não resultar do próprio ato (art. 2º, parte final do CCom.). Por exemplo, a compra e venda contemplada no art. 874º do CC, pode ou não ser comercial; será comercial (objetivamente comercial) se se inserir no art. 463º do CCom., e será subjetivamente comercial se for praticada por um comerciante em ligação com a sua atividade mercantil, o que se presume (arts. 2º e 15º do CCom.) e, finalmente, será civil se não se verificar nenhuma das duas situações anteriores.
Por sua vez, são comerciantes as sociedade comerciais e todas as pessoas que tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem deste profissão (art. 13º do CCom.).
Em relação aos atos ou negócios celebrados pelos comerciantes, se o contrário não resultar do próprio atou ou negócio, os mesmos, como referido e resulta dos arts. 2º e 15º do Ccom., presumem-se comerciais.
Conforme é bom de ver e resulta do que se vem dizendo pode acontecer que o ato ou negócio celebrado seja subjetivamente comercial do lado de um dos contratantes, por exemplo, do lado do vendedor, que sendo comerciante, procedeu à venda do bem no exercício da sua atividade comercial, mas não o seja do lado do comprador, que compra o bem para o seu consumo ou dos seus familiares ou terceiros, não o destinando à revenda.
Nesse caso, o ato tem natureza unilateralmente comercial ou mista, posto que são qualificados como tal todos os atos ou negócios em que a sua comercialidade apenas se verifica em relação a um dos sujeitos da relação contratual.
Sobre os atos ou negócios unilateralmente comerciais ou mistos rege o art. 99º, n.º 1 do Ccom., que os subordina à lei comercial quanto a ambas as partes, embora só em relação a um delas se verifiquem os pressupostos da comercialidade (30).
Deste modo, no âmbito da redação originária do art. 102º do CCom., não existiam dúvidas na doutrina e na jurisprudência que todos os atos ou negócios objetivamente comerciais ou subjetivamente comerciais e, bem os atos unilateralmente comerciais ou mistos eram comerciais e que, consequentemente, nos casos em que por convenção ou por lei fossem devidos juros (como é o caso dos juros de mora nas obrigações pecuniárias) esses juros eram os comerciais e que os juros moratórios legais devidos eram os comerciais, fixados em Portaria conjunta dos Ministro das Finanças e da Justiça (art. 102º, § 3º do CCom.).
Acontece que aquele art. 102º veio a sofrer alterações, com a entrada em vigor do DL n.º 32/2003, de 17/02, que estabelece o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 29/07/2000, e cujo propósito confessado pelo legislador e por ele expresso no Preâmbulo desse diploma, foi combater os atrasos no pagamento em transações comerciais que “são uma das principais causas de insolvência” das empresas de pequena e média dimensão, “ameaçando a sua sobrevivência e os postos de trabalho correspondente” e dentro deste desiderato estabelecer “um valor mínimo para a taxa de juros legais de mora, por forma a evitar que eventuais baixas tornem financeiramente aliciante o incumprimento” e, “para facilitar a determinação do momento a partir do qual se vence juros de mora, prever que, sempre que do contrato não conste a data do pagamento, aqueles se vençam automaticamente, sem necessidade de qualquer aviso, a partir de uma data determinada em função de algumas varáveis”.
O referido DL n.º 32/2003, entrou em vigor em 18/02/2003 (art. 10º, n.º 1), sendo por isso, aplicável ao contrato de compra e venda objeto dos presentes autos, celebrado em setembro de 2008 e cujo incumprimento, para efeitos de cálculo de juros de mora, pelas razões acima enunciadas (limitação decorrente do pedido formulado pela apelada), se tem como tendo ocorrido a partir de 20/09/2008, data a partir do qual são devidos juros de mora pela apelante.
O enunciado DL n.º 32/2003 aditou ao art. 102º do CCom., os parágrafos 3 e 4, que constam do seguinte teor:
“§3- Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§4- A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais”.
O referido DL n.º 32/2003, determina no seu art. 2º que o regime jurídico que estatui aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais (n.º 1), à exceção de contratos efetuados com consumidores; juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerações comerciais; pagamentos efetuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros (n.º 2, als. a), b) e c)).
Entretanto, o enunciado art. 102º do CCom., sofreu nova alteração, com a entrada em vigor em 01/07/2013, do DL. n.º 62/2013, de 10/05, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/02, que revogou a Diretiva n.º 2002/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 29/07/2000, e que alterou o §4 daquele art. 102º e lhe aditou o seu §5, que passaram a constar do seguinte:
§4- A taxa de juro referido no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicado pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais, sem prejuízo do disposto no parágrafo seguinte”.
§5- No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto Lei n.º 62/2013, de 10/05, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não pode ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano cívil, acrescida de 8 pontos percentuais.
Note-se que à semelhança do que acontecia com o art. 2º do DL n.º 32/2003, também o art. 2º do DL n.º 62/2013, continua a declarar que o seu regime jurídico é aplicável a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais (n.º 1), com as exceções previstas no n.º 2 daquele art. 2º anteriormente vigente, em cujo elenco se conta os contratos efetuados com consumidores.
Especifique-se que o enunciado DL n.º 62/2013, no seu art. 14º declara ser aplicável aos contratos celebrados a partir da sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 01/07/2013, salvo as exceções que enuncia, as quais respeitam a contratos públicos e, no seu art. 13º, n.º1 declara que revoga o anterior DL n.º 32/2003, de 17/02, com exceção dos arts. 6º e 8º, que se mantêm em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor daquele DL n.º 62/2013.
Resulta do que se vem dizendo que com a entrada em vigor em 01/07/2013, do DL. n.º 62/2013, de 10/05, passaram a existir duas taxas supletivas comerciais, com limites distintos, consoante o contrato jusmercantil de onde emerge a obrigação de juros tenha sido celebrado antes da entrada em vigor do identificado DL n.º 62/2013, ou após a entrada em vigor deste.
Assim: a) em relação aos contratos jusmercantis celebrados antes de 01/07/2013, como é o contrato de compra e venda celebrado entre apelante e apelada sobre que versam os presentes autos, continua a ser aplicável o regime dos arts. 6º e 8º do DL n.º 32/2003, sendo os juros moratórios legais comerciais estabelecidos por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça, cuja taxa não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais” (art. 102º §3 e 4 do CCom., na redação do DL n.º 32/2003); b) já em relação aos contratos jusmercantis celebrados em 01/07/2013 ou após esta data (ou seja, na vigência do DL n.º 62/2013), os juros moratórios legais comerciais continuam a ser estabelecidos por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça, mas a respetiva taxa não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 8 pontos percentuais (art. 102º § 5 do CCom, na redação do DL 62/2013) (31).
Acontece que declarando o art. 2º, quer do DL n.º 32/2003, quer do DL n.º 62/2013, que o regime jurídico neles estabelecido é aplicável a todos os pagamentos efetuados com remunerações de transações comerciais, com as exceções que enuncia no seu n.º 2, de cujo elenco faz parte os “contratos efetuados com os consumidores”, com a entrada em vigor daquele primeiro diploma suscitou-se a dúvida sobre se a taxa de juro moratória comercial seria ou não aplicável aos contratos celebrados entre um comerciante, no exercício do seu comércio (e por isso, subjetivamente comercial quanto a ele), e um consumidor, entendendo-se por “consumidor”, naturalmente, o consumidor final enquanto tal, isto é, o adquirente a fornecedores profissionais de bens e serviços ou direitos para uso ou fruição própria (ou alheia) e não para uso profissional (artº 2 nº 1 da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho).
Neste sentido, alguma doutrina (32) e jurisprudência orientou-se no sentido de que a exclusão do regime relativo aos atrasos de pagamento de transações comerciais, dos débitos pecuniários emergentes de contratos entre empresas e consumidores prevista no n.º 2 do art. 2º do DL. n.º 32/2003, importava, efetivamente, a inaplicabilidade da taxa de juros jusmercantil aqueles casos (33).
Contudo, não é esta a posição doutrinal e jurisprudencial maioritária, sequer aquela que nos parece ser a de subscrever em face do quadro legislativo vigente e as finalidades prosseguidas pelo legislador com a consagração do regime jurídico explanado nos enunciados DL. n.ºs 32/2003 e 62/2013.
Com efeito, apesar dos enunciados diplomas terem alterado a redação do art. 102º do Ccom, os mesmos deixaram intocado o regime jurídico do art. 2º deste mesmo diploma, que define o que sejam atos comerciais e, bem assim, o do seu art. 99º, onde se prevê que os atos comerciais unilaterais ou mistos são regulados pela lei comercial quanto a todos os contraentes (34).
Acresce que aqueles diplomas não tiveram por finalidade disciplinar as transações comerciais com os consumidores, mas como referido e é propósito expressamente confessado pelo legislador no Preâmbulo do DL n.º 32/2002, favorecer os comerciantes nas transações que efetuem no exercício do seu comércio, em caso de mora dos seus devedores, visando desencorajar os últimos de entrar nessa situação de incumprimento, com as inerentes pesadas e nefastas consequências emergentes para as empresas comerciais e respetivos trabalhadores, em nada contendendo, pois, com a regulamentação das demais transações comerciais, nomeadamente daquelas em que uma das partes é consumidor, as quais continuam a reger-se pelo Código Comercial, salvo as alterações ligeiras introduzidas pelo mesmo DL ao art. 102º do CCom. (35).
Aliás, se assim não fosse, ponderando que a grande fatia dos clientes das empresas comerciais são precisamente consumidores, em vez de estimular os devedores ao cumprimento, o DL n.º 32/2002, estimularia antes ao incumprimento, ao conceder aos consumidores um regime mais benéfico do que aquele a que estavam sujeitos antes da entrada em vigor desse diploma, sujeitando os consumidores ao pagamento de juros moratórios civis em vez do anterior regime vigente, que os sujeitava aos comerciais, frustrando totalmente aquele que foi o objetivo declarado pelo legislador com a consagração desse novo regime jurídico.
Mais se diga que a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor, mas antes com o credor e radica na necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua atividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário (36).
Destarte, na falta de alteração do regime jurídico dos arts. 2º e 99º do CCom. e atentas as finalidades prosseguidas pelo legislador com a adoção do DL n.º 32/2003, que foi o de confessadamente favorecer os credores comerciais e não regular a relação destes com os consumidores e estimulando ao cumprimento (e não desincentivando-o), tem de se entender que o regime previsto nesse diploma não é aplicável aos consumidores, mas o disposto no art. 102º do CCom. na redação dada pelo mesmo diploma, se aplica a todos os atos comerciais previstos em geral na lei comercial, em que se incluem as transações em que uma das partes sejam um consumidor, isto é, bastando à aplicação da taxa moratória supletiva legal comercial que o negócio de onde decorra a obrigação de juros são unilateralmente comercial (37).
Assente nestas premissas, revertendo ao caso em análise, a apelada é uma sociedade comercial e como tal é, por natureza, comerciante (art. 13º, n.º 1 do Ccom.).
A apelada celebrou o contrato de compra e venda com a apelante, de cujo incumprimento nasceu a obrigação de juros, no exercício da sua atividade de comércio de vestuário e pronto a vestir (pontos 1 e 2 dos factos apurados).
Deste modo, é indiscutível que o contrato de compra e venda objeto dos presentes autos, de cujo incumprimento nasce a obrigação da apelante de pagar juros de mora, é subjetivamente comercial (da parte da vendedora – a apelada).
Logo, tratando-se de um negócio subjetivamente comercial, ainda que se trate de um contrato unilateralmente comercial, nos termos do disposto no art. 99º do Ccom., está-se perante um contrato de compra e venda comercial, sujeito ao regime jurídico do Código Comercial, incluindo ao disposto no seu art. 102º, pelo que os juros de mora devidos são os comerciais, independentemente da apelante ter ou não celebrado aquele contrato enquanto “consumidora”.
Uma ultima achega, contrariamente ao pretendido pela apelante, a prova produzida não permite concluir que a mesma tivesse celebrado o contrato de compra e venda em análise com a apelada na qualidade de “consumidora”, isto é, que tivesse adquirido as peças de roupa com o fito de as destinar ao uso não profissional, sequer na sentença recorrida se qualifica a mesma como “consumidora”, sequer se podia fazê-lo. É que se é certo que não se provou que a apelante destinasse tais bens ao comércio de vestuário e pronto a vestir, também não se provou qual a concreta finalidade com que a mesma adquiriu essas peças, designadamente, se as destinava ao seu uso, ao do seu agregado familiar ou de terceiros ou, quiçá, a fim de as revender, já que, como se sabe, da não prova de um facto não se pode retirar o facto contrário, isto é, que a apelante não tivesse adquirido essas peças de vestuário para as revender no exercício de uma eventual atividade comercial a que se dedique profissionalmente.
Aqui chegados, resta concluir que ao condenar a apelante a pagar juros de mora, à taxa comercial, a sentença recorrida não padece do erro de direito que a apelante lhe imputa.
Resulta do que se vem dizendo, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impondo-se julgar a presente apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
*
*
Decisão:
Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam as decisões e a sentença recorridas.
*
Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)
Notifique.
*
Guimarães, 20 de fevereiro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)
1. Remédio Marques, in “Ação Declarativa”, 3ª ed, pág. 268; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 198. 2. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pags. 90 e 91; Acs. STJ. de 29/04/2010, Proc. 622/08.1TVPRT.P1.S1; RC de 28/09/2010, Proc. 512/09.0TBTND.C1, in base de dados da DGSI. 3. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 93 a 94. 4. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 227. 5. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 93 a 94. 6. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª ed., Almedina, págs. 144 e 145; STJ. de 04/03/2010, Proc. 2425/07.1TBVCD.C1; de 19/12/2018, Proc. 2312/16.2T8FNC.L1.S1; RG. de 24/01/2019, Proc. 1689/17.7T8BGC.G1; de 31/10/2018, Proc. 31/10/2018, Proc. 642/14.7TBBGC.G1; RL. de 19/05/2016, Proc. 478/14.5TCSC.L1-6; 14/02/2013. Proc. 3082/11.6TBCLD.L1.2, todos in base de dados da DGSI. 7. Dário Moura Vicente, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, publicado na Revista Scientia Iuridica, n.º 293, pág. 360. 8. Marco Carvalho Gonçalves, “Competência Judiciária na União Europeia”, publicado na Revista Scientia Iuridica, n.º 339, págs. 423 e 424. 9. Ac. STJ. de 03/03/2005, Proc. 04A4283. 10. Ac. RP. de 01/06/2007, Proc. 10319/16.0T8PRT-A.P1, in base de dados da DGSI. 11. Marco Carvalho Gonçalves, “Competência Judiciária na União Europeia”, Revista “Scientia Iuridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro”, n.º 339, Setembro/dezembro de 2015. 12. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 156 a 157. 13. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 156. 14. Ac. STJ. de 30/01/2013, Proc. 1705/08.3TBVNO.C1.S1, in base de dados da DGSI. 15. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 104. 16. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 127. 17. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 74, onde postula que “A questão da legitimidade é essencialmente uma questão de posição das partes em relação à lide”. 18. Ob. cit., pág. 135. 19. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 134. 20. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 93. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, págs. 69 e 70, onde se lê: “… a legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa. Por isso, a legitimidade não é uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute. (…). Conforme resulta da redacção que a Reforma de 1995/96 deu ao n.º 3 do art. 26º do CPC de 1961 – redação mantida agora no art. 30º -, foi adotada a teoria que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade da relação controvertida descrita pelo autor na petição inicial”. 21. Acs. STJ de 14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; e RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI. 22. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153. 23. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155. 24. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609. 25. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 281. 26. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 275 e Acs. STJ. de 28/05/1991, Proc. 080293; RC. de 04/05/2004, Proc. 642/04; RL. de 04/11/2011, Proc. 320-C/2001.L1-1; e RE. de 3/11/2016, Proc. 33/12.4TBGLG.E1, todos in base de dados da DGSI. 27. Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 395. 28. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 567 e 568. 29. Ac. RL. 04/06/2015, Proc. 143342/12.6YIPRT.L1-8 in base de dados da DGSI. 30. Ac. RL. 24/05/2011, Proc. 2698/03.9TBmTJ.L1-1, in base de dados da DGSI. 31. Ac. RG. de 07/11/2019, Proc. 3/16.3T8VRL.G1, in base de dados da DGSI. 32. Ana Afonso, in “A obrigação de juros depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro”, Separata da Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 12, 2007, págs. 173 e ss. e 196, e “Sobre o âmbito de aplicação da obrigação de pagamento de juros comerciais” , in Revista do CEJ, nº1 (2015), disponíveis na internet. 33. Acs. da RP de 06.10.08, Proc. 0854446; RL.de 11/10/2012, Proc. 2358/10.4TJLSB.L1-8; RC de 09/01/2012, Proc. 902/10.6TBCBR.C1, in base de dados da DGSI. 34. Ac. STJ. de 04/06/2013, Proc. 2358/10.4TJLSB.L1.S2,in base de dados. 35. Ac. RG. de 04/10/2017, Proc. 372/11.1TBPTL.G1, na mesma base de dados, relatado pelo aqui 1º adjunto e em que foi adjunto o aqui 2º adjunto. 36. Acs. STJ de 09/07/2014, Proc. 433682/09; de 08/09/2016, Proc. 1665/06.5TBOVR.P2.S1, na mesma base de dados. 37. Neste sentido, Engrácia Antunes, in “Contratos Comerciais”, pág. 237; Maria Elisabete Ramos, in “Direito Comercial e das Sociedades - Entre as Empresas e o Mercado “, pág. 55 em que depois de assinalar a exclusão dos consumidores no caso do regime das transações comerciais, esclarece que: “Mas, se bem virmos, as operações com consumidores poderão ser abrangidas pelo § 3 do art. 102º do CComercial se o titular do crédito for uma “empresa comercial singular ou coletiva”. Acs. STJ. de 04/06/2013, Proc. 2358/10.4TJLSB.L1.S2; 09/07/2014; Proc. 433682/09; de 08/09/2016, Proc. 1665/06.5TBOVR.P2.S1; RG. de 07/11/2019, Proc. 3/16.3T8VRL.G1; 04/10/2017, Proc. 372/11.1TBPTL.G1; RP. de 27/03/2017, Proc. 484/13.7TBPVZ.P1; RC de 18/11/2014, Proc. 210/11.5TBCNF.C1; 12/09/2019, Proc. 4931/18.3T8CBR-A.C1; RL de 23/03/2012, Proc. 244/2002.L1-6; 29/11/2012, Proc. 433682/09.2YIPRT.L1-6; todos in base de dados da DGSI.