I- Do confronto do artigo 562.º, com o n.º 1 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, resulta o primado da reparação in natura, competindo à seguradora a prova da excessiva onerosidade, susceptível de afastar tal princípio, tendo em conta dois factores: o preço da reparação e o valor do veículo, não o venal, mas o patrimonial.
II- A privação de uso de uma viatura interveniente em acidente de viação representa um dano indemnizável.
III- Sob pena de ofender o princípio geral de direito à indemnização e ainda o disposto no artigo art.º 20º da C.R.P (o direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais) não pode o tribunal, em abstracto fixar o período temporal tido por razoável para a propositura da acção para efeitos de redução do montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 570º, do Código Civil.
IV- A comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo.
V- Deste modo, a indemnização pelo dano do parqueamento e da privação do veículo terá de ser fixada de acordo com a equidade (art. 566º, nº 3, do CC)
No caso concreto resultou provado que O condutor do veículo JL, ao aproximar-se da Estrada Nacional 13, Avenida ..., não cedeu a passagem ao motociclo ND que já se encontrava a escassos metros do dito entroncamento; - nº 22 º dos F.P Iniciou a referida manobra de penetração na Estrada Nacional 13, Avenida ..., sem olhar para o seu lado esquerdo e sem se certificar que pela referida Estrada Nacional 13, Avenida ..., não transitava e/ou se aproximava nenhum veículo automóvel, motociclo ou ciclomotor que pudesse impedir a sua penetração naquela estrada, como não olhou nem se certificou; - nº 23º do F.P E que não embaraçava os restantes utentes da via, como efectivamente não se asseverou; - nº 24º dos F.P Nem se certificou que poderia realizar tal manobra de condução sem perigo de colidir com veículo que transitava em sentido contrário e/ou no mesmo sentido, como era o caso do veículo ND; - nº 25º do F.P E que a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança e sem perigo para aqueles que aí transitavam, como era o caso do veículo ND; - nº 26º dos F.P O condutor do JL penetrou na Estrada Nacional 13, Avenida ..., e invadiu a sua hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha do ND; - nº 27º dos F.P Cortando completamente a linha do trânsito; - nº 28º dos F.P Obrigando o veículo ND a travar e guinar para a sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, como sucedeu, a fim de evitar o embate; - nº 29º dos F.P Sem, contudo, o conseguir; - nº 30 dos F.P E o que fez com que o condutor do ND não conseguisse evitar embater com a parte frontal do motociclo na parte lateral esquerda do veículo automóvel JL, como ocorreu; - nº 31º dos F.P O embate verificou-se na hemi-faixa direita da via, atento o sentido de marcha do veículo ND; - nº 32º dos F.P. Embate ficou a dever-se necessária e exclusivamente ao incumprimento das regras estradais (designadamente das supra enunciadas) pelo condutor do “JL”, uma vez que, não obstante ter parado o seu veículo no sinal de Stop retomou a sua marcha e entrou na EN 13 sem se certificar que o podia fazer e sem se certificar que a mesma estava livre. Por sua vez tendo-se apurado que que o motociclo ND que já se encontrava a escassos metros do dito entroncamento dificilmente se compreende que o dito condutor não tenha podido aperceber-se da presença na faixa de rodagem contrária do motociclo e, consequentemente, de ter isso em conta no momento em que se preparava para efectuar a manobra de mudança de direcção, sabendo – necessariamente – que, ao fazê-la, ia cortar a linha de marcha deste. É certo que também se apurou que: Antes do embate em causa nos autos e em momento anterior aos factos constantes dos pontos 22 a 32 dos factos provados, o veículo JL circulava pela Rua da ...; - nº 50 dos F.P Ao chegar ao entroncamento aí existente parou junto ao sinal Stop; - nº 51 dos F.P Quando os veículos que circulavam na estrada nacional pararam em fila, um deles parou antes de ocupar o espaço do entroncamento; - nº 52º dos F.P E o seu condutor fez sinal ao condutor do Corsa para avançar; - nº 53 dos F.P O condutor avançou e invadiu a hemi-faixa de rodagem da estrada nacional, com a intenção de depois virar para a esquerda; n- 54 dos F.P Porém como bem refere a recorrida jamais tal comportamento de terceiros “legitimam a manobra de invasão”, segundo as palavras da Recorrente, pois que aquele não se sobreleva à lei, às regras estradais à sinalização vertical de “STOP” que obrigava o condutor do veículo automóvel com a matrícula JL a parar e ceder a passagem aos veículos que circulavam na EN13 e o que não aconteceu. Mais se apurou que: O condutor do veículo JL conhecia a sua obrigação de parar na confluência da via por onde seguia com a Estrada Nacional 13, Avenida ..., e a obrigação de ceder a passagem a todos os veículos que transitavam na referida Estrada Nacional 13, Avenida ...; - nº 37 dos F. P, cumprimento da normal legal que não ocorreu. O condutor do veículo segurado na ré agiu pois com culpa. E trata-se, como se viu, de culpa efectiva, assente na violação de comandos legais. Importa agora apurar se o condutor do motociclo, com a sua conduta, também contribuiu para a produção do acidente. Tendo que se concluir necessariamente que não. Com efeito, tendo ficado (apenas) provado que motociclo circulava na sua «mão de trânsito» não se alcança como imputar-lhe a culpa na produção do acidente. E não se diga como faz a Recorrente, que o condutor do motociclo sinistrado estava a executar a ultrapassagem dos veículos na aproximação a um entroncamento. Desde logo porque tal como resulta dos pontos 16) e 22) da factualidade dada como provada, o motociclo sinistrado já se encontrava a circular na faixa de rodagem a cerca de 5 (cinco) metros do entroncamento quando foi surpreendido pelo veículo com a matrícula JL e se deu o embate, ou seja, resulta provado nos autos que aquando a eclosão do sinistro o motociclo não se encontrava a efectuar qualquer manobra de ultrapassagem imediatamente antes e no próprio entroncamento (à luz do preceituado no artigo 41.º, n.º 3 do CE). Factualidade e realidade que é, de resto, corroborada pelos pontos 27) a 32) da matéria dada como provada, ou seja, que o condutor do automóvel penetrou na Estrada Nacional 13, Avenida ... e invadiu a sua hemi faixa direita, atento o sentido de marcha do motociclo, cortando completamente a linha do trânsito e o que fez com que o condutor do motociclo não conseguisse evitar embater com a parte frontal do motociclo na parte lateral esquerda do veículo automóvel. Mas também pelos pontos 14) e 5) a 10) da matéria dada como provada, porquanto Entroncando a Rua da ... onde circulava o veículo automóvel à direita na Estrada Nacional 13, Avenida ..., atento o sentido de marcha do motociclo e estando os veículos automóveis que circulavam na mesma hemi faixa direita e no mesmo sentido de marcha do motociclo a circular próximo do seu limite direito, a ser efectuada a manobra de ultrapassagem pelo motociclo como alegado pela Recorrente, o embate sempre teria que ter envolvido o automóvel ultrapassado e o que não sucede manifestamente. O mesmo é dizer que não resulta provado nos autos que o condutor do motociclo aquando a eclosão do sinistro se encontrava a efectuar qualquer manobra de ultrapassagem Ora se o condutor do motociclo não se encontrava a efectuar qualquer manobra de ultrapassagem, é absolutamente inócua para a presente demanda a invocação da excepção prevista no artigo 41 nº3 do C. da Estrada. Neste contexto, face aos factos provados, entende-se que a produção do acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do segurado da ré. Ademais como bem refere a apelada contrariamente ao defendido pela Recorrente não é contraditória, nem revela acidentes distintos a factualidade dada como provada sob os n.ºs 22 a 28 e 51.º a 55.º, os quais descrevem a realidade quanto à dinâmica do acidente em referência nos autos. E se dúvidas houvesse, que não as há, cumpre conjugar tal factualidade dada como provada com a respectiva motivação e/ou fundamentação manifestamente clara contida na sentença recorrida que concretiza e esclarece que “da conjugação da prova produzida ressalta que o condutor do opel corsa parou, num determinado momento, o seu veículo no sinal de stop, no entanto, instantes depois, retomou a sua marcha e entrou na EN13 sem se certificar que o podia fazer e sem se certificar que a mesma estava livre. O aludido condutor tinha o dever de ceder a passagem aos veículos que circulavam na EN13, concretamente tinha o dever de ceder a passagem ao motociclo, porém, não o fez”. Não havendo dúvidas, sendo certo que tal é reconhecido por todos os condutores intervenientes no acidente - seja D. F., condutor do motociclo, seja G., condutor do automóvel – que o embate se deu na faixa de rodagem direita da EN13 (sentido sul-norte), isto é, na faixa onde circulava o motociclo – vide pontos 5 a 10 e 32 da matéria de facto dada como provada. Não obstante, e atenta a alegação da Recorrente, não é despiciendo precisar-se que à luz do preceituado no artigo 41.º, n.º 3 do CE, não é aplicável a proibição de ultrapassagem imediatamente antes dos entroncamentos sempre que na faixa de rodagem sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, desde que a ultrapassagem se não faça pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto. Pelo que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, não se exige, para o preenchimento do citado normativo legal, a prova da existência de duas ou mais filas de trânsito, mas apenas que na faixa de rodagem seja possível duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido. E essa possibilidade de duas ou mais filas de trânsito no mesmo sentido na faixa de rodagem sem ultrapassagem pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto, ficou inequivocamente demonstrado nos autos, desde logo atentando aos pontos 5) a 10) da matéria de facto dada como provada, nomeadamente. Ao resultar provado nos autos que o trânsito dos motociclos na mesma faixa e sentido de marcha do ND foi realizada com recurso à mesma manobra de passagem do ND, ou seja, deslocando-se ligeiramente para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando pelos veículos que o precediam, sem nunca transpor o eixo da via e nunca circulando, como não circulou, na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, e que os veículos automóveis que circulavam na mesma hemi-faixa direita e no mesmo sentido de marcha do ND, para facilitar essa passagem, estavam a circular próximo do seu limite direito. O que vale dizer que resulta inequivocamente demonstrado nos autos que na faixa de rodagem por onde circulava o motociclo foram possíveis duas filas de trânsito no mesmo sentido, sem que a ultrapassagem se tenha feito pela parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido oposto, tal como assim efectivamente sucedeu. E nem se diga, como faz a Recorrente, que o condutor do motociclo incumpriu as regras estradais ao conduzir a uma velocidade que não assegurou a distância entre si e o obstáculo. Ora, resulta dos autos que o motociclo circulava a não mais de 40Km/hora, numa faixa de rodagem com cerca de 7 metros de largura, com trânsito em marcha lenta, pelo que, com tais manobras de passagem, em qualquer momento, o mesmo podia retomar e inserir-se, sem dificuldade, no meio da hemi-faixa direita por onde circulava, sem causar embaraço ou perigo para o trânsito – vantagem inerente aos motociclos. O que é certo é que foi a condução do JL que, não obstante ter que conceder prioridade absoluta de passagem, resultante do STOP, ao cortar a linha de marcha do motociclista (vide ponto 28) da matéria de facto dada como provada), quando este se encontra a cerca de 5 metros do entroncamento, que originariamente desencadeou o processo que culminou na colisão. Improcede, assim, nesta parte a apelação da ré. ** Segunda questãoSe merece censura o que foi decidido quanto às parcelas indemnizatórias objecto da apelação. ●. Da excessiva onerosidade da reparação do veículo da autora. Adiantamos desde já que, o entendimento deste Tribunal no caso em apreço vai no sentido da douta sentença proferida em primeira instância, acompanhando assim várias decisões proferidas pelos vários Tribunais de recurso, incluindo pelo STJ, que no decurso deste acórdão serão citadas. Trata-se de uma questão já muito apreciada pelos Tribunais Superiores. O entendimento que se segue baseia-se na letra da lei. De facto, em matéria de obrigação de indemnização vale, como princípio geral, o da reconstituição natural, expresso no art. 562º do CC: quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Há, pois, uma clara opção da lei civil pela reconstituição in natura face à indemnização pecuniária, o que vale dizer que o nosso sistema confere prioridade à reposição natural que faculta ao lesado uma tutela mais perfeita do seu direito, conforme explica Antunes Varela em Das Obrigações em Geral, Almedina, Vol. I 10 ª edição pp 904. Esta prioridade impõe-se ao devedor, que só pode contrariá-la invocando e provando as circunstâncias previstas no art.º 566 nº1 do citado diploma legal. Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova ao autor cabe a prova do princípio à ré cabe a prova da excepção. Assim à autora que viu o seu motociclo danificado em acidente, cabe a prova do em quanto importa a reparação, restaurando in natura o veículo danificado, à ré seguradora que acha essa reparação excessivamente onerosa – cabe-lhe a prova disso mesmo, que a reparação não é apenas onerosa, mas excessivamente onerosa. Na verdade, a lei não se contenta com a simples onerosidade da reparação: exige que esta (a reparação) seja excessivamente onerosa para o devedor. E aqui, na ponderação deste elemento, não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (mas primacialmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro. Como evidencia o Sr. Conselheiro Pires da Rosa no Ac STJ 04,12,2007 (1) uma coisa é ter o valor outra é ter a coisa e por isso um veículo já com muito uso pode ter – e tem habitualmente – um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o mesmo é dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não tivesse ocorrido o dano. Por esta razão se tem entendido que o valor a ter em conta não é assim o valor venal, mas antes o valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado, pois uma coisa é o valor de um veículo destinado à venda - caso em que o valor do prejuízo coincide com o valor do bem - outra de um veículo que é instrumento de trabalho, lazer e de locomoção. No caso em apreço está designadamente, demonstrado pela autora como era seu ónus a possibilidade de reparação do motociclo não tendo a ré logrado provar com lhe competia que que a reparação do motociclo lhe causa um encargo injustificável ou desajustado. Compreende-se que o interesse da autora, no caso em apreço, aponte para a reparação do seu veículo, repondo-o na situação em que se encontrava antes do acidente, para dele continuar a dispor como anteriormente o fazia. E, por outro lado, não pode considerar-se excessivamente oneroso para a ré o dispêndio de € 2 983,75 (valor apurado para a reparação) não só atendendo ao montante em si sem reflexos significativos na situação patrimonial da ré, mas ainda porque, actualmente, e devido ao encarecimento da mão-de-obra, existe um desequilíbrio entre o preço das coisas e o da sua reparação. Sendo certo que este desequilíbrio não pode neste caso tornar-se em factor penalizante do lesado, que nenhuma culpa teve na eclosão do dano nem na dimensão deste. A opção pela restauração natural não configura nem concretiza, pois, flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo daquela para o responsável, razão por que por ela deve optar-se. Acresce dizer que o pagamento da reparação à apelante não representa qualquer enriquecimento sem causa, sendo apenas o valor necessário para reparar o seu veículo, ou seja, para reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Em defesa da sua pretensão invoca ainda a recorrente que o motociclo deveria se considerado uma perda total para efeitos do disposto no artigo 41.º do DL 291/2007 de 21/08. No entanto nos termos referidos nas contra-alegações pela recorrida e, tal como resulta do disposto no artigo 41.º do DL 291/2007 de 21/08 entende-se que um veículo sinistrado se considera em situação de perda total quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a). Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b). Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c). Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. Do n.º 2 do indicado normativo legal resulta que o valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente. O valor da substituição é o valor que o lesado teria que pagar para comprar um veículo da mesma marca, modelo, ano de construção, equipamento, estado de conservação e quilometragem; Ora, no caso dos autos, a Ré não logrou fazer prova nos autos do valor da substituição da viatura, ou seja, o valor que o lesado teria que pagar para comprar um veículo da mesma marca, modelo, ano de construção, equipamento, estado de conservação e quilometragem. Desde logo porque, e tal como é manifesto dos documentos n.º 4 e 5 juntos com a contestação, a Ré não logrou encontrar para venda no mercado um motociclo exactamente igual ao sinistrado, como se impunha, nomeadamente, um motociclo da mesma marca, modelo, ano de construção, equipamento, estado de conservação e quilometragem. Por conseguinte, e independentemente de uma eventual disparidade entre o valor do motociclo e a reparação, não logrou a Ré sequer demonstrar nos autos a perda total. Sendo certo que o valor da reparação de €2.983,75 não ultrapassa sequer em 100% o valor de €1.750,00 indicado pela Autora na sua petição inicial. Apesar de ter sido a autora quem alegou o valor do motociclo à data do acidente - €1.750- e de este se não ter provado, não afasta esta alegação o ónus probatório que sobre a R. impendia sobre a excessiva onerosidade da reparação e que uma vez não observado terá de suportar a respetiva consequência. ●. Do Parqueamento do Veículo. No ponto 48) foi dado como provado que “o parqueamento do motociclo na oficina tem um custo diário de €4,50”. Pelo que, contrariamente ao invocado pela apelante, resulta provado nos autos que o motociclo está parqueado na oficina (“o parqueamento do motociclo na oficina…”) e o respectivo custo diário é de €4,50. Ademais, e ao invés do alegado pela apelante, o custo do parqueamento na oficina é um dano decorrente do sinistro em causa nos autos. Como resulta provado nos autos, após o embate e na sequência deste o motociclo deixou de circular e foi levado para uma oficina, sendo que tal veículo era o único que a Autora possuía para se deslocar diariamente para o seu local de trabalho distante mais de 10 (dez) quilómetros da sua residência, não tendo sido disponibilizado à A. um veículo de substituição – vide, pontos 43) a 48) da matéria de facto dada como provada. E não invoque a apelante/ré o desconhecimento do parqueamento do veículo porquanto como bem anota a recorrida/autora resulta ostensivo dos autos, nomeadamente do teor do documento junto aos autos pela própria Ré (documento n.º 2 da sua contestação), que a peritagem foi precisamente efectuada na oficina onde o motociclo se encontra parqueado, cuja identificação vai, de resto, indicada nesse mesmo documento. ●. Da Privação do uso do veículo A Autora pede que a ré seja condenada a pagar uma indemnização no valor de € 11.475,00 para a compensar pela privação do uso do veículo, desde a data do sinistro/paralisação, acrescida do valor diário de € 15,00 ou no que vier a ser fixado pelo Tribunal desde a instauração da acção e até efectivo e integral pagamento. Considerou-se na decisão recorrida o seguinte: No caso em apreço, apurou-se qual a utilização dada pela Autora ao veículo sendo que, desde o acidente, aquela deixou de poder utilizar o veículo. Não se tendo apurado custos que a Autora tenha tido de suportar em consequência desta privação, a sua indemnização terá de ser encontrada com recurso à equidade. Nestes termos, atendendo a que a Autora está privada do uso e da utilização do seu motociclo desde a data do acidente e considerando que o mesmo era utilizado diariamente nas suas deslocações, afigura-se-nos ajustado fixar um valor diário de € 10,00, por cada dia de paralisação. Assim sendo, aos 765 dias de paralisação corresponde uma indemnização no valor de € 7650,00 (sete mil, seiscentos e cinquenta euros). A este valor acresce o montante diário de € 10,00, desde a instauração da acção e até efectivo e integral pagamento. Adoptou-se ali (na sentença) uma das orientações que vem sendo seguida na jurisprudência e na doutrina que defende a ressarcibilidade do dano em apreço como consequência da violação/privação do direito de propriedade (ou de usufruto ou de mero uso, conforme a situação) do dono (usufrutuário ou utilizador legítimo) do veículo, independentemente da utilização que este dele pudesse fazer durante o período de paralisação e da verificação ou não de despesas com o recurso a outros meios de transporte - neste sentido ver Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, sgs. 33-41, Meneses Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, 6ª ed., pg. 336 e Brandão Proença, in “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, 1997, pg. 676 e entre outros . Entendemos também que o uso de bens de consumo duradouro, como uma habitação ou um veículo automóvel, tem um valor e que a privação desse uso é indemnizável. A disponibilidade permanente de um veículo, que pode utilizar-se sempre e quando se precise, confere ao proprietário uma situação de segurança e independência que não tem, quando dele se vê privado, ficando, eventualmente, na dependência de terceiros (ou da realização de despesas) para obter esse grau de satisfação. E assim tendo-se provado que: - Em virtude do embate e com os danos sofridos, o motociclo ND deixou de circular, desde esse dia e até à presente data; - O veículo ND era o único motociclo que a Autora possuía para se deslocar; - A Autora utilizava o motociclo diariamente, nas suas deslocações para o seu local de trabalho que distava mais de 10 (dez) Km da sua residência; - Não foi disponibilizado à Autora veículo de substituição verifica-se dano pela paralisação a indemnizar. ●. Dos valores das indemnizações No que se reporta ao invocado abuso de direito e em concreto na questão do tempo para intentar esta acção seguimos o entendimento do recente acórdão desta relação (2) seguindo aqui de perto, a posição de Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil, Temas Especiais, págs. 65 e seguintes, Universidade Católica Editora, que no presente litígio, os factos apurados não permitem concluir, para efeitos do artigo 570º do C.Civil , que houve culpa do autor-recorrido-lesado por não ter intentado a presente acção judicial mais cedo. Concretizando. (…) E como refere Maria da Graça Trigo, na obra citada: “Ao direito de ser indemnizado corresponde a acção de indemnização. Constitui uma clara inversão deste princípio geral de direito, e um incitamento à litigância, considerar-se que, perante a recusa do lesante ou respectiva seguradora em satisfazer o pedido de indemnização, o lesado estaria obrigado a optar pela via judicial (ou a suportar o ónus de o fazer) sob pena de não obter o total ressarcimento dos danos. Diferente seria se o Tribunal viesse a dar razão à Seguradora relativamente ao montante que esta se propôs pagar ao lesado; nesta hipótese, a partir do momento da apresentação da proposta indemnizatória por parte da seguradora teria ocorrido mora do credor e a seguradora não teria de responder pelo agravamento dos danos após a constituição da mora”. Reportando estas considerações ao caso dos autos, consideramos que sob pena de ofender aquele princípio geral de direito e ainda o disposto no artigo art.º 20º da C.R.P (o direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais) não pode o tribunal, em abstracto fixar o período temporal tido por razoável para a propositura da acção para efeitos de redução do montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 570º, do Código Civil. Contudo deve ter-se presente que a regra geral do art. 566º, nº 2, do Código Civil – teoria da diferença – não pode ser aplicável ao dano do parqueamento e da privação do veículo na medida em que “a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo” (Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pág. 58). Deste modo, a indemnização pelo dano do parqueamento e da privação do veículo terá de ser fixada de acordo com a equidade (art. 566º, nº 3, do CC). (3) E assim no caso concreto não pode deixar de se ponderar que o valor acumulado da indemnização pelo parqueamento e privação do veículo ascenderá presentemente a um nível elevado que se afigura desproporcionado, tanto em relação ao valor devido pela reparação do veículo sinistrado (€ 2.983,75), como em relação ao valor comercial do veículo antes do acidente enunciado pela autora na petição inicial (€. 1.750,00). Pelo que se entende ser justo e equitativo atribuir, pelo parqueamento uma indemnização no valor de €. 2000,00 – Dois mil euros- e pela privação do veículo uma indemnização no valor de €. 2000,00, - dois mil euros- quantias estas acrescidas de juros à taxa de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que: ▪. Do confronto do artigo 562.º, com o n.º 1 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, resulta o primado da reparação in natura, competindo à seguradora a prova da excessiva onerosidade, susceptível de afastar tal princípio, tendo em conta dois factores: o preço da reparação e o valor do veículo, não o venal, mas o patrimonial. ▪. A privação de uso de uma viatura interveniente em acidente de viação representa um dano indemnizável. ▪. Sob pena de ofender o princípio geral de direito à indemnização e ainda o disposto no artigo art.º 20º da C.R.P (o direito de acção é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais) não pode o tribunal, em abstracto fixar o período temporal tido por razoável para a propositura da acção para efeitos de redução do montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 570º, do Código Civil. ▪. A comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo. ▪. Deste modo, a indemnização pelo dano do parqueamento e da privação do veículo terá de ser fixada de acordo com a equidade (art. 566º, nº 3, do CC) ** IV. DECISÃO Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, alterando-se a decisão recorrida e condenando-se a Ré a pagar à Autora pela privação do uso de veículo, uma indemnização no valor de € 2,000,00 (dois mil euros) e pelo parqueamento do veículo uma indemnização no valor de € 2,000,00 (dois mil euros), quantias estas acrescidas de juros à taxa de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Custas pelas partes, na acção e no recurso, na proporção do decaimento. Notifique. Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora) O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos Maria Purificação Carvalho (Relatora) Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta) José Cravo (2º adjunto) 1. In dgsi.pt 2. Acórdão datado de 16.05.2019 proferido no processo nº 198/17.9T8VPC.G1 (relatora Dra. Ana Cristina Duarte) acessível in dgsi.pt 3. Neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.07.2017 e proferido no processo nº 188/14.3T8PTL acessível in dgsi.pt.( relatora Maria da Graça Trigo). |