INJUNÇÃO EUROPEIA
FALTA DE CAUSA DE PEDIR
OPOSIÇÃO
FORMA
MEIO DE APRESENTAÇÃO EM JUÍZO
Sumário

I - Se, num processo de injunção para pagamento europeia, o requerente apresenta um requerimento inicial de injunção não substanciado por factos essenciais que constituam causa de pedir e o juiz, após declaração de oposição do requerido e remessa do processo ao tribunal competente para prosseguir os termos do processo comum declarativo, ordena a notificação do autor para apresentar articulado inicial substanciado dentro de determinado prazo e o mesmo nada faz, ocorre nulidade do processo por falta de causa de pedir, geradora de absolvição do R. da instância.
II - Para uma oposição eficaz à injunção basta uma mera e singela declaração naquele sentido, mesmo não fundamentada, dirigida ao tribunal onde o processo se encontra, seja através do formulário normalizado F, constante no Anexo VI, seja por meio de suporte em papel ou por quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos, aceites pelo Estado-Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.
III - Por o Regulamento (CE) nº 1896/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, prever como não obrigatória para o requerido a representação por advogado ou outro profissional forense no que diz respeito à declaração de oposição a uma injunção de pagamento europeia, é de admitir a apresentação a Juízo dessa declaração através de correio postal quando o requerido não está patrocinado, ao abrigo da al. b), do nº 7 do art.º 144º do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Proc. nº 13249/18.0T8PRT.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Paços de Ferreira

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Judite Pires
Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua …, nº …, …, Paços de Ferreira, em 8.6.2018, representada por advogada, apresentou requerimento de injunção de pagamento europeia, no Juízo Central Cível da Comarca do Porto, contra C…, com sede em ., Rue …, Nice, França, com referência a um crédito principal (excluindo juros e despesas) de € 19.229,16 emergente de um contrato de empreitada transfronteiriço (na UE), a que acrescem juros de mora vencidos desde 31.12.2017.
Na sequência de despacho, a Requerente demonstrou que havia juntado já o formulário A devidamente assinado, razão pela qual o tribunal, por decisão de 25.6.2018, considerou preenchidos os requisitos previstos no art.º 8º do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento e do Conselho, de 12 de Dezembro, e ordenou que se procedesse à emissão da injunção de pagamento europeia a que se refere o art.º 12º do referido Regulamento e à citação da Requerida nos termos e para os efeitos estabelecidos nesse normativo.
A Requerida foi citada para pagar ou deduzir oposição (formulário E e F) em 11.7.2018, conforme informação dos CCT na sequência de reclamação de A/R.
A Requerida opôs-se à injunção através de uma missiva postal em língua francesa redigida com a data de 21.9.2018 e dirigida à A. mas enviada a Juízo, onde deu entrada a 1.10.2018, com o seguinte teor:
«(…)
A B…, UNIPESSOAL LDA
Rua …, …
….-… …-Paços de Ferreira

Madame
Pour faire suite à votre lettre recommandée du 05/07/2018, qui a pour objet de vous régler la somme de 19.229,16 €. Nous contestons cette demande étant donné que nous vous avons déjà réglé. Nous vous avons reclamé à plusieurs reprises par mail (17/05/18) et par voie postale de nous transmettre votre assurance décennale car nous avons été contraints d’intervenir plusieurs fois chez le cliente D… à cause de malfaçons causées par vous. D’ailleurs ces travaux supplémentaires ont un cout qui vous incombe.
Nous avons donc le regret de vous informer que nous ne paierons ce que vous nous demandeé car le montante n’est pás justifié.
Veuillez agréer, Madame, nos salutations distínguées.
(…)»
Esta carta contém, basicamente, uma recusa de pagamento da quantia que constitui o pedido da injunção de pagamento europeia.

A 7.1.2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Tempestivamente deduzida oposição pela requerida neste procedimento europeu de injunção de pagamento através do “Formulário F” (fls. 22 e “Considerando nº 23” do Regulamento 1896/2006), prosseguirá a ação nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum português, nos termos dos arts. 16 e 17 do Regulamento (CE) 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006 (em conjugação ainda com o Regulamento (CE) nº 1215/2012).
Assim, remetam-se os autos ao Juízo Local Cível de Paços de Ferreira por ser o territorialmente competente para prosseguir os ulteriores termos do processo comum de declaração.

*
Notifique as partes, efetuando-se a comunicação a que se refere o art. 17 nº 3 do referido Regulamento (CE) 1896/2006.
Após, remetam-se os autos ao Juízo Local Cível de Paços de Ferreira.
(…).»
As partes, designadamente a A. através de certificação Citius datada de 17.1.2019, foram notificadas daquele despacho, nada tendo sido requerido ou impugnado.
Uma vez no Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, foram emitidas guias para pagamento da taxa de justiça e, não tendo sido paga pela R., foram emitidas novas guias e a Requerida notificada para pagamento da taxa de justiça e multa, nos termos do art.º 570º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Face ao não pagamento, no dia 8.4.2019, o tribunal proferiu o seguinte despacho:
«Cumpra o disposto no artigo 570.º, n.º 5, do CPC.
Convida-se as partes a apresentar todos os meios de prova que pretendam produzir e a Ré a aperfeiçoar a sua oposição, justificando as razões pelas quais deduziu oposição à injunção.
Prazo: dez dias.»
Foram emitidas novas guias que também não foram pagas.
A Requerente apresentou requerimento probatório, com prova documental e testemunhal.
A 20.5.2019 o tribunal despachou assim:
«Tendo em conta o valor da acção (€19.229,16) e o disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do CPC, artigo 629.º, n.º 1, do mesmo código, e artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, é obrigatória a constituição de advogado.
Considerando que a obrigatoriedade de constituição de advogado não constava da carta de citação remetida à Ré, e tendo em conta o estabelecido no artigo 41.º do C.P.C., ordeno que se notifique a ré para, em 10 dias, constituir mandatário, sob pena de ficar sem efeito a defesa.»
Foi processada a notificação da Requerida em conformidade.
Porém, por despacho de 24.10.2019, o Ex.mo Juiz decidiu o seguinte:
«Compulsados os autos verifica-se que, não obstante ter sido determinado que o processo seguisse os seus ulteriores termos sob a forma de processo comum, conforme resulta do disposto no art.º 17.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu (cfr. fls. 27), o certo é que as partes não foram ainda notificadas para apresentar os respetivos articulados específicos desta forma de processo, ou seja, a petição inicial e a contestação, o que se impõe.
Assim, notifique a Autora para, em 10 dias, apresentar p.i., devidamente instruída.
Após, notifique a Ré da p.i. que vier a ser apresentada, a fim de a mesma, querendo, deduzir contestação, bem como para pagar a taxa de justiça respetiva pela apresentação desse articulado.
Advertem-se mais uma vez as partes de que os presentes autos são de constituição obrigatória de mandatário, pelo que, caso qualquer articulado seja apresentado sem a respetiva procuração, será aplicada a consequência prevista no art.º 41.º, do Código de Processo Civil, não se concedendo novo prazo ulterior ao articulado para suprimento dessa falta.»
A secretaria notificou a A. deste despacho e, face à inércia desta no prazo concedido, o tribunal, em 14.11.2019, proferiu a seguinte decisão final:
«Na sequência do despacho de fls. 84, não veio a Autora apresentar petição inicial.
Face à ausência da respetiva peça processual, e porque o formulário de requerimento de injunção europeia de fls. 2 a 5 não supre a ausência deste articulado (tanto mais que no mesmo não são articulados factos que integrem a causa de pedir, nem é deduzido expressamente o pedido, não sendo juntos quaisquer documentos, v.g. facturas, para o conteúdo das quais a Autora remeta), impõe-se concluir que os autos carecem de objeto.
*
Assim sendo, declaro a extinção da presente instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277.°, alínea e), do Código de Processo Civil, absolvendo a Ré da instância.
Custas a cargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 527°, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Valor da ação: €19.229,16 (art.ºs 297.º e 306.º, ambos do Código de Processo Civil).»
*
Inconformada com a decisão, dela apelou a Requerente, tendo produzido alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. A sentença de que se decorre considerou haver impossibilidade superveniente da lide, em virtude de a Autora não ter apresentado petição inicial.
B. Contudo, a Autora não o tinha de o fazer porquanto apresentara requerimento de injunção europeia, nos termos do formulário F, previsto no regulamento comunitário nº 1896/2006 de 12.12.2006, alterado pelo Regulamento nº 936/2012 da Comissão de 4.10.2012.
C. Face a esse requerimento e porque a requerida não deduziu oposição de acordo com a forma prevista no artigo 16º daquele regulamento (formulário F), a resposta por ela apresentada, por carta e em língua francesa, com data de 21.09.2018, teria e terá de se reputar nula, nos termos e com os efeitos do artigo 195º n. 1 do C.P.C..
D. Assim não o entendeu o Tribunal Central Cível do Porto, que, indevidamente, remeteu o processo para a forma comum e para outro tribunal.
E. Ao fazê-lo incorreu num erro na forma de processo, o qual implicava a anulação de todos os atos subsequentes face ao disposto no artigo 193º do C.P.C..
F. Tal nulidade era de conhecimento oficioso, mas não foi declarada no Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, para onde o processo foi remetido.
G. A verdade é que a mesma nulidade não é suprível e permanece nos atos subsequentemente praticados, seja o despacho de apresentação de nova oposição aperfeiçoada, seja o despacho para constituir mandatário, seja o despacho que determinou a tradução deste, seja o despacho para juntar prova, seja ainda o despacho para a presentar Petição e Contestação.
H. Face a esta sucessão de nulidades, não havia fundamento para a Sentença de que se recorre, que considerou a instância impossível por falta de petição inicial.
I. Termos em que deve tal sentença ser revogada, e reconhecida a nulidade por erro na forma de processo deverá a mesma ser substituída por outra decisão que, considerando não ter havido Oposição válida declare a injunção requerida executória, nos termos previstos no artigo 18º do regulamento comunitário aplicável, (…)» (sic)
*
Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.

II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 634º e 639º do Código de Processo Civil).

Com efeito, está para apreciar e decidir se a A. não estava obrigada a apresentar a petição inicial e, por essa razão, não havia que declarar extinta a instância (por impossibilidade superveniente da lide).
*
III.
A matérias de facto a considerar tem natureza processual e consta do relatório que antecede.
*
IV.
Apreciemos a questão da apelação.
É de uma injunção para pagamento europeia que se trata, sendo-lhe aplicável o regime do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, alterado pelo Regulamento (EU) n.° 936/2012 da Comissão de 4 de outubro de 2012, pelo Regulamento (EU) n.° 517/2013 do Conselho de 13 de maio de 2013, e pelo Regulamento (EU) 2015/2421 do Parlamento Europeu e do Conselho.[1]
A. Requerente, com sede em Paços de Ferreira, Portugal[2], apresentou requerimento de injunção europeia no Tribunal Central Cível do Porto contra uma sociedade sediada em França. Fê-lo através do formulário normalizado A, constante do anexo I ao Regulamento, como determina o respetivo art.º 7º, nos termos do qual (nº 2) deve, além do mais, incluir:
«a) Os nomes e endereços das partes e, se for caso disso, dos seus representantes, bem como do tribunal a que é apresentado;
b) O montante do crédito, incluindo o crédito principal e, se for caso disso, os juros, as sanções contratuais e os custos;
c) (…)
d) A causa de pedir, incluindo uma descrição das circunstâncias invocadas como fundamento do crédito e, se necessário, dos juros reclamados;
e) Uma descrição das provas que sustentam o pedido;
(…)».
O tribunal onde é apresentado o requerimento analisa-o e verifica se foram observados aqueles e outros requisitos previstos nos art.ºs 2º, 3º, 4º, 6º e 7º do regulamento e se o pedido parece fundamentado.
O tribunal deve conceder ao Requerente a possibilidade de retificar ou completar o requerimento se não estiverem preenchidos os requisitos previstos no art.º 7º, a menos que o pedido seja manifestamente infundado ou que o requerimento seja inadmissível (art.º 9º).
O Regulamento determina que o tribunal tem o dever de recusar o requerimento se não estiverem preenchidos os requisitos estabelecidos nos art.ºs 2º, 3º, 4º, 6º e 7º (cf. art.º 11º, nº 1, al. a)), o que não obsta a que o requerente reclame o crédito através da apresentação de um novo requerimento de injunção de pagamento europeia ou da instauração de outro procedimento previsto na legislação de um Estado-Membro (nº 3, também do art.º 11º).
Se estiverem preenchidos os requisitos previstos naqueles normativos, o tribunal emite uma injunção de pagamento europeia no prazo mais curto possível, juntamente com uma cópia do formulário de requerimento, sendo o requerido avisado na citação/notificação de que pode optar entre (a)) pagar ao requerente o montante indicado na injunção ou (b)) deduzir oposição à injunção de pagamento mediante a apresentação de uma declaração de oposição, que deve ser enviada ao tribunal de origem no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da injunção (art.º 12º, nºs 1, 2 e 3, al.s a) e b)).
A injunção de pagamento adquirirá força executiva, a menos que seja apresentada uma declaração de oposição junto do tribunal ao abrigo do artigo 16°. Se a declaração de oposição for apresentada, a ação prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo (art.º 12º, nº 4, al.s b) e c)).
Enquanto do art.º 7º, nº 1, do Regulamento, resulta para o requerente um dever (a norma contém a expressão “deve ser apresentado”) de apresentar o requerimento inicial de injunção através da utilização do formulário normalizado A, constante do Anexo I --- cominando a sua não utilização com a recusa do requerimento ---, do art.º 16º, nº 1, do Regulamento, emerge que “o requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando o formulário normalizado F, constante do Anexo VI (…)”[3], o que significa ser uma faculdade do requerido fazer a apresentação da oposição através daquele anexo ou de outra forma documentada, seja em suporte de papel, sejam quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos (cf. nº 4). Ao requerido basta até indicar na declaração de oposição que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os seus fundamentos da contestação (nº 3 do art.º 16º). Compreende-se, por isso, que o Regulamento --- ao contrário do que prevê para o requerimento inicial --- não contenha qualquer norma sancionatória para a não utilização do formulário F pelo requerido na dedução da sua oposição à injunção.
Embora sem tradução para o português, a Requerida opôs-se à injunção no prazo legalmente previsto (art.º 16º, nº 2) através de uma exposição em suporte de papel que remeteu a Juízo e ali deu entrada no dia 1.10.2018 e que, como observámos, não tinha de ser obrigatoriamente efetuada através do formulário normalizado F.
Pretende o legislador europeu uma mera declaração que reflita oposição à injunção para que, na sua falta, o tribunal declare imediatamente executória a injunção de pagamento europeia (através do formulário normalizado G, constante do Anexo VII) que enviará ao requerente (art.º 18º).
Verifica-se que a Requerida não constituiu advogado e subscreveu diretamente a declaração de oposição. Podia fazê-lo, já que, nos termos do art.º 24º do Regulamento, a representação por um advogado ou outro profissional forense não é obrigatória:
a) Para o requerente, no que diz respeito ao requerimento de injunção de pagamento europeia;
b) Para o requerido, no que diz respeito à declaração de oposição a uma injunção de pagamento europeia.
Como dissemos, o nº 4 do art.º 16º admite que a declaração de oposição seja apresentada em suporte de papel ou em quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos, aceites pelo Estado-Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.
Por não ser a constituição de advogado ou outro profissional forense obrigatória para o requerido quanto à referida declaração e não se encontrar a C… patrocinada, não podemos deixar de entender que o nosso direito processual admite a apresentação da mesma a Juízo, pelo próprio Requerido, em suporte de papel, através da remessa pelo correio, como resulta do disposto no art.º 144º, nº 7, al. b), do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, o Tribunal Central Cível do Porto andou bem ao proferir o despacho de 7.1.2019, relevando como oposição a declaração apresentada pela Requerida e determinando a remessa dos autos para o Juízo Local Cível de Paços de Ferreira; pois que, do art.º 17º consta que, sendo apresentada uma declaração de oposição no prazo legal, “a ação prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo”. E, de acordo com o art.º 80º, nº 3, do Código de Processo Civil, que estabelece a regra geral em matéria de competência territorial dos tribunais comuns, “se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, é demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, é demandado no do domicílio do autor. E. quando este domicílio for em país estrangeiro, é competente para a causa o tribunal de Lisboa”[4].
Deve, aliás, dizer-se que aquele despacho de 7.1.2019 foi notificado à Requerente e com ele a mesma se conformou, não tendo suscitado qualquer nulidade processual, no prazo legal de 10 dias (art.ºs 149º e 199º do Código de Processo Civil), nem dele tendo interposto recurso, como seria devido se se considerasse que o despacho foi proferido a coberto de uma nulidade processual.[5]
Formou-se caso julgado formal sobre aquele despacho, assim, com força vinculativa dentro do processo (art.º 620º do Código de Processo Civil).
Os autos foram remetidos a Paços de Ferreira para seguir a forma de processo civil nacional adequada, que é o processo comum de declaração (cf. art.ºs 12º, nº 4, al. c) e 17º, nºs 2 e 3, do Regulamento).
Não se vê pois onde esteja o erro na forma do processo e a incompetência absoluta do tribunal que a recorrente invoca conclusivamente e apenas com base numa nulidade que não suscitou regularmente e que, de resto, não existiu.
Por despacho de 8.4.2019, o tribunal fez notar o incumprimento, pela Requerida, do dever de pagar a taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, ordenado o cumprimento do disposto no art.º 570º, nº 5, do Código de Processo Civil, convidando-a “a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC”.
A sanção prevista na lei para a persistência no não pagamento da taxa de justiça e da multa assim calculada é, nos termos do nº 6, ainda do art.º 570º, o “desentranhamento da contestação”.
A taxa de justiça é devida pela apresentação da contestação, devendo ser junto com ela o documento comprovativo do seu prévio pagamento (art.º 552º, nº 2, ex vi art.º 570º, nº 1, do Código de Processo Civil e art.ºs 6º, nº 1 e 14º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais).
Acontece que não fora ainda apresentada contestação pela Requerida, nada podendo ser desentranhado. A mera oposição à injunção não é mais do que isso mesmo. Teria de haver uma oposição fundamentada à ação, de acordo com o nosso direito nacional, como é próprio do processo comum de declaração (art.ºs 552º e seg.s do Código de Processo Civil, em especial art.ºs 552º, 569º, 572º, 573º e 574º), cuja aplicação resulta das já citadas normas do Regulamento e ainda do art.º 26º deste mesmo diploma europeu ao estipular que as questões processuais não reguladas expressamente no Regulamento, se regem pela lei nacional.
Isto mesmo foi posteriormente compreendido pela Ex.ma Juiz que, por despacho de 24.10.2019, fez constar ter verificado que, não obstante se ter determinado que o processo seguisse a forma de processo comum declarativo, as partes (A. e R.) ainda não haviam sido notificadas “para apresentar os respetivos articulados específicos desta forma de processo, ou seja, a petição inicial e a contestação, o que se impõe”. Por isso, ordenou que se notificasse a A. “para, em 10 dias, apresentar p.i., devidamente instruída”. Mais determinou que só após a apresentação do articulado inicial dele se notificasse a R.a fim de a mesma, querendo, deduzir contestação, bem como para pagar a taxa de justiça respetiva pela apresentação desse articulado”.
Era o despacho que se impunha proferir, assim corrigindo os termos processuais. Concedia-se a oportunidade de o A. substanciar a sua pretensão à luz dos art.ºs 5º, nº 1 e 552º do Código de Processo Civil, com a respetiva causa de pedir e o pedido, acautelando a possibilidade de sucesso na sua pretensão, ao mesmo tempo que se concedia à R. o conhecimento da matéria de facto sobre a qual deveria edificar, oportunamente, a sua defesa. Há muito que ficara para trás o insucesso da injunção, com negação da sua executoriedade (art.º 18º do Regulamento).
Opôs-se a A., de alguma forma, ao cumprimento deste despacho? Não! Simplesmente se manteve inerte, até que, por despacho de 14.11.2019, o tribunal proferiu a decisão final recorrida, absolvendo a R. da instância por o formulário normalizado A que a Requerente apresentou no processo de injunção de pagamento europeia não suprir a ausência de articulado, nem sequer conter factos que integrem a causa de pedir, nem pedido, nem tendo sido juntos quaisquer documentos, tais como faturas, para cujo conteúdo a Requerente remeta.
Considerou o tribunal que, assim, havia impossibilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277°, al. e), do Código de Processo Civil.
Não havia qualquer motivo válido para a A. não apresentar a petição inicial, conforme foi notificada, suprindo assim as manifestas insuficiências do requerimento de injunção de pagamento. Na verdade, do formulário normalizado A apenas consta tratar-se de um crédito no valor de € 19.229,16 relativo a um contrato de subempreitada em apartamento, por obra entregue em dezembro de 2017 e que há juros vencidos a partir de 31.12.2017. Só mais tarde foram juntas uma fatura e uma alegada nota de interpelação.
Apenas às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. O A. deve alegar aqueles factos nucleares na petição inicial e o R. deve fazê-lo na contestação quanto à matéria da sua defesa; são estes os articulados próprios para o efeito (art.ºs 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d) e 572º, al. c), do Código de Processo Civil).
São essenciais os factos principais, imprescindíveis à procedência do pedido; aqueles que preenchem a causa de pedir enquanto núcleo fático tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito material pretendido[6]. São os factos necessários à individualização da pretensão material invocada pelo autor. É a previsão de uma norma jurídica substantiva que fornece os elementos para a construção de uma causa petendi enquanto conceito processual edificado a partir do direito substantivo, e que fixa, nos processos respeitantes a direitos disponíveis, os limites do conhecimento do juiz. São, portanto, os factos estruturantes do objeto do processo, constituído pela causa de pedir e pelo pedido, assim como pelas exceções perentórias deduzidas, o que significa que são as partes que delimitam os contornos fácticos do litígio, o thema decidendum.
É com base, pelo menos, nos factos essenciais que o juiz pode proferir sentença.
Paulo Pimenta refere[7]: “(…) a alínea b) do nº 2 do art. 5º mostra bem que não há preclusão quanto a factos que, embora essenciais, sejam complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados (isto é, factos que, embora necessários para a procedência das pretensões, não têm uma função individualizadora do tipo legal). (…) Nos casos em que a narração fáctica vertida na petição não cumpra cabalmente o ónus que sobre o autor impende, teremos o seguinte quadro: ou a alegação contida na petição inicial é de tal modo deficiente que não permite identificar o tipo legal, caso em que ocorrerá ineptidão, por falta de causa de pedir [art. 186º 2.a)]; ou a alegação, embora deficiente, permite essa identificação, caso em que se imporá, na altura própria, a prolação de despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado (art. 590º 4). No primeiro caso, dir-se-á que foi omitida a alegação de factos essenciais nucleares, ou seja, factos que integram o núcleo primordial da causa de pedir e desempenham função individualizadora dessa causa de pedir: daí a ineptidão. No segundo caso, apesar de assegurada a individualização da causa de pedir, foi omitida a alegação de factos essenciais complementares ou concretizadores, isto é, factos sem os quais a acção não pode proceder.
Além do pedido, o autor deve, na petição inicial, alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer, os factos concretos que o autor diz ter constituído o efeito pretendido. A esse pedido fundado na causa de pedir dá o tribunal resposta quando profere a sentença de mérito.
A falta do pedido ou da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objeto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a causa de pedir é formulado de modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos.[8]
O convite à junção de articulado inicial justificou-se por uma total ausência de causa de pedir no formulário normalizado A (na verdade não são ali, sequer, descritos factos, nem há também, em rigor, um pedido explícito). Aquele formulário, parcialmente preenchido, não contém factos relevantes, mas apenas referências conclusivas ao contrato celebrado e ao valor do crédito de capital e data de vencimento de juros, não traduzindo qualquer substanciação que viabilize a eventual defesa da R. e a prolação de uma sentença de mérito.
Assim, devendo considerar-se que a A., ao negar a apresentação do articulado solicitado, entendeu como suficiente o formulário normalizado A e não contendo este causa de pedir, nem pedido devidamente formulado, falta, ab initio[9], o objeto do processo, sendo aquela petição formulada manifestamente insuficiente e inepta, com recusa posterior da A. na sua sanação. Por isso, ocorre nulidade de todo o processo nos termos do art.º 186º, nº 1 e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, o que constitui exceção dilatória (art.º 577º, al. b), do mesmo código.
O efeito da nulidade é a absolvição da R. da instância (art.º 278º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil).
A apelação deve ser julgada improcedente. No entanto, afastando-nos nós da qualificação dada na 1ª instância de impossibilidade superveniente da lide, para considerarmos haver nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial[10]; porém, com o mesmo efeito processual: a absolvição da R. instância.
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SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida que absolveu a R. da instância, porém, agora por ineptidão da petição inicial, julgando-se nulo todo o processo.
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Custas pela A. recorrente, por ter decaído na apelação.
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Porto, 23 de janeiro de 2020
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Será adiante designado apenas por Regulamento. A ele pertencem as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] O Estado-Membro de origem.
[3] O negrito é nosso.
[4] O sublinhado é nosso.
[5] No recurso interposto impugna-se apenas a decisão final, como se extrai do seu intróito.
[6] J. Lebre de Freitas, Da Ação Declarativa Comum, 3ª edição, Coimbra, pág. 41.
[7] Processo Civil Declarativo, Almedina 2014, pág. 139.
[8] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 1999, Volume 1º, pág.s 321 e 322.
[9] E não poer facto posterior, ocorrido na pendência da causa, que tornasse impossível a lide (ainda que por motivos atinentes ao objeto do processo).
[10] O Tribunal Superior não está vinculado à qualificação jurídico-processual que é dada na 1ª instância, aplicando livremente o Direito.