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FORMA DE PROCESSO
INJUNÇÃO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CLÁUSULA ACESSÓRIA
CLÁUSULA PENAL
Sumário
1-Nas cláusulas penais indemnizatórias, o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento. Nas compulsórias, o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento ou a sancionar o devedor pelo não cumprimento. 2- Por sua vez, as cláusulas penais compulsórias dividem-se em: (i) cláusulas penais exclusivamente compulsórias, em que o credor e o devedor acordam em fixar uma pena que acresce ao não cumprimento, e (ii) cláusulas penais em sentido estrito: o credor e o devedor acordam em fixar uma pena que substitui o cumprimento. 3- Se pela estipulação de uma cláusula penal se visava assegurar que a locatária cumprisse todos os alugueres e não a fixação antecipada do quantum indemnizatório de um dano, trata-se de cláusula penal compulsória em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente. 4- Através da cláusula penal em sentido estrito constitui-se uma obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris: o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva do cumprimento. 5-O critério de distinção entre as dívidas de dinheiro e as dívidas de valor reside no seguinte: nas dívidas de dinheiro a prestação pecuniária é a prestação devida; nas dívidas de valor, a prestação pecuniária é uma prestação substitutiva da prestação devida. 6-Com o procedimento de Injunção, o legislador do DL 269/98, sentiu necessidade de criar um meio processual, de natureza administrativa, que permitisse ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, de forma célere e simplificada, de um título executivo, sem contraditório, optando o legislador nacional por um modelo não probatório caracterizado por uma total ausência de apreciação judicial relativa ao mérito do pedido. 7- Quando a lei usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” estará a referir-se aos tipos contratuais cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste numa obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro. Afastando, assim, as obrigações pecuniárias de valor, sejam a título de prestação principal, sejam enquanto prestação acessória ou como obrigação com faculdade alternativa a parte creditoris. 8- As cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor, substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade. 9-A esta luz, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO.
1-G R, SA, instaurou procedimento de injunção contra Auto Lda, pedindo:
-A condenação da ré no pagamento da quantia 10 216,24€ de capital, acrescida de 2 584,01 de juros de mora vencidos.
Alegou, em síntese, a celebração com a requerida de contrato de locação relativamente a equipamento informático. Com fundamento na falta de pagamento dos alugueres acordados, a requerente resolveu o contrato por carta registada datada de 18/10/2013. Tem direito às rendas vencidas e não pagas e ainda as que se venceriam até final do contrato a título de cláusula penal; estava ainda a requerida obrigada a devolver o equipamento e, como não o devolveu, tem obrigação de pagar 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal a liquidar no acto da entrega ou em sede de execução.
2- Citada editalmente, a requerida não interveio no processo.
3- Citado o Ministério Público em representação da requerida ausente, apresentou contestação. Invoca, além do mais, a excepção dilatória de erro na forma de processo.
4- A requerente respondeu à excepção dilatória, pugnando pela respectiva improcedência.
5- Foi proferido saneador/sentença que julgou procedente a excepção de erro na forma de processo, declarando nulo todo o processado e absolvendo a requerida da instância.
6- Não se conformando com essa decisão, a requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente Recurso incide sobre a decisão do douto tribunal a quo de considerar verificados os pressupostos para a existência de erro na forma de processo.
2. Desde logo cumpre analisar o regime previsto no Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro, por forma a aferir em que circunstâncias se mostra possível a um credor “lançar mão” de tais acções especiais de cobrança para fazer valer o seu direito.
3. O artigo 7.º do DL 269/98 de 01/09, na redacção que lhe foi dada pelo DL 107/2005 de 01/07, considera injunção “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1.º do diploma preambular (o qual se refere a obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00), ou das obrigações emergentes de transacções comerciais, abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
4. No caso em apreço, estamos perante duas pessoas colectivas e um pedido formulado no valor de 12.800,25 €.
5. Valor em dívida este que decorre de uma obrigação assumida no contrato celebrado entre as partes que resultou do respectivo incumprimento contratual por parte do Réu.
6. Resulta da cláusula 16.º, nº 1 - que o locador, em caso de incumprimento pelo locatário terá direito às rendas até final do contrato: “Tendo em consideração que o locador adquiriu o bem locado para benefício do locatário (…) o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.”
7. Assim, o valor das prestações vincendas desde a resolução até ao final do contrato é devido tendo em conta que o investimento efectuado pela Autora apenas é recuperado com o pontual cumprimento dos pagamentos definidos no contrato celebrado entre as partes.
8. Assim, e contrariamente ao que considerou o douto tribunal a quo, resulta que o requerimento de injunção em causa consubstancia o pagamento de quantias devidas por incumprimento do contrato de locação, pois que o pagamento da quantia pecuniária peticionada decorre directamente do contrato.
9. Veja-se que este montante não constitui uma verdadeira indemnização mas antes corresponde ao valor que a Locadora receberia se o contrato tivesse sido cumprido ou seja ao valor equivalente a todos os alugueres que eram devidos até ao termo do contrato (consequência directa do incumprimento do contrato face ao esforço da Autora).
10.Ora, o conceito amplo de cláusula penal como estipulação acessória, segundo a qual o devedor se obriga a uma prestação para o caso de incumprimento (lato sensu), compreende duas modalidades: as cláusulas penais indemnizatórias e as cláusulas penais compulsórias.
11.Parece-nos claro que a penalidade em causa corresponde a uma convenção antecipada e acordada pelas partes, sempre que se verifique ou não um facto contratualmente previsto – in casu – a rescisão antecipada do contrato.
12.Assim, emergindo a obrigação em causa do contrato, revela-se adequada a forma do procedimento de injunção, transmutado em acção especial.
13.Face ao exposto, e salvo melhor opinião, entende a Autora que o requerimento de injunção é a forma de processo adequada para o caso em concreto, uma vez que se trata de uma acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato.
14.Sendo o requerimento de injunção, salvo melhor opinião, válido e apto a produzir o efeito de condenação da Ré de acordo com o pedido formulado pela Autora.
7- Não foram apresentadas contra-alegações.
*** II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas (caso as haja) ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte s questão que importa analisar e decidir:
a)- Se há fundamento para revogar a decisão recorrida, por inexistir a excepção de erro na forma de processo.
Vejamos.
*** 2- Teor da decisão recorrida.
Afigura-se-nos importante ter presente os fundamentos da decisão recorrida, a fim de aferir se os argumentos utilizados são válidos e conducentes à decisão de procedência da excepção.
Assim, escreveu a 1ª instância:
“O erro na forma do processo configura nulidade de conhecimento oficioso, apreciada em despacho saneador, se antes não tiver sido apreciada, ou até à sentença final, se não houver despacho saneador. Tal nulidade pode e deve ser conhecida logo que detectada; na verdade, não faz sentido e contraria o princípio da economia processual manter intocada a forma processual indicada pelo autor, apesar de inadequada à respectiva pretensão. Por conseguinte, se a referida nulidade for constatada pelo juiz na fase liminar do processo, deve ordenar que se siga a forma de processo que reputar adequada e, para o caso de ser totalmente inidónea a utilizada deve determinar a extinção da instância com base na nulidade de todo o processado (nesse sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, páginas 281 e 282). Encontramo-nos no âmbito de requerimento de injunção transmutado em acção declarativa, regulada pelo Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, que estabeleceu o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal de 1ª instância. O objecto da acção especial em apreço é o cumprimento de obrigações pecuniárias, incluindo capital e juros, directamente emergentes de contratos, excluindo nomeadamente a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, enriquecimento sem causa ou relações de condomínio, que devem ser objecto de acção comum (vd. Salvador da Costa, “A injunção e as conexas acção e execução”, 6ª edição, página 48). Diz-se pecuniária a obrigação que, “tendo por objecto uma prestação em dinheiro, visa proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais.” (João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, página 862). O Autor invoca contrato de locação e a resolução do mesmo por falta de pagamento, com cuja comunicação reclamou “o pagamento das facturas vencidas (…) e, com base no previsto nas condições gerais e em consequência da cessação antecipada do contrato, o valor de € 9.079,56, este equivalente a todos os alugueres que eram devidos até ao termo do contrato” A resolução do contrato extingue o mesmo e tem efeito retroactivo, nos termos do artigo 434.º n.º 1 do Código Civil. Nos casos em que o contrato é de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo. Assim, no caso de contrato de locação, a resolução do mesmo não implica a devolução das rendas já pagas e as devidas até à resolução do contrato, tendo como efeito a restituição do bem locado ao locador e a cessação do pagamento das rendas desde a data da resolução do contrato. O Autor pretende também o pagamento das prestações vincendas desde a resolução até ao final do contrato, o que não tem acolhimento no regime legal. Acrescenta o Autor no requerimento de injunção que “Face à cessação do contrato, a Requerida perdeu o direito de posse sobre o bem locado e tinha a obrigação de o devolver à requerente, o que não fez pelo que, tem a obrigação de pagar à Requerente, conforme contratado, 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal por cada dia adicional de detenção do bem até efectiva restituição, a liquidar a final no acto da entrega dos bens ou em sede de acção executiva. A Requerente reserva-se ainda o direito de reclamar futuros danos caso tais danos sejam imputáveis à Requerida.” Não é possível no âmbito da presente acção requerer a condenação na restituição dos bens locados. No requerimento de injunção, o Autor peticiona indemnização correspondente ao dobro do aluguer pela não entrega do bem, que pretende seja liquidada a final no acto de entrega dos bens ou em sede de acção executiva. A restituição dos bens locados e penalização pela mora na entrega não é um pedido admissível no âmbito de requerimento de injunção, que todavia o Autor peticiona. Face a todo o exposto, da análise do requerimento de injunção resulta manifesto que o mesmo não consubstancia o mero pagamento de quantias devidas por incumprimento de contrato de locação, que o Autor peticiona mais do que é admissível neste âmbito e que se suscitam questões que vão além do (mero) incumprimento contratual. Na situação em apreço, o Autor pretende mais que o pagamento de quantia pecuniária decorrente directamente do contrato celebrado e do incumprimento do mesmo, o que não se coaduna com o procedimento simplificado decorrente do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro. A utilização de procedimento injuntivo apenas pode ter lugar quando verificados, integralmente, os pressupostos da sua admissibilidade (nesse sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Abril de 2016, Processo n.º 184887/14.1YIPRT.L1-8, disponível na Base de Dados da DGSI, em www.dgsi.pt). A acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias implica a existência de uma relação contratual e que se trate de obrigação pecuniária, decorrente de forma clara e linear do contrato firmado entre as partes. Da análise da exposição de factos do requerimento de injunção resulta que o pagamento pretendido não decorre de forma linear do contrato invocado, o próprio montante devido não é claro e o Autor deduz pedidos manifestamente incompatíveis com a presente forma processual. A relação material controvertida não se reconduz à mera celebração de um contrato e da existência de uma quantia a pagar decorrente directamente desse contrato, mas reveste uma complexidade e levanta uma panóplia de questões que não se coadunam com o âmbito de um procedimento simplificado como o decorrente do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro. Na verdade, a transmutação do procedimento de injunção em acção declarativa, ainda que com convite ao aperfeiçoamento, contraditório e esclarecimentos das partes, não obvia à significativa diminuição das garantias do Réu, em comparação com a acção declarativa comum, atendendo à diversidade de prazos em causa, às exigências de forma para as peças processuais apresentadas, ao momento próprio para apresentação de prova, a prova admissível ou o número de testemunhas admissível. Face ao exposto, concluímos que a utilização da presente forma processual não é admissível, pelo que existe erro na forma de processo, o que consubstancia uma nulidade prevista no artigo 193.º do Código de Processo Civil. Não se mostra possível aproveitar qualquer dos actos praticados, porquanto, tal implicaria uma significativa diminuição óbvia das garantias do Réu. O aproveitamento do requerimento injuntivo como Petição Inicial em processo comum implicaria uma inadmissível diminuição das garantias do Réu, que beneficiaria a parte que usou mão do procedimento de injunção quando o mesmo não era admissível. * Nestes termos e face ao exposto, nos termos conjugados dos artigos 17.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, 193.º, 196.º, 200.º, n.º 2, 576.º, n.º 2, 577.º, al. b) e 578.º, todos do Código de Processo Civil, declaro nulo todo o processado e, em conformidade, absolvo o Réu da instância.” 3- A questão enunciada: se há fundamento para revogar a decisão recorrida, por inexistir a excepção de erro na forma de processo. 3.1- Uma primeira nota.
Não obstante a decisão recorrida mencionar na respectiva fundamentação que “…no requerimento de injunção, o Autor peticiona indemnização correspondente ao dobro do aluguer pela não entrega do bem, que pretende seja liquidada a final no acto de entrega dos bens ou em sede de acção executiva. A restituição dos bens locados e penalização pela mora na entrega não é um pedido admissível no âmbito de requerimento de injunção, que todavia o Autor peticiona…”, a verdade é que apesar de a requerente/apelante ter mencionado, no requerimento injuntivo, ter direito à restituição do equipamento locado e a indemnização correspondente a 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal,o que é facto é que o pedido deduzido se atem (apenas) à pretensão de pagamento dos alugueres vencidos e não pagos até à data da resolução do contrato (1 021,67€) e ao pagamento dos alugueres que seriam devidos até final do contrato (9 079,56€).
E o problema reside precisamente nesta última pretensão: o pagamento dos alugueres que seriam vencidos até final do contrato.
3.2- Isso leva-nos a um segundo ponto: o fundamento do pedido de pagamento da quantia correspondente a esses alugueres vincendos
A requerente apelante baseia esse seu pedido na cláusula 16ª nº 1 do contrato.
Essa cláusula é do seguinte teor:
“Tendo em consideração que o locador adquiriu o bem locado para benefício do locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente, com o investimento patrimonial perdido pelo Locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato, caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12, o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.” Trata-se da estipulação de uma cláusula penal.
A decisão recorrida, entendeu que não é admissível usar a injunção como meio processual para obter o pagamento de quantia estipulada mediante cláusula penal; já a apelante defende que, no caso dos autos, é possível o recurso à injunção visto que este meio processual permite o pedido de pagamento de quantias pecuniárias decorrentes directamente do incumprimento do contrato.
Importa, pois, se analise a problemática através de uma abordagem do instituto dacláusula penal com vista à respectiva qualificação e, depois, entrar em aspectos do respectivo regime que se mostrem relevantes para a questão dos autos.
Assim: 3.3- Da cláusula penal: alguns aspectos.
3.3.1- A apelante funda (parte do) seu pedido na cláusula penal que, segundo ela, foi estipulada a seu favor na cláusula 16ª do Contrato. Em sentido amplo, a cláusula penal é a convenção pela qual o devedor promete ao credor uma prestação para o caso de não cumprir.
Trata-se de um instrumento destinado a fazer com que o devedor cumpra a obrigação principal (cláusula penal compulsória); ou um instrumento que visa, caso o devedor não cumpra a obrigação principal, fazer com que indemnize o credor (cláusula penal indemnizatória).
Em termos simples, nas cláusulas penaisindemnizatórias, o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento. Nas compulsórias, o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento ou a sancionar o devedor pelo não cumprimento. Por sua vez, as cláusulas penais compulsórias dividem-se em duas categorias: (i) cláusulas penaisexclusivamente compulsórias e, (ii) cláusulas penais em sentido estrito. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios…, cit., pág. 923 e segs.).
A função compulsivo-sancionatória poderá actuar através da fixação de uma pena queacresceao não cumprimento ou através da fixação de uma pena quesubstituiuo cumprimento.
Assim, quando o credor e o devedoracordam em fixar umapena que acresce ao não cumprimento, diz-se que convencionaram uma cláusula exclusivamente compulsória;quando o credor e o devedor acordam em fixar uma pena quesubstitui o cumprimento, diz-se que convencionaram uma cláusula penal em sentido estrito. (A. e ob. cit., pág. 923). 3.3.2- A espécie de cláusula penal que foi estipulada pelas partes no caso dos autos.
Vimos que na cláusula 16ª do contrato, ficou estabelecido:
“Tendo em consideração que o locador adquiriu o bem locado para benefício do locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente, com o investimento patrimonial perdido pelo Locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato, caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12, o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.” (sublinhados e realce nossos).
Ora, para aferir a espécie de cláusula penal acordada,deve o tribunal apurar o escopo ou finalidade prosseguida pelos contraentes com a estipulação da pena (Cf. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pág. 640). E isso faz-se através da ponderação de uma série de indícios que poderão ajudar a apurar essa finalidade ou intenção das partes.
Pois bem, desde logo a designação por que as parte se lhe referem, embora sirva de indício, não é decisiva: expressões como “multa”, “pena”, “sanção”, ou “penalidade”, poderão indiciar um escopo sancionatório, ao passo que os termos “indemnização”, “liquidação dos danos”, poderão indiciar uma intenção meramente indemnizatória (Cf. Pinto Monteiro, Clausula Penal… cit., pág. 640 e nota 1500).
Além do teor das expressões utilizadas pelas partes, interessa sobretudo, apurar o conteúdo da cláusula, designadamente se estipularam uma soma devida mesmo na ausência de qualquer dano, bem como o tipo de obrigação que sanciona, os interesses em jogo e demais circunstâncias susceptíveis de esclarecer a sua finalidade (Cf. Pinto Monteiro, idem, pág. 640). E para esse apuramento, o tribunal terá de averiguar, à luz das circunstâncias vigentes no momento em que a cláusula foi estipulada, quais os danos que era razoável prever. (Pinto Monteiro, Cláusula Penal… cit., pág. 643).
No caso dos autos, apesar de a expressão utilizada na cláusula 16ª do contrato ser necessidade decompensar o investimento, os custos financeiros e custos administrativos, não significa, por si só, que as partes pretenderam estipular uma cláusula penal indemnizatória, porque nela se visa, primordialmente, que a locatária cumpra o contrato até ao fim. O que as partes têm em vista é que o locatário pague todos os alugueres estipulados.
Portanto, podemos reter, como primeiro indício relevante, que a estipulação da cláusula penal estava associada ao (in)cumprimento das obrigações assumidas pela locatária e não a uma fixação antecipada de um quantum indemnizatório de um dano, o que aponta para o carácter compulsório da cláusula.
Por outro lado, a circunstância do valor estipulado para a pena ser igual à quantia que a locadora deixe de receber (em caso de cessação antecipada do contrato) não significa, por si só, tratar-se de uma cláusula penal indemnizatória. Na verdade, não obstante o critério utilizado “…pode acontecer que o credor haja querido, efectivamente, compelir o devedor, criando um mecanismo de coerção ao cumprimento e este saiba isso mesmo…” (Pinto Monteiro, idem, pág. 641).
Pois bem, no caso dos autos há um outro elemento que igualmente aponta para a função compulsória da cláusula: a referência ao cumprimento das obrigações assumidas até ao final do contrato, sugere a natureza coercitiva da estipulação: a ré locatária tinha de cumprir sob pena de suportar o montante estipulado.
Acresce ainda que o valor coincidente entre o montante estipulado e a quantia tida em vista auferir pela locadora, independentemente de associação a qualquer dano,indicia igualmente uma cláusula penal substitutiva do cumprimento: o montante a entregar à locadora será igual ao valor que ela esperava receber se o contrato chegasse ao seu termo.
Em face do que se expôs somos a entender e consequentemente a qualificar a cláusula 17ª do contrato como uma cláusula penal compulsória do tipo cláusula penal em sentido estrito: fixação de uma pena que substitui o cumprimento compulsoriamente. 3.3.3- O Mecanismo de Aplicação das Cláusulas Penais Compulsórias em Sentido Estrito.
Já vimos em que consistem as cláusulas penais em sentido estrito: visam a fixação de uma pena quesubstituiuo cumprimento.
Entre os requisitos do direito à indemnização e os requisitos do direito à pena compulsória há duas diferenças fundamentais: (i) o direito à pena compulsória não depende do dano ou da relação de causalidade entre a violação dos direitos do credor e o dano: a pena é, neste caso, uma sanção, o que explica que a pena seja devida independentemente do dano. (ii) Os requisitos da indemnização substitutivada prestação não coincidem com os requisitos da pena compulsória substitutiva da prestação. O credor cujos direitos contratuais foram violados pelo devedor, adquire uma faculdade alternativa ou uma faculdade de substituição.
Assim, a cláusula penal em sentido estrito – como sucede no caso dos autos – constitui uma obrigação com faculdade alternativa a partecreditoris, devendo entender-se que o credor adquire a faculdade de exigir a prestação substitutiva. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios…cit., pág. 928). Dito isto, entremos na quarta questão: 3.4- Saber se o pedido de pagamento de cláusula penal é admissível em sede de procedimento de injunção.
Vejamos então. 3.4.1- As posições da jurisprudência. A jurisprudência sobre a questão mostra-se dividida: de um lado o entendimento que nega a possibilidade de lançar mão do procedimento de injunção para obter o pagamento de quantia estipulada por cláusula penal (Cf., entre outros, TRL, de 17/12/2015, Maria Teresa Albuquerque; TRP, de 15/01/2019, Rodrigues Pires; TRL de 12/05/2015, Maria Amália Ribeiro; TRL de 15/10/2015, Teresa Albuquerque). Basicamente, o argumento comum a esta posição consiste na afirmação de que a quantia estabelecida a título de cláusula penal não constitui uma obrigação pecuniária em sentido estritoe, por isso, está afastada a possibilidade de recurso à via injuntória porque reservada a pedidos de quantia pecuniária stricto sensu.
De outro lado, há uma linha jurisprudencial que admite o recurso ao procedimento de injunção como meio processual para obter o pagamento de quantia pecuniária indemnizatórias ainda que estabelecida por cláusula penal (Cf., entre outros, TRL, de 18/03/2010, Bruto da Costa; TRC, de 26/06/2012. Henrique Antunes). Basicamente, o argumento decisivo desta posição radica na conclusão de ser admissível ao credor exigir do devedor a indemnização fundada em cláusula penal desde que a prestação prometida pelo devedor consiste numa soma pecuniária. 3.4.2- A doutrina.
Sobre a questão da admissibilidade da utilização do processo de injunção para obtenção de pagamento de quantia resultante de cláusula penal, a doutrina não é totalmente coincidente.
Assim, Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª edição, Almedina, pág. 43) salienta a importância de “…distinguir consoante a natureza da cláusula penal em causa, isto é, conforme ela foi convencionada a título indemnizatório, para o caso de incumprimento de um contrato, ou com escopo meramente compulsório. Na primeira situação trata-se de indemnização por incumprimento contratual antecipadamente fixada e, consequentemente não pode ser exigida neste tipo de acção ou de procedimento; na segunda situação, em que se está perante uma sanção aplicável sempre que se verifique ou não um facto contratualmente previsto, parece que nada obsta a que o pedido do montante convencionado possa ser objecto da acção ou procedimento em causa.”.
No mesmo sentido se pronuncia Carlos Pereira Gil (Algumas Notas Sobre os DL. 269/98 e 274/97, CEJ, 1999, pág. 3, nota 7): “…se se tratar de uma cláusula penal indemnizatória, estaremos face a uma típica indemnização pelo dano fixada prévia e contratualmente. Daí que, a nossa ver, não possa tal cláusula penal ser exigida nessa acção. Porém, se a cláusula penal tiver escopo exclusivamente compulsório, não poderá afirmar-se que constitua uma indemnização pelo dano. Nesta situação depara-se-nos uma soma monetária estipulada a título de mera sanção sempre que ocorra ou não o evento contratualmente previsto. Deste modo, parece-nos que nesta modalidade de cláusula penal poderá ser reclamada nesta acção, pois trata-se de uma mera importância pecuniária pactuada para sancionar certa conduta.”.
Também neste sentido se pronuncia Paulo Duarte Teixeira (Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, Themis, ano VII, nº 13, 2006, pág. 188).
Esta parece ser também a posição do Departamento de Formação do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores (Os procedimentos especiais do DL 269798, de 1 de Setembro, 2013, pág. 11 e seg.).
Posição algo diferente defendem João Vasconcelos Raposo/Luís Batista Carvalho (Injunções e Ações de Cobrança, Quid Juris, 2012): “…esta não é a via processual adequada para accionar cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou qualquer vicissitude na execução do contrato…(…) …o sentido do diploma e das regras que o integram é o de conceder uma via especialmente simples para a cobrança das dívidas que estejam directa e necessariamente previstas no contrato e não quaisquer obrigações pecuniárias condicionais.” 3.4.3- Cumpre tomar posição.
Perante esta não coincidência/divergência de posições, importa que se defina o nosso entendimento sobre a questão.
A letra do precito estabelece que o procedimento de injunção se destina a exigir “…o cumprimento de obrigações pecuniáriasemergentes de contratos…”.
Pois bem, a letra da norma não esclarece, por si só, o âmbito de aplicação do preceito. Importa proceder à sua interpretação, começando pelo conceito de obrigações pecuniárias. 3.4.3.1- Obrigações pecuniárias.
Quando a lei menciona “obrigações pecuniárias” a que realidade jurídica se refere?
Sem preocupações de aprofundamentos dogmáticos, podemos dizer que as obrigações genéricas se dividem em obrigações pecuniárias e não pecuniárias consoante o respectivo objecto seja ou não uma prestação em dinheiro. O objecto de uma obrigação pecuniária é constituído por moedas ou notas, representativas de determinado valor.
Em termos simples, as obrigaçõespecuniáriassubdividem-se em obrigações de quantidade ou obrigações de soma(as partes indicam uma quantia que o devedor há-de pagar ao credor); obrigações de moeda específica (o cumprimento deve ser feito em moeda metálica ou em valor de moeda metálica); e obrigações valutárias (cujo cumprimento deve ser feito em moeda estrangeira).
Pode dizer-se que as primeiras - obrigações pecuniárias de quantidade (ou de soma) - são dívidas em dinheiro; as segundas – obrigações de moeda específica e as obrigações de valuta - são dívidas de valor.
Ora, o critério de distinção entre as dívidas de dinheiro e as dívidas de valor reside no seguinte: nas dívidas de dinheiro a prestação pecuniária é a prestação devida; já nas dívidas de valor, a prestação pecuniária é uma prestação substitutiva da prestação devida. Exemplo paradigmático das dívidas de valoré o das dívidas indemnizatórias, face à consagração, nos artº 562 e 566º do CC do princípio da prioridade da indemnização em espécie sobre a indemnização em dinheiro. (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, pág. 369). Exemplo paradigmático das obrigações pecuniárias de quantidade ou dívidas em dinheiro é a obrigação de pagar o preço, na compra e venda, na empreitada, ou a obrigação de pagar a renda ou aluguer nos contratos de concessão de gozo.
Aqui chegados, cumpre questionar: quando o preceito refere a “cumprimento de obrigações pecuniárias” estará a reportar-se, indistintamente, a obrigações pecuniárias de quantidade (dívidas em dinheiro) e a obrigações de valor, ou apenas às primeiras? 3.4.3.2- A interpretação da norma.
Como é sabido, na interpretação de normas deve o intérprete socorre-se de outros elementos de interpretação que não apenas o elemento literal. Aliás, o artº 9º nº 1 do CC principia logo com um advertência: a interpretação não deve cingir-se à letra da lei.
Pois bem, um desses elementos de interpretação é o elemento racional ou teleológico, isto é, percutir a ratio legis, a razão-de-ser, o fim ou objectivo prático que a lei se propõe atingir. Revela a ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina (Santos Justo, Introdução…cit., pág. 341).
No caso dos autos relevam, desde logo, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e o fim tido em vista pelo legislador.
Declaradamente, o legislador do DL 269/98, perante a constatação “…da crescente ocupação dos tribunais como órgãos de reconhecimento e cobrança de dívidas (…) por parte dos grandes utilizadores (…) transformando-os em meras extensões dessas empresas (…)” sentiu necessidade de criar um meio processual, de natureza administrativa, que permitisse ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, de forma célere e simplificada, de um título executivo sem contraditório.
E optou o legislador nacional (a par da Áustria, Finlândia, Alemanha e Suécia) por ummodelo não probatório caracterizado por uma total ausência de apreciação judicial relativa ao mérito do pedido. (Cf. Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir da Injunção, Themis, ano VII, nº 13, 2006, pág. 223).
Pois bem, estas características de simplicidade, ausência de apreciação judicial, rapidez e intuito de descongestionamento dos tribunais, são demonstrativos do fim ou objectivo prático que o legislador se propôs atingir, constituindo o elemento teleológico, com relevância na interpretação do preceito.
Aliás, esta característica de extrema simplicidade do procedimento de injunção está patente no artº 10º do DL 269/98: ao requerente, que pode agir em causa própria sem necessidade de constituição de mandatário, basta identificar as partes, o lugar onde a notificação deve ser feita, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão e formular o pedido.
A extrema simplicidade da injunção, aponta para um procedimento de fácil e imediata compreensão dos termos do objecto do litígio – relembre-se que pode ser instaurado pelo próprio credor sem representação de mandatário – o que indicia que se afaste que nele se possam discutir questões e institutos jurídicos complexos ou mecanismos sancionatórios de difícil aplicação e que não sejam de fácil alcance pelo comum dos cidadãos.
Por outro lado, releva ainda a “fórmula” usada pelo legislador no artº 10º nº 1, al. e): o requerente deve formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos.
Ora bem, a expressão “valor do capital” indicia também que o procedimento de injunção é adequado à cobrança de obrigações pecuniárias de quantidade ou de soma, isto é, dívidas em dinheiro.
Recorde-se que nos contratos em que se convencionam prestações de obrigações pecuniárias de quantidade, a prestação principal devida pelo devedor é o pagamento da quantia de dinheiro estipulada.
Assim, quando a lei usa a expressão “…obrigações pecuniárias emergentes de contratos…” estará a referir-se aos tipos de contratos cuja prestação principal, a cargo do devedor, consiste na obrigação pecuniária de quantidade (ou de soma) isto é, dívidas em dinheiro. Afastando-se, assim, as obrigações pecuniárias de valor, sejam a título de prestação principal, sejam enquanto prestação acessória ou comoobrigação com faculdade alternativa a partecreditoris, como sucede com as obrigações emergentes de cláusulas penais, ainda que pecuniárias.
A esta vista, com o devido respeito, não fará sentido distinguir entre cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsória para admitir, ou não, consoante se trate de umas ou de outras, a possibilidade de o credor, para as cobrar, lançar mão do procedimento de injunção.
Isto porque, as cláusulas penais não encerram a estipulação de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, constituem cláusulas acessórias que determinam o pagamento de obrigações de valor substitutivas da prestação principal ainda que estabelecidas em quantidade. A esta luz, somos a concluir: o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para cobrança de quantias resultantes da fixação de cláusulas penais, sejam de índole indemnizatória ou tenha natureza compulsória.
Em suma: o recurso improcede.
*** III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas, no recurso, pela apelante.