IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CITAÇÃO
NULIDADE
CONTRADITA
Sumário

I - A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.
II - Não observa tal ónus o apelante que não identifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião, impunham decisão diversa da recorrida, não pode esta Relação reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada.
III – Não especificando a apelante os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião, impunham decisão diversa da recorrida, não pode esta Relação reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada.
IV – Havendo um erro na correta identificação da ré na petição inicial, tal não configura nulidade da citação, pois não obstante tal lapso, acabou por ser citada a pessoa que o deveria ter sido, o que não é fundamento para ser invocada a nulidade do processo por falta de citação da ré.
V – O trânsito em julgado é o momento temporal a partir da qual a decisão tem o valor de caso julgado formal, podendo ter ou não o valor de caso julgado material.
VI – Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
VII – O incidente de contradita não serve para a parte infirmar o depoimento de testemunha, pois que, a contradita não tem por desiderato pôr em causa o depoimento da testemunha, mas a pessoa do depoente.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
TA… intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AE…, pedindo que seja condenada a entregar-lhe de imediato a fração livre, limpa e devoluta, no mesmo estado em que a mesma lhe foi entregue em 2000; a considerarem-se suas todas as benfeitorias existentes na mesma; mostrarem-se pagas todas as quotizações de condomínio; e a indemniza-lo quanto às obras e reparações a que haja lugar, caso o imóvel, não lhe seja entregue, no exato estado em que esta e o seu então companheiro, passaram a ocupar a fração.
Foi proferida sentença que declarou o autor como proprietário da fração do imóvel sito na Rua …, nºs … e …-A, Rio de Mouro, designada pela letra E, e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, freguesia de Rio de Mouro, sob o nº …/…-E, e condenou a ré a restituir ao autor a fração autónoma do referido imóvel, livre, limpa e devoluta.
Inconformada, veio a ré apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[2]:
1. O Tribunal "a quo" considerou com relevo para a decisão os seguintes factos provados: 
1. Os factos que constam da petição inicial.
Factos não provados:
2. Os factos que constam da contestação.
2.  Na opinião do Tribunal "a quo" na factualidade apurada, os factos provados supra elencados resultam, essencialmente, da documentação junta aos autos que a ré desconhece por completo uma vez que não é referida na sentença com clareza que documentos são esses, e o depoimento de uma testemunha que tem interesse no desfecho do processo e como tal jamais
poderia ser considerada isenta.
II — Falta de citação da Ré: - nulidade processual
3. Ora, a Ré chama-se AE…, c não AL…, conforme a Ré chamou a atenção através de requerimento.
4. Consequentemente, podemos concluir que a Ré não foi citada corretamente uma vez que o seu nome nas peças e nas notificações esteve sempre errado.
5. Pelo exposto, estamos perante uma falta de citação da Ré.
6. A falta de citação do réu é uma nulidade processual principal que determina a anulação de todo o processado posterior à petição inicial, prevista no art.° 194, al. a), do CPC, e sujeita a conhecimento oficioso do tribunal (art. 202 do CPC).
7. Pelo exposto, a presente nulidade seja declarada e o processo terá que ser todo repetido desde a citação, com a anulação de todo o processado.
III — Incidente de suspeição
8. A ré deduziu devidamente redigido por si o incidente de suspeição do juiz do Tribunal "a quo".
9. Ora, o artigo 122°, n." l do cpc refere que: " O recusante indica com precisão os fundamentos da suspeição e, autuado o requerimento por apenso, é este concluso ao juiz recusado para responder; a falta de resposta ou de impugnação dos factos alegados importa confissão destes."
10. Inclusivamente, o artigo 122º, n° 2 do cpc, refere que: “Não havendo diligências
instrutórias a efetuar, o juiz manda logo desapensar o processo do incidente e remetê-lo ao presidente da Relação; no caso contrário, o processo é concluso ao juiz substituto, que ordena a produção das provas oferecidas e, finda esta, a remessa do processo; não são admitidas diligências por corta."
11. Ora, o artigo 125 n." 1 do cpc, refere que: "A causa principal segue os seus termos, intervindo nela o juiz substituto; mas nem o despacho saneador nem a decisão tina! são proferidos enquanto não estiver julgada a suspeição."
12. Porém, nos presentes autos nada deste procedimento foi adotado, uma vez que pura e simples o referido requerimento foi ignorado e o referido incidente foi totalmente desrespeitado e o juiz a quo continuou a intervir, ao invés de suspender o processo.
13. Consequentemente, todo o referido processo será nulo, uma vez que foi totalmente desrespeitado o procedimento de incidente de suspeição, e a sentença proferido pelo juiz do " tribunal a quo", torna-se nula, o que desde já se invoca.
IV — Nulidade de sentença — falta de fundamentação:
14. O Tribunal na sua decisão, refere que considerou o teor de alguns documentos juntos aos autos, em fls. que desconhece quais são.
15. Ora, sucede que, o tribunal " a quo", não indicada que tipo de- documentos refere e não fundamenta em que aspeto a junção aos autos do mesmo, se revela determinante para os factos serem provados porque não especifica quais os documentos que são.
16. Consequentemente, o artigo 615°, n.º 1 alínea b) do cpc, determina que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito, que fundamentam a decisão, o que é o caso.
17. Pelo exposto, a presente sentença é nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea h) do cpc, o que se invoca.
IV — Prova testemunhal:
18. A testemunha referida nos presentes autos, teve um depoimento totalmente parcial, nada isento e nada esclarecedor, apenas se limitou a mentir e não referiu em julgamento que tinha interesse no desfecho dos autos.
19. Consequentemente, jamais o depoimento da referida testemunha pode ser considerado credível e já que o mesmo apenas se limitou a relatar factos que lhe convém, jamais referiu que nunca teve posse do imóvel e que fez uma escritura de usucapião com fundamento em testemunhas falsas, e que celebrou um contrato promessa verbal na qual a Ré surgia como promitente compradora.
20. Porém, se a referida testemunha não aparece nas redondezas corno vai alegar falsamente que o senhor DM… não vive na fração autónoma.
21. Inclusivamente, na referida prova documental a Ré não apresenta o comprovativo de pagamento da escritura pública de compra e venda e tendo em conta os laços familiares da referida testemunha, apenas salta à vista que houve uma simulação da escritura de compra e venda e tudo não passou de uma artimanha legal por parte da testemunha, para não querendo dar a cara, tentar recuperar a posse do imóvel.
22. Nos termos do artigo 30°, n.°1 do CPC, a legitimidade processual afere-se pela situação jurídica ou relação material controvertida tal como alegada pelo autor na petição inicial, ou seja, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir independentemente da prova dos factos que integram a última.
26. A A. só será parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, interesse que
se exprime pelo prejuízo que da procedência da ação advenha.
27. Porém, por força do litisconsórcio necessário passivo, deveria ter sido demandado para contestar a presente ação o Réu DJ…, que não é perdido nem achado nos presentes autos sendo a única solução que toma na devida conta a mais correta ponderação dos interesses em causa.
28. Consequentemente, para se admitir a hipótese de litisconsórcio legal, tal significaria que pela sua natureza da relação jurídica em causa, a intervenção de todos os interessados fosse necessária para que a decisão a obter produzisse o seu efeito útil normal (artigo 33°, n.°2 do cpc).
29. Não sendo a réu parte legítima singular, para poder ser demandada na presente ação deveria ter sido demandado o seu companheiro DJ….
30. No entanto, a A. deveria ter demandado na presente ação para que pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal.
31. Razão, pela qual a exceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio invocada deve ser imediatamente conhecida no despacho saneador, sem possibilidade de suprimento, com absolvição da Ré da instância. 
32. Com a prolação da Sentença apelada foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 194, alínea a); artigo 202 cpc; 122, n.° 1 e n.° 2 do cpc; artigo 125°, do cpc; artigo 615°, nº 1, alínea b) do cpc; artigo 30º e 33°, n.° 2, ambos do cpc, entre outros.
Termos em que, invocando-se o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deverá a douta Sentença ser revogada e ser todo o processado declarado nulo pela falta de citação da ré e pelo facto de o processo não ter sido suspenso após o incidente de suspeição, ou caso assim não se entenda se requerer que a decisão seja substituída por outra que absolva a ré da instância pelo facto de o Ré não ter sido citado; ou caso assim não se entenda pelo facto de não ter sido efetuado qualquer tipo de prova a ré seja absolvida do pedido.
O autor não contra-alegou.
Colhidos os vistos[3], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[4]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AE…, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.)  Reapreciação da decisão de facto.
2.)  Exceção dilatória de nulidade do processo por falta de citação da ré.
3.)  Incidente de suspeição.
4.)  Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito.
5.)  Parcialidade do depoimento prestado pela testemunha.
6.)  Exceção dilatória de ilegitimidade passiva.         
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. A fração do imóvel sito na Rua …, nºs … e …-A, Rio de Mouro,
designada pela letra E, e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, freguesia de Rio de Mouro, sob o nº …/…, mostra-se aí inscrita em nome de TA…, por ter sido adquirida por compra, conforme Ap. 3756, de 2016/12/22.
2. Anteriormente, esta fração do descrito imóvel, mostrou-se inscrita naquela Conservatória do Registo Predial, sob o aludido nº …/…, em nome de JA… e AM…, por ter sido adquirida por usucapião, conforme Ap. 2215 de 2015/11/16.
3. Conforme escritura de “Justificação”, lavrada em 28 de agosto de 2015, no Cartório da Senhora Notária Dra. IM…, sito em Carnaxide, os aí primeiros outorgantes AJ… e mulher, AM…, declararam ser donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, da fração autónoma designada pela letra E, correspondente ao … andar esquerdo que faz parte do prédio urbano situado em Rio de Mouro, na Rua …, nºs … e …-A, freguesia de Rio de
Mouro, concelho de Sintra, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o nº …, da freguesia de Rio de Mouro.
4. Conforme escritura de “Compra e Venda”, lavrada em 21 de dezembro de 2016, no
Cartório Notarial da Senhora Notária Dra. AMG…, sito em Lisboa, os aí primeiros outorgantes AJ… e mulher, AM… declararam que, pelo preço de 30 000, 00 euros, já recebido, vendem ao segundo outorgante (TA…) a fração autónoma designada pela letra E, correspondente ao … andar esquerdo, destinado à habitação pertencente ao prédio urbano sito na Rua …, nºs … e …-A, Bairro Novo, em Rio de Mouro, Sintra,
inscrito na respetiva matriz sob o nº …, da freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o nº …, da freguesia de Rio de Mouro; venda que, o segundo outorgante, declarou aceitar.
5. AJ… e AM…, em dezembro de 1999, emprestaram a sobredita fração a JD… que, então, vivia sozinho, com a contrapartida da entrega, por este último, àqueles, da quantia mensal de 20 000$00; quantia que, mais tarde, passou para 350, 00 euros, mensais.
6. Em 2008 ou 2009, AJ… interpelou JD… para entregar a casa; não tendo, este último, restituído a fração a AJ… e AM….
7. Desde há cerca de doze anos, apenas, a ora Ré, reside na casa, recusando-se a desocupar a fração.
8. AR… e DJ… eram amigos.
9. O ora Autor é pai da neta de AR….
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. Em meados de 2001, a Ré e o seu companheiro DJ… celebraram verbalmente um contrato de arrendamento com posterior entrega da propriedade da fração autónoma com a letra “E” do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, ….º esquerdo, … – … Rio de Mouro com o senhor AR….
2. Nesse contrato de arrendamento verbal foi estipulado entre as partes que DJ… e a Ré, que vive em união de facto, pagariam o montante de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de renda, até perfazer o montante de € 65 000,00 (sessenta e cinco mil euros), que após perfazer essa quantia o senhor AR… seria obrigado a efetuar escritura pública.
3. Mais foi acordado que AR… pagava as quotizações do condomínio, mas
o IMI e o seguro da casa entre outras situações seria da responsabilidade da Ré e do seu companheiro.
4. No ano de 2006, a Ré e o senhor DJ… foram abordados por um
administrador de condomínio que afirmou que o proprietário do imóvel era um senhor de idade e o senhor A… tinha arrendado um quarto, mas quando o senhor faleceu, este apoderou-se do imóvel e fazia-se passar por proprietário do imóvel e que, desde 2001, AR… nunca havia pago nenhuma quotização ao condomínio.
5. Então, a Ré e DJ… entram em contacto com os herdeiros do
proprietário, pagaram o condomínio em atraso até aos dias de hoje,
6. E regularizaram todos os IMI até a presente data, têm seguro da casa em nome da
Ré.
7. Desde essa data, os herdeiros deixaram a Ré e DM… estar no imóvel e
estes, em contrapartida, teriam de pagar o condomínio e os IMI e devido a benfeitorias, as despesas que estavam a pagar no imóvel e se fosse paga uma penhora ao imóvel o mesmo seria doado aos Réus.
8. Desde 2001, a Ré e DM… são reconhecidos por toda a gente como
proprietários.
9. Posteriormente, a Ré teve conhecimento que AR…, com recurso a testemunhas falsas, efetuou a sobredita escritura de usucapião, quando o mesmo nunca teve a posse do imóvel.
10. Os herdeiros impugnaram aquela escritura pública de usucapião.
11. É falso que o DJ… não seja companheiro da Ré e não esteja a morar no imóvel.
12. É a Ré que continua a pagar o condomínio e o IMI do imóvel e ninguém aparece nas reuniões de condomínio para representar a fração.
13. AR… fez uma venda fictícia ao autor e não recebeu nenhuma quantia em dinheiro pela fração.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso.          
1.) REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
O Código de Processo Civil de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal coletivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal coletivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo coletivo apreciara essas provas[5].
Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1961 procurou ampliar os poderes da Relação no que toca, não só à apreciação das respostas à matéria de facto dadas pelo tribunal de 1ª instância, mas também à imposição duma fundamentação mínima relativamente às decisões do Coletivo, e determinou a possibilidade de anulação, ainda que oficiosa, quando as respostas à matéria de facto fossem deficientes, obscuras ou contraditórias[6].
Todavia, na prática, apesar de se prever um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, face à redação anterior do art. 712º, do CPCivil, só muito excecionalmente tal garantia era exequível[7].
De facto, perante a anterior redação da al. a) do nº 1 do cit. art. 712º, a Relação só gozava do poder dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão – o que apenas sucedia quando, havendo prova testemunhal, todas as testemunhas tivessem sido ouvidas por deprecada, estando os respetivos depoimentos reduzidos a escrito, ou se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas[8].
Nos demais casos, que a experiência demonstrou constituírem a larga maioria, bastava que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal indicasse, ainda que em termos genéricos ou imprecisos, a interferência de prova testemunhal, declarações emitidas pelas partes, esclarecimentos prestados pelos peritos ou por quaisquer outras pessoas ouvidas na audiência de discussão e julgamento ou, ainda, o resultado da observação direta que o tribunal retirasse das inspeções judiciais, para que o tribunal superior ficasse impedido de sindicar a decisão proferida pelo tribunal “a quo” [9].
Aqui se fundaram, embora em termos não exclusivos, as principais críticas apontadas ao sistema [da oralidade plena ou pura, implementado no CPCivil de 1939 e, continuado no CPCivil de 1961] e que acabaram por levar o legislador a aprovar as medidas intercalares previstas no DL nº 39/95, de 15 de fevereiro, posteriormente mantidas na redação final do CPCivil[10].
Efetivamente, o DL nº 39/95 veio possibilitar um recurso amplo sobre a matéria de facto, ao prescrever a possibilidade de registo ou documentação da prova, solução que a revisão do CPCivil operada em 1995/1996 (pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12-12, e 180/96, de 25-09), sedimentou.
Assim, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada, não só nos casos previstos desde 1939, mas também quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tenha sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida[11].
Pretendeu a Reforma de 2013 “reforçar” os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Assim, a Relação, para além de manter os poderes cassatórios (ou de anulação) da decisão recorrida decorrente de uma fundamentação indevida, insuficiente, obscura ou contraditória, passou a ver substancialmente incrementados os poderes-deveres de reapreciação fáctica, ordenando, quer a renovação (repetição) dos meios de prova pessoal, quer a produção de novos meios de prova[12].
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas - art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), do CPCivil.
A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso[13].
Ele tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[14].
Parece ter sido deliberado propósito do legislador não instituir, nesta sede, qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual[15].
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do CPCivil, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do mesmo código.
Como resulta claro do art. 640º, nº 1, do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. O que denega, de todo em todo, a ideia da possibilidade de prolação de um despacho de aperfeiçoamento. Manifestamente que a lei não quis impasses e tergiversações em matéria de impugnação do julgamento dos factos, impondo neste domínio rigor e autorresponsabilidade à parte recorrente. Aliás, só pode ser aperfeiçoado o ato processual da parte que, tendo sido praticado, se apresente como deficiente, obscuro ou complexo. Não o ato processual que pura e simplesmente não foi praticado, e seria o caso[16].
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c), do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPCivil (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação[17].
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objeto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes)[18].
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.
Vejamos se a apelante, tendo impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu os ónus de especificação/identificação a que se referem os nºs 1 e 2, do art. 640º, do CPCivil.
A apelante nas suas alegações refere que “os factos provados supra elencados resultam, essencialmente, da documentação junta aos autos que a ré desconhece por completo uma vez que não é referida na sentença com clareza que documentos são esses, e o depoimento de uma testemunha que tem interesse no desfecho do processo e como tal jamais poderia ser considerada isenta”.
Temos pois que a apelante, nas suas alegações de recurso, não só não especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (e nem o faz nas conclusões de recurso), como também não indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (e nem o faz nas conclusões de recurso), como também não indica a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (e nem o faz nas conclusões de recurso).
Assim, temos, pois, de concluir que a apelante não especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião, impunham decisão diversa da recorrida, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, não cumpriu os ónus de especificação/identificação a que se referem as als. a), b) e c), do nº 1, e al. a), do nº 2, do art. 640º, CPCivil[19].
Não especificando a apelante os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião, impunham decisão diversa da recorrida, não pode esta Relação reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada[20].
Concluindo, nesta parte, não se conhece do recurso, pois não constam das conclusões da apelação, os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião, impunham decisão diversa da recorrida, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, nos termos estatuídos no art. 640º, do CPCivil.
Deste modo, não importa, pois, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e que ficou consagrada no julgamento efetuado em 1ª instância, pois não se mostra verificado o condicionalismo previsto no n.º 1, do art. 662º, do CPCivil.
2.) EXCEÇÃO DILATÓRIA DE NULIDADE DO PROCESSO POR FALTA DE CITAÇÃO DA RÉ.
A apelante alega que o seu nome é “AE…, e não AL…, conforme chamou a atenção, pelo que, não se mostra corretamente citada, uma vez que o seu nome nas peças e nas notificações esteve sempre errado”.
Vejamos a questão, isto é, se há falta de citação da ré para a ação.
Há falta de citação quando tenha havido erro de identidade do citado – art. 188º, nº 1, al. b) do CPCivil.
falta de citação quando o ato não é praticado na direção do seu destinatário, ou por ter sido completamente omitido (art. 188-a-a), ou por ter havido erro de identidade do réu (art. 188-1-b) ou por este já ter falecido ou, sendo uma pessoa coletiva, esta estar já extinta (art. 188-1-d)[21].
Compreende-se sem dificuldade que o erro de identidade do citado deva ter o tratamento da falta de citação: a pessoa que devia ser citada não o é, verificando-se, quanto a ela, a falta absoluta de citação. Este erro, que não se confunde com o caso da citação em pessoa diversa do réu (arts. 228-2, 232-2-b e 233) nem com a incorrecta  identificação do réu na petição inicial, quando, não obstante, acabe por ser citado[22].
Ora, como se refere na decisão proferida pelo tribunal a quo, que subscrevemos, “o ora Autor veio propor a presente ação contra AL…. Esta demandada foi citada com este nome; e, com este nome veio apresentar a sua contestação; articulado em que revelou tratar-se da pessoa relativamente à qual o Autor formula a sua pretensão, dado que, aí, aceitou residir na fração autónoma identificada e reivindicada pelo Autor invocando, em sua defesa, motivos que, a seu ver, o justificariam. Com esse mesmo nome, formulou o requerimento de 16 de novembro de 2018 e o requerimento de 10 de maio de 2019. Contudo, os elementos juntos aos autos permitem concluir que o nome correto da Ré, é AE…. Veja-se o nome e assinatura da Ré constantes da Procuração forense passada ao seu Ilustre mandatário e junta com a contestação; o nome constante do requerimento de proteção jurídica junto aos autos a fls. 26 a 28; e o nome constante de cópia de “cartão do cidadão” junta aos autos em 27 de maio de 2018. Ora à face do articulado de contestação produzido, dúvidas inexistem de que foi citada a própria Ré, demandada na ação; e que a veio contestar; não tendo sido citada para contestar pessoa diversa da Ré. Nestes termos, o que se conclui existir é lapso na correta identificação da Ré que se chama AE… e, não, AL…; o que não é fundamento de qualquer nulidade, mas, de lapso de identificação, que se considerará, proferindo decisão quanto à Ré, com a sua correta identificação, AE…”.
Temos, pois, que, havendo um erro na correta identificação da ré na petição inicial, tal não configura nulidade da citação, pois não obstante tal lapso, acabou por ser citada a pessoa que o deveria ter sido, no caso, AE…, o que não é fundamento para ser invocada a nulidade do processo por falta de citação da ré.
Assim, mostrando-se a sentença sindicada corretamente estruturada quanto a tal questão (exceção dilatória de nulidade do processo por falta de citação da ré), este tribunal considera dever seguir a fundamentação deduzida pelo tribunal a quo, sem necessidade de reproduzir todos os raciocínios ou explanar mais convincentes argumentos, pelo que, nos termos do CPCivil, art. 663º, n.º 5, se remete para os fundamentos da decisão impugnada, que, no essencial, se acolhem.
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões 1ª e 2ª da apelação (nulidade do processo por falta de citação da ré).
3.)  INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO.
A apelante alega que “processo será nulo, uma vez que foi totalmente desrespeitado o procedimento de incidente de suspeição, e a sentença proferido pelo juiz do " tribunal a quo", torna-se nula”.
Vejamos a questão.
Por despacho[23] de 6 de setembro de 2019, não foi apreciado e decidido o incidente de suspeição requerido pela própria ré, subscritora do requerimento, pois “sendo obrigatória a constituição de mandatário judicial, a parte não pode formular requerimentos que envolvam questões de direito (art. 40º, nº 2, do C.P.Civil)”, despacho este, que não foi objeto de recurso.
As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º, nº 1, do CPCivil.
A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamaçãoart. 628º, do CPCivil
O trânsito em julgado é o momento temporal a partir da qual a decisão tem o valor de caso julgado formal, podendo ter ou não o valor de caso julgado material[24].
O caso julgado traduz-se, pois, na inadmissibilidade da modificação de uma decisão judicial por qualquer outro tribunal (mesmo por aquele que a proferiu) em consequência da impugnabilidade do seu conteúdo por via da reclamação ou recurso ordinário[25].
Utiliza-se o conceito para significar as situações ou relações ou relações já definitivamente consolidadas por via de decisão judicial (despacho, sentença ou acórdão), que não por outros meios ou instrumentos jurídico-privados[26].
Ora, não tendo sido interposto recurso do despacho que não conheceu do incidente de suspeição, o mesmo transitou em julgado, pelo que, não se pode conhecer do mesmo.
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões 8ª a 13ª da apelação.
4.) NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO.
A apelante alega que “a sentença é nula porquanto não especifica os fundamentos de facto ou de direito, que fundamentam a decisão”.
Vejamos a questão.
As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas – art. 154º, nº 1, do CPCivil.
Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência – art. 607º, nº 4, do CPCivil.
A imposição de fundamentação está consagrada no art. 205º da Constituição da República, e encontra regulamentação processual especifica no caso da decisão da matéria de facto (art. 653-2) e no da sentença (art. 659, nºs 2 e 3, atual art. 607, nº 3 e 4)[27].
Hoje, o preceito constitucional impõe o entendimento de que só o despacho de mero expediente não carece, por natureza, de ser fundamentado, outro sendo o caso de toda a decisão que, direta ou indiretamente, interfira no conflito de interesses entre as partes[28].
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão artigo 615º, n.º 1, al. b), do CPCivil.
Só é operante a nulidade da decisão, por falta de fundamentação jurídica da decisão, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão[29].
Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito[30].
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afetando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso[31].
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação; e nem se pode considerar fundamentação de facto a que seja feita mediante simples referência genérica aos factos alegados pelas partes ou aos que não foram objeto da prova, nem constitui fundamentação de direito a que seja feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2). A fundamentação da sentença é, alem do mais, indispensável em caso de recurso: na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a sentença recorrida[32].
Ora, quanto à matéria de facto, o tribunal a quo fundamentou as suas respostas “quanto aos factos indicados sob os pontos 1 a 4 dos Factos Provados, o Tribunal considerou, respetivamente, o teor dos documentos juntos aos autos a fls. 5 a 8, 46/47, 56/57 e 59 a 62. Quanto aos demais factos provados, o Tribunal considerou o teor do depoimento da testemunha AR…, avô do filho do ora Autor, mas que, não obstante essa relação, apresentou um depoimento isento, esclarecedor e objetivo que, assim, se considerou, mormente, no que respeita ao seu contacto com DM… no que concerne à fração objeto dos autos, ao acordo feito entre ambos, à interpelação deste para deixar a casa dos autos; e ao conhecimento que teve de que, de há anos para cá, aquele deixou de residir na casa, aí residindo, apenas, a ora Ré. No que respeita aos factos não provados, faltaram quaisquer elementos probatórios (documentais, testemunhais ou outros) que permitissem dar como certa
toda a factualidade aí constante, o que não permitiu decisão de facto diversa da inserção destes factos na lista dos “não provados”.
Quanto à matéria de direito, o tribunal a quo entendeu “resultando provado que o autor é proprietário da fração do imóvel, dado que a adquiriu por “compra”, e registado essa sua aquisição, deverá ser-lhe ordenada a restituição, pois a réu não provou qualquer relação, obrigacional ou real, que lhe confira a posse ou detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc)”.
Temos, assim, que a decisão proferida pelo tribunal a quo se mostra devidamente fundamentada de facto e de direito, não se podendo, por isso, afirmar-se existir falta ou insuficiência de fundamentação.
Concluindo, estando a decisão recorrida fundamentada de facto e de direito, a mesma não padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. b), do CPCivil, improcedendo,
consequentemente, as conclusões 14ª a 17ª da apelação.
5.)  PARCIALIDADE DO DEPOIMENTO PRESTADO PELA TESTEMUNHA.
A apelante alega que “a testemunha referida nos presentes autos, teve um depoimento totalmente parcial, nada isento e nada esclarecedor, apenas se limitou a mentir e não referiu em julgamento que tinha interesse no desfecho dos autos”.
Vejamos a questão.
Têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que, não estando interditos por anomalia psíquica, tiverem aptidão física e mental para depor sobre os factos que constituam objeto da prova – n.º 1, do art. 616º, do CPCivil.
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal – arts. 396º, do CCivil e 607º, n.º 5, do CPCivil.
O depoimento testemunhal está sujeito à livre apreciação do julgador (art. 396º, do CCivil), que o valorará tendo em conta todos os factos que abonam ou, pelo contrário, abalam a credibilidade da testemunha, quer por afetarem a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuírem a que ela possa merecer (art. 521º, do CPCivil), e no confronto com todas as outras provas produzidas (art. 607º-5, 1ª parte; cf., em especial, art. 523º)[33].
Por um lado, há que referir que a testemunha AR… não estava impedida de depor como tal e, a força probatória do seu depoimento terá sido livremente apreciada pelo tribunal e valorado de acordo com este, e outros aspetos.
A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer – art. 521º, do CPCivil.
Neste contexto, os advogados das partes além de interrogarem a testemunha (art. 516-2), podem, uma vez o interrogatório terminado, deduzir incidente de contradita, este sempre a requerer pela parte contrária à que ofereceu a testemunha, e que consiste na alegação de circunstâncias que possam afetar a razão de ciência invocada ou a fé que a testemunha mereça[34].
O incidente de contradita não serve para a parte infirmar o depoimento de testemunha, pois que, a contradita não tem por desiderato pôr em cheque/causa o depoimento da testemunha, mas a pessoa do depoente[35].
Ora, das atas da audiência de discussão e julgamento não consta que a apelante tivesse deduzido incidente de contradita, o qual se destinava, além do mais, a atacar a idoneidade para prestar um depoimento sincero, verídico e completo por parte da testemunha.
Não constando qualquer fundamento que pudesse atacar a idoneidade da testemunha para prestar um depoimento sincero e isento, o tribunal valorou livremente o depoimento da mesma.
Verifica-se, pois, que o tribunal a quo fundamentou devidamente as respostas à matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrados segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova, que aqui não cabe censurar.
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões 18ª a 21ª da apelação.
6.)  EXCEÇÃO DILATÓRIA DE ILEGITIMIDADE PASSIVA.
A apelante alega que “por força do litisconsórcio necessário passivo, deveria ter sido demandado para contestar a presente ação DJ…”.
Vejamos a questão, isto é, se há preterição de litisconsórcio voluntário.
O despacho saneador destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente – art. 595, nº 1, al. a), do CPCivil.
No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença – art. 595, nº 3, do CPCivil.
Por despacho[36] de 4 de abril de 2019, foi julgada “improcede a invocada exceção de ilegitimidade passiva”, o qual não foi objeto de recurso.
Ora, não tendo sido interposto recurso do despacho que conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, o mesmo transitou em julgado, pelo que, não se pode conhecer do mesmo.
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões 22ª a 31ª da apelação.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[37].
                        
Lisboa, 2020-02-06
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[3] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[4] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[5] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª ed., p. 122.
[6] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª ed., p. 122.
[7] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 3ª ed., 2000, p. 186.
[8] É o caso de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória dum documento não impugnado nos termos legais - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 209.
Com efeito, encontrando-se junto aos autos documento que faça prova plena de certo facto se o juiz, na sentença, não o der como provado, incumbe à Relação alterar a decisão de 1ª instância, nessa parte, fazendo prevalecer a força probatória do documento (arts. 371º, nº 1, 376º, nº 1, e 377º do CCivil) – FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., p. 202.
E o mesmo fenómeno ocorrerá no respeitante a um facto sobre que verse confissão judicial escrita, desde que desfavorável ao confitente (art. 358º, nº 1, do CCivil) - FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, ibidem.
[9] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 3ª ed., janeiro de 2000, pp. 193/194.
[10] ABRANTES GERALDES, ob. e vol. cit., p. 186.
[11] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª ed., p. 123.
[12] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 535/6.
[13] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333).
[14] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª ed., pp. 61/62.
[15] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pp. 534/5.
[16] Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2016-10-27, processo 13176/11.8YBBCL.G1. S1, Relator: JOSÉ RAÍNHO.
[17] Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2015-05-26, processo 1426/08.7CSNT.L1, Relator: HÉLDER ROQUE.
[18] Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo 233/09.4TBVNG.G1, Relator: LOPES DO REGO.
[19] - É que expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão - FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., abril de 2003, pp. 154/5.
- Deverá rejeitar-se o recurso em que se impugna a decisão da matéria de facto quando o recorrente, invocando embora como fundamento do erro na apreciação das provas depoimentos gravados cujas passagens relevantes transcreveu no corpo da minuta, não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, mas também daqueles que, de harmonia com os fundamentos apontados, reputa demonstrados - Ac. Rel. Coimbra de 25-05-99, proc. JTRC61/2, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www. dgsi.pt/jtrc.
[20] Por se manter inalterada a decisão da matéria de facto, não há que conhecer da ampliação do âmbito do recurso quanto à matéria de facto, e apreciação da reconvenção/ compensação, por terem sido deduzidas a título subsidiário (art. 636º, nº 2, do CPCivil).
[21] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, pp. 92/3.
[22] LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 4ª edição, p. 386.
[23] “Do requerimento da Ré de 3-9-2019: Requer, a Ré, em requerimento por si subscrito, a remessa de tal requerimento ao Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, fazendo menção ao previsto pelo art. 120º, nº 1 al. g), do C.P.C. Estes autos, intentados no ano de 2017, com o valor de € 52 280, 00, importam a constituição obrigatória de advogado - art. 40º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil. A aqui Ré, com a sua citação, foi advertida de que era obrigatória a constituição de mandatário judicial. A Ré constituiu mandatário judicial que veio contestar a ação. Em 27 de maio último, a Ré veio comunicar a revogação do mandato ao seu Ilustre mandatário; sem que tenha constituído novo mandatário judicial e sem que tenha demonstrado ter requerido à Segurança Social a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Assim, a Ré colocou-se voluntariamente na posição processual de não ter mandatário judicial constituído. Sendo obrigatória a constituição de mandatário judicial, a parte não pode formular requerimentos que envolvam questões de direito, como é o caso (art. 40º, nº 2, do C.P. Civil); termos em que nada há a apreciar e decidir em face do requerido pela própria Ré, subscritora do requerimento em apreço. Igualmente, nada ocorre, à data, que obste à realização da presente sessão de julgamento pela signatária, titular da presente ação judicial; ou ao regular prosseguimentos dos autos. Nestes termos, prosseguem os autos com a realização da sessão da audiência final agendada”.
[24] LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, p. 9.
[25] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 446.
[26] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 446/47.
[27] LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 302.
[28] LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 302.
[29] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1992-01-08, BMJ, 413/360.
[30] ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, p. 687.
[31] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 48.
[32] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., pp. 38071.
[33] LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, Á Luz do código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, p. 330.
[34] LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, Á Luz do código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, p. 330.
[35] Ac. Relação de Lisboa de 2018-02-08, Relator: ANTÓNIO SANTOS, , http://www. dgsi.pt/jtrl.
[36] “Da exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Ré. Na sua contestação, a Ré veio invocar a sua ilegitimidade por estar desacompanhada de quem, também, vive na casa: o seu companheiro DM…, a demandar litisconsórcio necessário passivo. A Autora exerceu contraditório quanto à matéria de exceção invocada na contestação. Decidindo. Dispõe, o art. 30º, no 1 do Código de Processo Civil que “O réu é parte legitima quando tem interesse direto em contradizer”. Na falta de indicação da lei em contrário, dispõe o aludido no 3 do mesmo artigo que “são considerados titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Ou seja, “A parte terá legitimidade como réu, se for ele a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ele a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida.”, cfr. Prof. Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, p.129. Na situação ora em apreço, o Autor vem demandar a Ré invocando que esta (e, não, qualquer outra pessoa) se encontra a ocupar a casa reivindicada pelo demandante e que é propriedade deste. Nessa sequência, em primeira mão, o Autor pede que a Ré seja condenada a entregar-lhe a fração reivindicada. Assim, no caso dos autos, em face da relação jurídica tal como é configurada pelo Autor, apenas, a Ré se apresenta como a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão deduzida pelo Autor, por se tratar da única pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pelas pretensões formuladas; inexistindo preceito legal que determine em sentido diverso; termos em que não vemos que possamos concluir pela invocada ilegitimidade plural passiva. Nestes termos, improcede a invocada exceção de ilegitimidade – cfr. arts. 30º e 278º, nº 1, al. b), 576º e 577º, al. e), estes, a contrário, todos, do Código de Processo Civil. Notifique”.
[37] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.