OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CHEQUE
ASSINATURA
IMPUGNAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

I – A sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração.
II – A presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado, é invocável em relação a terceiros, isto é, em relação aos sujeitos de ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração que não tenham intervindo no processo penal.
III – A exibição dum documento particular encerra (implicitamente) a afirmação, pelo apresentante, de que o documento provém do respetivo subscritor; mas essa afirmação pode ser posta em crise pela parte contrária, seja por negação dessa autoria ou subscrição, seja pela alegação de desconhecimento sobre se a assinatura é da pessoa a quem a autoria do documento é imputada (arts. 374, nº 1, do CC e 444º, nº 1, do CPC).
IV – Face ao disposto no nº 2 do art. 374º do CCivil, arguida pelo executado/embargante a falsificação da sua assinatura, incumbe ao embargado/exequente o ónus de prova de que a assinatura em causa é do próprio.
V – O cheque está no domínio das relações imediatas, quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, e está no domínio das relações mediatas, quando na posse duma pessoa estranha às convenções extracartulares.
VI – O cheque que se encontre privado da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação tabular, e que titule um contrato de mútuo, nulo por vício de forma, não pode servir como título executivo.
VII – Tendo-se habilitada como cessionária, e como a transmissão não afeta o processo, responde por todas as incidências processuais que no mesmo tenham ocorrido, incluindo, a responsabilidade por litigância de má-fé.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
CJ… deduziu oposição à execução em que é exequente, SN…, na qualidade de cessionária de CENTRO CLÍNICO DRA. SANDRINA NIZA FERREIRA, LDA., pedindo que a execução seja declarada extinta, e o exequente condenado como litigante de má-fé.
Foi proferida sentença que julgou procedente a oposição, determinando o levantamento das penhoras, e condenou a exequente como litigante de má fé, em multa no valor de 15 (quinze) UC, bem como no pagamento de uma indemnização ao executado, no valor de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros).
Inconformada, veio a exequente apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1] que apresentou as seguintes            
CONCLUSÕES[2]:
1.) DOS CHEQUES COMO TÍTULOS DE CRÉDITO - TITULOS EXECUTIVOS
CAMBIÁRIOS
1ª) Em 22 de Julho de 2008 a Exequente instaurou execução para pagamento de quantia certa contra o Executado/Oponente, apresentando nos autos como títulos executivosv27 (vinte e sete) cheques, cujos originais se encontram a fls. 248 a 256 dos autos.
2ª) São os cheques referenciados e elencados no ponto 3) dos factos provados.
3ª) Como resulta do ponto 15) desses mesmos factos provados, tais cheques foram, confessada e indubitavelmente – cfr. art. 24º da oposição - assinados pelo executado e pelo mesmo entregues ao então mandatário da Exequente, Dr. FA…, fazendo parte de um lote de 36 cheques, no valor unitário de 3.295 €, que o Executado assinou e entregou a este (cfr. pontos 17), 3) e 5) dos factos provados).
Aliás
4ª) Como vem no ponto 16) dos factos provados, o primeiro desses cheques, com o nº …, datado de 30/07/2007, cuja cópia se encontra junta a fls. 155 e aqui se dá por reproduzida, foi apresentado a pagamento em 03/08/2007 e pago.
Sucede então que
5ª) Os primeiros 11 (onze) dos 27 (vinte e cheques) dados à execução, com datas entre 15/08/2007 e 15/06/2008, foram apresentados a pagamento em 09/07/2008.
6ª) Já os subsequentes 16 (dezasseis) cheques foram, todos eles, apresentados a pagamento no dia 15/07/2008 – data de emissão do primeiro de entre estes dezasseis cheques.
7ª) Todos estes cheques – quer os apresentados a pagamento no dia 09/07/2008, quer os apresentados a pagamento no dia 15/07/2008 – foram devolvidos sem que tivessem sido pagos não por falta de provisão, mas por haverem sido revogados pelo Executado, alegadamente por justa causa – extravio (cfr. ponto 4) dos factos provados) – o que, atenta a factualidade provada dos pontos 15), 16) e 17) e ainda o confessado pelo Executado nos arts. 24º e 25º da sua oposição, corresponde a uma total e absoluta falsidade (ou seja, o Executado invocou falsamente o extravio dos cheques que havia assinado e entregue à Exequente (na pessoa do seu mandatário), por forma a obstar ao pagamento dos mesmos)
Ora
8ª) Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 29º da Lei Uniforme do Cheque (doravante LUCH), os cheques devem ser apresentados a pagamento no prazo de oito dias a contar da data no mesmo aposta como data de emissão – prazo este que funciona assim como prazo-limite ou o prazo máximo para a apresentação de um cheque a pagamento, que deverá ser observado por forma a que o seu portador se possa aproveitar do direito de ação indicado no art. 40º da LUCH.
9ª) Tal não significa, porém, que o cheque não possa ser apresentado a pagamento ANTES da data no mesmo aposta como data da sua emissão, possibilidade que se encontra expressamente prevista no art. 28º da referida LUCH, norma nos termos da qual o cheque é pagável à vista, considerando-se como não escrita qualquer menção em contrário, sendo que o cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da emissão é pagável no dia da apresentação.
Constata-se assim que
10ª) De entre os 16 (dezasseis) cheques acima elencados, o primeiro foi apresentado a pagamento na sua data de emissão – 15 de julho de 2008 - e os demais ANTES da respetiva data de emissão (de igual modo 15 de julho de 2008).
Acresce que
11ª) A ação executiva a que os presentes autos se encontram apensos foi proposta no dia 22 de julho de 2008 – ou seja, muito antes de decorrido o prazo de prescrição previsto no art. 52º da LUCH.
12ª) Termos em que estes 16 (dezasseis) cheques, por observarem todos os requisitos da citada LUCH – cfr., designadamente, o disposto nos arts 1º, 28º, 29º e 40º desse diploma legal - não podem deixar de ser tidos como títulos de crédito, títulos executivos cambiários.
13ª) Como títulos de crédito que são não lhes são oponíveis quais exceções extracartulares decorrentes do negócio fundamental, não podendo contra os mesmos ser invocados quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cartular que não constem do próprio texto do documento (cfr. art. 22º da LUCH).
14ª) Decidindo de forma diferente – atente-se a que, na mesma, estas questões não são sequer abordadas – violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts. 1º, 12º 22º, 28º, 29º e 40º da LUCH
15ª) Termos em que, quanto aos 16 (dezasseis) cheques acima elencados, com datas de emissão compreendidas entre 15/07/2008 e 15/10/2009, apresentados a pagamento no dia 15/07/2008 e não pagos por, alegadamente, terem sido extraviados, no valor global de 52.720,00 € (cinquenta e dois mil, setecentos e vinte euros), deverá a execução prosseguir, com vista à cobrança coerciva dos mesmos.
16ª) Ao julgar procedente a oposição e, em consequência, extinta a execução, violou a decisão recorrida, designadamente, o disposto nos arts. 1º, 12º, 22º, 28º, 29º, 40º e 52º da Lei Uniforme do Cheque.
Por outro lado
17ª) Quando o título cambiário não reúna os requisitos previstos na lei, o seu portador não pode acionar o sacador com base na mera relação cambiária, devendo invocar a relação jurídica subjacente à sua emissão.
18ª) É o caso dos primeiros 11 (onze) cheques dados à execução, apresentados a pagamento no dia 9 de julho de 2008.
Com efeito
19ª) Estes primeiros 11 (onze) cheques, com datas de emissão compreendida entre 15/08/2007 e 15/06/2008, apresentados a pagamento em 9 de julho de 2008, encontram-se privados da sua eficácia cambiária.
20ª) Porém, são de igual modo válidos como títulos executivos, uma vez que os factos constitutivos da relação subjacente se encontram suficientemente alegados no requerimento executivo em conjugação com o documento junto com o mesmo – cujo se teor se dá por reproduzido – denominado de DECLARAÇÃO DE DÍVIDA.
Na verdade
21ª) Considera-se satisfeito o ónus de alegação dos factos constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título da qual emerge o direito de crédito que o exequente pretende satisfazer – in casu, um empréstimo, um mútuo – quando tal alegação se encontra formulada de modo a permitir ao executado que se desincumba do ónus probatório que sobre ele recai – o que é, manifestamente, o caso dos autos, atento o teor da oposição – que aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
22ª) Aqueles 11 (onze) cheques, ainda que privados da sua eficácia cambiária, valem como reconhecimento unilateral de uma dívida ou promessa de prestação,
23ª) Caso em que, por aplicação do disposto no art. 458º, nº 1 do Código Civil, se presume a existência da relação fundamental, com a consequente dispensa por banda do credor/exequente do ónus da respetiva prova.
Assim
24ª) Atento o disposto nesta norma legal, caberia ao executado o ónus da prova da inexistência da referida relação causal,
25ª) Ónus que o Tribunal a quo considera satisfeito, atento quando dá por provado nos pontos 6), 13), 14), 15), 16), 17) e 18) da matéria de facto provada, dando desta forma cobertura à tese – peregrina – do executado, vertida para a sua oposição.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÈRIA DE FACTO
26ª) Com esta decisão sobre a matéria de facto não se conforma a Exequente, mormente sobre a decisão que recaiu sobre os pontos 6), 13) e 14),
27ª) Os quais foram (encontram-se) – aliás manifestamente – INCORRECTAMENTE JULGADOS, devendo tal factualidade, ao contrário, ter-se por NÃO PROVADA,
28ª) Impondo decisão oposta as regras da experiência comum conjugadas com os documentos juntos aos autos, designadamente os docs. nº 9, nº 31 e nº 33 da contestação, o doc. nº 1 da oposição e o doc. nº 1 da resposta, com as declarações das testemunhas RL… e AP… – mormente os trechos dos seus depoimentos prestados em audiência de julgamento do dia 19 de fevereiro de 2019, gravados no sistema em utilização nos tribunais que acima se transcrevem e aqui se dão por reproduzidos –, com o documento de fls. 154 (a dita simulação de crédito), com a factualidade provada no ponto 16) da decisão recorrida e com as aludidas regras de distribuição do ónus da prova.
29ª) Decidindo em sentido contrário violou a douta decisão recorrida as referidas regras de distribuição do ónus da prova, mormente as decorrentes do art. 458º, nº 1 do Código Civil.
Na realidade
30ª) O Tribunal a quo dá esta factualidade por provada com fundamento na certidão da sentença proferida no processo comum singular nº …/…TDLSB, nomeadamente dos factos na mesma provados 26) a 28) e 67), conjugados com o documento de fls. 154 – “simulação de crédito à habitação “do Montepio Geral.
Sucede que
31ª) Nos termos e ao abrigo do disposto no atual art. 623º do CPC – anterior art. 674º-A do mesmo diploma legal – “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração “(sublinhados e negritos nossos).
Ora
32ª) Não só na presente ação não se discute qualquer relação jurídica dependente da prática da infração,
33ª) Como, analisada a sentença condenatória cuja certidão se encontra junta a fls. dos autos, constata-se que os factos ali provados sob 26), 27), 28) e 67) são meramente instrumentais, não integrando os pressupostos da punição, os elementos objetivos ou subjetivos do tipo de crime ou quaisquer elementos respeitantes às formas do crime.
34ª) Termos em que aquela condenação não constitui presunção oponível a terceiros – no caso, à Exequente.
35ª) Decidindo de forma diversa violou a douta sentença recorrida o disposto no atual art. 623º (anterior art. 674º-A) do Código de Processo Civil.
36ª) Termos em que, nem por si só, nem conjugada com o documento de fls. 154 – documento de 22 de outubro de 2007, posterior, portanto, à emissão e entrega dos cheques dados à execução - tem aquela sentença a virtualidade de demonstrar a factualidade que o Tribunal a quo dá por provada nos pontos 6), 13) e 14) da sentença recorrida, ilidindo a presunção de causa consagrada no art. 458º, nº 1 do Código Civil de que beneficiam os 11 (onze) primeiros cheques dados à execução.
Sem conceder
37ª) Ainda que se considerasse validamente oponível à Exequente a sentença crime junta aos autos, a presunção da mesma decorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 623º do CPC apenas anularia a presunção decorrente do disposto no art. 458º, nº 1 do Código Civil.
38ª) Neste caso, aplicar-se-iam as regras gerais de repartição do ónus da prova, cabendo ao Executado/Oponente, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 342º, nº 1 do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito por si alegado, por outros meios que não aquela certidão – no que não teve sucesso.
39ª) Ao decidir de forma diferente violou a douta decisão recorrida o disposto no art. 342º, nº 1 do Código Civil.
40ª) Considerações em tudo semelhantes valem, aliás, para o documento denominado como “Declaração de Dívida “, junto pela Exequente com o seu requerimento executivo, valendo também ela como título executivo e, consequentemente, para a factualidade constante do ponto 7) da matéria de facto, também ela incorretamente julgada.
De facto
41ª) Inequivocamente, esta declaração configura um reconhecimento de uma dívida, tal como o define o art. 458º do Código Civil.
Sucede que
42ª) No ponto 2) dos factos provados dá o Tribunal a quo (apenas) por provado que: “Consta desse documento uma assinatura em nome do executado CJ… - cfr. o mesmo documento “
43ª) Já no ponto 7) dá por provado que: “O executado não outorgou o documento «declaração de dívida» acima descrito “
44ª) Com esta decisão sobre a matéria de facto não se conforma a Exequente, ora Recorrente, aqui a impugnando.
Com efeito
45ª) Salvo o devido respeito por melhor entendimento, na sua Oposição o Executado não impugna a veracidade da sua assinatura, mas sim a do documento na qual a mesma se encontra aposta, alegando ter sido o mesmo forjado pela representante da Exequente – o que não logrou provar.
Na verdade
46º) A impugnação de uma assinatura não se confunde com a arguição da falsidade de um documento, sendo diferentes as regras de repartição do ónus da prova decorrentes de uma e de outra.
47ª) Caso o Executado tivesse impugnado a sua assinatura, aposta na referida declaração, aí, em obediência ao disposto no art. 374º, nº 2 do Código Civil, incumbiria à Exequente a prova da sua veracidade.
48ª) Como o Executado arguiu a falsidade do documento particular na qual a mesma se encontrava aposta, alegando ter sido o mesmo forjado pela representante da Exequente, não opera neste caso qualquer inversão do ónus da prova, aplicando-se sim o disposto no art. 376º, nº 1 do Código Civil, nos termos do qual a prova da falsidade de um documento incumbe a quem a arguiu.
49ª) Decidindo em sentido contrário, violou a decisão recorrida o disposto nos arts. 374º, nº 1 e 2 e 376º, nº 1 e 342º, nº 1 do Código Civil.
50ª) Termos em que, por aplicação das regras de repartição do ónus da prova das citadas normas legais deverá a factualidade constante no ponto 7) da decisão recorrida ser dada como não provada.
DA CONDENAÇÃO COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ
51ª) Nos presentes autos foi habilitada como cessionária da pessoa coletiva Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda. e é atualmente Exequente a pessoa singular Dra. SN….
52ª) Foi (é), portanto, a Dra. SN… a condenada como litigante de má fé, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. da douta sentença recorrida, em multa no valor de 15 UC, ou seja, no valor de 1530,00 € e ainda no pagamento de uma indemnização a favor do executado no valor de 2500,00 €.
53ª) Pressuposto e fundamento desta condenação foi a consideração pelo Tribunal quo da (suposta) atuação desta – Dra. SN… – como dolosa, por em causa estarem factos de natureza pessoal, que a mesma não podia ignorar, não admitindo aquele tribunal uma mera atuação negligente por parte da mesma “face ao valor elevado da dívida e ao carácter elaborado dos documentos utilizados “.
Acontece que
54ª) A ora Exequente é médica-dentista.
55ª) Foi, durante um certo período, gerente da sociedade Exequente originária – o Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda. -, mas logo deixou nas mãos do então seu marido, Dr. FA…, advogado de profissão, primeiro, a gestão de facto da mesma, segundo, também a gestão de direito.
56ª) Tal resulta inequívoco não só da certidão permanente desta sociedade
comercial, junta aos autos a fls.,
57ª) Como do teor das declarações da própria, prestadas em audiência de julgamento do dia 9 de maio de 2019 e que se encontram gravadas no sistema de gravações em utilização nos tribunais, as quais a que se dão por reproduzidas – designadamente as partes efetivamente reproduzidas supra, destacadas a amarelo, e de entre estas as prestadas aos minutos 00:18:56, 00:41:41 a 00:42:55 e de 00:42:55 -, para todos os efeitos legais.
58ª) Destas declarações resulta à evidência que a negociação do empréstimo
a que se alude nos autos, tal como a sua formalização e ainda o acordo quanto à forma de pagamento do mesmo foram feitos não diretamente entre a Exequente e o Executado/Oponente, mas sim entre o Dr. FA… e o Executado/Oponente,
59ª) Não se vislumbrando, pois, que factos de natureza pessoal não podia a Exequente ignorar, por forma a poder qualificar-se a sua atuação no âmbito deste processo de dolosa, e, como tal, justificativa da sua condenação como litigante de má fé, em multa e em indemnização.
Aliás
60ª) A inexistência de qualquer participação direta/pessoal da Exequente
nos factos em discussão na presente ação resulta, desde logo, de quanto o Tribunal a quo dá por provado, nos pontos 9), 10), 11), 12), 13), 14) e 15) da decisão recorrida, que aqui se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais.
61ª) Ao condenar a Exequente, Dra. SN…, como litigante
de má fé, no pagamento de uma multa no valor de 15 UC e ainda no pagamento ao executado de uma indemnização no valor de 2.500,00 € violou a douta decisão recorrida o disposto no art. 456º, nº 1 e nº 2, alíneas a), b) e d) do CPC.
O executado contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da exequente.
Colhidos os vistos[3], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[4]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por SN…, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Reapreciação da matéria de facto quanto aos factos provados nºs 1, 6, 13 e 14.
2.) Documento denominado ”declaração de dívida” e cheques como títulos executivos.
3.) Condenação da apelante como litigante de má-fé.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA      
1.) A exequente instaurou a execução contra o executado, apresentando com o requerimento executivo um documento, denominado “Declaração de Dívida”, datado de 15/07/2007, com o seguinte teor: «Dr. CJ… (…) declara ser devedor à sociedade comercial Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda. (…), o montante que se propõe pagar e amortizar no prazo de 3 anos, e nas seguintes condições: «Entrega nesta data à sociedade credora 36 cheques, por si devidamente preenchidos e assinados, no montante de € 3295,00 cada um, com vencimentos para os dias 15 de cada mês, vencendo-se o primeiro em 15 de agosto de 2007 e o último em 15 de agosto de 2010, o qual, após boa cobrança, fará quitação total da dívida (…)» - cfr. documento copiado a fls. 16 da execução, que se reproduz.
2.) Consta desse documento uma assinatura em nome do executado CJ… – cfr. o mesmo documento.
3.) A exequente apresentou também com o requerimento executivo os seguintes
cheques, cujos originais, a fls. 248 a 256, se reproduzem:
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/08/2007 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/09/2007 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/10/2007 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/11/2007 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/12/2007 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3.295,00, com a data de 15/01/2008 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/02/2008 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/03/2008 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/04/2008 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/05/2008 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/06/2008 – apresentado em
09/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/07/2008 – apresentado em
15/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/08/2008 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/09/2008 – apresentado em 15/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/10/2008 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/11/2008 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/12/2008 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/01/2009 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº …. de € 3295,00, com a data de 15/02/2009 – apresentado em
15/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/03/2009 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/04/2009 – apresentado em
15/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/05/2009 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/06/2009 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/07/2009 – apresentado em
15/07/2008;
–  Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/08/2009 – apresentado em
15/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/09/2009 – apresentado em
15/07/2008;
– Cheque nº … de € 3295,00, com a data de 15/10/2009 – apresentado em
15/07/2008.
4.) Os referidos cheques foram devolvidos com a seguinte menção no verso: «cheque
revogado por justa causa – extravio».
5.) A exequente apresentou também com o requerimento executivo os seguintes
cheques, que se reproduzem, de € 3295,00 cada um, os quais não foram apresentados a
pagamento (cfr. fls. 257):
– Cheque n.º …, com a data de 15/11/2009;
– Cheque n.º …, com a data de 15/12/2009;
– Cheque n.º …, com a data de 15/01/2010;
– Cheque n.º …, com a data de 15/02/2010;
– Cheque n.º …, com a data de 15/03/2010;
– Cheque n.º …, com a data de 15/04/2010;
– Cheque n.º …, com a data de 15/05/2010;
– Cheque n.º …, com a data de 15/06/2010.
6.) A sociedade Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., em momento
algum emprestou dinheiro ao executado.
7.) O executado não outorgou o documento “declaração de dívida” acima descrito.
8.) A Dra. SN…, sócia-gerente do Centro Clínico Dra. Sandrina
Niza Ferreira, Lda., foi colega de curso do executado e vivia maritalmente com o Dr. FA…, advogado.
9.) O Dr. FA… prestou serviços ao executado, como advogado.
10.) O executado reunia com o Dr. FA… na habitação deste
último, em Belas, após as 22,00 horas.
11.) Em abril de 2007, o executado manifestou ao Dr. FA…
que se encontrava com dificuldades financeiras.
12.) O executado havia atingido o seu limite de endividamento e o Banco não lhe concedia novo crédito, tendo que fazer face ao custo de obras que realizava em casa, a que
acresciam os juros de um empréstimo de € 40 000,00 concedido pelo Dr. FA….
13.) O Dr. FA… disponibilizou-se a negociar, em nome do
executado, um financiamento de € 100 000,00 junto do Montepio Geral.
14.) No entanto, para o empréstimo se concretizar, o executado teria que passar 36 cheques, no valor de € 3295,00 cada.
15.) O executado assinou e entregou ao Dr. FA…, 36 cheques,
no valor unitário de € 3295,00.
16.) O primeiro cheque, com o n.º … e data de 30/07/2007, cuja cópia a
fls. 155 se dá por reproduzida, foi apresentado a pagamento em 03/08/2007 e pago.
17.) Os restantes cheques são os acima descritos em 3) e 5).
18.) O suposto empréstimo do Montepio Geral nunca se concretizou.
19.) Por auto de 04/02/2009, a fls. 104 a 106 da execução, foram penhoradas ao executado as frações autónomas, designadas pelas letras “B”, “C” e “D” do prédio sito na Rua …, n.º … a …, em Lisboa, bem como os direitos e quota social aí descritos.
20.) Sobre tais frações recaem as seguintes hipotecas, a favor do Banco Santander
Totta, S.A. (cfr. certidões de fls. 87 a 103):
– Fração B: hipoteca registada pela Ap. 6 de 2005/05/24, até ao montante máximo de € 280.678,75; Ap. 7 de 2005/05/24, até ao montante máximo de € 102.750,00; Ap. 22 de 2008/07/01, até ao montante máximo de € 92.270,00;
–  Fração C: hipoteca registada pela Ap. 60 de 2003/12/22, até ao montante máximo de € 167.140,00; Ap. 6 de 2005/05/24, até ao montante máximo de € 280.678,75; Ap. 7 de 2005/05/24, até ao montante máximo de € 102.750,00; Ap. 22 de 2008/07/01, até ao montante máximo de € 92.270,00; – Fração D: hipoteca registada pela Ap. 46 de 2003/12/22, até ao montante máximo de € 49.332,20; Ap. 60 de 2003/12/22, até ao montante máximo de € 167.140,00; Ap. 6 de 2005/05/24, até ao montante máximo de € 280.678,75; Ap. 7 de 2005/05/24, até ao montante máximo de € 102.750,00; Ap. 22 de 2008/07/01, até ao montante máximo de €
92 270,00.
 21.) O executado celebrou com o Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira o “contrato de cessão de exploração de clínica médica dentária” copiado a fls. 48 a 53, que se dá por reproduzido.
22.) A exequente enviou ao executado, em 10/07/2008, a carta copiada a fls. 82, que se reproduz, solicitando uma resposta, sob pena de considerar que este havia procedido à rescisão do sobredito “contrato de cessão de exploração de clínica médica dentária”.
23.) A exequente enviou ao executado, em 10/07/2008, a carta copiada a fls. 85, que se reproduz, exigindo o pagamento dos 11 cheques (de 2007/08/15 a 2008/06/15), que nessa data haviam sido devolvidos, até 15/07/2007, sob pena de proceder à cobrança de todos os restantes cheques, com exceção de oito deles que haviam sido anulados.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1.) Em 15/07/2007, o executado recorreu à Dra. SF…, que acedeu
financiá-lo, através da saída legal de fundos da sociedade “Centro Clínico”, (em material e dinheiro), para equipar uma sua nova clínica dentária em Alfama, situada por cima da sua residência na Rua …, n.º …/…, R/C, em Lisboa, tendo entregue como contrapartida e para o correspondente pagamento a “declaração de dívida” e os cheques apresentados com o requerimento executivo;
2.) Tais cheques – a que acresce o primeiro, datado de 30/07/2007 – destinavam-se à liquidação da dívida de € 100 000,00, no prazo acordado de três anos;
3.) Os constantes dos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º da contestação;
4.) A exequente pagou o preço de € 25 000,00 previsto na cláusula 7.ª do contrato “contrato de cessão de exploração de clínica médica dentária” acima referido, na forma acordada por ambos, através da anulação dos oito cheques mencionados em 5).
2.2. O DIREITO
Importa, pois, conhecer do objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso.           
1.) REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO AOS FACTOS PROVADOS N.ºs 1, 6, 13 E 14.
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art. 662º, nº 1, do CPCivil.
A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação, tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada. Com efeito, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, na 1ª e na 2ª instância. Não basta, pois, que não se concorde com a decisão dada, pois é necessária a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos.
Para que possa ser atendido neste tribunal a divergência quanto ao decidido em 1ª instância na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo apelante, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo, e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre.
Na realidade, tem que se ter presente, que no âmbito do julgamento em processo civil rege o princípio da livre apreciação das provas, sem prejuízo da observância de formalidade especial para a existência ou prova de um determinado facto, pese embora seja exigível que o julgador decida segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas - art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), do CPCivil.
A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso[5].
Ele tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[6].
A apelante nas suas alegações ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu os ónus de especificação/identificação a que se referem os nºs 1 e 2, do art. 640º, do CPCivil, e que correspondem aos factos provados nºs 6, 7, 13, e 14, que pretende que sejam considerados não provados.
Factos provados nºs 6, 13 e 14
A apelante entende que “a decisão que recaiu sobre os pontos 6), 13) e 14), foram incorretamente julgados, devendo tal factualidade, ao contrário, ter-se por não provada, pois o tribunal a quo dá esta factualidade por provada com fundamento na certidão da sentença proferida no processo comum singular nº …/…TDLSB, nomeadamente dos factos na mesma provados 26) a 28) e 67), conjugados com o documento de fls. 154 – “simulação de crédito à habitação “do Montepio Geral”.
Alega ainda que “nos termos e ao abrigo do disposto no atual art. 623º do CPC – anterior art. 674º-A do mesmo diploma legal – “ a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas  dependentes da prática da infração “ ( sublinhados e negritos nossos ). Ora, não só na presente ação não se discute qualquer relação jurídica dependente da prática da infração, como, analisada a sentença condenatória, constata-se que os factos ali provados sob 26), 27), 28) e 67) são meramente instrumentais, não integrando os pressupostos da punição, os elementos objetivos ou subjetivos do tipo de crime ou quaisquer elementos respeitantes às formas do crime. Termos em que aquela condenação não constitui presunção oponível a terceiros – no caso, à Exequente”.
Vejamos a questão.
Em relação a tais factos o tribunal a quo deu como provado que “A sociedade Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., em momento algum emprestou dinheiro ao executado (- facto provado nº 6); O Dr. FA… disponibilizou-se a negociar, em nome do executado, um financiamento de € 100 000,00 junto do Montepio Geral (- facto provado nº 13); No entanto, para o empréstimo se concretizar, o executado teria que passar 36 cheques, no valor de € 3.295,00 cada” (-facto provado nº 14)”.
Quanto ao facto 6, o tribunal a quo fundamentou a sua resposta “em primeiro lugar, na certidão da sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º …/…TDLSB do Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz …), a fls. 334 e seguintes dos autos, a qual reflete alguns factos comuns aos da presente execução e oposição. Deste modo, atendendo à identidade dos factos, extraiu-se uma presunção ilidível, mediante prova em contrário, nos termos do art. 674.º-B do CPC, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06 (atual art. 623.º), nomeadamente dos pontos 25) a 28), e 67) dos factos provados na referida sentença. Resultando destes factos a presunção de que não existiu qualquer empréstimo do Centro Clínico Dra. Sandra Niza Ferreira, Lda., ao executado, subjacente à emissão dos cheques, poderia a exequente ter produzido prova, tendente a elidir a presunção. No entanto, a exequente não fez qualquer prova. Desde logo, estranham-se os termos da “declaração de dívida”, que não identifica a origem, nem o montante da dívida, limitando-se a remeter para um conjunto de cheques, o que não se coaduna, de acordo com as regras de experiência comum, com uma dívida de montante superior a € 100 000,00. Por outro lado, a exequente não apresentou qualquer prova documental da disponibilização deste montante ao executado, sendo altamente inverosímil o depoimento, nesta parte prestado pela exequente, segundo o qual teria sido feita a entrega em dinheiro, pois não é normal a movimentação de quantias em numerário desta dimensão, para mais tratando-se de fundos de uma sociedade comercial e sem qualquer outro suporte documental. Acresce que a exequente nunca apresentou qualquer documentação da contabilidade do Centro Clínico Dra. Sandra Niza Ferreira, Lda., que reflita a realização do empréstimo e a sua justificação, que é estranha ao objeto da sociedade (prestação de serviços médicos e dentários – cfr. certidão do registo comercial de fls. 327 e seguintes). No seu depoimento, a exequente também aludiu à cedência de equipamento para uma clínica do executado, mas também aqui de forma absolutamente vaga, sendo altamente inverosímil a referida cedência sem qualquer documentação de suporte, atentos os montantes envolvidos. Acresce que não resulta de qualquer outro elemento de prova qualquer necessidade do executado de empréstimo de material para equipar as suas clínicas, tendo a testemunha RL…, amigo do executado de longa data, afirmado que, em 2007, a clínica da Rua … já estava montada, tal como uma outra, que funcionava normalmente”.
Quanto aos factos 13 e 14 (bem como quanto aos factos 17 e 18), o tribunal a quo fundamentou as suas respostas “do que resulta da certidão da sentença do processo …/…TDLSB, mais concretamente os pontos 26) a 28) e 67) dos factos provados, conjugados com o documento de fls. 154 – “simulação de crédito à habitação” do Montepio Geral. O Tribunal teve em atenção o quadro geral da relação estabelecida entre o executado e o Dr. FA…, que é descrito na sentença do processo n.º …/…TDLSB. Também a testemunha RL… descreveu que o executado manifestava temor do Dr. FA…, que exercia um forte ascendente sobre ele, que era percetível no seu círculo de amigos. Assim se pode explicar a emissão dos 36 cheques, sem qualquer empréstimo ter sido concedido pelo Montepio Geral”.
A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração – art. 623º, do NCPCivil (correspondendo ao anterior art. 674º-A, do CPCivil).
A sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração[7].
Não se trata aqui, diretamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes[8].
O que está em causa na norma não é a eficácia do caso julgado penal, mas a definição da eficácia probatória da própria sentença penal condenatória transitada em julgado, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como provados no processo penal, com recurso ao estabelecimento de uma presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, invocável em relação a terceiros, em ação de natureza cível em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração.
Trata-se de uma situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos “presumidos”, mas sim uma “confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal[9].
Fixada em processo-crime, de natureza publicista, a verdade dos factos, a eficácia dessa averiguação em relação a qualquer outro procedimento em que esses factos se controvertam não depende da identidade das partes, mas sim, e apenas, da identidade dos factos. A definição da eficácia probatória extraprocessual legal da sentença penal condenatória ou absolutória transitada em julgado é atualmente feita pelo estabelecimento duma presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado, ou, simetricamente, em caso de absolvição, da inexistência dos factos imputados ao arguido. Essa presunção é invocável em relação a terceiros, isto é, em relação aos sujeitos de ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionadas com a prática da infração que não tenham intervindo no processo penal[10].
Assim sendo, a presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado, é invocável em relação a terceiros, isto é, em relação aos sujeitos de ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração e que não tenham intervindo no processo penal.
No caso, a presunção existe, pois neste processo discutem-se factos relacionados com a prática da infração, já apreciados e dados como provados na decisão definitiva proferida no processo penal, podendo assim, tal presunção ilidível ser invocável em relação a terceiros.
Ficou provado no processo crime que “No dia 25.07.2007 o arguido FS…, à data mandatário do assistente CV… e a pedido deste, entregou-lhe mais € 25 000 (vinte e cinco mil euros), e que se viria a transformar num novo mútuo, através do cheque n.° … (ponto 25); Este valor seria emprestado pelo arguido FS… ao assistente por conta de um mútuo que aquele iria negociar em nome deste junto do Montepio Geral, mas que nunca se veio a concretizar (ponto 26);  Todavia, o arguido FS… exigiu ao assistente, nessa ocasião, a emissão de um conjunto de 36 cheques no valor unitário de 3.295 €, que serviriam de garantia para a concessão desse mútuo por parte do Montepio Geral; Cheques que o assistente de facto emitiu e que o arguido FS… reteve em seu poder e nunca devolveu àquele (ponto 27).
Mais ficou provado que “No dia 22-07-2008 o arguido FS… instaurou acção executiva contra o assistente, à qual foi atribuído o n.° …/…YYLSB e distribuída pelo …° Juízo — ….ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa, em que é exequente o Centro Clinico Dra. Sandrina Niza Ferreira, sendo a quantia exequenda de 92 013 € e onde são apresentados como títulos executivos uma declaração de dívida subscrita pelo assistente ao exequente e datada de 15-07-2007 e ainda os cheques descritos no ponto 27, considerando oito deles anulados por conta do pagamento do preço de um contrato de cessão de exploração celebrado entre a exequente e o assistente em 02-06-2008 (ponto 67).
Como bem entendeu o tribunal a quo, dos pontos 25) a 28), e 67), dos factos provados da sentença penal resulta a presunção de que não existiu qualquer empréstimo do Centro Clínico Dra. Sandra Niza Ferreira, Lda., ao executado, ora apelado, subjacente à emissão dos cheques.
Aliás, da fundamentação da matéria de facto provada da sentença crime resulta que “Neste quadro, não restaram quaisquer dúvidas ao Tribunal de que a elaboração da confissão de dívida obedeceu ao exclusivo propósito de camuflar os juros cobrados, fazendo-os passar por capital mutuado, ao mesmo tempo que, dessa forma, se alcançava a formação de um título executivo, sendo certo que o mesmo raciocínio vale para a letra de câmbio em branco e respetivo pacto de preenchimento. E também não restaram quaisquer dúvidas de que todos os pagamentos efetuados pelo assistente e supra descritos, quer pelos intervalos temporais, quer pelos valores que assumiram, tinham a natureza de remuneração do capital mutuado, fosse sob o título próprio de juro, fosse sob o título de imposto de selo sobre o capital em dívida. Isto porque, em momento algum, o arguido os levou em consideração no cálculo do capital em dívida; nunca foram contabilizados como amortização de capital ou do que quer que fosse. O que se reflete no teor da declaração de dívida e, subsequentemente, na ação executiva que a tem como um dos títulos, onde o arguido, na posição de exequente, nada refere sobre pagamentos efetuados pelo assistente por conta desses mútuos”.
Poderia pois, a apelante ter produzido prova tendente a elidir tal presunção, não o tendo feito, pois do depoimento das testemunhas, RS… (a testemunha nada referiu que possa infirmar os factos dados por provados pelo tribunal a quo, pese embora resultar do seu depoimento, que o apelado era um empresário que explorava duas clinicas dentárias, e se proprietário de alguns imóveis), e AF… (limitou-se a dar uma opinião pessoal, mas sem conhecimento direto dos factos, o que torna tal depoimento irrelevante para saber que tipo de garantias os bancos exigem para conceder um empréstimo), nem dos documentos de fls. 13, 62, 86, e 106, se pode extrair a conclusão que pretende, isto é, que existiu um empréstimo do exequente ao executado/apelado.
Também entendeu o tribunal a quo, que dos pontos 26) a 28) e 67), dos factos provados da sentença penal se extrai a presunção que ”O Dr. FA… se disponibilizou a negociar, em nome do executado, um financiamento de € 100 000,00 junto do Montepio Geral”.
Poderia, pois, a apelante ter produzido prova tendente a elidir tal presunção, o que não foi feito, pois o documento de fls. 154 (resposta do Montepio a pedido de simulação de crédito à habitação), não tem, por um lado, a virtualidade de a ilidir, e por outro, sendo a fundamentação conjunta, o documento reporta-se a outro facto provado, no caso, o nº 18 (para fundamentar que houve um pedido de empréstimo bancário, que conjugado com a restante prova, não se concretizou tal empréstimo), que não só os nºs 13 e 14.
Mas mesmo que se entenda, como a apelante, que o documento de fls. 154, não tem a virtualidade de provar tais factos, também não tem a virtualidade de os dar como não provados (podendo-se, nesta ótica, considerar como irrelevante para prova dos factos).
A apelante alega ainda que “se considerasse validamente oponível a sentença crime, a presunção da mesma decorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 623º do CPC apenas anularia a presunção decorrente do disposto no art. 458º, nº 1 do Código Civil, e neste caso, aplicar-se-iam as regras gerais de repartição do ónus da prova, cabendo ao apelado, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 342º, nº 1 do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito por si alegado, por outros meios que não aquela certidão – no que não teve sucesso”.
Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário – art. 458º, nº 1, do CCivil.
A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental – art. 458º, nº 2, do CCivil.
O nº 2 exige que estas declarações revistam, pelo menos, forma documental. Caso a dívida/crédito resultem de fonte (em especial contratual) para a qual a lei imponha forma mais exigente, essa tem de ser a forma delas para que se verifique o efeito de inversão do ónus da prova que aqui se prevê[11].
Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 20 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2000 se o for por documento assinado pelo mutuário – art. 1143º, do CCivil (redação do DL 263-A/2007, de 23-07, em vigor à data da emissão dos cheques).
Assim, o documento denominado “confissão de dívida”, por um lado, porque além de não se mostrar assinado pelo apelado, e por outro, porque a relação fundamental respeita a um contrato de mútuo de valor superior a € 25 000, só seria apta a gerar a presunção de existência da dívida se constasse de escritura pública.
Não constando de escritura pública o documento denominado “confissão de dívida”, por falta de forma legal, não se inverteria o ónus da prova quanto à prova da relação fundamental, que continuaria a caber ao apelante.
Acresce dizer, que podendo o apelado socorrer-se da presunção legal decorrente do art. 623º, do CPCivil, como se socorreu, não lhe competiria fazer a prova dos factos por outros meios que não por aquela certidão, pois só o teria que fazer, se o entendesse, caso a mesma fosse ilidida.
Assim sendo, quanto às respostas dadas aos factos provados nºs 6, 13 e 14, porque as testemunhas indicadas pela apelante nada disseram que possam alterar as respostas dadas, bem como os indicados documentos, por não haver outros elementos de prova que infirmem tais respostas, não há erro de julgamento, não havendo por isso, nesta parte, que alterar as respostas dadas pelo tribunal recorrido.
Facto provado nº 7
A apelante entende que “o executado em parte alguma da sua oposição impugna a assinatura aposta no documento denominado “Declaração de Divida”, pelo que, não havendo qualquer inversão do ónus da prova, a prova da falsidade do documento incumbia ao mesmo”.
Vejamos a questão.
Em relação ao facto provado nº 7, o tribunal a quo deu como provado que ” O executado não outorgou o documento “declaração de dívida” acima descrito”.
Para tal fundamentou a sua resposta que por se “trata de
um documento impugnado pelo executado, pelo que caberia à exequente a prova da sua genuinidade, nomeadamente no que se refere à assinatura do executado. Pese embora a prova pericial (requerida apenas pelo opoente) tenha ficado prejudicada, por não estar junto aos autos o original da “declaração de dívida”, a exequente não requereu, nem produziu qualquer elemento de prova, como o depoimento de parte do executado ou outra, pelo que se deu como provado que o executado não outorgou o mencionado documento”.
A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 381.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário – art. 444º, nº 1, do CPCivil.
A autoria do documento, isto é, a sua feitura pela pessoa a quem o apresentante o atribua, ou a sua exatidão, isto é, a correspondência da representação nele contida à realidade representada, fica assente: se a parte contrária expressamente reconhecer ou não impugnar a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de documento particular assinado, bem como se declarar que não sabe se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas (art. 374.º, n.º 1, do CCivil); se expressamente reconhecer ou não impugnar a letra de documento particular não assinado nem carecido de assinatura, nem as instruções dadas ao autor material, que não seja o credor, para a sua feitura, bem como se declarar que não sabe se a letra lhe pertence, apesar de lhe ser atribuída, ou se as instruções foram dadas, apesar de lhe serem imputadas (art. 374.º, n.º 1, por analogia); se expressamente reconhecer ou não impugnar a exatidão de reprodução mecânica (art. 368.º, do CCivil)[12].
A exibição dum documento particular encerra (implicitamente) a afirmação, pelo apresentante, de que o documento provém do respetivo subscritor; mas essa afirmação pode ser posta em crise pela parte contrária, seja por negação dessa autoria ou subscrição, seja pela alegação de desconhecimento sobre se a assinatura é da pessoa a quem a autoria do documento é imputada (arts. 374, nº 1, do CC e 444º, nº 1, do CPC)[13].
Os segmentos relativos à impugnação da letra ou assinatura de documentos particulares e à declaração de ignorância sobre se aquela letra e assinatura são verdadeiras estão conexionados com o prescrito no nº 2 do artigo 374º do CC, segundo o qual, se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar não saber se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte apresentante do documento a prova da sua veracidade. Não a provando, o documento não faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor; mas justifica a sua livre apreciação pelo julgador[14].
A falsidade consiste, no documento autêntico, em nele se mostrar atestado um facto que na realidade não se verificou (art. 372-2 CC), e no documento particular, em nele se mostrar exarada uma declaração que o seu autor não fez (art. 376-1 CC) [15].
Ora, o apelado alegou que “a sociedade Exequente em momento algum lhe emprestou dinheiro – fosse a que título fosse – logo não corresponde à verdade que tenha outorgado uma declaração de dívida em nome da sociedade Exequente, que o tenha feito em nome de outrem, pelo que, o requerimento dado – declaração de dívida – como causa justificativa dos cheques, foi forjado pela representante da Exequente (arts. 4º, 5º, 6º e 7º da oposição).
Alegando que não outorgou a declaração de dívida, o apelado está a impugnar que o tenha assinado, e assim a impugnar a genuinidade do documento, pelo que, competiria à apelante, apresentante do documento, estabelecer a autoria do documento.
Face ao disposto no nº 2 do art. 374º do CCivil, arguida pelo executado/embargante a falsificação da sua assinatura, incumbe ao embargado/exequente o ónus de prova de que a assinatura em causa é do próprio [16].
Tendo o apelado impugnado a genuinidade do documento apresentado pela apelante, e não tendo sido feita prova da sua veracidade, tem-se o mesmo por impugnado, não se podendo assim ter por assente a sua autoria e exatidão, e deste modo, dar o facto nº 7, como não provado por não haver inversão do ónus da prova (como entende a apelante).
Aliás, por despacho de 2012-02-07, “atenta a posição manifestada pelo opoente, foi admitido exame pericial à assinatura aposta no documento intitulado “Declaração de Dívida”, como sendo do opoente”, despacho este, que não mereceu qualquer reparo da apelante.
Assim sendo, quanto à resposta dada ao facto provado nº 7, por não haver outros elementos de prova que infirmem tal resposta, não há erro de julgamento, não havendo por isso, nesta parte, que alterar a resposta dada pelo tribunal recorrido.
Deste modo, não importa, pois, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e que ficou consagrada na decisão proferida em 1ª instância, por não se mostra verificado o condicionalismo previsto no n.º 1, do art. 662º, do CPCivil.
Destarte, improcedem as conclusões 26ª a 50ª, da apelação.
2.) DOCUMENTO DENOMINADO “DECLARAÇÃO DE DÍVIDA” E CHEQUES COMO TÍTULOS EXECUTIVOS.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva – art. 45º, do CPCivil (na redação anterior à reforma de 2013)
À execução apenas podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de factoart. 46º, nº 1, al. c), do CPCivil (na redação anterior à reforma de 2013)
É o denominado título executivo, peça necessária e suficiente à instauração da ação executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução[17].
Podemos defini-lo, na esteira de Manuel de Andrade, como o documento de ato constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo ou, então, como Mandrioli, como um ato de verificação (accertamento) contido num documento que, no seu complexo, constitui a condição necessária e suficiente para proceder à execução forçada[18].
O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade da realização coativa da correspondente prestação através de uma ação executiva[19].
Como requisito de fundo, exige-se, para que os documentos mencionados nas alíneas b) e c) constitua, título executivo, que os mesmos formalizem constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída[20].
Vejamos, pois, se o documento denominado “declaração de divida”, e os cheques serão títulos executivos bastantes para instauração da execução. 
A exequente instaurou a execução contra o executado, apresentando com o requerimento executivo um documento, denominado “Declaração de Dívida”, datado de 15/07/2007, com o seguinte teor: «Dr. CJ… (…) declara ser devedor à sociedade comercial Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda. (…), o montante que se propõe pagar e amortizar no prazo de 3 anos, e nas seguintes condições: «Entrega nesta data à sociedade credora 36 cheques, por si devidamente preenchidos e assinados, no montante de € 3.295,00 cada um, com vencimentos para os dias 15 de cada mês, vencendo-se o primeiro em 15 de agosto de 2007 e o último em 15 de agosto de 2010, o qual, após boa cobrança, fará quitação total da dívida (…)» - cfr. documento copiado a fls. 16 da execução, que se reproduz – facto provado nº 1.
Como se entende na decisão proferida pelo tribunal a quo, e com o que se concorda, “o título executivo é integrado pela declaração de dívida e pelo conjunto dos cheques nela mencionados, sendo certo que só os 27 cheques descritos em 2) é que englobam quantia exequenda em € 88.965,00. Dos restantes nove cheques a que alude a “declaração de dívida”, o primeiro (com o com o n.º … e data de 30/07/2007) foi pago e os últimos foram juntos como anulados”.
O executado não outorgou o documento “declaração de dívida” – facto provado nº 7.
A sociedade Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., em momento algum emprestou dinheiro ao executado – facto provado nº 6.
Ora, como se refere na decisão proferida pelo tribunal a quo, que subscrevemos, “o executado não outorgou o documento “declaração de dívida” acima descrito, pelo que esta não tem qualquer validade como título executivo, nem permite presumir qualquer relação fundamental, nos termos do art. 458.º, n.º 1 do Código Civil. Por outro lado, o executado alegou a inexistência de qualquer dívida para com o Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira. Ficou provado que a sociedade cessionária do crédito exequendo, Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., em momento algum emprestou dinheiro ao executado, tendo os cheques sido emitidos pelo executado a pedido do Dr. FA…, em garantia de um suposto financiamento que este se dispunha a negociar junto do Montepio Geral, o qual nunca se concretizou. Importa, pois, concluir que a execução carece de qualquer fundamento substantivo, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, a oposição deve ser julgada procedente, extinguindo-se a execução”.
Assim, por um lado, porque o apelado não assinou o documento denominado “Declaração de Dívida”, e por outro, porque o alegado empréstimo concedido pela sociedade comercial, Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., nunca ocorreu, não há nenhuma obrigação subjacente, pelo que, o mesmo não pode servir como título executivo à execução.
Quanto aos cheques, a apelante alega que “os 16 (dezasseis) cheques, por observarem todos os requisitos da citada LUCH, não podem deixar de ser tidos como títulos de crédito, títulos executivos cambiários, pelo que, não lhes são oponíveis quaisquer exceções extracartulares decorrentes do negócio fundamental, não podendo contra os mesmos ser invocados quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cartular que não constem do próprio texto do documento”.
Funcionando a subscrição de um título de crédito como «datio pro solvendo», a obrigação cartular não prejudica a subsistência da relação fundamental.
Se nada determinarem, deve entender-se, na ausência de elementos em contrário, que a emissão do cheque se faz pro solvendo, pois é isto que corresponde ao equilíbrio das prestações e à vontade normal das partes[21].
A ação cambiária é a que emerge diretamente do título de crédito, em que se pede o valor do mesmo, isto é, o seu pagamento, sendo a causa de pedir, o próprio título assinado pelo réu[22].
A ação causal é a que resulta do negócio subjacente que determinou a obrigação cambiária, sendo causa de pedir os factos jurídicos concretos em que o autor se baseia para formular o pedido.
Obrigação subjacente à emissão dos cheques foi a celebração de um contrato de mútuo entre exequente e executado (Dr. CJ… (…) declara ser devedor à sociedade comercial Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda. (…), o montante que se propõe pagar e amortizar no prazo de 3 anos, e nas seguintes condições: «Entrega nesta data à sociedade credora 36 cheques, por si devidamente preenchidos e assinados, no montante de € 3295,00 cada um, com vencimentos para os dias 15 de cada mês, vencendo-se o primeiro em 15 de agosto de 2007 e o último em 15 de agosto de 2010, o qual, após boa cobrança, fará quitação total da dívida – facto provado nº 1).
E, poderão ser opostas à exequente, as exceções causais à subscrição dos cheques, isto é, que não houve qualquer contrato de mútuo?
Pensamos que sim.
As pessoas acionadas em virtude de um cheque não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedorart. 22.º, da Lei Uniforme sobre Cheques.
O cheque está no domínio das relações imediatas, quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, sacador-tomador), isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares. O cheque está no domínio das relações mediatas, quando na posse duma pessoa estranha às convenções extracartulares[23].
Temos assim, que as exceções causais que são oponíveis ao portador imediato, são inoponíveis ao portador mediato[24].
O pressuposto necessário, segundo este artigo 22º, da oponibilidade das exceções pessoais ao portador mediato não é a simples má-fé, ou seja, o conhecimento do vício anterior. Além desse conhecimento é preciso ainda que o portador tenha agido, ao adquirir o cheque, com a consciência de estar a causar um prejuízo ao devedor, o que se verifica, quando o portador tenha tido conhecimento da existência das exceções que o devedor poderia opor ao endossante dele portador[25].
Estando exequente (portador) e executado (sacador) no domínio das relações imediatas, por não serem estranhos às convenções extracartulares, poderiam ser deduzidas contra o mesmo, as exceções causais, no caso, que não foi celebrado um contrato de mútuo.
A apelante alega ainda que “os primeiros 11 (onze) cheques, com datas de emissão compreendida entre 15/08/2007 e 15/06/2008, apresentados a pagamento em 9 de julho de 2008, encontram-se privados da sua eficácia cambiária. Porém, são de igual modo válidos como títulos executivos, uma vez que os factos constitutivos da relação subjacente se encontram suficientemente alegados no requerimento executivo em conjugação com o documento junto com o mesmo”.
Encontramo-nos, pois, perante cheques prescritos que a exequente apresenta como meros quirógrafos – títulos assinados pelo devedor e que contenham o reconhecimento de uma obrigação pecuniária –, alegando que os mesmos foram emitidos para pagamento de um empréstimo da quantia de € 88 965 000,00.
Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 20 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2000 se o for por documento assinado pelo mutuário – art. 1143º, do CCivil (redação do DL 263-A/2007, de 23-07, em vigor à data da emissão dos cheques).
À data da emissão dos cheques, o mútuo de valor superior a € 20 000 só seria válido se fosse celebrado por escritura pública e o de valor superior a € 2000 se o fosse por documento assinado pelo mutuário.
A invalidade formal do negócio que levou à subscrição dos títulos não poderá deixar de afetar a eficácia de tal documento enquanto título executivo, uma vez que a obrigação que se mostra reconhecida em tal título respeita a um negócio inválido.
A invalidade formal do negócio jurídico afeta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respetivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, mas também a exequibilidade do título[26].
Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não dum negócio jurídico formal. No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento de dívida leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado[27].
Temos pois que um cheque que se encontre privado da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação tabular, e que titule um contrato de mútuo, nulo por vício de forma, não pode servir como título executivo[28].
No caso dos autos, como a relação fundamental subjacente, um contrato de mútuo superior a € 20 000, não consta de escritura pública, os cheques prescritos não constituem título executivo.
Mostrando-se, pois, a sentença sindicada corretamente estruturada quanto a tal questão (título executivo), este tribunal considera dever seguir a fundamentação deduzida pelo tribunal a quo, sem necessidade de reproduzir todos os raciocínios ou explanar mais convincentes argumentos, pelo que, nos termos do CPCivil, art. 663º, n.º 5, se remete para os fundamentos da decisão impugnada, que, no essencial, se acolhem.
Destarte, improcedem as conclusões 1ª a 25ª, da apelação.
3.) CONDENAÇÃO DA APELANTE COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ.
A apelante alega que “foi condenada como litigante de má fé, e o pressuposto e fundamento desta condenação foi a consideração pelo Tribunal quo da sua suposta atuação desta como dolosa, por em causa estarem factos de natureza pessoal, que a mesma não podia ignorar, não admitindo aquele tribunal uma mera atuação negligente pela sua parte “face ao valor elevado da dívida e ao carácter elaborado dos documentos utilizados “.
Vejamos a questão.
A apelante, SN… foi habilitada como cessionária da primitiva exequente, Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda..
O adquirente pode habilitar-se como sucessor do alienante; mas pode deixar de o fazer, continuando neste caso o transmitente a figurar como parte, posto que já não tenha interesse na ação. O transmitente passa à categoria de substituto processual do adquirente ou cessionário[29].
Chama-se habilitação à prova da aquisição, por sucessão ou transmissão da titularidade dum direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas[30].
A transmissão entre vivos não afeta em princípio o processo[31].
Este incidente (habilitação do adquirente ou cessionário) apenas visa a modificação dos sujeitos da lide, pelo que os seus efeitos são de natureza meramente processual, ou seja, não comporta a discussão e decisão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa, designadamente sobre a existência, a validade ou o âmbito de garantias de crédito[32]
Ora, como decorre da decisão proferida pelo tribunal a quo, a condenação como litigante de má-fé, refere-se aos factos alegados pela primitiva exequente no requerimento executivo (é inequívoco que a atuação da exequente, ao intentar uma execução com base em documentos que não titulavam qualquer dívida do executado para com ela – sub. nosso), e não à atuação da apelante, habilitada como cessionária.
Por isso, a condenação como litigante de má-fé, reporta-se à responsabilidade da sociedade exequente, Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., e tendo em atenção o alegado no requerimento executivo.
O que conta pois, é a atividade processual que foi exercida pela sociedade exequente, pelo que a conduta processual há de ser imputada a esta, e não à habilitada como cessionária.
Quando o tribunal a quo se refere à “atuação da exequente”, será a da primitiva exequente, Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., e que intentou a execução, e não da apelante, SN…, habilitada como cessionária.
Tendo-se habilitada como cessionária da exequente, e como a transmissão não afeta o processo, a apelante, SN…, responde por todas as incidências processuais que no mesmo tenham ocorrido, incluindo, por isso, a responsabilidade por litigância de má-fé.
Os “factos pessoais” serão os respeitantes à primitiva exequente, Centro Clínico Dra. Sandrina Niza Ferreira, Lda., e não relativos à apelante, SN….
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, praticado omissão grave do dever de cooperação, ou feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – als. a) a d), do n.º 2, do art. 456.º, do CPCivil (na redação anterior à reforma de 2013)
Não marca a lei o momento em que o pedido (indemnização por litigância de má-fé) deve ser formulado. A conclusão a tirar é que o interessado pode pedir a indemnização em qualquer altura: nos articulados, durante a fase da instrução preparatória, na audiência de discussão e julgamento, em recurso perante a Relação ou o Supremo; e pode pedi-la por qualquer forma, por meio de requerimento escrito, ou oralmente, se apresentar o pedido durante a prática de ato ou diligência de que deva lavrar-se ata ou ato[33].
A lide deixa de ser justa e legitima quando alguma das partes, deixe de agir dentro das regras da boa fé, colocando ao tribunal pretensões ou alegações de factos ou de normas jurídicas sabendo ou devendo saber que a razão não está do seu lado[34].
É corrente distinguir má fé material e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má fé[35].
A negligência grave é entendida como uma “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”[36].
Ligada ao elemento subjetivo, o legislador deixou ainda clara a desnecessidade quanto à prova da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objetivos ilegítimos (atuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade acerca do eventual desconhecimento da falta de fundamento da atuação processual ou dos meios negativos que é passível de provocar na tarefa de realização da justiça[37].
Sendo as partes normalmente representadas por técnico forense, pareceu desnecessário exigir o dolo quanto à natureza infundada da ação ou da pretensão, bastando que seja censurável o seu eventual desconhecimento, o que se compreende perfeitamente tendo em conta as habilitações exigidas para o exercício do mandato judicial[38].
Assim, como se entendeu na decisão proferida pelo tribunal a quo, que subscrevemos, “No caso dos autos, é inequívoco que a atuação da exequente, ao intentar uma execução com base em documentos que não titulavam qualquer dívida do executado para com ela consubstancia a previsão das alíneas a), b) e d) do n.º 2 do art. 456.º do CPC, sendo certo que apenas pode qualificar-se a atuação como dolosa, na medida em que estão em causa factos de natureza pessoal, que a mesma não podia ignorar. Na verdade, face ao valor elevado da dívida e ao carácter elaborado dos documentos utilizados, não se pode conceber a mera negligência quanto à suposição da existência da dívida exequenda por parte da exequente”.
O apelado entende, no entanto que “Os valores arbitrados na sentença recorrida a título de indemnização e multa não fazem justiça ao grau de culpa na produção daqueles danos que é patente no comportamento processual da exequente primitiva e da que lhe sucedeu, o que veio ser confirmado pelo próprio teor do recurso interposto pela última”.
Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir – n.º 1, do art. 456.º, do CPCivil (na redação anterior à reforma de 2013)
A indemnização pode consistir no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, e no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé – n.º 1, als. a) e b), do art. 457.º, do CPCivil (na redação anterior à reforma de 2013)
Estabelece-se no nº 1, dois tipos de indemnização, de conteúdo mais reduzido o primeiro, de conteúdo mais abrangente o segundo. No caso da alínea a), apenas são indemnizáveis os danos emergentes diretamente causados à parte contrária pela atuação de má fé. No caso da alínea b), são indemnizados todos os prejuízos que ela sofre, incluindo lucros cessantes, direta ou indireta, da atuação de má fé[39].
O tribunal a quo condenou a exequente como litigante de má-fé, “em multa que fixou em 15 UC, considerando a gravidade da conduta, traduzida no elevado valor da execução, na total falta de correspondência da dívida exequenda com a realidade e a segurança da prova dos factos que evidenciam a falta de fundamento da pretensão, a alteração da verdade dos factos e o uso manifestamente reprovável do processo com o fim de atingir um fim ilegal. Por ter sido pedida, deve igualmente ser arbitrada uma indemnização a favor do executado, tendo em vista reembolsar as despesas em que incorreu com a defesa, incluindo os honorários dos seus mandatários, afigurando-se adequado fixá-la em € 2500,00 (art. 457.º, n.º 1, al. a] do CPC)”.
Os valores fixados pelo tribunal a quo a título de multa e indemnização parecem ser os adequados à conduta como litigante de má-fé, pelo que, não há que os alterar (aliás, não tendo o apelado quantificado os prejuízos sofridos, pese embora não ser necessário que o faça, a fixação da indemnização ficou entregue ao prudente arbítrio do julgador).
Destarte, improcedem as conclusões 51ª a 61ª, da apelação.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[40].
                            
Lisboa, 2020-02-06
Nelson Borges Carneiro
Inês Moura
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Voto vencido quanto à decisão da impugnação do ponto 7 dos factos provados (I) e declaração de voto (II)
I
O executado alegou que “a sociedade exequente em momento algum lhe emprestou dinheiro – fosse a que título fosse – logo não corresponde à verdade que tenha outorgado uma declaração de dívida em nome da sociedade exequente, que o tenha feito em nome de outrem, pelo que, o requerimento dado – declaração de dívida – como causa justificativa dos cheques, foi forjado pela representante da exequente (arts. 4º, 5º, 6º e 7º da oposição").
Perante o alegado pelo executado, acima transcrito pelo acórdão, o que o executado fez foi apenas uma construção lógica: a sociedade não lhe emprestou dinheiro logo ele não outorgou o contrato. Mas isto não tem lógica nenhuma, nem representa a impugnação da assinatura da declaração de dívida.
Como a sociedade não lhe emprestou dinheiro, não se constituiu a dívida que estava supostamente na base da emissão dos cheques e da declaração da dívida, mas daqui não decorre que ele não tinha assinado o reconhecimento da dívida.
Assim, a impugnação da decisão do ponto 7 deveria proceder.
II
O ponto VI do sumário do acórdão, correspondente a grande parte da fundamentação do acórdão, vai - sem o referir e sem o afastar - contra a razão de decidir do AUJ do STJ 3/2018, DR, I SÉRIE, 35, de 19/02/2018, proc. 1181/13.9TBMCN-A.P1.S1, aplicável sem qualquer dúvida ao caso dos autos tendo em conta a data da execução (de 2008), AUJ que diz: “O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado.”
No mesmo sentido, veja-se também a posição de Lebre de Freitas, pág.90 e nota 84-A da 7ª edição da acção executiva em que acrescentou a parte a seguir sublinhada: “no plano da validade formal, é óbvio que, quando a lei substantiva exija certo tipo de documento para a sua constituição ou prova, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa […]. […] a execução [baseada numa livrança relativa a um mútuo nulo por falta de forma] não pode prosseguir, uma vez verificada a nulidade do acto constitutivo da relação fundamental, a não ser para a restituição da quantia entregue.” [com remessa ainda para outra nota, a 2 da pág. 46 em que admite, com adaptações, a aplicação do assento 4/95 do STJ às execuções, nota essa que, por sua vez, remete para esta – o sublinhado foi colocado agora).
Posto isto,
Concordo com a solução final do acórdão, mas apenas com o fundamento de que a presunção decorrente do reconhecimento da dívida foi ilidida, já que se demonstra que a exequente não fez o empréstimo que estava em causa. Não existindo tal empréstimo, que era a relação subjacente à declaração da dívida e aos cheques, não existe a obrigação exequenda, pelo que os embargos tinham de proceder.


Pedro Martins – 1º adjunto
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[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[3] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[4] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[5] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333).
[6] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Artigos 676º a 943º, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 53.
[7] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª edição, p. 763.
[8] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª edição, p. 763.
[9] MARIA JOSÉ CAPELO, citada in LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª edição, p. 763.
[10] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2013, Relator: OLIVEIRA BARROS, www.dgsi.pt/jSTJ.
[11] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, p. 626,
[12] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4ª edição, p. 266.
[13] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 275.
[14] SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 10ª edição, p. 260.
[15] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4ª edição, p. 269.
[16] SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 10ª edição, p. 260.
[17] AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., p. 27.
[18] AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., p. 27.
[19] TEIXEIRA DE SOUSA, Acão Executiva Singular, p. 63
[20] LEBRE DE FRITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª edição, pp. 93/4.
[21] OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Títulos de Crédito, volume III, p. 260.
[22] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, 3º volume, p. 67.
[23] ABEL DELGADO, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, Anotada, 5ª edição, p. 118, e FRANÇA PITÃO, Letras e Livranças, 4ª edição, p. 128.
[24] FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, volume 3º, p. 67.
[25] ABEL DELGADO, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, Anotada, 4ª edição, p. 154.
[26] TEIXEIRA DE SOUSA, A Acão Executiva Singular, p. 70.
[27] LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva À Luz do Código de Processo de 2013, 7ª edição, pp. 76/7.
[28] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 25.01.2016, Relator, SOUSA LAMEIRA, www.dgsi.pt/jtrp; Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 16.03.2016, Relatora: MARIA JOÃO AREIAS, www.dgsi.pt/jtrc, e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2007, e de 20.02.2014, Relatores: MARIO CRUZ e NUNO CAMEIRA, respetivamente, www.dgsi.pt/jSTJ.
[29] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume I, p. 604.
[30] CASTRO MENDES, Direito Processual Civil II, 1980, p. 234.
[31] CASTRO MENDES, Direito Processual Civil II, 1980, p. 256.
[32] SALVADOR DA COSTA, Incidentes da Instância, 10ª edição, p. 226.
[33] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., pág. 279.
[34] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 3.ª ed., 2.º vol., pág. 340.
[35] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 2.º vol., pág. 196.
[36] MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acão E Culpa “In Agendo”, pág. 26.
[37] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 3.ª ed., 2.º vol., pág. 341.
[38] ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 3.ª ed., 2.º vol., págs. 341/342.
[39] LEBRE DE FRITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2ª edição, p. 225.
[40] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.